sábado, 21 de dezembro de 2024

Beluzzo: “Os rentistas estão promovendo a morte da economia no mundo inteiro, em especial no caso brasileiro”

As relações entre Estado e mercado estão marcadas por uma “disputa de poder”. É a partir dessa rivalidade de forças que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo interpreta os últimos acontecimentos da conjuntura brasileira: a elevação da taxa Selic neste mês, a proposta de ajuste fiscal do governo e a alta recorde do dólar. “No fundo, trata-se de uma disputa de poder: uma hierarquia de instâncias do movimento de capitais, dos mercados futuros e a política econômica do governo. O ministro Haddad tenta apresentar avanços no processo de ajuste fiscal, aumentando impostos, prometendo cortes aqui e ali, mas isso não é suficiente porque já ultrapassou qualquer relação com a proposta do governo de convencer o mercado de que as coisas estão sob controle”, resume, na entrevista concedida por WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Na avaliação dele, “o governo está, sem dúvida, refém” do mercado financeiro. “O governo está cercado e está mostrando que não há nenhum efeito dizer [ao mercado] que vai reduzir o déficit primário progressivamente até chegarmos ao déficit zero”, sublinha. O efeito manada do mercado contra o governo, sugere, indica que “se trata de uma relação de poder que está ancorada nas concepções e visões que os agentes do mercado têm em relação ao governo Lula”.

Neste ambiente de disputa, as projeções socioeconômicas para o próximo ano não são animadoras. “Não vai ser uma caminhada tranquila, não. Na forma como estão articuladas as relações de poder, a minha impressão é que será difícil o governo ultrapassar as resistência e convicções que estão incrustadas nos mercados. Não precisa ser ‘adivinhão’, como se dizia no meu tempo, para saber que isso não vai terminar agora. Essa visão está incrustada na sociedade brasileira e na relação entre as camadas mais abastadas”, destaca.

Luiz Gonzaga Belluzzo é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Economia Industrial pelo Instituto Latino-Americano e Caribenho de Planejamento Econômico e Social – ILPES/CEPAL e doutor em Economia pela Universidade de Campinas – Unicamp. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. É um dos fundadores das Faculdades de Campinas – Facamp, onde leciona. É autor de Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo (Facamp/Contracorrente, 2017), Capital e suas metamorfoses (Unesp, 2013), Os antecedentes da tormenta: origens da crise global (Facamp, 2009), Temporalidade da riqueza: teoria da dinâmica e financeirização do capitalismo (Oficinas Gráficas da Unicamp, 2000), entre outros livros.

<><> Confira a entrevista.

·        Ano passado, quando o novo marco fiscal foi sancionado pelo governo Lula, o senhor disse em entrevista ao IHU que, apesar das críticas, o governo Lula estava “tentando contornar a situação de maneira prudente” para apaziguar o mercado financeiro porque se o mercado se convence de “que está tudo errado, começam a subir a taxa de juros”. Mesmo anunciando um ajuste fiscal criticado por setores da área social, a taxa de juros foi elevada a 12,25% neste mês e a expectativa é de que suba para 14,25% até março do próximo ano. O governo não conseguiu apaziguar o mercado com a proposta de ajuste?

Luiz Gonzaga Belluzzo – As relações entre Estado e mercado sempre estiveram presentes na história da economia monetária financeira capitalista e agora estão adquirindo, como já adquiriu em outros momentos, uma dimensão de diferença de poder e de força na construção de um convencimento social. Estou insistindo neste ponto porque estava relendo o livro de György Lukács, Para uma ontologia do ser social. O que estou dizendo é que esses movimentos estão presentes na sociedade e ela é constituída por seres humanos que têm aspirações, convicções, desejos e interesses. Ocultar isso sob a égide de uma questão técnica não é verdade. A economia trata das relações entre homens, entre classes sociais, entre segmentos da sociedade e isso deve prevalecer sobre a observação de que a economia trata de uma coisa aqui, outra ali, uma intervenção no câmbio etc.

Queria chamar atenção para uma questão: existe, neste momento, uma disfunção hierárquica na visão convencional, que está levando à avassaladora opinião destilada pela mídia, de risco fiscal. O que é preciso é estabelecer as hierarquias. Na economia mundial como um todo, hoje o que prevalece são as movimentações dos fluxos de capitais e dos mercados futuros, que são uma espécie de precificação do câmbio dentro da B3 [Bolsa de Valores do Brasil]. A B3 tem um volume de operações, comprados e vendidos em dólar, no mercado futuro, e isso tudo é o que controla a flutuação do câmbio, articulada com a deterioração das condições internas.

Vamos observar o desempenho da economia brasileira em termos de emprego, renda etc.: ele é muito satisfatório, melhor do que foi no período do governo Bolsonaro. No entanto, esse desempenho é entendido como uma pressão, como uma espécie de crescimento que pode levar a um aumento da inflação. A inflação está oscilando entre 4,5 e 4,80. Não é nenhum disparate, nenhum absurdo, mas isso está conduzindo o comportamento e as ações do mercado financeiro no exercício do seu poder para provocar o distúrbio da taxa de câmbio e a subida dos juros. Não sei se isso vai se extinguir em algum momento. Estou observando o cenário com muita preocupação.

Mas, no fundo, trata-se de uma disputa de poder: uma hierarquia de instâncias do movimento de capitais, dos mercados futuros e a política econômica do governo. O ministro Haddad tenta apresentar avanços no processo de ajuste fiscal, aumentando impostos, prometendo cortes aqui e ali, mas isso não é suficiente porque já ultrapassou qualquer relação com a proposta do governo de convencer o mercado de que as coisas estão sob controle.

