sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Multinacional europeia deixa de comprar da Vale por caso de contaminação de rio

A SIDERÚRGICA FINLANDESA Outokumpu deixou de comprar níquel da mina Onça Puma, administrada por uma subsidiária da mineradora Vale na região da Serra dos Carajás, no Sudeste Paraense. O fim da parceria comercial se deu em função das suspeitas de contaminação do rio Cateté por metais pesados. O curso d’água banha a Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté, em Parauapebas, no Pará.

O fim dos laços comerciais é apontado no relatório “Em busca de justiça – relatório de monitoramento dos impactos da cadeia de valor da Outokumpu nos direitos humanos no Pará, Brasil” (em tradução livre do finlandês). O documento foi lançado no dia 3 de dezembro pela organização finlandesa Finnwatch, com apoio da Repórter Brasil. A Finnwatch monitora violações de direitos humanos em cadeias produtivas globais.

Em 2021, a Repórter Brasil e a Finnwatch publicaram uma investigação sobre os impactos socioambientais causados pelo empreendimento sobre os indígenas Xikrin. Entre os mais graves estão a contaminação do rio Cateté por metais pesados, que perdura até hoje, segundo indígenas e pesquisadores.

 “A Outokumpu fez mudanças significativas no seu trabalho de responsabilidade em matéria de direitos humanos”, declarou Sonja Finér, diretora executiva da Finnwatch. Para a organização, a estatal finlandesa implementou processos sistemáticos de responsabilidade socioambiental. Finér ainda destacou que “a Vale também deu passos adiante nesse sentido”.

Outras multinacionais europeias e asiáticas do setor de metais e siderurgia não seguiram o exemplo da Outokumpu e continuam comprando níquel da mina. 

Em resposta ao relatório, a Vale nega ser responsável pela contaminação do rio Cateté, atribuindo à poluição a “mineralização natural” da região e ao despejo de agrotóxicos. A Vale Base Metals (VBM), subsidiária da Vale responsável pela mina, também declarou que considera a sua relação com os xikrins “saudável” e que acredita que esse sentimento é mútuo. Leia as respostas das empresas e relatório completo aqui.

·        Liga metálica abastece mercado global

Localizada no município de Ourilândia do Norte (PA), a mina Onça Puma produz níquel, usado para produção de aço inoxidável e baterias recarregáveis. A operação é controlada pela VBM, subsidiária da mineradora brasileira focada na produção de níquel e cobre. Entre os compradores da mina em 2023 estiveram multinacionais de países como Itália, Suécia, Grã-Bretanha, França e China. 

Os Xikrin culpam a Vale pela contaminação por metais pesados do rio Cateté. O curso d’água já foi usado pelos cerca de 2 mil indígenas para consumo de água e pesca – o que já não acontece mais, segundo moradores. 

 “O rio está morto”, afirmou sob anonimato um indígena Xikrin ouvido para o relatório. “O rio era onde a gente bebia, pegava água e peixe para comer. Agora [por causa da poluição] não temos mais nada e não podemos fazer mais nada [no rio]”.

A batalha jurídica que envolve os Xikrin e a Vale se arrasta desde ao menos 2011. No início, os indígenas apontavam a falta de participação no processo de licenciamento ambiental da mina. Acordos judiciais garantiram pagamento de indenizações aos habitantes originários e resultaram no arquivamento das ações civis públicas. Uma ação judicial que Vale a papel do Vale no rio Cateté, porém, segue aberta.

Para a Finnwatch, a Vale e VBM devem cumprir com os princípios da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre empresas e direitos humanos, além de identificar e desenvolver políticas para gerenciar questões relacionadas a esse tema.

·        Pesquisadores contestam Vale

Para o Grupo de Tratamento de Minérios, Energia e Meio Ambiente (GTEMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), “não se tem mais dúvidas quanto à responsabilidade do empreendimento Onça Puma na contribuição para a contaminação do Rio Cateté”. 

Em estudo realizado em 2020, os pesquisadores da UFPA constataram que “100% dos indivíduos estão com seus organismos contaminados com pelo menos um metal pesado, em grau alarmante. Destaca-se o excesso de chumbo, mercúrio, manganês, alumínio e ferro, os quais em alguns indivíduos, estão em níveis assustadores”.

