segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Weslley Cantelmo: Que Brasil esperar?

Tenho me preocupado com os rumos e mesmo com os parâmetros do debate econômico contemporâneo. Até porque, em razão de um longo movimento que não abordarei aqui, ele se distancia daquilo que lhe é fundamental, que é sua dimensão política, tornando-se, portanto, um debate oco, cheio de inverdades e ilusões de ótica.

Entre os dias 19 e 20 de dezembro de 2024, o Congresso Nacional aprovou o pacote de medidas fiscais para contenção de gastos – PLP 2010/2024 e PEC 45/2024 – proposto pelo governo do Presidente Lula. Os cortes se fizeram necessários como decorrência das restrições impostas pelo Arcabouço Fiscal, também proposto pelo governo Lula, em 2023.

Como o arcabouço estipula um teto geral para o crescimento das despesas e existem despesas que até então crescem em ritmo superior ao estipulado pelo teto, uma coisa leva à outra, ou seja, a regra de reajuste de tais despesas precisaria ser ajustada para que o Arcabouço Fiscal continuasse a ter validade. Voltaremos a esses detalhes, mas antes, vamos conversar um pouco sobre concepções de país.

Pergunto a você: qual é a sua aspiração de país? Ainda consegue pensar nisso ou foi tomado pela sombra contemporânea do imediatismo? Ou já naturalizou uma visão pessimista de mundo e está esperando a morte chegar, enquanto procura satisfazer pequenos desejos? Se você é desse tipo de pessoa, tudo bem. Mas, saiba que estamos em posições diferentes. Eu sou da briga. Ainda que em uma briga ingrata, com chance enorme de perda, não aceito a realidade tal como ela é e me interessa é mudar as regras do jogo, virar a mesa, antes que jogá-lo. Inocência, idealismo de minha parte? Talvez. Apreender o real é sempre tarefa perigosa e inconclusa. Deve estar me escapando algo. Mas, o que é mais confortável, questionar ou aceitar as decisões de outros (ainda que do mesmo campo político)? Para pensar.

Assim, antes de qualquer análise, abro o jogo e digo que minha aspiração de país é definida por uma utopia desenvolvimentista socialista. Utopia, gosto sempre de dizer, no sentido daquilo que ainda será, de acordo com nossos esforços contemporâneos para a sua construção. Pensar utopicamente é a prática daquele que tem coragem. Logo, o que quero é um país desenvolvido, nos parâmetros permitidos pelo planeta e de acordo com o que a criatividade humana, que não se confunde com a criatividade ocidental, é capaz de produzir.

E desenvolvimento é briga, assim como Celso Furtado já assinalava ainda na década de 1970, seja em função dos limites naturais – que cada vez mais revelam-se e explicitam a irracionalidade da ordem vigente – seja em função da guerra entre as nações na pesada geopolítica global, seja, ainda, em função da luta de classes, que tem ganhado contornos dramáticos no capitalismo contemporâneo, ancorado no mundo digital e na geração de dissonâncias cognitivas.

Então, vamos lá: no Brasil de hoje estamos trabalhando em favor do desenvolvimento? Serei taxativo, sujeito ao escrutínio: não!

Esse “não” tem muitas camadas e é muito mais um vetor resultante, o que significa dizer que há movimentos em favor e movimentos contrários, claro. Mas o resultante, se eu estiver certo, é preocupante.

Analisemos então os vetores. Alguém aí já viu algum país superar sua condição de subdesenvolvimento dependente e mesmo o alcance de algum grau de soberania de fato sem a mobilização de instrumentos estatais? Sobretudo aqueles que dizem respeito ao impulso fiscal para geração de investimentos responsáveis por quebras estruturais na dinâmica produtiva?

Até onde sei, não há. A dinâmica de poder no Brasil, em grande medida, converge justamente para a resultante institucional de controle do orçamento público, que estipula diversos privilégios para os grupos de poder e impõe à grande massa da população restante profundas restrições. Vige no Brasil uma estrutura institucional que impede o Estado de ser mobilizado na direção de uma estratégia de desenvolvimento.

Estamos operando em um grande piloto automático de gestão das estruturas de exploração e desigualdade. Essa é a questão de nosso tempo, a qual, aos inconformados, cabe a definição de estratégias, coragem e disposição para superá-la.