·        As justificativas do Banco Central para aumentar os juros não têm sentido? Quais os efeitos desse comportamento para a sociedade e a economia brasileira?

Luiz Gonzaga Belluzzo – O que ocorre é que se toma o risco fiscal como a razão fundamental dessas flutuações do câmbio, mas isso não é verdade. Não há nenhuma razão para isso, considerando o resultado fiscal que estamos obtendo hoje. Os EUA, por exemplo, têm um déficit primário muito elevado. A França está se debatendo com essa questão, assim como a Alemanha também.

O que acontece é um fenômeno que supera a determinação interna da crise fiscal. É preciso olhar para o movimento dessas instâncias de formação de expectativas. Mas olha-se somente o risco fiscal. É quase uma forma de usar um pretexto para especular – o que é constitutivo do capitalismo – e apostar na possibilidade de obter ganhos ou evitar perdas nas suas riquezas. É isso que os mercados financeiros fazem o tempo inteiro. Esse aspecto é predominante. Dentro dessa predominância, está a instância superior, que é a constituição do sistema monetário financeiro internacional, com todas essas práticas, como essa dos mercados futuros. As pessoas ficam dando voltas em torno dessa questão, mas não vejo como o governo ou o Banco Central podem enfrentar isso de maneira convencional. Talvez isso leve a algumas consequências que nem gostaria de mencionar.

O que estou observando é que estão ocorrendo manifestações de grande agressividade contra esse comportamento do mercado financeiro. Uns dizem que é crime, crime contra a pátria e isso pode se transformar em uma bola de neve. Não sabemos exatamente quais podem ser as consequências.

Talvez seja interessante os rapazes do mercado lerem o que aconteceu na Alemanha entre a década de 1920 e a ascensão de Hitler, e como Hjalmar Schacht cuidou dessas questões. Na culminância das medidas tomadas, ele tornou crime contra o Estado alemão o envio de divisas de dólares para fora da Alemanha. Crime. Isso foi feito no estado nazista. Sobre isso, Keynes disse o seguinte: descontando o horror que foi esse regime, Schacht estava certo porque estava segurando um processo que iria, outra vez, causar muitos danos à Alemanha, que tinha saído da hiperinflação em 1923, 1924. Schacht também adotou o Plano Dawes, que era financiamento do banco Morgan para cobrir as necessidades e obrigações impostas pelas reparações e impedir a saída e fuga da moeda alemã para outras moedas, como a libra.

O que vejo neste momento é uma coisa muito parecida, com a agressividade que está surgindo de muitos lados, inclusive dos movimentos sociais. Isso pode deflagrar uma ação um pouco mais dolorosa em relação aos mercados. Francamente, não é uma coisa que desejo porque, às vezes, as consequências não são muito agradáveis.

·         Do ponto de vista político, há outros arranjos possíveis ou o governo está refém do mercado e, ao mesmo tempo, não consegue apaziguá-lo?

Luiz Gonzaga Belluzzo – O governo está, sem dúvida, refém. Claramente. Essa percepção é generalizada: está refém. Agora, o encaminhamento da solução que estou observando é que como o mercado é movido por seres humanos que têm convicções, diria que há um enorme efeito manada. Ou seja, uma concatenação de opiniões determinada pela existência de um cartel que tem mais poder – alguns bancos, no Brasil, claramente têm mais poder. As declarações dos bancos internacionais falando do Brasil – à exceção de Mohamed A. El-Erian, que escreveu um artigo dizendo que é um exagero o que está acontecendo – forma essa convicção e ela vai se manifestando. Então o governo está cercado e está mostrando que não há nenhum efeito dizer [ao mercado] que vai reduzir o déficit primário progressivamente até chegarmos ao déficit zero.

Quem já assistiu vários episódios de ajuste fiscal, como aqueles de 2015 e 2016, sabe que isso não vai ser feito de maneira indolor para a sociedade, para os trabalhadores, para o desempenho das empresas etc. O que quero dizer é que estamos vivendo um momento muito preocupante e crucial, que é muito difícil. Como trata-se de uma relação de poder, uma disputa de forças, fico na dúvida se isso poderá ser resolvido de uma maneira pacífica.

·        Que efeitos esse cenário poderá gerar nas próximas eleições presidenciais?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Este é um ponto importantíssimo. Em última instância, estamos falando de relações de poder. Uma pesquisa recente, que tomou a opinião de muitos operadores do mercado, mostrou que 90% deles manifestaram inconformidade com o governo Lula. Essa dimensão está por detrás das relações de poder. O mercado não admite e não pode admitir um governo como o de Lula, que declara sua intenção de melhorar a vida dos menos favorecidos. Isso é uma tradição da chamada “elite” brasileira. Os interesses da “elite” estão muito arraigados e voltam sempre, como vimos na sucessão de episódios no tempo de Getúlio, de Juscelino. O que quero dizer é que é essencial entendermos que se trata de uma relação de poder que está ancorada nas concepções e visões que os agentes do mercado têm em relação ao governo Lula. Isso é fundamental.

Há uma conexão entre a extrema-direita e o extremo liberalismo econômico, o ataque ao liberalismo político e a defesa do liberalismo econômico. Paulo Guedes tentou fazer isto: privatizações à vontade, abertura comercial, possibilidade de abrir contas em dólar no país. Não tenho nenhuma dúvida de que o mercado apoia o bolsonarismo. Aliás, o bolsonarismo constitui a opinião do mercado. O bolsonarismo não é causado por Bolsonaro; Bolsonaro é que é produzido pelo bolsonarismo que está na sociedade.

