Os movimentos
identitários e outras lutas
As lutas jamais devem ser vistas apenas como de
gênero, mas como uma transformação radical cujo objetivo é erradicar todas as
formas de opressão, incluindo o sexismo, o racismo e a exploração de classe
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A primeira
greve
A primeira greve ocorrida nos Estados Unidos, de
que se tem notícia, deu-se em 1824 no ramo têxtil. O fato ocorreu em Pawtucket,
Rhode Island (conhecida como a Greve das Operárias de Pawtucket),
em fábrica de tecidos. As reivindicações referiam-se às condições de trabalho:
longas jornadas, salários baixos e ambiente hostil. Cerca de cem trabalhadoras,
mulheres na sua totalidade, largaram os teares e cruzaram os braços.
Contudo, a greve não logrou êxito de imediato.
Entretanto, constituiu-se num marco histórico e o sentimento de pertença a uma
classe começava a surgir. Ficava clara a necessidade de organização e
solidariedade entre os trabalhadores para enfrentar a exploração patronal. Esta
greve plantou as novas bases para as futuras mobilizações dos trabalhadores,
tendo inspirado outras greves e movimentos em toda extensão do país.
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O declínio
O movimento trabalhista cresceu por mais um século.
A truculência contra era grande, mas o processo continuou até a década de 1970
por vários fatores: a mundialização do capital, a desindustrialização e a
transferência de muitas empresas para outros países onde a força de trabalho
custasse menos. A economia que era, em grande parte, baseada na manufatura
passou, predominantemente, para o setor de serviços; setor em que o
sindicalismo era frágil.
A nova organização do trabalho foi um fator central
para a desmobilização dos trabalhadores nos Estados Unidos. A operação union
avoidance (evitar a formação de sindicatos) foi cruel e sanguinária. É
dessa época o trabalho temporário, tão explorado atualmente, formador do
precariado. O judiciário participou do processo ao criminalizar qualquer
tentativa de organização dos trabalhadores.
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A declaração
universal dos direitos humanos
Ainda que não constitua um movimento propriamente
dito, o documento sancionado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de
1948 forneceu as bases para a pugna pelos direitos humanos em escala global.
Ele instituiu padrões internacionais para a dignidade e os direitos
inalienáveis de todos os seres humanos, funcionando como referencial para
inúmeros movimentos pelos direitos humanos nas décadas subsequentes. A sua
disseminação e a instrução acerca desses direitos, através de campanhas e
programas de conscientização, consolidaram a concepção de que os direitos
humanos são universais e devem ser inexoravelmente respeitados.
A imprensa desempenhou um papel preponderante na
reverberação desses movimentos. Jornais, revistas, rádio e, mormente, a
televisão, realizaram uma cobertura extensiva dos protestos, marchas e
discursos, propiciando que tais questões alcançassem o grande público. As
imagens e reportagens dos eventos foram essenciais para fomentar a empatia e o
apoio popular em prol das causas dos direitos humanos.
Ao observarmos com a devida atenção que a realidade
demanda, podemos afirmar que o labor e sua organização constituíram o terreno
comum das contendas por uma existência digna. Tal assertiva aplica-se aos
direitos humanos. Tratava-se de uma condição humana dilacerada pela hegemonia
branca, que em nenhum momento deixou de ser reprimida por órgãos estatais ou
por agremiações como a Klu Klux Klan. A perseguição aos imigrantes
foi inexorável e, de maneira paradoxal, deu origem à máfia La Cosa
Nostra, aclamada até os dias atuais em filmes que romantizam a sanguinária
organização.
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Os direitos
civis
O Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos
foi um dos principais motores do aumento da conscientização sobre os direitos
humanos. Este movimento, que buscava acabar com a segregação racial e garantir
igualdade de direitos para afro-americanos, utilizou uma série de táticas,
incluindo marchas, protestos pacíficos, desobediência civil e ações judiciais.
Entre eles, eventos icônicos, como a Marcha sobre Washington em 1963, quando
Martin Luther King Jr. proferiu seu famoso discurso “Eu Tenho um Sonho”,
ganharam ampla cobertura da mídia, ajudando a sensibilizar a população sobre a
injustiça racial e a necessidade de mudanças sociais.
