Luís
Nassif: Os vícios capitais da política monetária
Em entrevista ao
programa PodCast Conversar, o economista Demian Fiocca trouxe um diagnóstico
sólido sobre o fracasso da política monetária.
A conta é simples.
O ex-presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, é execrado pelo mercado.
Em 2011 e 2012 adotou medidas macroprudenciais para conter o aquecimento da
economia e uma taxa Selic baixa. Foi uma política contracionista com menos
custo fiscal. A economia vinha crescendo a 7,5%. Nos anos seguintes caiu para
4% e 2% com juros real de 3,1% e 2,4%. Já Roberto Campos Neto subiu juros reais
para 8% e a economia vai crescer 4%, mais do que o ano passado.
Quem fracassou?,
indaga Fiocca.
O ponto central do
fracasso da política monetária é a fixação total na Selic e nos papéis
indexados. A Selic não é taxa de mercado, é determinada administrativamente
pelo Banco Central. E não tem relação alguma com a questão fiscal.
De 2002 a 2013
política fiscal foi bastante robusta, com superávits fiscais diversos anos
maior que 3% do PIB, dívida líquida caindo para metade, de 60% para 31% e a
dívida bruta caindo de 76% para 60% do PIB, sem contar US$ 300 bilhões de
reservas cambiais. Mesmo assim, a Selic real foi de 6,9%.
De 2014 a 2020,
houve déficit primário todo ano, uma média de 2,6% do PIB. A dívida líquida
dobrou de 31% para 61% do PIB. A bruta passou de 60% para 96% do PIB. E a Selic
média foi de 3,4%.
No período em que a
política fiscal foi horrível, a Selic estava mais baixa. No período em que a
política fiscal excelente, a Selic foi o dobro.
Por que é baixa
entre 2014 e 2020? Porque a economia estava muito ruim. Nada teve a ver com o
desempenho fiscal.
Fiocca defende a
estabilidade nominal, como importante para o funcionamento da economia. Há três
âncoras, a taxa de câmbio, salários e metas inflacionárias. Entre as três, para
Demian, as metas inflacionárias são a saída menos nociva, diz ele. A questão é
discutir qual o parâmetro de normalidade de inflação para um país como o
Brasil.
Historicamente, de
2000 a 2023. a taxa de juros real de 10 países desenvolvidos foi de 0,9%; dos
países em desenvolvimento, de 1,5%; dos países da América Laina que adotam o
RMI (Regime de Metas de Inflação), de 1,6%; do Brasil, de 5,7%.
É evidente que há
uma profunda disfuncionalidade.
E o superávit
primário? A comparação com outros países mostra que está dentro da normalidade.
De 2000 para cá, o Brasil registrou a média anual de 0.9% de superávit
primário, contra 1,2% de 10 países desenvolvidos com RMI; e 0,9% de 11 países
em desenvolvimento.
·
Problema
1 – a meta de inflação
O primeiro problema
apontado por Fiocca – e já objeto de artigo assinado por um grupo de economistas
de várias universidades – foi a definição de 3% para a meta de inflação.
Estudos de Bráulio Borges e Ricardo Barbosa – da FGV, dois dos maiores
especialistas em contas públicas – indicam um intervalo de 3% a 5,4% para
a inflação ótima. Outro especialista – ortodoxo -, Aloísio Araújo, estima que
para uma dívida de 75% do PIB, a meta de inflação razoável deveria ser de 4,5%.
Economia tem muita
indexação e muito preço que resiste a cair. Por isso, metas baixas exigem juros
permanentemente altos e isso é ruim. Existe trade off entre meta baixa e meta
crível, segundo Aloisio. Usando só a taxa de juros, para derrubar em 1
ponto a inflação, a taxa de juros deveria aumentar 4 pontos, segundo
estudos do próprio Banco Central.
·
Desde
o Real, só uma vez a inflação anual foi inferior a 3%
Se se estipula uma
meta irreal, o mercado não acredita. Se não acredita, a política monetária não
influencia em nada as expectativas.
O Banco Central é o
responsável por apresentar a proposta de meta inflacionária para o Conselho
Monetário Nacional. Qual a razão, então, para apresentar uma meta tão rígida,
sem estudos maiores? Uma hipótese foi a redução da inflação no ano passado, que
poderia ter passado ao banco um sentimento de onipotência. Outra hipótese é o
ativismo político de Campos Neto.