·        Em vez de cortes nos gastos primários, alguns auditores fiscais e economistas têm defendido que o ajuste no gasto público poderia ser feito a partir de ajustes na área tributária e nos juros da dívida pública. Essas propostas são viáveis e operacionais? Seriam uma alternativa ao ajuste fiscal?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Isso é discutível. Em primeiro lugar, a receita fiscal, sim, depende da estrutura tributária que é imposta à economia: como se definem os impostos de renda, impostos sobre mercadorias, as tarifas alfandegárias etc. Mas isso é uma espécie de receptáculo porque o dinheiro não está lá. O dinheiro depende da circulação monetária financeira. Essa é uma questão ontológica que tem a ver com a definição de uma economia capitalista de mercado, cujo funcionamento depende da circulação monetária.

O trabalhador recebe o salário da empresa, que tem uma renda derivada do gasto de outra pessoa e assim sucessivamente. As empresas pagam salários aos trabalhadores porque imaginam vender as mercadorias delas. Os trabalhadores, por sua vez, recebem o salário e gastam. Só existe este circuito da renda, que acaba redundando na coleta de impostos. É o circuito da renda que gera isso não só através da cobrança sobre mercadorias, mas também sobre o imposto de renda. Ou seja, ninguém paga imposto de renda se não tem renda. Em geral, neste ponto, o imposto de renda é muito desigual.

Precisamos olhar a determinação. Como ela é? É da estrutura fiscal para a circulação da renda ou da circulação da renda para a estrutura fiscal? Estou de acordo que é preciso cuidar da dívida pública, mas a dívida pública é riqueza privada. Conversando com vários amigos do mercado, eles dizem que 70% das carteiras das instituições financeiras, sobretudo aquelas que não são propriamente bancárias, que são fintech e outras instituições, são compostas de LFTs (Letra Financeira do Tesouro), porque este é o título que tem maior liquidez e sobre o qual se tem maior facilidade de negociar, comprar e vender. Aliás, o Banco Central não faz o que deveria fazer, que é operar na curva de compra e venda para estabilizar os juros mais longos que afetam o crédito. Isso é feito em quase todos os países, mas aqui o Banco Central está bloqueado e não pode fazer essa operação de regulação da liquidez dos mercados.

Sempre se mexe nas relações mais aparentes e superficiais da vida econômica, mas temos que olhar para o fundamento desses movimentos. Tenho respeito pela Receita Federal, que tem essa visão, mas diria que não é a que corresponde à constituição desses movimentos. Como será possível reduzir os juros sendo que o consenso é que tem que aumentar os juros para segurar a inflação? Essas soluções binárias não ajudam a compreensão. Do jeito que as coisas estão, a solução é muito difícil.

·         O ajuste fiscal é criticado em três pontos principais: os critérios para o reajuste do salário mínimo, as condições de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a redução do abono salarial. Considerando os gastos primários, este foi o melhor arranjo? Como avalia esses pontos do ajuste?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Não vejo nenhuma inconveniência em fazer uma investigação e apuração do BPC, mas isso é lateral. Em relação às outras duas propostas, estamos percebendo que o ajuste proposto é sempre para reduzir a capacidade de atendimento dos elementos que formam a renda dos mais pobres. Para mim, isso é muito claro e revela outra dimensão dessa “super força” da qual estava ministrando. É possível fazer uma investigação para saber das irregularidades que acontecem no Bolsa Família, por exemplo, mas isso não é o fundamental.

Nos anos 1930, Keynes escreveu um livro chamado Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda. Ele falou de algumas coisas que ainda são atuais. A primeira delas é uma estrutura tributária que seja redistributiva para preservar a capacidade de gasto das pessoas que estão empregadas. A segunda era uma medida agressiva: diminuir o poder do rentista – a eutanásia do rentista. Sobre a política fiscal, ele pedia a separação entre duas instâncias orçamentárias: os gastos correntes e os de investimento. Hoje, os gastos de investimentos são apresentados como os gastos discricionários. O que ele quer dizer é que se deve, sim, buscar o equilíbrio nos gastos correntes, mas usar a capacidade de regular os gastos de investimento para impedir que a economia ou fique superaquecida ou tenha um desgaste deflacionário. Keynes tinha toda razão; falou das três dimensões importantes: quem paga imposto e recebe, quem se beneficia de uma situação como esta que estamos observando de superioridade da opinião rentista, e o Estado, que teria que se mover nessa direção que estou apontando.

Ele, analisando, a partir da concepção dele de como o capitalismo funciona, dizia que era preciso tratar dessas três questões. Só que o que está acontecendo, em vez da eutanásia do rentista, é que os rentistas estão promovendo a morte da economia no mundo inteiro, em especial no caso brasileiro. E o rentismo não é só juros; ele tem outras dimensões importantes, inclusive a fuga de moeda estrangeira. Tudo isso faz parte da acumulação de riqueza puramente monetária, sem movimentar a economia.

·         Como avalia o anúncio da conclusão das negociações do Acordo de Parceria entre o Mercosul e a União Europeia, que tem recebido muitas críticas? Para o Brasil, ele significará o reforço da política agroexportadora ou possibilitará novas alternativas de desenvolvimento?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Também tenho várias restrições ao acordo, ademais há muitos países europeus que não vão assiná-lo. Ocorreu uma reunião com a [Ursula Gertrud] von der Leyen, porém, Itália e França manifestaram restrições ao acordo. Sobretudo porque o veem como uma ameaça à agricultura desses países. Dificilmente esse acordo será encaminhado da maneira que foi formulado inicialmente e será discutido em um momento em que haverá recrudescimento do protecionismo, particularmente nos EUA, mas também na Europa. A própria von der Leyen, que celebrou o acordo, disse que não poderia admitir o ingresso dos carros elétricos chineses na Europa a um preço tão baixo. Então, talvez o acordo não avance por causa das circunstâncias globais.

