sábado, 21 de dezembro de 2024

Quatro maneiras como a solidão pode afetar sua saúde física

Todos nos sentimos sós em algum momento das nossas vidas. Para muitos, é um sentimento passageiro e eventual, mas para alguns essa solidão se torna crônica.

Vários estudos têm vinculado essa solidão crônica e o isolamento social a uma maior incidência de doenças e a um risco maior de morte prematura. Os cientistas, no entanto, desconhecem qual o mecanismo exato por trás desta relação, que não é necessariamente de causa e efeito.

É a solidão que gera as doenças ou são as doenças que nos tornam mais isolados?

De qualquer forma, as pesquisas deixam claro que a solidão e o isolamento social estão ligados a doenças mentais e físicas.

<<<< Conheça 4 aspectos da nossa saúde física que a solidão pode prejudicar, de acordo com estudos científicos:

# 1. Maiores riscos de doenças cardiovasculares

A solidão está associada a um aumento de quase um terço do risco de sofrer doenças cardiovasculares, como problemas de coração e derrames cerebrais. Nicole Valtorta, da Universidade Newcastle, no Reino Unido, estudou o fenômeno e disse à BBC que três mecanismos podem explicar essa correlação.

Um deles é psicológico: as pessoas que se sentem só com mais frequência têm mais chance de desenvolver depressão, ansiedade e se sentir mais infelizes.

O outro é biológico: quem se sente só com frequência e apresenta os sintomas psicológicos acima acaba dormindo pior.

O terceiro mecanismo é comportamental: as pessoas que se sentem isoladas podem acabar adotando comportamentos prejudiciais à saúde, como fumar e comer demais ou se exercitar menos.

Esses três fatores, que muitas vezes aparecem combinados, podem aumentar a chance de a pessoa desenvolver doenças cardiovasculares.

# 2. Menor habilidade para combater doenças comuns

Um estudo das universidades da Califórnia e de Chicago, publicado em 2015 na revista especializada PNAS, investigou o efeito celular da solidão em humanos e macacos, e concluiu que o sentimento de isolamento pode reduzir a eficiência do sistema imunológico.

Os pesquisadores perceberam que pessoas identificadas como socialmente isoladas tinham um aumento de 12% na atividade dos genes chamados CTRA, que estão associados à resposta imunológica.

Eles identificaram que essa hiperatividade se manifestava em níveis maiores de glóbulos brancos, que participam da resposta inflamatória, e em níveis menores de produção de proteínas imunológicas antivirais.

A hipótese por trás desse fenômeno é que os humanos evoluíram para viver em grupo. Quando são isolados durante um período prolongado, podem se sentir inconscientemente ameaçados, e permanecer em um estado constante de alerta. Esse estado de atenção aumenta a inflamação do corpo e reduz a nossa capacidade de combater infecções.

# 3. Pressão sanguínea mais elevada

Outro estudo da Universidade de Chicago concluiu que as pessoas que sofrem de solidão têm maior probabilidade de ter pressão sanguínea mais alta no futuro.

A hipertensão está associada a um maior risco de derrame, ataque do coração, problemas de rim e demência. O estudo foi publicado em 2010 na revista Psychology and Aging.

# 4. Risco maior de morte prematura

O isolamento social e a solidão estão associados a um aumento de 30% no risco de morte prematura, segundo um estudo da Universidade Brigham Young, dos Estados Unidos, publicado em 2015 na revista da Association for Psychological Science.

A investigação analisou 70 estudos diferentes com a participação de 3,4 milhões de pessoas. Eles concluíram que, ao contrário do que poderia parecer, "os adultos de meia-idade têm um risco maior de mortalidade quando sofrem de solidão crônica ou vivem sozinhos do que adultos idosos com as mesmas características".

Os autores acreditam que os estudos acerca dos efeitos da solidão sobre a saúde estão na mesma fase de investigação de pesquisas sobre o impacto da obesidade há décadas atrás. Portanto, é uma área nova de pesquisa. E a expectativa é de que o sentimento de isolamento entre a população aumente no futuro.

 

¨      Por que amigos prolongam nossas vidas

Se você tiver prestado atenção às noções mais recentes sobre bem-estar e longevidade, terá notado o aumento do foco na situação dos nossos relacionamentos.

Os pesquisadores dizem que as pessoas com redes de relacionamento bem desenvolvidas tendem a ser muito mais saudáveis do que aquelas que se sentem isoladas.

A relação entre as nossas interações com as outras pessoas e a nossa longevidade é tão forte que a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou recentemente uma nova Comissão sobre Conexões Sociais, consideradas uma "prioridade de saúde global".

