João Cézar
de Castro Rocha: “Juristas evangélicos querem regular a legislação brasileira
com base na Bíblia”
Em entrevista ao programa
"Boa Noite 247", o professor João Cézar de Castro Rocha expôs
preocupações sobre a influência crescente dos juristas evangélicos no cenário
legislativo brasileiro através da Anajure (Associação Nacional de Juristas
Evangélicos). Rocha destacou que a organização tem como objetivo principal
monitorar e assegurar que a legislação brasileira não prejudique a fé
evangélica.
“Em 2012 foi criada no
Brasil a Associação Nacional de Juristas Evangélicos. Qualquer pessoa que
entrar na página da internet e procurar Anajure e se der o trabalho de ler o
que está exposto publicamente como os objetivos e a declaração de princípios da
Anajure, cai da cadeira. O terceiro objetivo da Anajure diz que eles querem
manter sob escrutínio permanente a legislação brasileira e os projetos de lei
apresentados na câmara, para terem certeza de que não há nenhum prejuízo à fé
evangélica”, afirmou Rocha.
O professor também abordou a
declaração de princípios que todos os membros da Anajure devem assinar,
ressaltando o impacto dessa declaração na conduta dos juristas evangélicos na
sociedade brasileira. “Na declaração de princípios que todo membro da Anajure
deve assinar, diz que a conduta deles na sociedade é definida pela crença no
caráter inerrante da Bíblia. Esse caráter inerrante da Bíblia remete ao
fundamentalismo no início do século 20 e à ideia de que é uma palavra
infalível, que não pode ser questionada e, portanto, não tem sentido
atualizá-la de acordo com o mundo moderno. A Bíblia guia mais a ação deles do
que qualquer espécie de preceito social.”
Além disso, Rocha fez uma
comparação preocupante com movimentos de extrema direita em outros países, como
Hungria, destacando as intenções de transformar o ordenamento jurídico
brasileiro em uma ordem teocrática. “O objetivo da extrema direita no Brasil é
fazer uma engenharia social similar à de Viktor Orban da Hungria. Aqui no
Brasil eles já não querem tanto a presidência da República em 2026, eles querem
maioria no Congresso, porque se dispuserem de maioria na Câmara e maioria no
Senado, eles podem aprovar as propostas de emenda constitucional que desejarem
e encaminhar o ordenamento jurídico brasileiro para uma ordem teocrática. Isto
é, fiel ao antigo testamento.”
Rocha também discutiu as
divisões internas no movimento MAGA (Make America Great Again) nos Estados
Unidos, mencionando figuras influentes como Steve Bannon, Elon Musk e Peter
Thiel. “O cenário mais provável com a divisão que agora vai ocorrer no MAGA, o Make
America Great Again, é entre uma pulsão de caráter populista radical, que é uma
pulsão representada pelo Steve Bannon, e um projeto de engenharia institucional
que é o projeto representado pelo Elon Musk e pelo Peter Thiel, que tem sido
pouco mencionado no Brasil, mas ele certamente desempenhará papel importante no
governo do Trump.”
O professor ressaltou a
dependência de figuras como Elon Musk do estabelecimento americano e a tensão
representada por Steve Bannon e Peter Thiel, que visam uma modificação interna
da democracia americana. “Elon Musk não existiria, ou praticamente não teria o
poder econômico que possui, sem os acordos ultra milionários que ele tem com o
Estado norte americano, com a NASA, entre outras agências do governo dos USA.
Portanto, o Elon Musk é dependente do establishment americano. Já o Steve
Bannon representa uma tensão revolucionária, um caráter revolucionário
conservador populista e politicamente sempre mais radical que o de Elon Musk, e
especialmente, o Peter Thiel, que representarão uma tendência de engenharia
institucional. O que que eu quero dizer com isso é que em lugar de uma
ideologização da política pública e de uma hiper politização de cada gesto do
governante, o Elon Musk, e sobretudo, o Peter Thiel, estarão mais preocupados
com a modificação interna da democracia americana, de modo a produzir nos
Estados Unidos algo similar ao que o primeiro-ministro da Hungria, Viktor
Orban, logrou êxito em fazer.”
A análise de Rocha aponta
para uma crescente influência de grupos religiosos na política e o risco de uma
legislação baseada em princípios religiosos, o que poderia impactar a laicidade
do Estado brasileiro e os direitos de minorias. A entrevista serve como um
alerta sobre a necessidade de vigilância e debate público sobre os rumos da
legislação no país.
