sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O que está acontecendo em Moçambique, após as eleições?

Os protestos ocorridos após a proclamação dos resultados das eleições presidenciais de Moçambique deixaram 21 mortos, resultado dos confrontos entre manifestantes e as forças de segurança, segundo informou o governo do país nesta quarta-feira (25/12).

As mortes ocorreram na esteira de protestos convocados pela oposição após a Suprema Corte referendar, na segunda-feira (23/12), a controversa vitória do partido governista Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) nas eleições de outubro à Presidência e ao Parlamento, em meio a acusações de fraude.

Além disto, houve mais 33 mortos e 15 feridos durante um motim em uma prisão na capital de Moçambique, Maputo, de acordo com o comandante geral da polícia do país, Bernardino Rafael.

Os números de mortos, contudo, podem ser maiores. A Organização Não Governamental moçambicana Decide, que acompanha o processo eleitoral, segundo a agência de notícias francesa RFI, diz que o número de mortos chega a 56. O maior hospital de Moçambique não tem computados os números de feridos e mortos no panorama geral, mas afirma ter recebido 117 casos de trauma, sendo 62 vítimas de tiros. Destes, dois deles morreram. Nos motins, 1.534 pessoas fugiram da prisão e cerca de 150 foram recapturadas, afirmou Bernardino Rafael.

O Conselho Constitucional de Moçambique oficializou na segunda-feira, dia 23 de dezembro, a vitória de Daniel Chapo, candidato do partido governista Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) à Presidência. Ele alcançou 65,17% dos votos nas eleições gerais realizadas em 9 de outubro deste ano e deverá suceder o atual presidente, Filipe Nyusi.

O principal opositor de Chapo, Venâncio Mondlane, contudo, contesta os resultados. Concorrendo pelo partido Povo Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), de extrema-direita, Mondlane obteve 24% dois votos. Ele é pastor evangélico e incitou seus eleitores a reagirem ao resultado da votação já em outubro, questionando a transparência dos resultados iniciais que apontavam para a vitória de Chapo.

O Frelimo está no poder desde 1975, quando Moçambique se tornou independente e deixou de ser colônia de Portugal.

As eleições têm motivado confrontos sangrentos e já deixaram um total de 248 mortos desde outubro. Um porta-voz da diplomacia americana citado pela agência de notícias AFP falou em "falta de transparência" eleitoral.

Nas redes sociais, Mondlane, que vem pedindo a seus apoiadores protestos pacíficos, anunciou que vai se autoproclamar presidente eleito no dia 15 de janeiro. Ele fugiu do país em outubro, após a execução de seu advogado e de um porta-voz de um outro partido de oposição.

Nesta quinta-feira (26/12), ele acusou as forças de segurança de encorajarem a desordem para permitir a declaração de um estado de emergência.

O ministro do Interior, Pascal Ronda, sublinhou que os protestos deixaram de ser pacíficos desde segunda e descreveu a situação como “desordem pública”, gerando “uma onda significativa de destruição que afeta tanto a propriedade pública como privada”.

Desde então, foram mais de 230 incidentes em todo o país. Além dos 21 mortos, foram contados 25 feridos , segundo o balanço do governo. As informações foram concedidas pelo ministro do Interior, Pascal Ronda, que detalhou que entre os feridos estavam 12 policiais e 13 civis. A Decide diz que o número de feridos também é maior: 152 pessoas. 

·        Ataques a escolas e hospitais

Ronda afirmou ainda que escolas, hospitais, tribunais, empresas e até residências “têm sido alvo de vandalismo e saques” de “homens armados que pareciam seguir uma estratégia específica para realizar ataques que não são aleatórios”.

“Dada a gravidade dos acontecimentos, o Governo de Moçambique ordenou o reforço imediato das medidas de segurança em todo o país, e as Forças de Defesa e Segurança [FDS] vão intensificar a sua presença em pontos estratégicos e críticos”, anunciou Ronda, segundo o portal Club of Mozambique.

O ministro ainda declarou que os manifestantes atearam fogo em 25 viaturas da polícia e permitiram a fuga de presos em uma detenção de segurança máxima da capital Maputo. 

 “Confirmamos a fuga, mas as nossas equipas continuam no terreno para apurar o número exato e outros detalhes”, afirmou Justino Tonela, ministro da Justiça, sobre a situação. Em uma segunda unidade prisional alcançada pelos protestos, 86 detentos foram libertados, segundo o governo. 