O acordo com a China, por outro lado, pode ter coisas interessantes porque os chineses estão em uma fase de expansão muito peculiar, com um avanço na África impressionante, com construção de redes ferroviárias etc. Não posso fazer nenhuma afirmação a priori sobre o acordo com o Brasil, porque precisa desdobrar os pontos, mas, provavelmente, os chineses vão caminhar dando um pontapé inicial com uma iniciativa monetária financeira.

·         Quais são as perspectivas socioeconômicas para o país no próximo ano?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Não vai ser uma caminhada tranquila, não. Na forma como estão articuladas as relações de poder, a minha impressão é que será difícil o governo ultrapassar as resistência e convicções que estão incrustadas nos mercados. Não precisa ser “adivinhão”, como se dizia no meu tempo, para saber que isso não vai terminar agora. Essa visão está incrustada na sociedade brasileira e na relação entre as camadas mais abastadas. Também tem uma rejeição muito grande ao governo Lula por parte dos mercados, como mencionei. Uma avaliação do futuro está muito sujeita a trepidações.

 

Fonte: IHU

 

Em que dia Jesus nasceu segundo os evangelhos e como se convencionou a data de 25 de dezembro?

Poderia ter sido 13 de abril. Ou em 14 de outubro. Ou 3 de julho...

Também é provável que, se o monge medieval encarregado de determinar a data de seu nascimento não tivesse calculado mal, estaríamos em 2026 agora.

É impossível saber ao certo em que data Jesus de Nazaré nasceu.

A única fonte que os historiadores têm para reconstruir sua vida são os evangelhos, escritos décadas depois de sua morte por pessoas que nunca o conheceram em vida e que eram propagandistas da fé em Jesus como messias.

Sua história vem de segunda, terceira ou quinta mão, narrada por cristãos de primeira geração interessados, segundo historiadores, na morte e ressurreição de Jesus, não tanto em seu nascimento.

Os textos dos evangelistas, no entanto, fornecem pistas para situar Jesus — sobre cuja existência como personagem histórico há amplo consenso entre os pesquisadores — em um momento específico da história.

·        As fontes

As principais fontes, explica o historiador espanhol Javier Alonso à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, são os Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos aproximadamente por volta dos anos 80-90 d.C..

Enquanto os textos mais antigos do Novo Testamento, como o Evangelho de Marcos e as sete cartas do Apóstolo Paulo de Tarso consideradas autênticas, não fazem menção de sua juventude, os Evangelhos de Mateus e Lucas incluem o que é conhecido como a "relatos da infância" de Jesus.

"O problema é que, do ponto de vista cronológico, eles são incompatíveis", diz Alonso, que também é filólogo bíblico e semítico.

Marcos afirma que Jesus nasceu durante o reinado de Herodes, o Grande, pouco antes de sua morte.

"Como agora sabemos que Herodes morreu em 4 a.C., conforme o Evangelho de Mateus, Jesus deve ter nascido em 4, 5, 6 ou 7 a.C."

Possivelmente eles perceberam a incoerência de que Jesus nasceu vários anos antes de Cristo, ou seja, dele mesmo. Mas paciência, chegaremos lá.

Lucas, porém, não fala de Herodes, mas relaciona o nascimento de Jesus ao censo de Quirino. Segundo seu relato, Maria e José, os pais de Jesus, tiveram que viajar da Galileia a Belém para poderem se registrar no censo.

O evangelista assegura que se trata do relato feito por Públio Sulpício Quirino, governador romano da Síria, que naquela época incluía a Judeia, e que o casal teve que viajar para lá, apesar do avançado estado de gravidez de Maria, porque era o lugar de nascimento de José.

O censo existiu, como testemunha o historiador Flavio Josefo, o que nos permite atribuir-lhe uma data: o ano 6 d.C.

"Ou seja, há uma diferença de pelo menos dez anos entre Mateus e Lucas", argumenta Alonso.

A tudo isso devemos acrescentar mais uma circunstância: a possibilidade de que esses capítulos, Mateus 1 e 2, e Lucas 1 e 2, tenham sido acrescentados aos respectivos evangelhos uma vez que já estavam circulando, explica à BBC News Mundo Antonio Piñero, professor emérito de Filologia Grega da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, cujo estudo se concentrou na língua e na literatura do cristianismo primitivo.

"Sabemos que foram adicionados porque os personagens do evangelho posterior, de Mateus 3 e Lucas 3, não fazem ideia do que aconteceu nos capítulos anteriores, e até há dados contraditórios", argumenta Piñero, que garante que os historiadores situam a redação desses relatos no início do século 2.

Portanto, é possível que, quando o nascimento e a infância de Jesus foram escritos, mais de 60 anos tenham se passado desde sua morte.

Até então, aponta Piñero, estima-se que havia cerca de 3 mil cristãos no mundo, espalhados, aliás, em diferentes comunidades.

·        Então, qual relato está mais próximo da realidade, Mateus ou Lucas?

Para determinar isso, os historiadores estudaram as outras âncoras históricas que aparecem nos Evangelhos, especialmente uma figura central na vida de Jesus: Pôncio Pilatos.

Sabe-se que Jesus morreu durante o governo do prefeito Pôncio Pilatos, ocorrido de 26 a 36 d.C., e que começou a pregar no 15º ano do imperador Tibério, explica Alonso.

"Se prestarmos atenção em Mateus, e Jesus nascer no ano 4 a.C., faz sentido. Ele morreria no ano 30 e teria, talvez, 34 anos", argumenta o historiador.

No entanto, se ouvirmos Lucas, a conta não fecha.