¨ Religião e política: mistura sempre perigosa. Por
Peterson Almeida Barbosa
O
Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro cassou o diploma do deputado
estadual Fábio Francisco da Silva (União), basicamente por ter promovido, por
meio de programa em rádio na qual atua como apresentador, festivais gospel em
templos religiosos “assemelhados a showmícios”.
Consta
ainda que, do púlpito transformado em palanque, o parlamentar proferiu
discursos políticos e distribuiu material de campanha, entendendo a Corte, por
conseguinte, terem restados caracterizados os abusos de poder econômico e
midiático.
O
tema — abuso de poder religioso — conquanto não legislado, é, de tempos em
tempos, revisitado pela Justiça Eleitoral, como agora se sucedeu.
Sem
adentrar no mérito da decisão, mesmo porque passível de recursos, o que dos
fatos se pode extrair é quão tênue é a linha que separa os princípios de matriz
constitucional em comento, quais sejam: as liberdades de expressão, religiosa
(expressão, consciência, reunião, crença e culto) e a normalidade e
legitimidade que devem nortear os pleitos a garantir a paridade de armas entre
os players.
<><> Capilaridade
O poder religioso é
dotado de enorme capilaridade, e seus atores são, muitas das vezes, personagens
carismáticos, exercentes de forte influência, fascínio e mesmo temor
reverencial sobre os fiéis, até mesmo por sua suposta interlocução divina,
findando assim por, não raro, vincularem sua missão espiritual à política,
estreitando fronteiras e, desta forma, conquistando eleitores fiéis, os quais,
não incomumente, são pegos fragilizados, abduzidos por uma verdadeira
embriaguez litúrgica proferida por autênticos mestres da palavra, findando
ditos votantes por naqueles confiarem seus votos.
Esta nefasta influência
da religião na política, e da política da religião, é via de mão dupla que se
retroalimenta pela instrumentalização recíproca.
Apresentar-se, ou
ser apresentado à assembleia, como “candidato da igreja”, seu representante que
lá (na Assembléia Legislativa) irá defendê-la ou pedir orações e bençãos por
sua candidatura, não é incomum são, na verdade, pedidos de votos travestidos.
Por seu turno, a
legislação é clara ao não permitir a realização de propaganda política em
templos religiosos, como já ocorreu de se distribuírem santinhos (com o perdão
da antífrase).
Dito isto, não se
está a afirmar que sacerdotes e pregadores estejam impedidos de enfrentarem, em
seus sermões, homilias, preleções ou reflexões os temas que afligem a
sociedade, podendo ainda, livremente, expressarem suas opiniões e seus
conselhos a respeito daqueles assuntos, porém, é preciso que tenham o cuidado
de não transformarem seu discurso religioso em elemento propulsor de
candidaturas.
Nenhuma liberdade
está à margem da lei, nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos; o
argumento do freedom speach não ampara nem acolhe a transformação do
culto ou da missa em local de pedido de votos.
Não se pode, como
já se viu, defender a candidatura de cidadãos que consagrem valores e princípios
e expressar, contrario sensu, seu antagonismo àqueles que exprimam ideias
contrárias à sua crença; isto é fazer oposição beliscando os contornos
expressos do contencioso eleitoral proibitivo.
A mesma legislação
também é bastante clara ao não permitir que confissões religiosas patrocinem
candidaturas.
Partidos políticos
e candidatos são proibidos de receber direta ou indiretamente doação em
dinheiro ou estimável em dinheiro daquelas, sob pena de se transformarem em
“puxadinhos” de entidades religiosas, conquanto a prática demonstre a enorme
dificuldade em conter esta drenagem informal de recursos, mesmo porque, os
dízimos, em sua maioria, são ofertados em espécie, o que dificulta
o follow the money, via crucis em crimes como os de lavagem de
capitais.
Como se disse,
distante de não se permitir que candidatos possam confessar suas preferências
religiosas, ou mesmo não lhes permitir registrar-se utilizando seus nomes
religiosos; em instante algum se pode recursar a legitimidade da participação
de religiosos na cena política, o Estado não é juiz da religiosidade e da fé, e
conter abusos não é sinônimo de conter cultos, o que se busca reprimir é que as
estruturas eclesiásticas sejam utilizadas para promover o desequilíbrio do
certame, permitindo que haja uma supremacia da identidade religiosa sobre a
partidária.