A lógica da restrição fiscal imposta ao Brasil já teve diversas formas institucionais, que chegou ao seu ápice enquanto o “Teto de Gastos” de Michel Temer e Jair Bolsonaro, mas tem sua forma contemporânea no chamado “Arcabouço Fiscal”. Alguém pode dizer que são imposições da conjuntura, que a correlação de forças não nos permite ir mais adiante. Tudo bem, mas apresento alguns pontos para reflexão.

No quadro contemporâneo, temos uma esquizofrenia nacional, com uma Constituição da República voltada à universalização de um Estado de direitos sociais que convive com mecanismos de eterno adiamento dessa universalização, tal como o próprio Arcabouço Fiscal. A concepção de um Estado com controles fiscais rígidos é, por essência, um vetor de regressão social e manutenção do status quo da dinâmica social. Logo, não consigo, talvez por incapacidade, ver como a aceitação passiva ou defesa (como tenho visto por parte do atual governo) de um controle fiscal rígido nos leva a acumular forças na direção de algum avanço.

Ao contrário, além de gerar travas concretas, desinforma e empobrece o debate público. Alguém, complementarmente, pode dizer: “não se trata de acumular forças nesse momento, mas de sobreviver”. Eu responderia: veja, não há condição mais desesperadora para o ser, quando só lhe resta a sobrevivência. A condição de sobrevivência conjuga o factual de buscar meios para permanecer vivo e a fé de que algo não esperado venha a acontecer. Sou novamente taxativo, não estamos, ainda, nessa condição. Mas podemos chegar lá se não entendermos com muita preocupação os resultados objetivos do rígido controle fiscal.

Chegamos agora em uma encruzilhada que já era prevista desde a proposição do Arcabouço Fiscal e que é explicativa do risco que vivemos. Como sabíamos, o Arcabouço Fiscal, por ser o que é, é incompatível com os pisos sociais mínimos previstos na Constituição e com históricas políticas públicas que garantiram um mecanismo efetivo de distribuição de renda na base da população. De um lado, a política de valorização real do salário mínimo atrelada ao crescimento do produto foi, durante os dois primeiros governos Lula e também Dilma, um importante mecanismo gerador de crescimento econômico com distribuição de renda[i][ii], inclusive e obviamente, com importantes retornos fiscais.

Aliás, isso nos dá uma deixa para comentar o jogo retórico que envolve a política de valorização do salário mínimo. O que sempre se lê ou se escuta nos principais veículos jornalísticos que cobrem a pauta econômica é sobre o impacto fiscal da política de valorização do salário mínimo. Claro que há um efeito de pressão imediata sobre o orçamento, sobretudo porque os reajustes de diversos programas sociais de transferência de renda recebem a influência do valor do salário mínimo.

O principal deles é justamente o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é, até então, atrelado ao valor do salário mínimo. No entanto, o que não se discute publicamente com a mesma avidez, apesar de vastas evidências científicas, são os efeitos distributivos, de dinamicidade no mercado de trabalho e os impulsos no crescimento econômico que também resulta em maior arrecadação, portanto, em melhores condições de sustentação da própria política de elevação do salário mínimo, assim como as demais políticas importantes para uma estratégia de desenvolvimento nacional, além de ser um colchão de segurança para o povo pobre.

Mais do que isso, é preciso ressaltar que o contrário também é válido. Isto é, uma maior timidez na política da valorização do salário mínimo, ainda que mantendo a lógica de reajustes reais, tem como potencial efeito o arrefecimento da dinâmica de crescimento, com consequente arrefecimento da dinâmica de arrecadação. Basta ver as análises do que teria ocorrido se a regra proposta agora no âmbito do pacote de cortes de gastos tivesse sido adotada, por exemplo, desde 2003.[iii]

A mesma lógica de “ajustes” se fez em outros campos, como no caso do Fundeb, que agora passará a ter percentual de sua destinação incluído no compito de valores mínimos investidos na educação, conforme previsto na Constituição – o percentual será de 10%, mas é importante lembrar que o governo propôs 20%. Esses recursos do Fundeb deverão ser direcionados ao complemento para a implantação de escolas de tempo integral. Legal, mas esse não deveria ser parte de nosso esforço de geração de uma revolução em nossa educação pública?