Talvez você tenha um certo ceticismo sobre estas afirmações e os misteriosos mecanismos que supostamente relacionam nosso bem-estar físico à solidez dos nossos relacionamentos. Mas a nossa compreensão do modelo de saúde "biopsicossocial" vem crescendo há décadas.

Enquanto pesquisava a ciência por trás dessas conclusões para o meu livro The Laws of Connection ("As leis da conexão", em tradução livre), descobri que nossas amizades podem exercer influência sobre tudo – desde a resistência do nosso sistema imunológico até a possibilidade de morrermos de doenças cardíacas.

As pesquisas trazem conclusões claras. Se quisermos viver uma vida longa e saudável, devemos começar a priorizar as pessoas à nossa volta.

As raízes científicas desta descoberta remontam ao início dos anos 1960.

Foi quando o médico Lester Breslow (1915-2012), do Departamento de Saúde Pública do Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, definiu um projeto ambicioso para identificar os hábitos e comportamentos que geram maior longevidade.

Para isso, ele recrutou cerca de 7 mil participantes do condado de Alameda, na Califórnia. E, com questionários abrangentes, o médico elaborou um quadro extraordinariamente detalhado dos seus estilos de vida e acompanhou seu bem-estar nos anos que se seguiram.

Depois de uma década, a equipe de Breslow havia identificado vários dos ingredientes que, como sabemos hoje, são essenciais para a boa saúde: não fumar; beber com moderação; dormir sete a oito horas por noite; fazer exercícios; evitar guloseimas; manter peso adequado; e tomar café da manhã.

Na época, essas descobertas foram tão surpreendentes que, quando seus colegas apresentaram os resultados, Breslow achou que eles estivessem fazendo algum tipo de brincadeira.

Dificilmente você irá precisar de mim para explicar essas orientações com mais detalhes. O conjunto de sete hábitos saudáveis conhecido como "Alameda 7", atualmente, é a base da maioria das orientações de saúde pública.

Mas as pesquisas continuaram. E, em 1979, dois colegas de Breslow – Lisa Berkman e S. Leonard Syme – descobriram um oitavo fator que influencia a longevidade das pessoas: as conexões sociais.

Em média, as pessoas com maior número de laços sociais apresentaram cerca de metade da probabilidade de morrer em relação às pessoas com redes sociais menores. E este resultado permanecia inalterado, mesmo considerando fatores como situação socioeconômica e a saúde das pessoas no início da pesquisa, consumo de cigarros, prática de exercícios e alimentação.

Analisando com mais profundidade, ficou claro que todos os tipos de relacionamentos são importantes, mas alguns são mais significativos do que outros.

O senso de conexão com o cônjuge e amigos próximos oferece maior proteção, mas os próprios conhecidos casuais da igreja ou de um clube de boliche também ajudam a afastar a indesejável visita da morte.

A completa ousadia desta afirmação pode explicar por que ela foi inicialmente desprezada pelas orientações de saúde pública.

Os cientistas estavam acostumados a observar o corpo como uma espécie de máquina, praticamente separada do nosso estado mental e do ambiente social. Mas, desde então, extensas pesquisas confirmaram que a conexão e a solidão influenciam nossa suscetibilidade a muitas doenças.

<><> O cerne da questão

O apoio social pode, por exemplo, estimular nosso sistema imunológico e nos proteger contra infecções.

Nos anos 1990, o professor de psicologia Sheldon Cohen, da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, pediu a 276 participantes de um estudo que fornecessem detalhes completos sobre suas relações sociais.

Eles foram examinados para determinar a existência de possíveis infecções, colocados em quarentena e pediu-se que eles inalassem gotículas de água infectadas com rinovírus, responsável por muitas gripes e resfriados.

Nos cinco dias seguintes, muitos participantes desenvolveram sintomas, mas a incidência foi significativamente menor entre as pessoas com conexões sociais amplas e diversificadas.

E, de fato, as pessoas com menores níveis de conexão social apresentaram risco três a quatro vezes maior de desenvolver resfriado do que as que contavam com redes mais ricas de familiares, amigos, colegas e conhecidos.

Qualquer bom cientista deve sempre considerar se outros fatores de confusão podem explicar os resultados. É razoável considerar, por exemplo, que as pessoas isoladas podem ser menos ativas e saudáveis, se passarem menos tempo ao ar livre, com seus amigos e familiares.

Mas Berkman e Syme também concluíram que a correlação permaneceu mesmo depois que os pesquisadores descontaram todos estes fatores. E as dimensões do efeito excedem em muito os benefícios de tomar suplementos vitamínicos, outra medida que pode reforçar nosso sistema imunológico.

O estímulo social à saúde se estende ao nosso risco de condições crônicas, que transformam a nossa vida, como o diabetes tipo 2.