A busca de votos no
segmento religioso — ou em qualquer outro — sobretudo naqueles com público
composto por vulneráveis sob os pontos de vista econômico e social, deve ser
pautada pelo pleno respeito à liberdade do eleitor, prescindindo de qualquer
elemento de constrição, ameaça ou admoestação.
Conquanto o abuso
do poder religioso não seja um ilícito em si, condutas avultadas, dotadas de
gravidade, podem configurar outras modalidades de abuso previstas na
legislação, como sói ter ocorrido no caso trazido à baila, no qual, a mim me
pareceu, houve uma mercantilização do sagrado.
A liberdade
religiosa deve caminhar pari pasu numa arena política garantidora da
ampla liberdade do voto. Oportuno lembrar que o “estatuto da ética e da
moralidade”, a famosa lei da ficha limpa, teve inspiração em campanha da CNBB
(Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) que tinha como slogan “voto não
tem preço, tem consequências”. Que assim seja.
¨ Como o capital financeiro religioso está influenciando
políticas nos EUA
Fundos de
investimento cristãos nos Estados Unidos, com um potencial estimado de até meio
trilhão de dólares, estão pressionando grandes corporações a encerrar políticas
consideradas progressistas. Segundo um levantamento da Bloomberg, esse
movimento está em ascensão e reflete uma guinada conservadora no uso do capital
financeiro para influenciar setores-chave da sociedade.
Investimentos com
foco religioso não são uma novidade nos Estados Unidos, mas geralmente voltados
para causas como direitos trabalhistas e mudanças climáticas. No entanto, a
guinada conservadora fez com que esses fundos entendessem o poder de
influenciar mais setores da sociedade. Como acionistas de grandes empresas,
eles passam a fazer reivindicações às grandes corporações para encerrar medidas
de diversidade, pró-aborto e em apoio à causa LGBT.
<><> Fundos
cristãos
A GuideStone Funds,
fundada há 106 anos no Texas, é um dos maiores exemplos desse movimento.
Gerenciando cerca de US$ 24 bilhões (aproximadamente R$ 149 bilhões) em ativos,
a empresa é parte de uma coalizão cristã conservadora que utiliza sua influência
acionária para moldar políticas corporativas.
Entre as
iniciativas dessa coalizão estão o combate ao financiamento de eventos como
paradas do orgulho LGBTQ+ e o custeio de viagens para abortos por empresas.
Atualmente, existem
cerca de meio trilhão de dólares investidos por fundos religiosos e fundos de
pensão em estados conservadores. Esse montante, segundo Will Lofland, chefe de
advocacia acionária da GuideStone, confere à coalizão cristã conservadora um
poder financeiro e acionário considerável para influenciar o comportamento
corporativo. A coalizão inclui a Inspire Investing, a maior gestora de ETFs
baseados em fé, além de tesoureiros estaduais republicanos e o grupo legal
conservador Alliance Defending Freedom.
Uma das primeiras
iniciativas desse movimento ocorreu em 2023, quando a coalizão apoiou uma
proposta acionária contra a Microsoft sobre benefícios relacionados a cuidados
reprodutivos e disforia de gênero. Embora a proposta tenha recebido apenas 1%
dos votos, ela representa o início de um movimento que tende a ganhar força nos
próximos anos.
Contexto
conservador nos Estados Unidos
Com o retorno da
extrema-direita à Casa Branca, liderada por Donald Trump, o conservadorismo nos
EUA tem ganhado força. A coalizão religiosa busca expandir sua influência,
reunindo-se com executivos para exigir mudanças corporativas alinhadas aos seus
princípios.
“Os investidores
querem honrar o Senhor com todos os seus recursos”, afirmou ele a Bloomberg.
“Eles querem que
seus dólares sejam investidos de uma forma que consideram estar de acordo com
os princípios de Deus.”
<><> A
influência religiosa nos negócios e na política
A relação entre
capital financeiro e religiosidade não é nova. Em entrevista à TV GGN, o
historiador Rodrigo de Sá Netto destacou, em seu livro O Partido da Fé
Capitalista, como igrejas norte-americanas utilizam sua influência no Brasil
para moldar políticas e decisões econômicas.
¨ Futebol, religião e política: como
eles se relacionam? Por Danniel Barbosa
Se você nasceu no Brasil nas últimas décadas, em algum
momento da vida, já deve ter ouvido a expressão “Política, futebol e religião
não se discutem”. Na prática, contudo, o que estamos vendo acontecer é algo bem
oposto a isso. Quando falamos de religião, não precisamos ir muito longe.