A Vale se baseia em um relatório encomendado pela Justiça em 2017 para argumentar que não foi possível estabelecer um nexo causal direto entre a mina e a poluição do rio. 

A empresa diz ainda que monitora a qualidade da água no rio Cateté desde 2005 e admitiu que algumas medições indicaram concentrações de poluentes acima dos limites legais, mas atribuiu o fato às características minerais naturais da região.

Mudanças em modos de vida tradicionais

Com o rio contaminado, os relatos locais colhidos pela Repórter Brasil e pela Finnwatch apontam que os indígenas foram forçados a abandonar práticas tradicionais de pesca e caça, tornando-se dependentes de compensações financeiras da Vale para comprar alimentos industrializados. A mudança resultou no aumento da obesidade e da diabetes.

A Finnwatch recomendou que a Vale implemente a limpeza do rio Cateté com a participação ativa dos Xikrin e que melhore seus processos de consulta e transparência. Também reforçou serem necessários estudos complementares para constatar a causa da poluição do rio Cateté.

·        Organização reconhece mudanças da Vale

A organização finlandesa também reconheceu avanços na postura da Vale desde 2021, quando os impactos socioambientais foram revelados. “Em 2021, a Vale se recusou a comentar o conflito à Finnwatch. Agora, iniciou um longo diálogo conosco. Esperamos que o aumento da transparência da empresa e a ativação dos seus clientes ajudem a resolver as questões que afetam o destino dos Xikrin”, disse Sonja Finér.

O relatório também cobra ações mais efetivas do governo brasileiro na proteção dos direitos indígenas e maior engajamento da comunidade internacional na denúncia de abusos e na preservação do território e do modo de vida dos Xikrin.

“Os clientes da empresa devem incentivar a Vale/VBM a tomar medidas ativas para melhorar o Meio Ambiente e prevenir a poluição futura, e exigir relatórios públicos transparentes e compreensíveis sobre as medidas”, defendeu a Finnwatch.

 

¨      PT se une ao agro para liberar aplicação de agrotóxicos por drone no Ceará

APOIO DO GOVERNADOR DO CEARÁ Elmano de Freitas (PT) ao uso de drones para pulverização de agrotóxicos – prática proibida no estado – pegou sua base de apoio de surpresa, mas não o setor agropecuário. Produtores rurais já esperavam pelo empenho do governador para aprovar a medida, após vários anos de negociações que resultaram em maior participação do agro no governo do PT.

O projeto de lei 1075/2023, que prevê liberar o uso de drones para pulverização de pesticidas, entrou em regime de urgência na Alece (Assembleia Legislativa do Ceará) nesta terça-feira (17), a pedido de deputados do PDT, PT e Progressistas. A proposta pode ser votada em plenário ainda nesta semana, caso seja aprovada por diferentes comissões da Casa, que analisam a matéria em conjunto. A reportagem apurou que o governador está pessoalmente envolvido nas tratativas para aprovação.

O texto pretende alterar a Lei Zé Maria do Tomé – que proíbe a aplicação por qualquer tipo de aeronave desde 2019 no Ceará. A lei homenageia o líder comunitário assassinado em 2010 por denunciar os impactos da pulverização aérea na saúde e no meio ambiente. O projeto atual quer permitir o uso de drones, mas manter o bloqueio a aviões. 

No início do mês, Elmano prometeu a representantes do agronegócio que iria aprovar a medida neste ano, alegando que os drones protegem os trabalhadores da pulverização costal de pesticidas. Essa técnica, adotada no estado em plantações como a de banana, consiste na aplicação manual dos agrotóxicos por meio de uma bomba nas costas do aplicador.

Contudo, várias organizações de saúde e de meio ambiente criticaram a posição do governador, que é coautor da Lei Zé Maria do Tomé, quando era deputado estadual. Nota conjunta assinada por Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) aponta falta de estudos sobre o impacto da pulverização por drones e diz que as centenas de casos de contaminação “deliberada ou acidental” no país colocam em xeque a alegada segurança da ferramenta.