O diabetes surge quando o pâncreas deixa de produzir insulina em quantidade suficiente e as células do corpo não reagem à insulina que flui através do corpo. Estas duas condições impedem a decomposição do açúcar do sangue em células de energia.

Fatores como a obesidade podem contribuir para o diabetes, mas, aparentemente, a qualidade dos relacionamentos também tem influência.

Uma pesquisa que envolveu 4 mil participantes do Estudo Longitudinal Inglês sobre o Envelhecimento concluiu que avaliações mais altas na Escala de Solidão UCLA (um questionário empregado pelos cientistas para medir as conexões sociais das pessoas) previram o início do diabetes tipo 2 ao longo da década seguinte.

Existem até mesmo sinais de que pessoas com fortes relações sociais apresentam menor risco de desenvolver Alzheimer e outras formas de demência.

Mas a evidência mais forte se refere às doenças cardiovasculares. Estudos em massa rastrearam a saúde de dezenas de milhares de pessoas ao longo de muitos anos e destacaram esta relação repetidas vezes.

O efeito pode ser observado tanto nos estágios iniciais – com pessoas com poucas relações sociais sendo mais propensas a desenvolver hipertensão – quanto nos quadros mais graves, com a solidão aumentando em cerca de 30% o risco de ataques cardíacos, angina ou AVC.

Para ter uma ideia da importância geral do estímulo social à saúde, a psicóloga Julianne Holt-Lunstad, da Universidade Brigham Young em Provo, no Estado americano de Utah, compilou as conclusões de 148 estudos. Juntos, eles analisaram 300 mil participantes, observando os benefícios da integração social e os riscos da desconexão.

Ela então comparou os efeitos da solidão com os riscos de diversos outros fatores de estilo de vida, como fumar, beber álcool, fazer exercícios e atividade física, índice de massa corporal (que mede a obesidade), poluição do ar e a ingestão de medicamentos para controlar a pressão arterial.

Os resultados foram publicados em 2010. Eles são surpreendentes.

Holt-Lunstad concluiu que o tamanho e a qualidade das relações sociais apresentam relação igual ou maior do que quase todos os outros fatores determinantes da mortalidade. Quanto mais as pessoas se sentem apoiadas pelas pessoas à sua volta, melhor é a sua saúde e menor a sua probabilidade de morrer.

De forma geral, as conexões sociais ou sua ausência desempenham papel muito maior na saúde das pessoas do que o consumo de álcool, exercícios, índice de massa corporal e a poluição do ar. Os únicos efeitos que chegaram perto foram os do cigarro.

<><> Causa ou correlação?

Esta pesquisa enfrentou críticas.

Para conseguir uma prova inquestionável da relação causal entre um fator de estilo de vida e a longevidade em geral, seria preciso realizar um experimento controlado, no qual você aloca pessoas aleatoriamente a diferentes condições.

É desta forma que os novos medicamentos são testados – algumas pessoas tomam o remédio, outras tomam o placebo e alguém registra os diferentes resultados.

Neste caso, seria preciso alocar algumas pessoas a uma condição solitária, negando a elas que tivessem amizades, enquanto outras recebem uma rede social pronta, repleta de pessoas adoráveis.

Claramente, este procedimento é eticamente duvidoso e praticamente impossível de ser realizado, o que levou algumas pessoas a questionar se os efeitos aparentes das conexões sociais são reais e significativos.

Elas sugerem que os cientistas podem ter perdido algum fator de confusão que oferece a ilusão de relação entre as nossas vidas sociais e a nossa saúde e longevidade, apesar de todos os esforços.

Mas este argumento não é tão irrefutável quanto parece, como defendeu recentemente Holt-Lunstad, em uma análise da pesquisa.

Afinal, nós não podemos realizar experimentos randomizados em seres humanos para comprovar os riscos da redução do tempo de vida causados pelo fumo – a ética do processo seria ainda mais questionável. Mas poucos cientistas hoje em dia negariam a relação causal entre o fumo e a redução da longevidade.

Isso ocorre porque os cientistas detêm outra forma de demonstrar a relação causal entre o estilo de vida e uma doença. São os chamados critérios de Bradford Hill.

Holt-Lunstad destaca que, em estudos de longo prazo como a pesquisa Alameda, por exemplo, os cientistas podem procurar a "temporalidade", ou seja, tentar saber se as escolhas de estilo de vida de alguém precedem o desenvolvimento da doença.

Neste caso, a sequência é muito clara. As pessoas relataram sua solidão muito antes de desenvolverem seus problemas de saúde.

Os cientistas podem também procurar "relação de reação à dosagem", ou seja, se a maior exposição ao fator de estilo de vida proposto resulta em maior risco.

