quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

João Cézar de Castro Rocha: “Juristas evangélicos querem regular a legislação brasileira com base na Bíblia”

Em entrevista ao programa "Boa Noite 247", o professor João Cézar de Castro Rocha expôs preocupações sobre a influência crescente dos juristas evangélicos no cenário legislativo brasileiro através da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos). Rocha destacou que a organização tem como objetivo principal monitorar e assegurar que a legislação brasileira não prejudique a fé evangélica.

“Em 2012 foi criada no Brasil a Associação Nacional de Juristas Evangélicos. Qualquer pessoa que entrar na página da internet e procurar Anajure e se der o trabalho de ler o que está exposto publicamente como os objetivos e a declaração de princípios da Anajure, cai da cadeira. O terceiro objetivo da Anajure diz que eles querem manter sob escrutínio permanente a legislação brasileira e os projetos de lei apresentados na câmara, para terem certeza de que não há nenhum prejuízo à fé evangélica”, afirmou Rocha.

O professor também abordou a declaração de princípios que todos os membros da Anajure devem assinar, ressaltando o impacto dessa declaração na conduta dos juristas evangélicos na sociedade brasileira. “Na declaração de princípios que todo membro da Anajure deve assinar, diz que a conduta deles na sociedade é definida pela crença no caráter inerrante da Bíblia. Esse caráter inerrante da Bíblia remete ao fundamentalismo no início do século 20 e à ideia de que é uma palavra infalível, que não pode ser questionada e, portanto, não tem sentido atualizá-la de acordo com o mundo moderno. A Bíblia guia mais a ação deles do que qualquer espécie de preceito social.”

Além disso, Rocha fez uma comparação preocupante com movimentos de extrema direita em outros países, como Hungria, destacando as intenções de transformar o ordenamento jurídico brasileiro em uma ordem teocrática. “O objetivo da extrema direita no Brasil é fazer uma engenharia social similar à de Viktor Orban da Hungria. Aqui no Brasil eles já não querem tanto a presidência da República em 2026, eles querem maioria no Congresso, porque se dispuserem de maioria na Câmara e maioria no Senado, eles podem aprovar as propostas de emenda constitucional que desejarem e encaminhar o ordenamento jurídico brasileiro para uma ordem teocrática. Isto é, fiel ao antigo testamento.”

Rocha também discutiu as divisões internas no movimento MAGA (Make America Great Again) nos Estados Unidos, mencionando figuras influentes como Steve Bannon, Elon Musk e Peter Thiel. “O cenário mais provável com a divisão que agora vai ocorrer no MAGA, o Make America Great Again, é entre uma pulsão de caráter populista radical, que é uma pulsão representada pelo Steve Bannon, e um projeto de engenharia institucional que é o projeto representado pelo Elon Musk e pelo Peter Thiel, que tem sido pouco mencionado no Brasil, mas ele certamente desempenhará papel importante no governo do Trump.”

O professor ressaltou a dependência de figuras como Elon Musk do estabelecimento americano e a tensão representada por Steve Bannon e Peter Thiel, que visam uma modificação interna da democracia americana. “Elon Musk não existiria, ou praticamente não teria o poder econômico que possui, sem os acordos ultra milionários que ele tem com o Estado norte americano, com a NASA, entre outras agências do governo dos USA. Portanto, o Elon Musk é dependente do establishment americano. Já o Steve Bannon representa uma tensão revolucionária, um caráter revolucionário conservador populista e politicamente sempre mais radical que o de Elon Musk, e especialmente, o Peter Thiel, que representarão uma tendência de engenharia institucional. O que que eu quero dizer com isso é que em lugar de uma ideologização da política pública e de uma hiper politização de cada gesto do governante, o Elon Musk, e sobretudo, o Peter Thiel, estarão mais preocupados com a modificação interna da democracia americana, de modo a produzir nos Estados Unidos algo similar ao que o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, logrou êxito em fazer.”

A análise de Rocha aponta para uma crescente influência de grupos religiosos na política e o risco de uma legislação baseada em princípios religiosos, o que poderia impactar a laicidade do Estado brasileiro e os direitos de minorias. A entrevista serve como um alerta sobre a necessidade de vigilância e debate público sobre os rumos da legislação no país. 