A aprovação da urgência pelos deputados foi vista por representantes da agropecuária com um movimento de Elmano, que mobilizou sua base para atender a um compromisso assumido junto ao agro.  

O empresário Fábio Régis, conhecido como o maior produtor de banana do Nordeste, diz que a aproximação do governador aconteceu após a entrada do pecuarista José Amilcar Silveira no comando da Faec (Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará), que teria intensificado as articulações e ampliado sua influência política. 

“A Faec foi decisiva para organizar as ações dos agricultores e abrir diálogos com o governo estadual”, corrobora Luiz Felipe Souza, da Fapija (Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi). 

Um marco nesse processo foi um almoço em maio de 2024. “Nesse encontro o Elmano se comprometeu com a pulverização por drones, atendendo a um pedido direto dos produtores”, relembra Fábio Régis.

Um dos convidados à mesa era Sílvio Carlos Ribeiro Vieira Lima, empresário próximo de Amilcar e atual secretário-executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará.

Em 2020, Sílvio marcou presença na cerimônia de posse de Amilcar como presidente do Sindicato Rural de Quixadá. Com a eleição de Amilcar à presidência da Faec em 2022, a relação se estreitou, segundo produtores rurais ouvidos pela reportagem. 

Segundo o Diário do Nordeste, um dos produtores de banana presentes no almoço com o governador foi João Teixeira, indiciado como mandante da morte de Zé Maria. A Justiça do Ceará impronunciou Teixeira, o que na prática o livrou do julgamento. Mas o advogado da família e os movimentos sociais insistem nos indícios que ligam o produtor ao crime e pretendem levar o caso para cortes internacionais.

Um encontro anterior teria aproximado Amilcar e Elmano: um jantar em dezembro de 2022, poucos dias antes de o governador assumir o cargo. “Foi uma longa, cordial e produtiva conversa de representantes do agro com o governador Elmano, que, para nossa agradável surpresa, mostrou domínio do cenário e das estatísticas da agropecuária cearense”, declarou o produtor na ocasião.

Um ano depois, Amilcar reforçou publicamente sua expectativa de que Elmano cumprisse a promessa de liberar a pulverização por drone, durante entrevista à rádio O Povo CBN, da qual também participou o secretário Silvio Carlos Ribeiro. O pecuarista afirmou que o pleito havia sido prometido por Santana, mas não foi cumprido.

Em março de 2024, Amilcar se filiou ao PSB, com o apoio do senador Cid Gomes, movimento que ampliou sua rede de influência. Essas ações pavimentaram o caminho para o almoço de maio deste ano, quando Elmano teria se comprometido com a aprovação da pulverização aérea por drone. 

A Repórter Brasil entrou em contato com a Faec e pediu entrevista com Amilcar a respeito das articulações políticas e dos alertas das entidades de saúde, mas a assessoria de imprensa da federação não retornou.

O governador Elmano de Freitas e o secretário-executivo de Agronegócio Sílvio Carlos Ribeiro também foram procurados pela reportagem, mas não responderam. O espaço segue aberto a manifestações.

<><> Enfraquecimento da esquerda e boas relações com o agro

Na tentativa de entender a mudança de posição de Elmano desde 2019, quando era contra a pulverização aérea, até a recente declaração de apoio, o cientista político Marcos Paulo Campos avalia que o movimento guarda relação com as eleições municipais deste ano, quando partidos de esquerda perderam três cidades importantes no estado. 

“Embora o PSB e o PT tenham conquistado o maior número de prefeituras, a esquerda perdeu Juazeiro do Norte, Sobral e Caucaia”, afirma Campos, professor da Universidade Estadual do Ceará. O recuo de Elmano serviu também para apaziguar a relação tensa com o agro desde a aprovação da Lei Zé Maria do Tomé. “Assumir a liberação do drone pode ser uma medida para distensionar a relação com o agro no ano que antecede as eleições para governo do estado”, analisa.

O deputado estadual e produtor rural Felipe Mota (União Brasil) confirma a insatisfação do setor. Autor do projeto de lei 1075/2023, que pode ser aprovado ainda nesta semana, ele diz ser cobrado por produtores rurais e prefeitos desde que a lei entrou em vigor. “Toda reunião que eu chego, eles não dão nem bom dia, cobram logo a liberação da pulverização aérea”, afirma. 