A eleição de 2022 no Brasil foi protagonizada por debates envolvendo diversas
temáticas religiosas e a disputa pelo eleitorado religioso teve papel de
destaque nas campanhas.
Quando entramos no campo da política, a questão fica
ainda mais clara: as manifestações de 2013 abriram portas para que a política
entrasse novamente na vida do brasileiro, e, de lá para cá, não saiu mais. Das
mídias sociais às bandeiras em prédios e carros, passando até mesmo por
relações familiares – presenciais ou nos grupos de WhatsApp – hoje é muito
difícil encontrar um espaço em que a política não esteja sendo discutida. O
ponto positivo disso é uma maior margem para debates construtivos sobre os
melhores rumos para o país, ou quais políticas públicas precisam ser criadas ou
melhoradas para garantir melhor qualidade de vida para a população.
Alguns fatores, no entanto, se colocam como um
obstáculo para que esse debate aconteça de forma mais frutífera. Um deles é a
polarização associada a uma dificuldade de diálogo. Dados da pesquisa
realizada pelo Despolarizar, pelo Instituto Locomotiva e pela Fundação Tide
Setubal apontam que 73% das pessoas acreditam que pessoas com opiniões
diferentes não conseguem ter um diálogo construtivo – sendo que mais da metade
(51%) admite desistir de conversar sobre política em algumas situações. Outro é
a disseminação de notícias falsas. Uma pesquisa recente do IPEC revela que 85%
dos brasileiros acreditam que as notícias falsas poderiam influenciar no
resultado das eleições. Há ainda, o fator da baixa cultura e da baixa
participação política no Brasil, que vêm sendo apontados já há algum tempo pelo Democracy
Index.
Ou seja, mesmo com a política sendo discutida, ainda há
um caminho a ser percorrido para que essa discussão seja produtiva, respeitosa
e efetiva. E esse caminho passa por uma educação política de qualidade, bem
embasada, plural, didática e acessível, que permita compreender a política
desde suas bases (o que faz um prefeito, o que é uma política pública, o que
faz o Congresso Nacional e outros) e que traga as diferentes visões sobre os
debates sociais de forma suprapartidária, para quebrar estereótipos e
proporcionar elementos para um diálogo saudável.
Mas e o futebol? Ele é discutido? E como se relaciona
com todo esse contexto de debate político? Para entender isso, não precisamos
ir muito longe. Além das tradicionais discussões entre torcedores, em mesas de
bar, sobre qual time é melhor – que por si só já demonstram que discutir
futebol é parte da cultura brasileira – não faltam exemplos de como futebol e
política têm estado cada vez mais próximos.
Quando olhamos para o Brasil, a Copa de 2014 é um bom
exemplo. O debate que antecedeu o evento foi marcado por manifestações que
entoavam o grito “Não vai ter Copa”, em um questionamento aos valores financeiros
que estavam sendo investidos no evento enquanto o país passava por outros
problemas estruturais. O evento aconteceu, mas as discussões não pararam por
aí.
Mais recentemente, por exemplo, o uso da camisa da
seleção brasileira se tornou motivo de debate. Isso porque o verde e amarelo,
tradicionais dessa camisa, foram associados, ao longo do anos, à visão política
de um grupo. A consequência disso é que o próprio uso da camiseta foi colocado
em pauta durante as eleições de 2022, pela possibilidade de que, em meio ao
contexto de polarização vigente, pudesse “gerar animosidade” entre eleitores.
Ainda, têm se discutido sobre o posicionamento político de jogadores da
seleção, como o caso de Neymar, tanto com a exaltação do posicionamento por
alguns, quanto com questionamentos por parte de outros.
E esses exemplos recentes estão longe de serem os
únicos. Política e futebol já se cruzaram em diversos momentos ao
longo da história, no Brasil e no mundo. Seja com o futebol sendo instrumento
para o reforço ao patriotismo durante a Ditadura Militar no Brasil, em 1970,
seja com o punho cerrado de Reinaldo na Copa de 1976, seja com o apoio ao
“Movimento Diretas Já” por parte de membros da chamada “democracia
corinthiana”, como Sócrates, na década de 1980. Os dois últimos exemplos sendo
referência de como o posicionamento político de jogadores não é uma novidade no
Brasil, ou mesmo em outros países, como na Espanha, onde o estádio do Barcelona
é um dos principais campos de manifestações políticas pela independência política
da Catalunha.
Fonte: Brasil 247/Conjur/Jornal
GGN/CNN Brasil
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