"Por datas, o que faz sentido é Mateus, ou seja, que Jesus nasceu aproximadamente em 4 a.C., nos últimos anos de Herodes, o Grande", diz Javier Alonso.

"Por outro lado, o censo de Quirino não faz sentido, e entende-se que Lucas o usou como desculpa para deslocar algumas pessoas que são de Nazaré, no norte de Israel, para Belém, que é onde o messias tem que nascer, mas nada mais. É um artifício literário."

Piñero concorda que se trata de um recurso profético: "Uma vez que se acredita que Jesus é o messias, concorda-se com a profecia de Miquéias, capítulo 5:1, a de que o messias virá de Belém, cidade onde nasceu Davi".

A profecia, que estava no Antigo Testamento, é então cumprida se Jesus nascer em Belém.

·        Existem mais fontes?

A resposta é não.

Os Evangelhos oferecem outras âncoras cronológicas que permitem situar Jesus no tempo, mas não há outros textos onde a sua vida tenha sido registrada.

Flavio Josefo, o historiador judeu-romano do século 1, "menciona Jesus em sua 'História dos Judeus', que escreveu por volta do ano 95, mas o faz de maneira geral, não menciona seu nascimento", explica Piñero.

"Você poderia saber o dia em que o imperador Augusto nasceu, mas não o de um pregador galileu, ninguém saberia. E, na realidade, as fontes que temos não foram escritas até muito mais tarde", acrescenta Alonso.

E por que os primeiros cristãos não se interessaram pela infância de Jesus?

Como é que Paulo não contou nada sobre os primeiros anos de sua existência?

Por que Marcos, que escreveu o primeiro Evangelho cerca de 40 anos após a morte de Jesus, não menciona seu nascimento?

Segundo Piñero, deve-se levar em conta que, para os primeiros cristãos, a mensagem de Jesus era de que a chegada do Reino de Deus era "iminente".

Não era algo que aconteceria no futuro, no fim dos tempos ou após o julgamento final.

Por isso, não havia interesse em relembrar momentos ou fatos específicos dos ensinamentos de seu profeta.

"Para o cristianismo primitivo, a chegada do Reino era muito iminente, então, por que se preocupar?", diz o acadêmico.

No entanto, como os contemporâneos de Jesus morreram e as gerações seguintes perceberam que o Reino dos céus não viria, surgiu a necessidade de escrever o que se sabia sobre ele para transmiti-lo às gerações seguintes.

"O nascimento de Jesus na religião cristã primitiva não tem importância porque a mensagem original é que Jesus morre pelos pecados da humanidade e ressuscita. E isso é o triunfo sobre a morte. Tudo o mais é decorativo", argumenta o historiador.

Mas, com o aumento de sua popularidade, surge a necessidade de conhecer mais sobre o personagem, para preencher as lacunas da biografia que não estão disponíveis.

"É por isso que o cristianismo escreve a biografia de Jesus ao contrário. Os textos mais antigos referem-se à morte e à ressurreição. Depois começam a falar da sua vida pública, dos três anos de pregação. E os dois textos que falam do nascimento são os mais recentes, os de Mateus e Lucas."

·        O Monge Dionísio

Assim, se a evidência histórica nos aproxima do ano 4 a.C., de onde vem a data do ano 1?

Aqui, um monge bizantino do século 5, Dionísio, o Magro, entra em cena.

Como explica Piñero, Dionísio, estando em Roma por volta do ano 497, foi comissionado pelo Papa para determinar a data da Páscoa a fim de entrar em acordo com as igrejas orientais.

E, uma vez que a data da Páscoa foi definida, ele foi convidado a descobrir exatamente quando Jesus nasceu.

Dionísio era cronógrafo, ou seja, estudava cronografia a partir dos textos da época.

"Ele não tinha as fontes que um historiador tem hoje, então fez como Deus o fez entender, e errou", argumenta Alonso.

O monge determinou que Jesus nasceu 753 anos após a fundação de Roma, anotando 754 como o ano 1 da era cristã.

Essa forma de contar os anos foi imposta ao longo do tempo e, com ela, o erro da data de nascimento de Jesus.

Naquela época, no mundo romano, o tempo era medido pelo número de anos do imperador (por exemplo, o ano 5 de Tibério, ou o ano 4 de Nero) e, em algumas cidades, pela data de sua fundação, como o caso de Roma.

·        E 25 de dezembro?

Dionísio não teve nada a ver com isso, porque a data foi estabelecida antes dele.

Trata-se, explica Piñero, de uma "invenção cristã": o imperador Teodósio Magno estabeleceu o cristianismo como religião exclusiva do Império Romano após o ano 380 "e quando a Igreja passa de perseguida a perseguidora, trata de assimilar dentro Cristianismo tanto quanto possível do paganismo."

Em 25 de dezembro, o império celebrava o festival do "sol invicto", o dia em que Zeus, o sol, derrotou a escuridão.

Nem mais nem menos que o solstício de inverno, momento em que os dias começam a ficar mais longos.

O solstício é no dia 21, "mas os antigos o celebravam no dia 25 porque era a data em que já se notava que o "sol invencível", ou seja, Zeus, estava vencendo as trevas.

E quem era o sol invencível? Bem, Jesus. É por isso que essa data é cristianizada e está determinado que o nascimento de Jesus foi em 25 de dezembro", explica Piñero.

Nesse mês também os romanos celebravam a Saturnália, festa dedicada ao deus Saturno "em que se penduravam guirlandas, se distribuíam presentes e até havia árvores como a nossa no Natal.

"Assim, copiam-se datas, substituem-se datas e muitos vezes costumes", acrescenta Alonso.

Portanto, foi só a partir do século 4 que o nascimento de Jesus começa a ser celebrado.