Segundo a imprensa local, o Hospital Central de Maputo, o maior do país, afirmou estar em um “momento crítico” devido ao caos após o anúncio dos resultados eleitorais. A direção do centro de saúde especificou que seus profissionais não conseguem chegar ao hospital e relatou o impedimento da entrega de material, como alimentos e estoque de sangue.

“Estamos passando por um momento crítico, com um número maior de pacientes de trauma em comparação aos anos anteriores durante esse período, e um número reduzido de profissionais de saúde”, que estão trabalhando sem parar por “48 a 72 horas”, afirmou a diretor clínica interina Eugénia Macassa ao jornal. 

<><> Caos na capital Maputo e em outras cidades

Em Maputo, capital do país, manifestantes ergueram barricadas e saquearam comércios e bancos. Com medo, diversos moradores ficaram em casa durante o Natal.

Cenas de desordem também se repetiram em outras cidades. Postos policiais e prédios públicos foram invadidos, carros e partes da rede elétrica e de transmissão de rádio foram destruídos.

Na quarta-feira (25/12), mais de 1,5 mil detentos fugiram de uma prisão de segurança máxima; a polícia diz ter matado ao menos 33 deles em confrontos e recapturado cerca de 150.

Autoridades moçambicanas afirmam que 30 fugitivos estão ligados a grupos criminosos responsáveis por atentados nos últimos anos em Cabo Delgado.

¨      Brasil acompanha com preocupação crise política em Moçambique

Ministério das Relações Exteriores do Brasil disse na manhã desta quinta-feira (26/12) que acompanha a situação em Moçambique “com preocupação“.

A posição brasileira ocorre após o Conselho Constitucional moçambicano declarar o candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Daniel Chapo, como presidente.

Por conta da decisão, protestos ocorridos no país deixaram 21 mortos, resultado dos confrontos entre manifestantes e as forças de segurança. Porém, os números de mortos podem ser maiores.

Em nota, o Itamaraty recorda que esses registros se deram após “distúrbios de rua e fuga de detentos”.

 “O governo brasileiro acompanha, com preocupação, a repercussão do anúncio, pelo Conselho Constitucional, em sessão de 23/12, da eleição do candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Daniel Chapo, como presidente da República. Manifestações, distúrbios de rua e fuga de detentos se seguiram à decisão, com registro de dezenas de vítimas fatais e feridos”, afirmou a chancelaria.

O comunica fala que Brasília pede ao novo governo e oposição de Moçambique a “máxima contenção e ao diálogo sem prerrequisitos”, no sentido de “garantir a paz, estabilidade e valores democráticos”.

Além disso, o governo recomenda que brasileiros que estão no país ou com viagem marcada para o território moçambicano “mantenham-se informados sobre a situação de segurança nas áreas onde se encontram e evitem aglomerações”.

¨      O que fazem mercenários europeus em zona de guerra na África

O coronel Romuald serviu por 36 anos no Exército francês antes de se aposentar. O paraquedista esteve em missões no Mali, Senegal, Togo, Afeganistão e Kosovo. Agora, ele está na guerra no leste da República Democrática do Congo (RDC).

O militar aposentado lidera uma missão delicada na cidade de Goma e, por isso, prefere não divulgar seu sobrenome. Ele chefia uma equipe de 20 pessoas da empresa de segurança búlgara Agemira, que assessora o Exército congolês em sua guerra contra a milícia M23, além de ajudar a organizar suas fileiras. A Agemira também é responsável pela manutenção de aeronaves e drones, pelo abastecimento das tropas e pela intermediação de acordos para compra de armamentos.

<><> Entre camaradas

Romuald confia em ex-colegas de farda; aposentados do Exército francês, como ele, são maioria entre os funcionários. A Argemira presta há dois anos serviços para o governo do país africano, após a M23 voltar a ameaçar sua hegemonia.

A milícia, segundo especialistas das Nações Unidas, recebe apoio de Ruanda na forma de armamentos e até 4 mil soldados. Na província de Kivu do Norte, onde fica Goma, eles controlam vastas porções de terras férteis e ricas em recursos naturais.

Além da Agemira, o governo da RDC também contratou a empresa militar romena Ralf – sigla para "Romenos que serviram na Legião Francesa" –, que dispõe de 800 combatentes de origem romena e belarussa.

Como o nome da empresa sugere, muitos, de fato, serviram no ramo do serviço militar francês aberto a estrangeiros. Na RDC, seus soldados – ou "Romeos" – formam um anel de defesa em torno de Goma e de Sake.