Se o aumento da
Selic foi de boa fé, dois anos é tempo suficiente para se constatar que o
experimento não deu certo. Nenhum banco corroborou a previsão de 3% do Copom. E
o custo fiscal foi massacrante.
Um dos pontos
levantados contra o aumento do piso da inflação é que poderia comprometer as
expectativas do mercado. É pensar que formação de expectativas é jogo de truco,
diz Fiocca.
Fiocca contrapõe um
estudo da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto.
Segundo os estudos,
as expectativas respondem por 10% da inflação, contra 47% de preços livres e
16% de administrados. E como as expectativas são afetadas pelo comportamento
dos preços, esses 10% são influenciados por todos os demais fatores.
Além disso,
aumentando o piso, vai se migrar do ponto de baixa credibilidade para outro com
mais alta credibilidade. Vai ter ganho de credibilidade
·
O
fator Selic
Um dos principais
componentes de uma política monetária é o chamado “efeito riqueza”. O Banco
Central aumenta os juros. Em um modelo com taxas pré-fixadas (aquelas que se
sabe, antecipadamente, o valor do resgate), o aumento de juros provoca uma
queda no valor do papel. Os investidores se sentem mais pobres e vão consumir
menos.
Com papéis
pós-fixados – como a Selic -, o efeito é inverso: aumentando os juros,
investidores e bancos ganham mais, injeta-se mais dinheiro na economia. Ou
seja, o aumento dos juros é expansionista – e não contracionista, como deveria
ser.
Em situação normal,
quando sobe juros, o câmbio aprecia – ou seja, cai o valor do dólar. Na semana
passada, houve aumento da Selic e o dólar aumentou de valor. E fica o mercado
discutindo o resultado primário de meio ponto enquanto os juros aumentam 4
pontos.
·
Proposta
# Corrigir a meta
de inflação de 3% para 4%.
# Combinar
instrumentos macroprudenciais e Selic na gestão monetária.
Ou seja, em vez de
recorrer somente aos juros da Selic, definir controles sobre o crédito,
compulsórios (a parte do crédito que os bancos têm que depositar no Banco
Central), regulações, instrumentos quantitativos macroprudenciais. E,
gradativamente, substituir a Selic por outros títulos públicos. E tudo isso
acompanhado da boa comunicação, com os economistas de mercado.
Em sua análise não
foi abordada a questão da cartelização dos leilões, nem as jogadas políticas do
cartel para inviabilizar o governo.
¨ Se o Regime de Metas não for revisto, desastre à vista.
Por Luís Nassif
O Banco Central fez
duas intervenções no mercado de câmbio, uma de US$ 4,850 bilhões entre 5a e 6a
feira e outra de US$ 4,7 bilhões ontem. E o dólar continuou subindo.
Essa
vulnerabilidade – que trouxe a volatilidade internacional do dólar para dentro
do país – ocorre apesar de reservas cambiais de US$ 350 bilhões. Deve-se à
maneira como autoridades econômicas, todas amarradas a interesses de rentistas,
administraram a política cambial nas últimas décadas. Flexibilizou-se a posse
de dólares nas mãos dos exportadores, permitiram-se abertura de contas em dólar
por pessoas físicas. Enfim, uma série de medidas integrando o mercado
financeiro aos mercados internacionais, sem que o país dispusesse de uma moeda
forte.
O golpe final foi a
introdução do Regime de Metas Inflacionárias, colocando nas mãos do mercado,
nas chamadas expectativas, a definição da taxa de juros básica da economia.
Tudo isso em um
país com o principal instrumento de criação de expectativas – a mídia –
capturada pelo mercado e incapaz de trazer uma discussão racional ao tema.
Não é de hoje. Nos
anos 50, com a necessidade de dólares para financiar os investimentos, grupos
estrangeiros – e mídia da época – criaram um estratagema. A lei permitia a
remessa de um percentual do capital externo registrado. Multinacionais tomavam
empréstimos em cruzeiros, e engordavam o capital registrado. Sobre esse valor
fictício, faziam remessas para fora.
Getúlio Vargas
aprovou uma Lei de Remessa de Lucros impedindo a manobra e foi alvo de campanha
inclemente, visando fundamentalmente explodir o câmbio. A campanha foi
endossada por jornais brasileiros e norte-americanos.