·        E quando a data se torna relevante como feriado cristão?

A arte pode servir de pista, explica o historiador: na igreja de San Vitale em Ravenna, do século 6, da época do imperador Justiniano, "já existem imagens, por exemplo, da adoração dos Reis, pelo que se dá importância a episódios nos evangelhos relacionados ao nascimento de Jesus".

Se a data que celebramos não é realmente aquela em que Jesus nasceu, que outros dados sobre seu nascimento os historiadores dão como certo?

Piñero considera que, como os capítulos de Mateus e Lucas nos quais se fala da infância de Jesus são tão diferentes entre si, "a ponto de parecer que falam de duas pessoas diferentes", presumivelmente poderíamos considerar no que coincidem como suposto fato histórico.

Basicamente, que seus pais se chamavam Maria e José, que era uma família muito religiosa, e que Jesus era galileu.

Mas Alonso discorda: "Parecem dois textos quase mitológicos", conclui ele.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

Esquecimento ou sinal de Alzheimer? Entenda as diferenças

É comum pensar que, mediante a recorrentes queixas sobre falhas de memória, o breve esquecimento seja sinal para a doença de Alzheimer. No entanto, nem sempre o lapso mental significa um alerta ao diagnóstico.

Resumidamente, o Alzheimer trata-se de uma doença neurodegenerativa progressiva que afeta o cérebro, comprometendo funções cognitivas, como memória, linguagem, raciocínio e comportamento.

 “É a causa mais comum de demência em idosos e, até o momento, acredita-se ser causada pelo acúmulo anormal de proteínas beta-amiloide e tau no cérebro, levando à perda de neurônios e atrofia cerebral”, explica a geriatra Simone de Paula Pessoa Lima à CNN.

Enquanto isso, os lapsos de memória são episódios transitórios e momentâneos, geralmente causados por distração, cansaço ou estresse.

“Normalmente, ocorre falha na atenção ou no armazenamento temporário da informação, e frequentemente não está associado a doenças neurológicas, sendo comum em alguns momentos da vida de toda população”, define a neurologista Rayssa Garibe à CNN.

 “Já os esquecimentos representam uma incapacidade de recuperar informações previamente armazenadas na memória, que pode variar de leve a grave. Podem ser normais, associado à idade, ou patológicos, ou seja, doenças neurológicas, como Alzheimer, outras demências ou distúrbios neurológicos”, acrescenta.

<><> O que potencializa a doença de Alzheimer?

Segundo Simone, diversos são os fatores que contribuem para o desenvolvimento ou progressão do diagnóstico. Entre eles, há destaque para o próprio envelhecimento, histórico familiar, presença de genes específicos, doenças cardiovasculares, diabetes, sedentarismo, alimentação inadequada e isolamento social.

“Além disso, infecções, traumas cranianos e baixa reserva cognitiva também podem desempenhar um papel importante”, acrescenta.

Rayssa também diz que, naturalmente, o envelhecimento leva a algumas alterações na memória, como o esquecimento ocasional de nomes ou compromissos, mas isso não deve prejudicar as funções cotidianas.

“Doenças neurodegenerativas cursam com problemas de memórias que começam a afetar a vida diária, e são acompanhados por outros déficits cognitivos. Contudo, quando a perda de memória começa a interferir nas atividades diárias, a pessoa perde a capacidade de realizar tarefas simples ou começa a se perder frequentemente, isso pode ser indicativo de um quadro mais sério, como o comprometimento cognitivo leve (MCI) ou até mesmo demência”, conta.

<><> Os primeiros sinais que podem levar ao diagnóstico

Segundo a neurologista Garibe, um sinal importante é a progressão rápida da perda de memória. “Por exemplo, se os esquecimentos se tornam mais frequentes ou são associados a outros sintomas, como perda de atenção, alteração no nível de consciência ou mudanças comportamentais, isso pode ser um sinal de gravidade, indicando a necessidade de investigação diagnóstica”.

Simone também adiciona a dificuldade em encontrar palavras ou se orientar no tempo e espaço, além de alterações sutis no comportamento ou humor, como irritabilidade e apatia. “Esses sintomas podem parecer leves no início, mas progridem para dificuldades significativas”, garante.

Ainda que o Alzheimer seja mais comum em pessoas acima dos 65 anos, ele pode se manifestar precocemente, entre 40 e 60 anos, na forma conhecida como Alzheimer de início precoce. “É mais rara. O risco aumenta significativamente com o avanço da idade, especialmente após os 85 anos. No entanto, o impacto de fatores genéticos e ambientais pode antecipar ou retardar os sintomas”, diz a geriatra.

<><> Prevenindo o diagnóstico de Alzheimer

Embora não exista uma prevenção garantida, adotar um estilo de vida saudável pode reduzir significativamente o risco de desenvolver a doença. Os exemplos práticos incluem:

  • Alimentação equilibrada baseada na dieta mediterrânea com consumo de frutas, vegetais, peixes e azeite de oliva;
  • Praticar atividades físicas regulares;
  • Estimular o cérebro com leituras, jogos ou aprendizado de novas habilidades;
  • Manter-se socialmente ativo;
  • Controlar condições crônicas – como diabetes, hipertensão e colesterol alto;
  • Evitar o consumo de tabaco e excesso de álcool;
  • Realizar a manutenção da saúde mental, incluindo o tratamento de depressão e a gestão do estresse.

<><> Quando buscar um ajuda especializada?

Para Rayssa, os sinais de esquecimento que justificam a procura por um neurologista geralmente envolvem mudanças significativas na memória e no cotidiano do paciente.