Esses são claros sinais do equívoco de se ter no centro do debate econômico o chamado “equilíbrio das contas públicas”, com a subordinação de toda a estratégia de desenvolvimento econômico. É uma inversão lógica que bloqueia qualquer mudança estrutural no país. Então, com a aprovação do pacote fiscal de corte de gastos demos sim passos atrás em nosso desafio civilizatório.

Antes que qualquer oportunista possa dizer, “então você defende uma gastança sem freios”, adianto que existem sim limites a impulsos fiscais, sobretudo quando não há uma estrutura de planejamento robusta e quando esse impulso é direcionado a medidas com baixos efeitos multiplicadores e que não são capazes de deixar legados estruturais de médio e longo prazo. Definitivamente, esse não é o caso da política de valorização do salário mínimo, que afeta aquilo que temos de mais valoroso, que são as pessoas e sua capacidade de sobrevivência, consumo e criação.

Esse já não é o caso, por exemplo, do grande volume de emendas parlamentares, que consome boa parte do valor destinado a investimentos públicos. Essas despesas, por seu turno, são pulverizadas no território nacional, sem qualquer planejamento, e com limitados efeitos de escala. Logo, a qualidade do gasto importa muito, quando estamos tratando de impulso fiscal. E temos aí mais uma derrota, com as emendas continuando livres de bloqueios.

A economia está ativa, aquecida, com o início da retomada do investimento e que também leva a resultados interessantes no mercado de trabalho, com mínimas históricas de desocupação (apesar da alta informalidade e maior precariedade das formas de trabalho) e uma tendência de elevação da renda média. Mas, trata-se do início de um possível novo ciclo de investimento, que ainda não retomou os melhores momentos dos períodos Lula 1 e 2 e Dilma Rousseff. A qualidade do investimento parece ser melhor, com o também início de uma forte retomada do papel do BNDES como financiador de uma tentativa de emplacar uma nova rodada de industrialização aderente às necessidades de transição ecológica – porém, no curto prazo, ainda bastante dependente da importação de tecnologias.

Há uma tentativa, bastante presente na retórica do governo, de alçar o Brasil como a principal liderança de uma economia voltada à transição ecológica. Na prática, porém, essa iniciativa que se sintetiza internamente no Plano de Transição Ecológica, tem se limitado à medidas microeconômicas de facilitação à formação de mercados e à disponibilização de novas linhas de crédito e captação de recursos no mercado internacional para financiamento de empreendimentos inovadores, que até então, estão bastante concentrados no setor de produção de energias limpas.

Um começo razoável, mas que possui claras limitações e alguns riscos, sobretudo de colocar o Brasil como um mero fornecedor de commodities energéticas limpas na divisão do trabalho do mundo que corre atrás do tempo contra a crise climática.

Fala-se muito nos veículos de imprensa tradicional e mesmo no governo (quando se defende dos apontamentos à esquerda quanto aos efeitos danosos do Arcabouço Fiscal) sobre a importância do impulso fiscal para esses resultados. Essa é uma verdade que precisa ser qualificada. A retomada de importantes políticas sociais de transferência de renda, como apontei acima, gera efeitos multiplicadores e ajudam bastante no aquecimento da economia.

Contudo, vale lembrar, o investimento público, que em 2023 ficou em 2,63% do PIB, apenas supera em pouco os efeitos de depreciação e está bastante abaixo dos níveis observados nos governos Lula 1 e 2 e Dilma. Claro, comparado a Michel Temer e Jair Bolsonaro, parece ser o céu. Mas não acredito que esse deva ser o nosso parâmetro. Em 2024 o investimento público tem apresentado elevação, mas os efeitos do Arcabouço Fiscal tendem a arrefecer esse movimento. Voltamos à questão: é possível promover um processo de desenvolvimento sem investimento público?

Vamos então para o outro lado da moeda, que é a política implícita no que envolve o Arcabouço Fiscal. Antes que qualquer reflexão é importante lembrar que foi o próprio governo o responsável por propor o Arcabouço Fiscal, como uma continuidade atenuada do Teto de Gastos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

O argumento político, no momento de negociação de um pacote fiscal extraordinário, em função da ficção que representava o orçamento de 2023 aprovado pelo governo anterior, era o de dar alguma segurança aos agentes que não apoiaram Jair Bolsonaro, mas que tinham desconfianças com relação ao governo, de que o ciclo Lula 3 não significaria uma total ruptura com as reformas institucionais liberais feitas desde o golpe contra Dilma Rousseff  em 2016.