Banqueiro, nomeado
embaixador nos Estados Unidos, Walther Moreira Salles cumpriu a missão didática
de explicar a lógica da medida. Mas só conseguiu o empréstimo ponte que tirou o
país do estrangulamento cambial quando se associou ao Secretário de Estado
Douglas Dillon, e, juntos, passaram a adquirir títulos da dívida brasileira
devidamente depreciados, e que se valorizaram quando o governo norte-americano
aprovou o empréstimos ao Brasil.
A lógica de então é
similar ao jogo especulativo de agora: se deixar a fixação do câmbio nas mãos
do mercado, as “expectativas” dos agentes será sempre buscar o movimento que
maximize os lucros. É por isso que o mercado fica extremamente vulnerável a
movimentos de cartelização. Juntam alguns grandes investidores, passaram a
empurrar o dólar em determinada direção. Adquirem posição e, em seguida,
empurrar as “expectativas racionais” na direção contrária, para vender suas
posições por um preço melhor.
No caso brasileiro,
essa cartelização foi pessoalmente comandada pelo presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, quando, ainda em fevereiro, começou a alertar para a
situação “catastrófica” das contas públicas – em cima de uma discussão sobre
meros 0,5% de déficit, sendo trabalhado por pacotes fiscais.
O BC deixou o barco
correr livremente com o cartel e operadores de mercado alimentando uma mídia
inepta com terrorismo fiscal.
Depois do estouro
da boiada, não se espere mais nenhuma racionalidade. O agente econômico não
quer saber se os indicadores são bons ou ruins: o que interessa é saber para
que direção caminha a irracionalidade do mercado.
Foi o que levou,
anos atrás, economistas – alguns até sérios – defendendo a tese da “dominância
fiscal” – que ocorre quando a dívida pública e os déficits fiscais crescem de
forma insustentável.
No caso brasileiro,
a única variável fora do eixo é a taxa Selic, que remunera parte relevante da
dívida pública. Com o terrorismo, o mercado busca a profecia auto-realizada. O
déficit primário é ridiculamente pequeno – fala-se em 0,25% do PIB tendendo
para o equilíbrio. Mas o terrorismo infundido nas expectativas jogam a Selic
para o espaço. Por conta de um estouro mínimo nas metas inflacionárias, o BC
programou três altas de um ponto na Selic, em poucos meses – amarrando a
próxima gestão do banco.
Ora, com a Selic a
12,25%, podendo aumentar mais dois pontos em pouco tempo, não há ajuste fiscal
que compense. Assim, cria-se o fantasma da dominância fiscal. E, à medida em
que o fantasma vai adquirindo corpo, mais se pressiona por aumento da Selic,
aumentando ainda mais o fantasma da dominância fiscal.
Some-se o que
ocorre na economia americana. A tributação sobre as importações provocará
inflação – tendo como consequência o aumento dos juros internos. A redução dos
impostos dos grandes grupos aumentará os lucros e dividendos. Ambos os
movimentos transformarão os EUA em sorvedouro de dólares, fortalecendo ainda
mais os movimentos do cartel dos juros.
Enquanto isto, na
ponta da economia real, empresas cortam investimentos, vendem ativos, produzem
menos, deprimindo a receita fiscal.
Conclusão: atuar
nesse ambiente apenas manobrando juros e vendendo dólares é o caminho óbvio
para o desastre. O cartel já tomou conta totalmente das expectativas.
Se os especuladores
não forem machucados, por regulações ou mesmo por investigações contra o
cartel, haverá um desastre pela frente. Está na hora do BC começar a preparar a
saída do Regime de Metas Inflacionárias e da liberalização cambial absurda das
últimas décadas.
¨ A emendocracia brasileira: O fisiologismo como regra e
o fim dos grandes articuladores. Por Elias Tavares
O anúncio da
liberação de R$ 7,5 bilhões em emendas parlamentares pelo governo federal,
estrategicamente sincronizado com a semana mais crucial do Congresso Nacional
para a aprovação das reformas tributária e fiscal, lança uma luz incômoda sobre
o funcionamento do nosso sistema político. A relação entre Executivo e
Legislativo, que deveria ser pautada por diálogo e articulação política,
transformou-se em um jogo explícito de “toma lá, dá cá”. Esse fenômeno, que chamo
de “emendocracia”, redefine o papel do Congresso e escancara o caráter
fisiológico que permeia as relações institucionais no Brasil.