<><> "Causa nobre"

A Agemira e a Ralf atuam em conjunto, consideram-se uma equipe. "Estamos lutando por uma causa nobre", afirma o coronel Romuald. Segundo ele, Ruanda ocupa ilegalmente o território vizinho e saqueia recursos, como a mina de coltan – minério muito usado na fabricação de aparelhos eletrônicos portáteis – em Rubaya, a cerca de 50 quilômetros de Goma.

A ação dos rebeldes, argumenta Romuald, força milhões de pessoas a fugir. Os veteranos europeus, emenda, querem libertar a RDC dessa situação. "Disse à minha esposa que só voltarei para casa quando os refugiados puderem retornar às suas terras."

Ele diz que até fevereiro estava confiante que a missão terminaria até o fim do ano. Mas os combates continuam, apesar de uma trégua estar oficialmente em vigor desde agosto. Negociações diplomáticas entre RDC e Ruanda até agora também não levaram à paz.

Excesso de otimismo, admite Romuald. Ele atribui o fracasso à superioridade técnica e à disciplina mais rigorosa do exército ruandês, que teria lhes permitido avançar sobre o território vizinho.

Mas os problemas também parecem estar no alto escalão do governo. Meses atrás, diversos combatentes da Ralf deixaram a RDC por atraso no pagamento de salários. Segundo Romuald, o problema já foi resolvido.

Tratamento de soldados é "meio racista", diz especialista

A depender da patente, um mercenário ganha entre 5 mil e 6 mil dólares por mês (entre R$ 30 mil e R$ 37 mil), afirma o coronel Romuald.

"Isso é muitas vezes maior que as poucas centenas de dólares que os soldados congoleses recebem", diz Onesphore Sematumba, analista do Think Tank Crisis Group em Nairóbi, no Quênia. Para o especialista, o tratamento desigual entre soldados locais e estrangeiros é "meio racista".

Segundo ele, os oficiais estrangeiros ficam hospedados em hotéis ou mansões e usam veículos novos do Exército, enquanto os soldados congoleses têm que se deslocar a pé, algo que alimenta ressentimentos – fato reconhecido por um militar da Agemira que conversou com a DW em um restaurante às margens do pitoresco lago Kivu.

Sematumba frisa que, apesar de os mercenários até agora terem conseguido defender Goma e Sake, eles não têm sido capazes de conter o avanço do M23 nas áreas rurais. "Esses indivíduos muito bem pagos realmente não fazem muita diferença", avalia.

O especialista atribui esse fracasso em parte à presença na região leste do país de diferentes atores militares: o exército nacional, mercenários, a força de paz das Nações Unidas, tropas da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, unidades de Burundi, milícias civis e tropas da Comunidade da África Oriental, que estiveram presentes temporariamente.

<><> Guerra por diversão?

O coronel Romuald insiste que os europeus não estão no RDC por dinheiro: "É minha profissão, e é uma aventura."

"Eles simplesmente gostam do que fazem", afirma Frank Daumann, professor da Universidade Friedrich Schiller em Jena, na Alemanha, que acompanha o mercado de empresas privadas de segurança. Ele explica que alguns veteranos de exércitos vão parar nessas empresas porque querem continuar em atividade após a aposentadoria.

"Não somos mercenários", frisa Romuald, que diz atuar principalmente como consultor. Ele diz que militares da Ralf andam armados, mas só agem para defender Goma ou Sake em caso de ataque. Já os funcionários da Agemira sequer portariam armas.

O mercenarismo é ilegal na Europa, e os serviços de inteligência da França e da Romênia às vezes interrogam funcionários da Agemira e da Ralf durante suas visitas ao país de origem, relata Romuald. "Se nos comportássemos como mercenários, seríamos presos", conclui.

<><> Ramo com fama duvidosa

As práticas comerciais de muitas empresas privadas de segurança são opacas. Algumas delas, como a Africa Corps (ex-Grupo Wagner, da Rússia) e a Academi (antiga Blackwater, dos EUA), foram acusadas por organizações como a Human Rights Watch de cometer crimes graves.

Mas embora condene a ação dessas duas empresas em particular, o coronel Romuald afirma que regular esse setor seria algo utópico demais.

Até agora, defensores dos direitos humanos em Goma não encontraram evidências de que a Agemira ou a Ralf estejam cometendo crimes ou fazendo negócios com os recursos minerais do país.