O teto de gastos já era, naquelas alturas, uma peça de ficção, com o governo de Jair Bolsonaro tendo despejado muito dinheiro na economia, sem qualquer critério, para tentar ganhar a eleição presidência de 2022. Naquela ocasião, como era de se esperar, não houve grita dos agentes operadores de mercado. Essa gente – e, sim, são pessoas – tem lado. Um lado muito pragmático, que se resume a ganhar muito dinheiro com o menor risco possível.

Inclusive, considero inócuas denúncias que fazemos na esquerda contra a lógica especulativa e manipuladora dos rumos da economia brasileira com a qual os agentes de mercado operam. O que nos cabe é encontrar maneiras práticas de superá-los. Não é simples. Contudo, procurar a todo tempo sinalizar de que não haverá mudança na lógica de condução do Estado só reforça a posição de poder dos agentes de mercado, que passam a entender que o céu é o limite e que, portanto, sempre conseguirão maneiras para que seus interesses sejam atendidos, ainda que paulatinamente.

E não digo isso em relação ao momento de estresse financeiro, com pressão sobre o câmbio, enquanto o pacote de cortes tramitava no Congresso. Nesse momento, quando a vaca já foi para o brejo, o melhor é ficar calado. Mas me referido às constantes sinalizações da equipe econômica desde 2023 e até à fatídica entrevista de Fernando Haddad à Mônica Bergamo.

O que fica, para que pretendem alguma mudança nesse país na direção do desenvolvimento, é diminuição das margens de manobra, a insatisfação em parte dos grupos organizados, com chances até de rupturas entre as militâncias de esquerda, mais ou menos defensoras do governo. E, fundamentalmente, fica tendencialmente o potencial de crescimento de um mal estar no povo, em decorrência da vida difícil, que, aos poucos, vai se tornando insatisfação com o governo e adesão às teses esdrúxulas de uma extrema direita muito bem organizada.

No computo geral, me parece que travamos as possibilidades na busca pelo desenvolvimento e, ao contrário de acumular, perdemos forças para enfrentar as próximas rodadas dessa eterna luta. E essa não é uma reflexão sobre possibilidades eleitorais, mas sobre a vida concreto do povo, hoje e nos próximos anos.

 

¨      Dominância fiscal, dominância monetária e o futuro imediato. Por Henrique Morrone, Alessandro Miebach & Adalmir Marquetti

As concepções tradicionais da macroeconomia, forjadas há mais de quarenta anos, sugerem que a política monetária deve ocupar uma posição central na gestão macroeconômica, enquanto a política fiscal se limita a atuar por meio dos estabilizadores automáticos, que resultam de mudanças nos gastos públicos em resposta a flutuações do nível de atividade.

Nesse contexto, o termo “dominância fiscal” tem ganhado relevância nas discussões sobre o Brasil. O receio é que o país entre em uma situação em que a política fiscal sobreponha o poder da política monetária. Esse cenário ocorre em contextos de desequilíbrio fiscal profundo, quando os déficits públicos se traduzem em altas taxas de inflação, o que enfraquece a eficácia da política monetária.

Os formuladores da  política monetária são levados a adotar medidas drásticas, como a elevação das taxas de juros, para tentar controlar a inflação. Contudo, ao aumentar as taxas de juros, o déficit fiscal tende a crescer, agravando a situação econômica e gerando mais inflação. Isso pode levar a saída de recursos do país, resultando em maior depreciação cambial e intensificando os efeitos inflacionários.

No entanto, essa interpretação sobre o funcionamento da economia apresenta limitações. Em primeiro lugar, a eficácia do sistema de metas de inflação pode ser questionada, uma vez que tanto países que adotam quanto aqueles que não adotam esse sistema conseguiram reduzir suas taxas de inflação. Nesse contexto, a abertura comercial pode ter desempenhado um papel mais determinante no controle da inflação do que o próprio sistema de metas.

Além disso, como argumenta André Lara Resende, é possível que as políticas de elevação das taxas de juros, por meio de uma causalidade reversa, induzam as expectativas dos agentes econômicos a uma trajetória de inflação elevada, em vez de reduzi-la.