 

¨      Religião e política: mistura sempre perigosa. Por Peterson Almeida Barbosa

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro cassou o diploma do deputado estadual Fábio Francisco da Silva (União), basicamente por ter promovido, por meio de programa em rádio na qual atua como apresentador, festivais gospel em templos religiosos “assemelhados a showmícios”.

Consta ainda que, do púlpito transformado em palanque, o parlamentar proferiu discursos políticos e distribuiu material de campanha, entendendo a Corte, por conseguinte, terem restados caracterizados os abusos de poder econômico e midiático.

O tema — abuso de poder religioso — conquanto não legislado, é, de tempos em tempos, revisitado pela Justiça Eleitoral, como agora se sucedeu.

Sem adentrar no mérito da decisão, mesmo porque passível de recursos, o que dos fatos se pode extrair é quão tênue é a linha que separa os princípios de matriz constitucional em comento, quais sejam: as liberdades de expressão, religiosa (expressão, consciência, reunião, crença e culto) e a normalidade e legitimidade que devem nortear os pleitos a garantir a paridade de armas entre os players.

<><> Capilaridade

O poder religioso é dotado de enorme capilaridade, e seus atores são, muitas das vezes, personagens carismáticos, exercentes de forte influência, fascínio e mesmo temor reverencial sobre os fiéis, até mesmo por sua suposta interlocução divina, findando assim por, não raro, vincularem sua missão espiritual à política, estreitando fronteiras e, desta forma, conquistando eleitores fiéis, os quais, não incomumente, são pegos fragilizados, abduzidos por uma verdadeira embriaguez litúrgica proferida por autênticos mestres da palavra, findando ditos votantes por naqueles confiarem seus votos.

Esta nefasta influência da religião na política, e da política da religião, é via de mão dupla que se retroalimenta pela instrumentalização recíproca.

Apresentar-se, ou ser apresentado à assembleia, como “candidato da igreja”, seu representante que lá (na Assembléia Legislativa) irá defendê-la ou pedir orações e bençãos por sua candidatura, não é incomum são, na verdade, pedidos de votos travestidos.

Por seu turno, a legislação é clara ao não permitir a realização de propaganda política em templos religiosos, como já ocorreu de se distribuírem santinhos (com o perdão da antífrase).

Dito isto, não se está a afirmar que sacerdotes e pregadores estejam impedidos de enfrentarem, em seus sermões, homilias, preleções ou reflexões os temas que afligem a sociedade, podendo ainda, livremente, expressarem suas opiniões e seus conselhos a respeito daqueles assuntos, porém, é preciso que tenham o cuidado de não transformarem seu discurso religioso em elemento propulsor de candidaturas.

Nenhuma liberdade está à margem da lei, nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos; o argumento do freedom speach não ampara nem acolhe a transformação do culto ou da missa em local de pedido de votos.

Não se pode, como já se viu, defender a candidatura de cidadãos que consagrem valores e princípios e expressar, contrario sensu, seu antagonismo àqueles que exprimam ideias  contrárias à sua crença; isto é fazer oposição beliscando os contornos expressos do contencioso eleitoral proibitivo.

A mesma legislação também é bastante clara ao não permitir que confissões religiosas patrocinem candidaturas.

Partidos políticos e candidatos são proibidos de receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro daquelas, sob pena de se transformarem em “puxadinhos” de entidades religiosas, conquanto a prática demonstre a enorme dificuldade em conter esta drenagem informal de recursos, mesmo porque, os dízimos, em sua maioria, são ofertados em espécie, o que dificulta o follow the money, via crucis em crimes como os de lavagem de capitais.

Como se disse, distante de não se permitir que candidatos possam confessar suas preferências religiosas, ou mesmo não lhes permitir registrar-se utilizando seus nomes religiosos; em instante algum se pode recursar a legitimidade da participação de religiosos na cena política, o Estado não é juiz da religiosidade e da fé, e conter abusos não é sinônimo de conter cultos, o que se busca reprimir é que as estruturas eclesiásticas sejam utilizadas para promover o desequilíbrio do certame, permitindo que haja uma supremacia da identidade religiosa sobre a partidária.

A busca de votos no segmento religioso — ou em qualquer outro — sobretudo naqueles com público composto por vulneráveis sob os pontos de vista econômico e social, deve ser pautada pelo pleno respeito à liberdade do eleitor, prescindindo de qualquer elemento de constrição, ameaça ou admoestação.