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O feminismo
Durante a década de 1960, o movimento feminista
também ganhou força, lutando por igualdade de gênero, direitos reprodutivos e
oportunidades econômicas. Este período viu o surgimento de líderes como Betty
Friedan, autora de A mística feminina, e Gloria Steinem, uma das
fundadoras do Ms. Magazine. A publicação de livros, artigos e a
organização de protestos e marchas, como a Marcha pela Igualdade de 1970,
ajudaram a colocar as questões de gênero na agenda nacional e a ganhar o apoio
de um público mais amplo.
Os protestos contra a
Guerra no Vietnã
A Guerra do Vietnã provocou uma forte reação do
público estadunidense, especialmente entre os jovens. O movimento antiguerra
organizou grandes protestos e manifestações em várias cidades dos Estados
Unidos, culminando na Marcha de Washington Contra a Guerra em 1969, que atraiu
centenas de milhares de participantes. A cobertura midiática desses protestos,
muitas vezes com imagens de confrontos entre manifestantes e a polícia, ajudou
a aumentar a pressão sobre o governo e a mobilizar uma base crescente de
ativistas.
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A organização
identitária
Em 28 de junho de 1969, frequentadores do Stonewall
Inn, um bar em Nova York, enfrentaram uma batida policial, desencadeando uma
série de protestos e motins que duraram três dias. Esse evento é considerado o
marco inicial do movimento moderno pelos direitos LGBTQIA+. Antes de Stonewall,
a homossexualidade era crime em muitos lugares, e a comunidade LGBTQIA+ sofria
discriminação e perseguição constantes. A violência policial e a repressão
social eram rotina. Nos anos 1960, movimentos pelos direitos civis e pela
libertação das mulheres ganharam força e inspiraram a comunidade LGBTQIA+ a
lutar por seus próprios direitos.
O movimento buscou reconhecimento legal e social,
além da igualdade de direitos e oportunidades. Após a Revolta de Stonewall,
surgiram várias organizações ativistas, como a Frente de Liberação Gay e a
Aliança de Ativistas Gays, que desempenharam papéis fundamentais na luta pelos
direitos LGBTQIA+. Em 28 de junho de 1970, aconteceu a primeira marcha do
Orgulho Gay em Nova York e Los Angeles. Desde então, essa marcha se tornou uma
celebração anual em todo o mundo.
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O Brasil
A primeira Parada do Orgulho LGBTQIA+ no Brasil
ocorreu em 28 de junho de 1997, na cidade de São Paulo, reunindo
aproximadamente 2 mil indivíduos. O objetivo do evento consistia em conferir
visibilidade à comunidade LGBTQIA+ e reivindicar direitos e políticas públicas.
Precedentemente, em 1995, realizou-se uma marcha no Rio de Janeiro, em
celebração à 17ª Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas
(ILGA), e em 1996, houve uma manifestação na Praça Roosevelt, em São Paulo, com
cerca de 500 participantes.
Tais eventos pavimentaram o caminho para a primeira
Parada oficial em 1997. Em 2 de junho de 2024, a 28ª Parada do Orgulho LGBTQIA+
em São Paulo congregou milhares de indivíduos, incluindo figuras de
proeminência como Pabllo Vittar, Glória Groove e Filipe Catto, e contou com a
presença de 16 trios elétricos.
A concentração teve início às 10h na Avenida
Paulista, e o evento foi marcado por trajes exuberantes e mensagens de
inclusão. A igualdade nas diferenças e a inclusão constituem anseios
fundamentais; quer consciente ou inconscientemente, somos todos humanos. Entretanto,
a população LGBTQIA+ sofre preconceitos e violências perpetuadas por indivíduos
que se consideram íntegros. A população discriminada deve ser amparada por
todos nós. Devemos compreender a origem do ódio às comunidades na própria
história do país. Trata-se de um desafio premente a ser enfrentado. Apresento,
a seguir, algumas reflexões para considerarmos conjuntamente.