E, também aqui, existe um padrão evidente: as pessoas totalmente isoladas são mais propensas a sofrer problemas de saúde mais sérios do que alguém que fica sozinho ocasionalmente – que, por sua vez, sofre mais doenças do que alguém que tem um círculo social vibrante.

É possível também verificar se as conclusões são consistentes em diferentes populações, usando diversos tipos de medição.

Se os efeitos houvessem sido identificados apenas em uma pequena amostra, ou se eles aparecessem apenas quando consideramos um único questionário de solidão, você teria razão de ser cético. Mas não é o caso.

O estímulo social à saúde também já foi documentado em todo o mundo, segundo Holt-Lunstad, utilizando diversos métodos de quantificação das conexões sociais das pessoas.

Quer você procure sentimentos subjetivos ou considere fatos objetivos, como o estado civil ou o número exato de vezes em que uma dada pessoa encontra conhecidos todos os meses, o padrão permanece o mesmo.

Podemos até observar efeitos paralelos em espécies sociais muito diferentes, como os golfinhos, babuínos-do-cabo e macacos Rhesus. Quanto mais integrado for o indivíduo ao seu grupo social, maior é a sua longevidade.

<><> A segurança em números

Para compreender como e por quê a solidez das nossas conexões sociais pode influenciar até certo ponto a nossa saúde, precisamos analisar a nossa evolução.

Quando os primeiros seres humanos se adaptaram para viver em grupos maiores, tudo dependia dos seus relacionamentos, desde o abastecimento de comida até a proteção contra os predadores. Perder os companheiros deixaria os humanos em risco de doenças, lesões e de morrer de fome.

Por isso, o cérebro e o corpo humano podem ter evoluído para interpretar o isolamento social como uma ameaça séria. Esta pode ser a razão por que sentimos tanta angústia quando estamos sozinhos e desconectados.

Da mesma forma que a dor física nos alerta a buscar segurança e cuidar das nossas feridas, a dor social pode ter evoluído para nos convencer a evitar parceiros hostis e restabelecer nossas relações positivas.

Sentimentos de rejeição ou isolamento também despertam uma série de reações fisiológicas.

No nosso passado evolutivo, elas se destinavam a proteger os primeiros seres humanos contra os riscos imediatos representados pelo isolamento, como os ataques de predadores ou inimigos. O cérebro aciona a liberação de norepinefrina e cortisol, os hormônios que mantêm a mente alerta contra ameaças e preparam o corpo para agressões.

Paralelamente, o sistema imunológico começa a aumentar a produção de moléculas inflamatórias, para defender o corpo contra os patógenos. Para os primeiros seres humanos, isso teria reduzido o risco de infecções, se eles eventualmente fossem feridos por um ataque.

A sensação de isolamento e estresse social também pode aumentar a produção de fibrinogênio, que promove a coagulação do sangue e ajuda na cura das feridas. Esta reação teria aumentado a possibilidade de sobrevivência imediata dos nossos ancestrais, mas poderia causar danos de longo prazo.

Quando o corpo fica constantemente preparado para hostilidade e agressões, ele aumenta a tensão sobre o sistema cardiovascular. Paralelamente, as inflamações crônicas podem evitar a infecção das feridas, mas a reação imunológica decorrente é menos adequada para reagir aos vírus, o que aumentaria a possibilidade de contrair doenças respiratórias, por exemplo.

As inflamações crônicas também causam o desgaste de outras células, o que pode aumentar o risco de diabetes, Alzheimer e doenças cardíacas. E os níveis elevados do fator de coagulação fibrinogênio podem causar trombose, que pode gerar ataque cardíaco ou AVC.

Se passarmos décadas em solidão e isolamento, estas mudanças podem aumentar drasticamente o risco de doenças e morte precoce. Mas, quando as pessoas contam com conexões e apoio social, seus corpos irão suprimir processos como as inflamações. E, como resultado, elas terão um padrão de saúde muito melhor, que as torna menos suscetíveis a doenças.

Por ter sofrido de timidez, eu costumava considerar estas conclusões um tanto desconcertantes. Como podemos colher os benefícios da conexão profunda se não formos naturalmente sociáveis e extrovertidos?

Mas, desde que me aprofundei nas evidências, descobri que nossas habilidades sociais são como os nossos músculos – quanto mais usamos, mais fortes elas ficam. E mesmo os declaradamente introvertidos podem aprender a ser mais sociáveis, se quiserem.

Da mesma forma que planejamos um programa de exercícios para aumentar nossa atividade física, todos nós podemos encontrar maneiras de integrar interações sociais mais significativas às nossas vidas, alimentando velhos laços e construindo novos.

Somos programados para nos conectarmos. Basta apenas fornecer a nós mesmos as oportunidades adequadas.

 

Fonte: BBC Future

 

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