Em segundo lugar, o déficit primário pode gerar um aumento do PIB real, por meio do efeito multiplicador dos gastos públicos, como afirma a teoria keynesiana. Em um ambiente de taxas de juros moderadas, isso poderia até reduzir a relação dívida/PIB. O déficit público pode ter efeitos tanto nominais quanto reais sobre a economia, promovendo crescimento econômico.

Em terceiro lugar, a manutenção de taxas de juros muito altas pelo Banco Central pode paralisar a economia, especialmente quando a busca por superávits fiscais é necessária para conter o aumento da razão dívida/PIB. Segundo a teoria das finanças funcionais, se a taxa de juros fosse reduzida e ficasse abaixo do impacto da política fiscal sobre o PIB, o déficit público poderia resultar em queda da relação dívida/PIB. A dívida cresceria a uma taxa inferior à do PIB, fazendo com que a razão dívida/PIB diminuísse ao longo do tempo.

Em quarto lugar, caso os investidores adotem uma postura racional, eles deveriam se preocupar principalmente com o montante das reservas internacionais. Afinal, são as reservas internacionais que garantem a capacidade do país de honrar compromissos externos e permite aos investidores retirarem seus recursos durante períodos de instabilidade econômica.

Por fim, a dominância fiscal pode funcionar de forma análoga ao crowding out internacional, onde o desequilíbrio fiscal provoca inflação, fuga de capitais e depreciação cambial, intensificando a pressão inflacionária. Vale ressaltar que tanto o crowding out internacional quanto sua versão híbrida só ocorreriam com a anuência do Banco Central.

Caso o Banco Central utilize as reservas internacionais e os instrumentos a sua disposição de forma estratégica, a depreciação cambial poderia ser evitada, e seus efeitos negativos sobre a inflação e a economia não se materializariam.

Em síntese, o cenário atual do Brasil pode ser descrito como uma situação de “dominância monetária”. Por “dominância monetária” designamos uma situação de  inconsistência entre a política monetária e a dinâmica de crescimento da economia. Nesse contexto, a política monetária busca se sobrepor ao crescimento econômico, sendo pressionada por tensões internas e por convenções hegemônicas da gestão da riqueza privada brasileira.

A situação externa, com as indefinições das políticas do novo governo estadunidense, adiciona uma pressão nas economias periféricas. Além disso, as recomposições de carteiras e a remessa de ganhos ao exterior impactam o câmbio, um fenômeno particularmente significativo no Brasil. Esse movimento parece estar mais relacionado à proposta de aumentar a tributação dos mais ricos do que a riscos fiscais imediatos.

As convenções entre os gestores da riqueza financeira da elite, o chamado “mercado”, combinadas com esses fatores, estruturam uma narrativa monocausal de risco fiscal iminente. Isso cria um ciclo de elevação de juros, déficit nominal e depreciação cambial, em que há oportunidades para ganho especulativo. A política monetária, portanto, busca bloquear o crescimento econômico para atender a essas convenções, que, em última análise, “explicam” o cenário de depreciação cambial.

O Banco Central e a política monetárias não são neutros nem independete das pressões, concepções e discursos que emanam do “mercado”, e que se refletem na posição da mídia corporativa. A atual meta de inflação é incompatível com a realidade econômica do país, e resulta em movimentos de política monetária que tendem a acentuar as instabilidades. O objetivo desse cenário de “dominância monetária” é contrair o crescimento econômico e promover um ajuste fiscal socialmente assimétrico, no qual os mais pobres são penalizados, enquanto os setores mais ricos mantêm sua riqueza financeira.

Na atual conjuntura, o cenário para 2025 será de menor crescimento e de maior inflação. A posse do novo governo estadunidense e a maior clareza nas políticas a serem adotadas poderão reduzir a tensão atual. Será importante a votação célere da reforma tributária proposta pelo ministro Fernando Haddad, de modo a definir seus impactos sobre os detentores de riqueza brasileiros.

Ainda assim, há pouco espaço para mudanças na política monetária no curto prazo, mesmo com a nova presidência no Banco Central. O atual cenário de “dominância monetária”, gestado nos últimos anos sob os auspícios da plutocracia brasileira, com vistas a proteger seus interesses, é de difícil desmonte nas atuais condições políticas e econômicas. O governo e o novo presidente do Banco Central continuarão sujeitos a muita pressão nos próximos meses.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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