Segundo o parlamentar, os produtores fizeram ofensiva diretamente ao governador do estado ao encontrá-lo em feiras e exposições, como a Pecnordeste, uma das maiores do agronegócio cearense. “Na Pecnordeste de 2023, os produtores rurais cobraram essa demanda direto ao governador, que ficou de pensar. Neste ano, eles reforçaram o mesmo pedido”, conta. “A ideia é aproveitar essas feiras e exposições do fim do ano para só falar dos PLs até ser aprovado”, continua Mota.

Os produtores ouvidos pela reportagem defendem a pulverização aérea principalmente para a produção de bananas. Eles dizem que o uso de drones “tem potencial de eliminar o fungo sigatoka amarela, que atinge as folhas novas localizadas no alto das árvores”, explica Luiz Felipe Souza, da Fapija.

Souza afirma que os aviões agrícolas podem ser um problema, pois têm “maior deriva e podem atingir comunidades próximas”. O produtor defende o uso de drones alegando sua precisão e segurança. “O drone opera em uma altura muito baixa e tem uma deriva muito pequena. É isso que estamos brigando para viabilizar: uma tecnologia que protege tanto o aplicador quanto as comunidades ao redor”, diz.

Apesar das críticas à lei cearense, a produção de banana no estado continuou em alta no estado, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), compilados pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Em 2019, quando a lei entrou em vigor, a produção de cachos foi 20% maior do que no ano anterior. Os dados mostram que o crescimento se manteve em 2020 e 2021.

Em relação às exportações, ramo no qual o Ceará tem expressão nacional, os dados também são positivos. O volume comercializado passou de 7 mil toneladas para 18,5 mil toneladas entre 2018 e 2019, alta de 162%.

<><> Os alertas da ciência

A possível modificação da Lei Zé Maria do Tomé é vista por movimentos sociais como um retrocesso histórico, já que a lei é considerada um marco na defesa dos direitos à saúde e ao meio ambiente seguro. Sancionada em janeiro de 2019, a lei foi questionada poucos meses depois no STF (Supremo Tribunal Federal) pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), da qual a Faec é associada. 

A entidade alegou que a norma era inconstitucional por impactar a aviação, uma competência da União. A corte julgou o pedido improcedente, em 2023, por entender que a lei afeta a saúde e o meio ambiente, cuja proteção é responsabilidade conjunta da União, de estados e de municípios.

Apesar da falta de pesquisas específicas sobre os drones, a Abrasco e a Fiocruz afirmam que “existem robustas evidências científicas que comprovam os impactos nocivos da exposição das populações humanas e da biodiversidade decorrentes da pulverização aérea de agrotóxicos”. 

O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, membro da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos, diz que é importante o setor reconhecer os riscos da pulverização costal, já que há riscos de contaminação tanto na aplicação como no preparo da calda de agrotóxicos. Porém, ele alerta que os drones não podem ser vistos como uma alternativa mais segura. “A pulverização por drones, mesmo mais rente ao chão, causa deriva, levando o veneno para outras áreas, além de dificultar a fiscalização”, observa.

O deputado estadual Renato Roseno (Psol), crítico da liberação dos drones, também alerta para os riscos da falta de fiscalização. “O drone pode facilmente virar uma arma química, com baixíssima capacidade de monitoramento. Isso coloca em risco comunidades inteiras, especialmente aquelas já em situação de conflito por terra”, afirma.

Roseno, que também é coautor da Lei Zé Maria do Tomé, critica a legislação brasileira por permitir a aplicação por drone a apenas 20 metros de moradias e por autorizar cursos à distância para formação de pilotos.

Para ele, o debate não deve se restringir ao uso de agrotóxicos na produção. “Não podemos nos limitar a uma escolha entre a pulverização convencional e os drones. Precisamos de alternativas como a agroecologia, os controles biológicos e os insumos biológicos, que são mais seguros para o meio ambiente e as comunidades”.

Fonte: Reporter Brasil

 

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