quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Qual o real impacto do acordo Mercosul-UE para a Europa?

Poucos dias após a União Europeia e o Mercosul oficializarem a assinatura do acordo de livre comércio entre os blocos, agricultores franceses voltaram às ruas do país em protesto. Dessa vez, tratores interromperam o trânsito de veículos perto do túnel que conecta a França à Inglaterra.

A ministra do Comércio da França, Sophie Primas, disse que o acordo com o bloco do Mercosul — que reúne Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — "só compromete a Comissão, e não os Estados-membros", indicando que o país vai seguir se opondo à ratificação do tratado, que levou 25 anos para sair do papel.

A principal reclamação dos agricultores é que o acordo pode aumentar a importação de carne bovina sul-americana, bem como de aves e açúcar. Mas especialistas acreditam que as margens dessas importações são modestas e não representam uma ameaça existencial para o agronegócio europeu.

Como os produtos agrícolas produzidos na União Europeia (UE) também poderão avançar para os mercados do Mercosul, os especialistas acreditam que os benefícios gerais do acordo superam os ajustes que o mercado interno terá que fazer para se adaptar. Além disso, o bloco europeu já estipulou salvaguardas para evitar o impacto inicial da nova regra.

Aumento modesto nas importações

Segundo o novo acordo, a UE poderá importar até 99 mil toneladas de carne bovina com tarifas inferiores a 7,5%. Isso representa apenas 1,6% da produção total de carne dos países do bloco e é menos da metade das importações atuais do Mercosul, de 196 mil toneladas.

A mesma regra vale para aves e açúcar, cujo teto de importação representa 1,4% e 1,2%, da produção europeia, respectivamente. Para o arroz, o percentual é ainda menor.

O economista brasileiro e pesquisador do Instituto Universitário Europeu, Bruno Capuzzi, calcula que o possível aumento nas importações de carne bovina sul-americana representa apenas um hambúrguer e meio para cada consumidor na União Europeia.

Outros especialistas também dizem que as 99 mil toneladas não necessariamente levarão a uma demanda adicional do mercado, porque substituem uma parte das importações do Mercosul que já existem. Atualmente, os exportadores de carne bovina da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai pagam uma média de 40% em tarifas para entrar no mercado europeu.

"A expectativa é que, em vez de criar um aumento nas importações, um dos efeitos da nova cota seja substituir algumas das importações que já existem", disse Christopher Hegadorn, professor adjunto de política alimentar global na Sciences Po, em Paris.

Europa costurou medidas para amenizar impacto do acordo

Em um relatório de fevereiro, a Comissão admitiu que o tratado pode levar ao aumento de importação de produtos agropecuários. Especialistas disseram à DW, porém, que a UE conseguiu instalar várias salvaguardas nos termos do acordo para amenizar o impacto e garantir ajustes setoriais.

Primeiro, a cota de 99 mil toneladas de carne bovina não virá com isenção total de impostos e este total será dividido entre os quatro países do Mercosul, entregando a cada um uma fatia relativamente pequena do mercado.

Em segundo lugar, os altos padrões sanitários impostos pelo texto devem proteger os produtores europeus contra o excesso de oferta. Ao assinar o acordo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, disse que os padrões de saúde e alimentação na União Europeia "permanecem intocáveis".

qualidade da carne brasileira motivou uma crise após oCEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, vetar a compra da carne produzida no Brasil.

"Apenas 20% dos frigoríficos no Brasil estão autorizados a exportar para a UE, pois é necessária uma certificação individual", disse Capuzzi à DW.

A Comissão também atuou para costurar o acordo às novas leis ambientais da UE, em vigor a partir de 2026, e inseriu um período de transição de cinco anos para que os produtores europeus possam se adaptar à concorrência sul-americana. 

Em terceiro lugar, espera-se que o acordo seja implementado gradualmente ao longo de cinco anos para dar tempo aos produtores europeus se adaptarem.

"Presume-se que haverá recursos financeiros para ajudar os agricultores afetados a se adaptarem às mudanças", disse Hegadorn à DW. "Mas isso provavelmente será discutido na Comissão quando o acordo for ratificado."

Acordo impulsionaria exportações da UE, segundo estudo

Outro ponto inserido pelos eurodeputados foi a proteção de mais de 350 produtos com uma "indicação geográfica", registrados como propriedade comercial dos agricultores europeus. Isso garante que não haverá imitação de presuntos, queijos e vinhos produzidos em regiões europeias e vistos como iguarias em várias nações do Mercosul.