Conquanto o abuso do poder religioso não seja um ilícito em si, condutas avultadas, dotadas de gravidade, podem configurar outras modalidades de abuso previstas na legislação, como sói ter ocorrido no caso trazido à baila, no qual, a mim me pareceu, houve uma mercantilização do sagrado.

A liberdade religiosa deve caminhar pari pasu numa arena política garantidora da ampla liberdade do voto. Oportuno lembrar que o “estatuto da ética e da moralidade”, a famosa lei da ficha limpa, teve inspiração em campanha da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) que tinha como slogan “voto não tem preço, tem consequências”. Que assim seja.

 

¨      Como o capital financeiro religioso está influenciando políticas nos EUA

Fundos de investimento cristãos nos Estados Unidos, com um potencial estimado de até meio trilhão de dólares, estão pressionando grandes corporações a encerrar políticas consideradas progressistas. Segundo um levantamento da Bloomberg, esse movimento está em ascensão e reflete uma guinada conservadora no uso do capital financeiro para influenciar setores-chave da sociedade.

Investimentos com foco religioso não são uma novidade nos Estados Unidos, mas geralmente voltados para causas como direitos trabalhistas e mudanças climáticas. No entanto, a guinada conservadora fez com que esses fundos entendessem o poder de influenciar mais setores da sociedade. Como acionistas de grandes empresas, eles passam a fazer reivindicações às grandes corporações para encerrar medidas de diversidade, pró-aborto e em apoio à causa LGBT.

<><> Fundos cristãos

A GuideStone Funds, fundada há 106 anos no Texas, é um dos maiores exemplos desse movimento. Gerenciando cerca de US$ 24 bilhões (aproximadamente R$ 149 bilhões) em ativos, a empresa é parte de uma coalizão cristã conservadora que utiliza sua influência acionária para moldar políticas corporativas.

Entre as iniciativas dessa coalizão estão o combate ao financiamento de eventos como paradas do orgulho LGBTQ+ e o custeio de viagens para abortos por empresas.

Atualmente, existem cerca de meio trilhão de dólares investidos por fundos religiosos e fundos de pensão em estados conservadores. Esse montante, segundo Will Lofland, chefe de advocacia acionária da GuideStone, confere à coalizão cristã conservadora um poder financeiro e acionário considerável para influenciar o comportamento corporativo. A coalizão inclui a Inspire Investing, a maior gestora de ETFs baseados em fé, além de tesoureiros estaduais republicanos e o grupo legal conservador Alliance Defending Freedom.

Uma das primeiras iniciativas desse movimento ocorreu em 2023, quando a coalizão apoiou uma proposta acionária contra a Microsoft sobre benefícios relacionados a cuidados reprodutivos e disforia de gênero. Embora a proposta tenha recebido apenas 1% dos votos, ela representa o início de um movimento que tende a ganhar força nos próximos anos.

Contexto conservador nos Estados Unidos

Com o retorno da extrema-direita à Casa Branca, liderada por Donald Trump, o conservadorismo nos EUA tem ganhado força. A coalizão religiosa busca expandir sua influência, reunindo-se com executivos para exigir mudanças corporativas alinhadas aos seus princípios.

“Os investidores querem honrar o Senhor com todos os seus recursos”, afirmou ele a Bloomberg.

“Eles querem que seus dólares sejam investidos de uma forma que consideram estar de acordo com os princípios de Deus.”

<><> A influência religiosa nos negócios e na política

A relação entre capital financeiro e religiosidade não é nova. Em entrevista à TV GGN, o historiador Rodrigo de Sá Netto destacou, em seu livro O Partido da Fé Capitalista, como igrejas norte-americanas utilizam sua influência no Brasil para moldar políticas e decisões econômicas.

 

¨      Futebol, religião e política: como eles se relacionam? Por Danniel Barbosa

Se você nasceu no Brasil nas últimas décadas, em algum momento da vida, já deve ter ouvido a expressão “Política, futebol e religião não se discutem”. Na prática, contudo, o que estamos vendo acontecer é algo bem oposto a isso. Quando falamos de  religião, não precisamos ir muito longe. A eleição de 2022 no Brasil foi protagonizada por debates envolvendo diversas temáticas religiosas e a disputa pelo eleitorado religioso teve papel de destaque nas campanhas.