"O contexto é diferente do caso do [Grupo] Wagner", afirma Sematumba. Ele explica que os mercenários no RDC não atuam na linha de frente nem em áreas de mineração e, portanto,  "não têm a oportunidade de tomar civis por rebeldes e matá-los".

<><> Rússia diz que OSCE enfrenta 'grave degradação ideológica'

A Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) continua sendo o único canal de comunicação na zona euroatlântica, apesar de seu rebaixamento, disse o embaixador russo na OSCE, Aleksandr Lukashevich, à Sputnik.

"A impressão geral continua deprimente: vemos uma séria degradação ideológica e política do próprio formato da OSCE. No entanto, ela continua sendo o único canal de comunicação restante na região euroatlântica", disse Lukashevich.

Ele acrescentou que o princípio do consenso é "o principal elemento para a tomada de decisões importantes" e que continua em vigor apesar da pressão sobre a OSCE.

O representante russo na OSCE também enfatizou que a Rússia não permitiria que o grupo se adaptasse aos padrões ocidentais enquanto participasse do formato.

Nesse contexto, Lukashevich garantiu que a Rússia não está considerando se retirar da OSCE.

"Não existem tais procedimentos", enfatizou.

 

¨      Eleições no mundo em 2025: quais países irão às urnas

Mais de quatro bilhões de pessoas em dezenas de países foram às urnas em 2024 em eleições que definiram uma "troca de guarda" em seus comandos, como nos Estados Unidos, onde os democratas foram substituídos pelos republicanos, e no Reino Unido, com os trabalhistas desalojando os conservadores no Parlamento.

O ano também foi marcado pela derrota do presidente francês Emmanuel Macron, que decidiu convocar eleições parlamentares antecipadas e sofreu uma derrota fragorosa, levando a uma situação de instabilidade política que persiste no país. Já na Alemanha, os três partidos da coalizão foram rejeitados em eleições locais e a união se desintegrou em novembro.

Mesmo naqueles países nos quais partidos que estavam há muito tempo no poder conseguiram seguir adiante, como Índia, Japão, África do Sul, houve abalos em seu poder. O México, que elegeu Claudia Sheinbaum, candidata do então presidente López Obrador, foi uma exceção na onda dos grupos políticos dominantes que acabaram derrotados.

·        Decisões na América do Sul

Em 2025, o presidente da Argentina Javier Milei vai tentar melhorar a correlação de forças no Congresso Nacional, onde tem encontrado dificuldades de articulação. Nas eleições legislativas do ano que vem, serão renovadas 127 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados para o período 2025-2029 e 24 das 72 cadeiras do Senado para 2025-2031.

As Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO) serão realizadas em 3 de agosto e no dia 26 de outubro acontecerão as eleições gerais que vão definir as cadeiras no Congresso. 

O Chile terá eleições presidenciais e legislativas. O primeiro turno acontece no dia 16 de novembro de 2025 e, se necessário, haverá um segundo turno no dia 14 de dezembro. Pela direta, ou melhor, extrema-direita, José Antonio Kast, derrotado por Gabriel Boric em 2021, deve se candidatar novamente. 

Pelo lado dos partidos de esquerda e centro-esquerda, o nome ainda mais forte é o de Michelle Bachelet, presidenta por dois mandatos, mas ela já declarou publicamente que não pretende concorrer. No Chile não há reeleição para o cargo de presidente, o que impede Boric de se candidatar. 

A tendência de se eleger opositores continuará em 2025? Confira alguns dos países que vão às urnas no ano que vem.

Belarus: Eleição presidencial em 26 de janeiro.

Somália: Eleições presidenciais, vice-presidenciais e parlamentares em setembro.

Noruega: Eleições parlamentares em 8 de setembro.

Malawi: Eleições presidenciais e parlamentares em 16 de setembro.

Camarões: Eleições presidenciais em 5 de outubro.

Canadá: Eleições para a Câmara dos Comuns em 20 de outubro.

Argentina: Eleições para a Câmara dos Deputados e Senado em 26 de outubro.

Chile: Primeiro turno das eleições presidenciais, além de eleições para a Câmara dos Deputados e Senado, em 21 de novembro.

Honduras: Eleições presidenciais e parlamentares em 24 de novembro.

Austrália: Eleições para a Câmara dos Representantes e Senado em data a ser definida.

Bangladesh: Eleições parlamentares em data a ser definida.

Polônia: Primeiro turno das eleições presidenciais em data a ser definida.

 

Fonte: Opera Mundi/DW Brasil/Council on Foreign Relations

 

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