Um estudo recente da UE sobre o impacto de dez acordos de livre comércio costurados pelo bloco, incluindo o tratado com o Mercosul, concluiu que o setor agroalimentar da Europa, "especialmente os de laticínios, carne suína, alimentos processados e bebidas", terão benefícios.

Se os acordos comerciais forem concluídos, segundo o estudo, o valor das exportações agropecuárias da UE aumentaria entre 3,1 bilhões de euros (R$ 19,7 bilhões) e 4,4 bilhões de euros (R$ 27,9 bilhões) até 2032.

O texto pontua que as exportações de carne bovina da UE também aumentariam, chegando a uma diferença líquida (exportação menos importação) de 350 mil toneladas, embora reconheça que existam vulnerabilidades no setor.  "A União Europeia continuará sendo o maior exportador de produtos agrícolas do mundo, mesmo depois que o acordo comercial do Mercosul for ratificado", disse Capuzzi. "E ainda será um exportador líquido de carne bovina."

As vantagens superam os custos?

A Comissão Europeia defende que o desenvolvimento de novos mercados por meio de relações comerciais consolida a posição do bloco como o maior exportador mundial de produtos agroalimentares.

Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca e sua ameaça de sobretaxar produtos europeus, especialistas acreditam que os acordos comerciais multilaterais são necessários para expandir a base de consumidores do bloco. O impacto sobre a carne bovina, as aves e o açúcar, segundo eles, seria marginal e pode ser atenuado pelo apoio do Estado.

"O acordo geral UE-Mercosul vai muito além da carne bovina e da agricultura, estendendo-se a todos os setores industriais e serviços – de A a Z, de carnes a medicamentos, de veículos a produtos químicos", disse Hegadorn, da Sciences Po.

"Aqueles que estão analisando o interesse do bloco da UE como um todo estão otimistas quanto aos impactos esperados, tanto em termos de benefícios econômicos domésticos e expansão das opções para o consumidor, quanto por motivos geopolíticos, incluindo a oferta de um contrapeso para a China e os EUA."

 

¨      Macron tenta, falha e faz a mesma coisa outra vez. Por Harrison Stetler

Emmanuel Macron quer tentar novamente. Ao nomear François Bayrou como primeiro-ministro na sexta-feira, o presidente da França espera manter o poder por meio de uma coalizão de governo instável entre os macronistas e os républicains de centro-direita. E, assim como aconteceu com o ex-premiê Michel Barnier (de Les Républicains), cujo mandato foi derrubado em um voto de desconfiança em 4 de dezembro, a nomeação de Bayrou fez com que o presidente se apoiasse mais uma vez em uma geração mais velha do establishment político.

Indiscutivelmente, Bayrou, de setenta e três anos, foi o Macron original, concorrendo à presidência em 2002, 2007 e 2012 como líder de uma formação centrista que competiu com os conservadores tradicionais. Desde a eleição de Macron em 2017, o partido Mouvement Démocrate (MoDem) de Bayrou tem sido um aliado importante — com um relacionamento que não tem sido isento de atritos. Minutos antes da nomeação ser oficializada por volta do meio-dia de sexta-feira, a manchete era que Bayrou não seria selecionado como primeiro-ministro, assunto de trocas supostamente tensas naquela mesma manhã entre os dois.

As informações que surgirem da disputa de sexta-feira de manhã entre o presidente e seu novo premiê certamente fornecerão detalhes interessantes sobre a crise que assola o campo do presidente. Macron está caracteristicamente determinado a manter o controle da situação política, apesar da derrota sofrida por sua coalizão nas eleições parlamentares antecipadas deste verão. Enquanto isso, a autoridade em erosão de Macron liberou aliados de longa data para disputar mais agressivamente lugares e posições à medida que uma luta interna pela sucessão ganha velocidade.

Publicamente, Bayrou se apresenta como um braço estável. Na transferência do mandato com Barnier na sexta-feira à noite, Bayrou prometeu trabalhar em direção a uma “reconciliação necessária” para um país em crise e prometeu “confrontar” o déficit público da França, que deve atingir 6,2% do PIB em 2024 (mais que o dobro do máximo nominal europeu), durante as próximas negociações orçamentárias.