“Os esquecimentos se tornam preocupantes quando há uma evolução rápida e progressiva passando a interferir no dia a dia e nas funções básicas. Muitos apresentam dificuldade em realizar tarefas habituais, como cozinhar ou dirigir em locais conhecidos, repetem perguntas ou histórias várias vezes, sem perceber”, comenta.

“Outros sinais de alerta podem ser observados quando os pacientes apresentam outros sintomas associados aos esquecimentos como dores de cabeça persistentes, confusão mental ou dificuldade de concentração, perda de força, formigamento ou alterações sensoriais”, conclui.

¨       Fases da doença de Alzheimer

Podemos identificar três fases de evolução na doença de Alzheimer: fase ligeira (1), fase moderada (2) e fase severa (3).

<<< 1. Fase Ligeira

Nos estádios iniciais, os défices de memória começam a aparecer, manifestando-se sobretudo na aprendizagem de informação nova ou informações relativas a momentos recentes. À medida que a demência avança, os prejuízos tornam-se mais claros e a pessoa começa a evidenciar desorientação no espaço e no tempo.

O desempenho cognitivo diminui e acentuam-se as dificuldades em recordar nomes de pessoas; podem observar-se também outras dificuldades do funcionamento cognitivo, tais como concentração e linguagem: o doente pode manifestar dificuldade em encontrar palavras comuns para se expressar durante uma conversa. Alterações de humor são também observadas: a pessoa começa a dar-se conta de que está a ter perdas mnésicas (“falhas de memória”) o que resulta num aumento dos níveis de ansiedade.

# Nesta fase, pode observar-se:

- Esquecer-se de coisas com maior frequência do que era habitual;

- Apatia (menor vivacidade);

- Dificuldade em fazer e aprender coisas novas;

- Dificuldade em fazer escolhas e tomar decisões;

- Dificuldade em compreender ideias mais complexas;

- Propensão para esquecimento de detalhes e acontecimentos recentes;

- Dificuldade em executar tarefas do dia-a-dia e lidar com dinheiro;

- Dificuldade em ordenar as ações que acontecem ao longo do dia;

- Repetir frases ou história durante uma conversa;

<<<< 2. Fase moderada

Nesta fase, ao nível do funcionamento cognitivo, os prejuízos na função linguagem podem acentuar-se: a pessoa exibe dificuldade em nomear objetos ou escolher termos adequados para expressar uma ideia. Surgem também dificuldades acentuadas de orientação no tempo e no espaço. Os défices de memória também se intensificam: deixam de se reportar apenas a acontecimentos/ informações recentes para se estenderem a acontecimentos da história passada da pessoa.

Manifestam-se alterações de humor que podem incluir ansiedade, tristeza, depressão, frustração, hostilidade, apatia ou agitação; sentimento de perda ou de insegurança;

As alterações de comportamento também se tornam mais frequentes e incluem inquietude (deambular); perguntas e atos repetidos; alucinações (ver, ouvir, cheirar ou sentir algo que não existe), delírios (acreditar em algo que não é verdadeiro), desinibição (desinibição sexual, desinibição no vocabulário usado, agressividade). O doente passa a requerer alguma assistência nas atividades de vida diária, existindo também alterações de sono, alterações de apetite, entre outros.

# Nesta fase, pode observar-se

- Acentuação dos défices de memórias recentes;

- As memórias mais distantes e do passado começam a evidenciar-se confusas ou baralhadas;

- Desorientação no tempo e/ou no espaço mais acentuada;

- Maior propensão para se perder em espaços mais distantes ou menos familiares;

- Esquecimento do nome de pessoas significativas e/ou confusão na identificação de familiares ou pessoas significativas;

- Dificuldades em realizar tarefas do dia-a-dia de forma segura (ex.: esquecer-se de uma panela ao lume);

- Tendência para descurar os cuidados de higiene e de alimentação;

- Comportamentos socialmente desajustados ou diferentes dos habituais das pessoas;

- Reações exageradas de zanga ou angústia perante situações de frustração.

<<<< 3. Fase severa

As manifestações clínicas associadas à doença de Alzheimer prendem-se com fatores ligados ao sono; alterações comportamentais, como irritabilidade e agressividade; delírios e alucinações; incapacidade de se deslocar, falar e realizar cuidados pessoais. O grau de necessidade assistência torna-se considerável ou total nos cuidados pessoais (inclui vestir/despir, tomar banho), até culminar numa fase terminal em que o doente fica acamado, requerendo cuidado constante.

A perda de memória acentua-se severamente, acompanhada de reduzida capacidade para processar informação. Ocorre elevada desorientação no tempo e no espaço, elevadas dificuldades de comunicação (muitas vezes o discurso torna-se ilógico e vazio de significado). Observa-se ainda a perda da capacidade de andar sem ajuda e, posteriormente, a capacidade de se sentar sem suporte, de sorrir ou controlar os movimentos corporais.

# Nesta fase, pode observar-se:

- Incapacidade para recordar acontecimentos decorridos há poucos minutos (ex.: “ainda não almocei”);

- Dificuldade em comunicar verbalmente;

- Não reconhecer pessoas significativas;

- Incapacidade em reconhecer e nomear objetos ou as suas funções;

- Déficts de memória severos com tendência para procura ou perguntar por pessoas que já faleceram;

- Ter comportamentos agressivos, particularmente em situações percepcionadas como ameaçadoras;

- Perdas cognitivas acentuadas que se traduzem na incapacidade de satisfação de necessidades básicas como comer, andar, controlar os esfíncteres (controlo da urina e fezes).

- Alterações do comportamento na doença de Alzheimer

- Perante as perdas significativas de memórias e de outras funções do cérebro, o doente demenciado pode comporta-se de maneira incomum ou diferente daquela que habitualmente exibia.