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Um convite à
reflexão
Alceu de Amoroso Lima afirmou: “O passado não é tão
passado assim; antes é o que ficou.” E o que ficou quando buscamos a inclusão
das minorias, que não são mais minorias? São os valores incrustados na vida das
próprias vítimas. O preconceito racial não se limita à discriminação pela cor,
mas abrange as intrincadas relações sociais, como romantizado por Gilberto Freyre
em sua obra Casa-Grande & Senzala – formação da família
brasileira sob o regime de economia patriarcal” (grifo meu). Freyre defendia um
novo país, em cuja centralidade se encontrasse o mestiço. As mulheres negras
trabalhavam na casa-grande como mucamas, desempenhando funções de cozinheiras,
amas de leite, arrumadeiras e até mesmo de acompanhantes íntimas.
A configuração familiar de outrora ainda encontra
ressonância em muitas famílias contemporâneas. Preconceitos tais como racismo,
machismo e homofobia têm suas raízes nesse período histórico. Esses
preconceitos são destrutivos à essência da humanidade, representando uma
verdadeira morte social. O racismo e o patriarcalismo no Brasil sustentam a
decadência de nossa cultura e o sequestro de nossa identidade.
Por outro lado, encontramos uma discussão de
profundidade sobre a coordenação entre os movimentos identitários e o movimento
operário. Ainda que possamos reconhecer numerosos pontos favoráveis sobre a
convergência entre as políticas e a luta de classes, há uma potencialidade que
demanda análise, visto que políticas identitárias, em sua essência, focalizam a
união pela singularidade dos indivíduos – o que poderia enfraquecer a
organização da classe trabalhadora. Um fato concreto se apresenta na expansão do
precariado em todo o globo, portanto é de fundamental importância dialogarmos
sobre o tema.
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O impasse
teórico
A literatura referente às políticas identitárias,
em termos gerais, entrelaça-se com o pós-estruturalismo, o que exige a
resolução de um dilema teórico. É auspicioso o debate sobre a preponderância
dos movimentos identitários, conduzido, consciente ou inconscientemente, pelo
pós-estruturalismo. A luta de classes ocupa uma posição complexa no
pós-estruturalismo. Diferentemente do marxismo tradicional, o
pós-estruturalismo não posiciona a luta de classes como o motor principal da
história, mas sim como uma dentre várias formas de opressão que necessitam ser
examinadas e enfrentadas. A seguir, alguns pontos cruciais para compreender
essa relação.
Centralização do sujeito. O pós-estruturalismo
desafia a noção de um sujeito central na história, como a classe trabalhadora
no marxismo. Autores como Michel Foucault e Jacques Derrida argumentam que o
poder é disseminado e atua através de múltiplos discursos e práticas sociais,
não se restringindo apenas à esfera econômica.
Análise das estruturas de poder. Embora não se
centralize na luta de classes, o pós-estruturalismo tem profundo interesse nas
estruturas de poder. Foucault, por exemplo, investiga como o poder se manifesta
em instituições, práticas sociais e formas de conhecimento, sugerindo que o
poder não é monopólio da classe dominante, mas está presente em todos os
estratos da sociedade. Gilles Deleuze e Félix Guattari propõem uma política de
desejo e multiplicidade, na qual a luta de classes é considerada uma entre
várias lutas possíveis. Sustentam que revoluções e movimentos sociais emergem
de diversas fontes de opressão e desejo, não se limitando às condições
econômicas.
Bell hooks não dissociava as lutas pela liberdade e
igualdade das mulheres das lutas laborais. Para ela, essas batalhas estão
historicamente entrelaçadas. As lutas jamais devem ser vistas apenas como de
gênero, mas como uma transformação radical cujo objetivo é erradicar todas as
formas de opressão, incluindo o sexismo, o racismo e a exploração de classe.
O debate está posto pelos movimentos. Eles são uma
realidade no Brasil, pelo que precisamos considerar o legado histórico do país
no tocante aos preconceitos. Estas são apenas notas inquietantes que carecem de
discussão. Levanto uma questão que me parece central neste debate. O políticas
identitárias assume o papel de categorias que se congregam em torno de
entidade, cor, orientação sexual, gênero, buscando organizar-se nesta direção.
Não se trata de estratégias ideológicas, pois estão
pautadas tanto pela direita quanto pela esquerda. Esta última passou a relegar
a um segundo plano os princípios universais; liberdade de expressão e
igualdade, bandeiras históricas do espectro da esquerda. A mim, esta parece ser
a discussão central em relação às pautas identitárias.
Fonte: Por João dos Reis
Silva Júnior, em A Terra é Redonda
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