No entanto, o novo premiê logo se verá navegando pelos mesmos interesses, pressões e facções concorrentes de seu antecessor. Mesmo assumindo que os macronistas podem contar com os votos dos Les Républicains, Bayrou ainda precisa preencher uma lacuna considerável de apoio na Assembleia Nacional para aprovar um orçamento, ou pelo menos sobreviver a um voto de desconfiança. A “fundação comum”, como a coalizão de Barnier foi apelidada, tinha pouco mais de duzentos apoiadores na câmara baixa, onde 289 parlamentares são necessários para uma maioria absoluta. A queda de Barnier ocorreu após sua tentativa de usar um poder constitucional especial, o chamado “49.3”, para adotar um projeto de lei de financiamento da previdência social sem que houvesse uma votação. A medida foi anulada na moção de censura de 4 de dezembro apoiada por 331 parlamentares, reunindo a Nouveau Front Populaire (NFP) de esquerda, mas também Marine Le Pen e seus aliados de extrema direita.

Pode-se dizer que a nomeação de Bayrou aproxima um pouco mais o governo do centro após os três meses de Barnier como premiê. Espera-se que Bayrou tente garantir o apoio tácito de setores de centro-esquerda do NFP, que é o maior bloco na Assembleia Nacional. No entanto, ele terá uma margem mínima de manobra. O programa no qual o NFP foi executado no verão passado pedia a abolição do aumento impopular que Macron impôs na idade da aposentadoria, juntamente com aumentos de impostos e um aumento no salário mínimo. Na preparação para a adoção dessa lei em 2023, o partido MoDem, de Bayrou, transmitiu críticas modestas à iniciativa de reforma da previdência — principalmente sobre a recusa de Macron em considerar aumentos nos impostos sobre a folha de pagamento. Na última semana, o Parti Socialiste, parte do NFP, moderou os apelos por uma revogação total da reforma da aposentadoria de 2023, pedindo uma suspensão e negociações sobre novas iniciativas de financiamento. Mas qualquer abertura real à esquerda provavelmente enfrentaria forte resistência dos legisladores em quem Bayrou confia e, acima de tudo, de Macron.

Em uma rara reunião interpartidária no palácio presidencial na última terça-feira, Macron conduziu negociações com a liderança dos Écologistes, do Parti Communiste Français (PCF) e do Parti Socialiste — três dos quatro principais partidos do NFP, ou seja, além da France Insoumise — ao lado do Les Républicains e dos partidos macronistas. Eles falaram de um “novo método” de governar. Mas as conversas sobre um governo de unidade nacional recuaram desde então. Em uma mensagem ao novo premiê logo após sua nomeação, o Parti Socialiste anunciou que permaneceria na oposição. Sua principal demanda neste momento parece ser que Bayrou se abstenha de usar o “49.3”, obrigando-o a ganhar o apoio da centro-esquerda ou da extrema direita para aprovar a legislação. Para evitar uma paralisação do governo, espera-se que o parlamento aprove uma lei especial de financiamento para renovar temporariamente o orçamento de 2024 antes que outro projeto de lei de financiamento seja proposto no ano novo.

Depois de seguir os passos do Parti Socialiste ao entrar em negociações com Macron, os Écologistes e o PCF também parecem controlar suas expectativas. O secretário nacional do PCF, Fabien Roussel, chamou a nomeação de Bayrou de “más notícias”, embora ele tenha dito mais tarde à emissora LCI que “se não houver 49.3, não há moção de censura”. Chamando o vai e vem da semana de um “mau esboço de Vaudeville” em um post no X/Twitter, a líder dos Écologistes, Marine Tondelier, também manteve aberto o caminho para “não desconfiar” do governo de Bayrou, condicionando-o mais explicitamente a concessões políticas do novo primeiro-ministro. Visando a renúncia de Macron e eleições presidenciais antecipadas, a França Insubmissa é, até agora, o único partido no NFP — e a única tendência na Assembleia Nacional — que se comprometeu com outro voto de desconfiança.

·        Instabilidade

Qualquer coisa que Bayrou dê à esquerda colocará em risco os laços com Les Républicains. Ansiosa a longo prazo para se distinguir de Macron, a velha centro-direita estará atenta a qualquer coisa que possa passar como uma concessão à centro-esquerda. “Se o próximo governo acabar enfraquecendo a França, seja em relação à criminalidade e imigração ou agravando o colapso de nossas finanças públicas, um voto de censura seria uma necessidade”, disse François-Xavier Bellamy, líder do grupo Les Républicains no Parlamento Europeu, ao Le Figaro em 11 de dezembro.