>>> Algumas das alterações de comportamento decorrentes da demência:

- Comportamento agressivo;

- Comportamento ansioso;

- Comportamento desinibido (ex. usar linguagem obscena; despir-se publicamente);

- Comportamento repetitivo;

- Sundowning (agitação ao entardecer);

- Deambulação (andar de um lado para o outro sem razão aparente);

- Respostas exaltadas;

- Acumulação de coisas.

Alguns destes comportamentos traduzem-se em necessidades básicas que não estão a ser supridas, mas que o doente não tem capacidade de as comunicar (ex. fome, aborrecimento, acumulação de energia).

Estar atento às causas das alterações do comportamento pode ajudar os familiares/cuidadores a lidar mais eficazmente com as situações que vão surgindo no dia-a-dia da vida de um paciente com Doença de Alzheimer, reduzindo a frequência ou intensidade dos comportamentos desafiantes.

Na maioria dos casos, os cuidadores têm mais dificuldades em lidar com as alterações de comportamento ou de personalidade de um doente de Alzheimer do que com as perdas cognitivas associadas à demência. Isto é, um filho poderá mais facilmente lidar com o facto de o seu pai não recordar a sua idade, do que lidar com uma situação em que o seu familiar dispa as suas roupas ou exiba comportamentos sexuais socialmente, porque é percecionado como uma perda de identidade do doente.

<><> Estratégias para lidar com um doente de Alzheimer

Cuidar de uma pessoa com Doença de Alzheimer pode tornar-se uma tarefa muito desafiadora e desgastante. É importante ter em consideração que as perdas cognitivas (perdas de memória, orientação espacial e temporal, linguagem, capacidade de raciocínio, concentração, entre outras) têm impacto na maneira como a pessoa vive e se relaciona.

Os défices ocorridos levam a que, muitas vezes, a pessoa se esqueça ou desaprenda a forma como deve comportar-se, como pode executar uma ação rotineira, vestir-se adequadamente, ou, até mesmo, comer.

Ao lidar/cuidar com um doente de Alzheimer, é importante que o cuidador tenha em consideração que a manifestação de comportamentos desafiantes (sejam eles, repetir muitas vezes uma pergunta que evidencie uma preocupação, reagir agressivamente quando anteriormente era uma pessoa gentil, manifestar comportamentos sexuais socialmente, ou usar linguagem obscena e desapropriada ao momento) não é uma escolha consciente e intencional do doente, mas sim consequência das alterações do funcionamento do cérebro perante a doença.

>>>>> Sugerem-se algumas estratégias para lidar eficazmente com as alterações cognitivas e comportamentais em indivíduos com Doença de Alzheimer:

- Ter sempre uma atitude afetuosa;

- Estabelecer o contacto visual e ouvir atentamente;

- Manter um ambiente calmo e sem ruídos;

- Recorrer à linguagem corporal para facilitar a comunicação;

- Permanecer calmo e falar de maneira clara e gentil;

- Utilizar frases curtas e simples, focando uma ideia de cada vez;

- Dar tempo à pessoa para compreender o que lhe transmitiu;

- Dizer previamente o que pretende fazer antes de a abordar (no caso de prestação de cuidados pessoais);

- Inverter frases negativas, tornando-as afirmativas (substituir “Não faça isso” por “é melhor fazer assim.”);

- Ser paciente.

>>>>>> Existem ainda um conjunto de atitudes que nunca deverão ser exibidas com um doente de Alzheimer:

# Discutir: a pessoa não terá capacidade para perceber o que está errado e só irá agravar a situação;

# Dar ordens à pessoa;

# Dizer à pessoa o que não pode fazer. Em vez disso, deve dizer-se aquilo que ela pode fazer;

# Utilizar modos intransigentes;

# Um tom de voz arrogante pode ser apreendido mesmo que a pessoa não compreenda as palavras, o que a poderá deixar mais perturbada;

# Perguntas que apelem à utilização da memória (já que irão causar um sentimento de maior frustração no doente);

# Falar da pessoa que está presente como se ela não estivesse presente.

Em caso de persistência de dúvidas, um médico psiquiatra ou neurologista juntamente com um psicólogo geriátrico poderão ajudá-lo.

<><> Tratamento da Doença de Alzheimer

Embora a Doença de Alzheimer seja, atualmente, irreversível e incurável, é possível tratar os sintomas.

O tratamento é feito com recurso a medicação e a diferentes tipos de terapia, no sentido de se retardar a evolução dos sintomas da demência e de controlar as alterações de comportamento associadas à doença de Alzheimer, tais como, agitação, agressividade e alterações de humor. A prescrição de fármacos visa atenuar alguns sintomas cognitivos e comportamentais da pessoa com demência, mas não a impedem de evoluir.

Além da terapia farmacológica, é recomendado fazer reabilitação cognitiva, tendo maior eficácia nos estádios iniciais da demência.

A reabilitação cognitiva é um tipo de intervenção em que pacientes e os seus familiares trabalham em conjunto com os profissionais de saúde com o objetivo de restituir ou compensar os défices do funcionamento cognitivo (“défices nas capacidades que permitem ao cérebro prensar”) provocados pela demência, melhorando o funcionamento do paciente no seu dia-a-dia. O seu principal objetivo passa por ajudar o paciente e os familiares a lidar, conviver, contornar e superar os danos que a doença de Alzheimer provoca, não só ao nível cognitivo, mas também nos comportamentos e no estado emocional do doente. 

Em fases mais avançadas, em que se regista um maior declínio do funcionamento cognitivo, os cuidados clínicos passam por psicoeducação, técnicas comportamentais, musicoterapia e suporte do cuidador.

 

Fonte: CNN Brasil/Neurolife/Saude Bem Estar