Quando entramos no campo da política, a questão fica ainda mais clara: as manifestações de 2013 abriram portas para que a política entrasse novamente na vida do brasileiro, e, de lá para cá, não saiu mais. Das mídias sociais às bandeiras em prédios e carros, passando até mesmo por relações familiares – presenciais ou nos grupos de WhatsApp – hoje é muito difícil encontrar um espaço em que a política não esteja sendo discutida. O ponto positivo disso é uma maior margem para debates construtivos sobre os melhores rumos para o país, ou quais políticas públicas precisam ser criadas ou melhoradas para garantir melhor qualidade de vida para a população.

Alguns fatores, no entanto, se colocam como um obstáculo para que esse debate aconteça de forma mais frutífera. Um deles é a polarização associada a uma dificuldade de diálogo. Dados da pesquisa realizada pelo Despolarizar, pelo Instituto Locomotiva e pela Fundação Tide Setubal apontam que 73% das pessoas acreditam que pessoas com opiniões diferentes não conseguem ter um diálogo construtivo – sendo que mais da metade (51%) admite desistir de conversar sobre política em algumas situações. Outro é a disseminação de notícias falsas. Uma pesquisa recente do IPEC revela que 85% dos brasileiros acreditam que as notícias falsas poderiam influenciar no resultado das eleições. Há ainda, o fator da baixa cultura e da baixa participação política no Brasil, que vêm sendo apontados já há algum tempo pelo Democracy Index.

Ou seja, mesmo com a política sendo discutida, ainda há um caminho a ser percorrido para que essa discussão seja produtiva, respeitosa e efetiva. E esse caminho passa por uma educação política de qualidade, bem embasada, plural, didática e acessível, que permita compreender a política desde suas bases (o que faz um prefeito, o que é uma política pública, o que faz o Congresso Nacional e outros) e que traga as diferentes visões sobre os debates sociais de forma suprapartidária, para quebrar estereótipos e proporcionar elementos para um diálogo saudável.

Mas e o futebol? Ele é discutido? E como se relaciona com todo esse contexto de debate político? Para entender isso, não precisamos ir muito longe. Além das tradicionais discussões entre torcedores, em mesas de bar, sobre qual time é melhor – que por si só já demonstram que discutir futebol é parte da cultura brasileira – não faltam exemplos de como futebol e política têm estado cada vez mais próximos.

Quando olhamos para o Brasil, a Copa de 2014 é um bom exemplo. O debate que antecedeu o evento foi marcado por manifestações que entoavam o grito “Não vai ter Copa”, em um questionamento aos valores financeiros que estavam sendo investidos no evento enquanto o país passava por outros problemas estruturais. O evento aconteceu, mas as discussões não pararam por aí.

Mais recentemente, por exemplo, o uso da camisa da seleção brasileira se tornou motivo de debate. Isso porque o verde e amarelo, tradicionais dessa camisa, foram associados, ao longo do anos, à visão política de um grupo. A consequência disso é que o próprio uso da camiseta foi colocado em pauta durante as eleições de 2022, pela possibilidade de que, em meio ao contexto de polarização vigente, pudesse “gerar animosidade” entre eleitores. Ainda, têm se discutido sobre o posicionamento político de jogadores da seleção, como o caso de Neymar, tanto com a exaltação do posicionamento por alguns, quanto com questionamentos por parte de outros.

E esses exemplos recentes estão longe de serem os únicos. Política e futebol já se cruzaram em diversos momentos ao longo da história, no Brasil e no mundo. Seja com o futebol sendo instrumento para o reforço ao patriotismo durante a Ditadura Militar no Brasil, em 1970, seja com o punho cerrado de Reinaldo na Copa de 1976, seja com o apoio ao “Movimento Diretas Já” por parte de membros da chamada “democracia corinthiana”, como Sócrates, na década de 1980. Os dois últimos exemplos sendo referência de como o posicionamento político de jogadores não é uma novidade no Brasil, ou mesmo em outros países, como na Espanha, onde o estádio do Barcelona é um dos principais campos de manifestações políticas pela independência política da Catalunha.

 

Fonte: Brasil 247/Conjur/Jornal GGN/CNN Brasil

 

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