Em um momento em
que o país precisa avançar com urgência em pautas estruturantes, como a reforma
tributária e o arcabouço fiscal, é curioso observar como a liberação bilionária
de emendas, uma ferramenta legítima quando utilizada com critério, surge como
pré-requisito para que os interesses do governo avancem no Parlamento. A
impressão que fica é que, sem emendas, as pautas de interesse do Executivo
estariam fadadas ao esquecimento. Esse contexto reflete um Congresso que, hoje,
mais demanda do que entrega.
O poder de
barganha do Legislativo chegou ao seu ápice, a ponto de transformar o
presidencialismo brasileiro em algo que se assemelha ao semipresidencialismo
defendido recentemente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele afirmou que
a adoção desse modelo seria uma evolução institucional, mas a realidade é que,
na prática, já vivemos algo próximo a isso. O governo federal, cada vez mais
refém do Congresso, só consegue aprovar suas pautas prioritárias por meio de
acordos financeiros disfarçados de articulação política. O que deveria ser
negociação política virou uma mera troca de interesses imediatistas.
<><> O
Fim dos Grandes Articuladores
Essa nova realidade
política evidencia também a ausência de figuras capazes de articular consensos
no Congresso sem recorrer à liberação de recursos públicos. O Brasil já teve
grandes articuladores que, com habilidade política e visão de Estado,
construíram pontes e viabilizaram mudanças significativas. Líderes
como Michel Temer, reconhecido como um pacificador, ou Ulysses
Guimarães, o “Senhor Diretas”, eram capazes de conduzir negociações com
inteligência e autoridade moral, sem precisar distribuir bilhões em emendas.
Outros nomes,
como José Sarney, no Senado, e Renan Calheiros, em diferentes
momentos, desempenharam o papel de mediadores em situações de alta tensão
política. Eles compreendiam que a política, apesar de suas complexidades, não
pode se resumir a interesses pessoais. Infelizmente, essa tradição parece ter
ficado no passado.
Hoje, o que temos é
um Congresso fragmentado, onde os interesses individuais e regionais se
sobrepõem ao interesse nacional. A figura do articulador político, aquele que
transita entre as bancadas, escuta os diferentes lados e constrói acordos em
nome de um projeto de país, desapareceu. Em seu lugar, surge um sistema onde o
diálogo cede espaço a uma negociação financeira descarada, em que votos são
trocados por emendas.
<><> O
Custo do Fisiologismo
A emendocracia é
um reflexo de um fisiologismo que há muito tempo corrói nossas instituições.
Deputados e senadores, em vez de pensarem no país, concentram-se em maximizar
seus ganhos eleitorais e atender interesses de seus redutos políticos. O
Executivo, por sua vez, tornou-se refém dessa lógica, incapaz de aprovar pautas
essenciais sem abrir os cofres públicos.
Esse cenário tem
implicações graves para a governabilidade e para a qualidade da democracia
brasileira. Enquanto bilhões são liberados para satisfazer demandas
parlamentares, a sociedade enfrenta uma crise fiscal sem precedentes, com um
orçamento cada vez mais engessado e prioridades nacionais relegadas ao segundo
plano.
Se antes as
reformas eram fruto de diálogo e articulação, hoje elas são compradas. O
resultado é um sistema político que se move em função de interesses
imediatistas, sem planejamento estratégico e sem pensar no Brasil de longo
prazo. Trata-se de um sistema que trabalha para si mesmo, e não para o povo que
deveria representar.
<><>
Conclusão
O que está em jogo
não é apenas a aprovação das reformas tributária e fiscal, mas o futuro do
próprio modelo democrático brasileiro. A prática da emendocracia, com sua
barganha explícita entre Executivo e Legislativo, mina a credibilidade das
instituições e reforça a percepção de que o sistema político brasileiro está
quebrado.
É urgente resgatar
o papel da política como instrumento de transformação social. Isso passa por
limitar o uso das emendas parlamentares como moeda de troca e resgatar o papel
do articulador político, aquele que negocia com base no interesse público, e
não em interesses particulares.
Até que isso
aconteça, continuaremos a ser reféns de um sistema onde a política é decidida a
partir do bolso, e não da cabeça. A verdadeira reforma que o Brasil precisa é a
reforma do nosso próprio modelo de fazer política, que hoje, infelizmente, se
reduz a uma triste e disfuncional emendocracia.
Fonte: Jornal GGN
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