Por sua vez, o Rassemblement National e seus aliados não fecharam a porta para permitir que Bayrou sobrevivesse. A extrema direita rejeitou a primeira moção de desconfiança contra Barnier promovida pelo NFP em outubro antes de mudar de lado na semana passada. Enquanto Marine Le Pen foi rápida em criticar Bayrou como uma “continuação do macronismo”, ela pediu ao novo premiê que “ouvisse as oposições para construir um orçamento razoável”. O aliado de Le Pen, Éric Ciotti, o ex-presidente do Les Républicains que saiu do partido para apoiar a extrema direita nas eleições deste verão, também indicou que sua facção não estava comprometida com um voto de censura contra o novo governo.

Macron teria concordado na reunião interpartidária de terça-feira que o próximo governo não poderia mais depender de Le Pen e da extrema direita. A sinceridade desse sentimento ficará mais clara com a formação do governo de Bayrou nos próximos dias. Para qualquer apoio contínuo, Les Républicains estará se preparando para garantir que eles tenham tanta influência quanto sob Barnier. Um indicador é a possível renovação do ultraconservador Bruno Retailleau como ministro do interior, cujo papel no último governo era manter o apoio passivo de Le Pen. Como foi anunciado ao longo dos últimos meses, um novo pacote anti-imigração do ministério do interior estaria na pauta para o início de 2025. O novo governo também deve considerar uma reforma para introduzir representação proporcional nas eleições para a Assembleia Nacional, uma grande demanda da extrema direita.

Outra variável-chave na estabilidade do governo de Bayrou é o cabo de guerra em andamento dentro do bloco NFP. Embora esteja cada vez mais isolado na aliança de esquerda, o France Insoumise criticou seus parceiros por suas propostas aos macronistas esta semana, acusando-os — e mais especificamente o Parti Socialiste — de violar o pacto NFP e seu programa de ruptura com a era Macron. “O país enfrenta uma escolha clara: a continuação das políticas malfadadas de François Bayrou, ou a ruptura”, reagiu Mathilde Panot, líder do caucus da France Insoumise, na sexta-feira. “Os parlamentares enfrentam uma escolha clara: apoiar o resgate de Macron, ou desconfiança.”

Ao pedir outro voto de desconfiança, o France Insoumise continua sua estratégia para tentar forçar a renúncia de Macron, abrindo caminho para uma quarta corrida presidencial do veterano de esquerda Jean-Luc Mélenchon. No entanto, alguns entre seus parceiros do NFP classificaram isso como uma trajetória imprudente em um país na corda bamba e com instituições políticas levadas ao limite.

Macron rejeitou diretamente a ideia de renunciar. Na reunião de 10 de dezembro no palácio presidencial, ele até expressou sua preferência de que o parlamento não fosse dissolvido até que seu mandato terminasse em 2027. Mas ele pode não conseguir o que quer. A última escolha de Macron para premiê — sua quarta em 2024 — não muda fundamentalmente a matemática na câmara baixa ou as expectativas de uma nova dissolução e eleições parlamentares para o verão de 2025.

¨      Mais de 50% dos franceses acreditam que Macron não deve concorrer a um 2º mandato, diz mídia

Um total de 74% dos franceses desaprova o presidente Emmanuel Macron e 52% dos entrevistados disseram que um presidente não deve ter o direito de concorrer a mais de um mandato, de acordo com uma pesquisa realizada pela empresa de pesquisa Odoxa para o jornal francês La Depeche.

Entre os apoiadores do partido de direita Reagrupamento Nacional, 94% desaprovaram as ações do presidente, enquanto 86% dos apoiadores do partido de esquerda França Insubmissa disseram o mesmo.

Ao mesmo tempo, 24% dos entrevistados disseram que apoiavam o atual presidente.

Os franceses estão extremamente preocupados com a crise política no país e estão pedindo grandes reformas administrativas, com 56% dos entrevistados acreditando que uma transição para a Sexta República é necessária, mostrou a pesquisa.

De acordo com a pesquisa, os apoiadores dos partidos centristas preferem os ex-primeiros-ministros Michel Barnier e Édouard Philippe. Philippe está em primeiro lugar nas preferências políticas francesas com 36% dos votos, seguido por Marine Le Pen e Jordan Bardella do Reagrupamento Nacional (35%), enquanto os ex-primeiros-ministros Gabriel Attal e Michel Barnier são apoiados por 32% e 30%, respectivamente.

Enquanto isso, 24% dos entrevistados têm uma opinião positiva do recém-nomeado primeiro-ministro François Bayrou.

A pesquisa foi realizada on-line nos dias 11 e 12 de dezembro e envolveu 1.005 pessoas. A margem de erro não foi fornecida.

 

Fonte: DW Brasil/Jacobin Brasil/sputnik Brasil

 

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