quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Luís Nassif: Os vícios capitais da política monetária

Em entrevista ao programa PodCast Conversar, o economista Demian Fiocca trouxe um diagnóstico sólido sobre o fracasso da política monetária.

A conta é simples. O ex-presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, é execrado pelo mercado. Em 2011 e 2012 adotou medidas macroprudenciais para conter o aquecimento da economia e uma taxa Selic baixa. Foi uma política contracionista com menos custo fiscal. A economia vinha crescendo a 7,5%. Nos anos seguintes caiu para 4% e 2% com juros real de 3,1% e 2,4%. Já Roberto Campos Neto subiu juros reais para 8% e a economia vai crescer 4%, mais do que o ano passado.

Quem fracassou?, indaga Fiocca.

O ponto central do fracasso da política monetária é a fixação total na Selic e nos papéis indexados. A Selic não é taxa de mercado, é determinada administrativamente pelo Banco Central. E não tem relação alguma com a questão fiscal.

De 2002 a 2013 política fiscal foi bastante robusta, com superávits fiscais diversos anos maior que 3% do PIB, dívida líquida caindo para metade, de 60% para 31% e a dívida bruta caindo de 76% para 60% do PIB, sem contar US$ 300 bilhões de reservas cambiais. Mesmo assim, a Selic real foi de 6,9%.

De 2014 a 2020, houve déficit primário todo ano, uma média de 2,6% do PIB. A dívida líquida dobrou de 31% para 61% do PIB. A bruta passou de 60% para 96% do PIB. E a Selic média foi de 3,4%.

No período em que a política fiscal foi horrível, a Selic estava mais baixa. No período em que a política fiscal excelente, a Selic foi o dobro.

Por que é baixa entre 2014 e 2020? Porque a economia estava muito ruim. Nada teve a ver com o desempenho fiscal.

Fiocca defende a estabilidade nominal, como importante para o funcionamento da economia. Há três âncoras, a taxa de câmbio, salários e metas inflacionárias. Entre as três, para Demian, as metas inflacionárias são a saída menos nociva, diz ele. A questão é discutir qual o parâmetro de normalidade de inflação para um país como o Brasil.

Historicamente, de 2000 a 2023. a taxa de juros real de 10 países desenvolvidos foi de 0,9%; dos países em desenvolvimento, de 1,5%; dos países da América Laina que adotam o RMI (Regime de Metas de Inflação), de 1,6%; do Brasil, de 5,7%.

É evidente que há uma profunda disfuncionalidade.

E o superávit primário? A comparação com outros países mostra que está dentro da normalidade. De 2000 para cá, o Brasil registrou a média anual de 0.9% de superávit primário, contra 1,2% de 10 países desenvolvidos com RMI; e 0,9% de 11 países em desenvolvimento.

·        Problema 1 – a meta de inflação

O primeiro problema apontado por Fiocca – e já objeto de artigo assinado por um grupo de economistas de várias universidades – foi a definição de 3% para a meta de inflação. Estudos de Bráulio Borges e Ricardo Barbosa – da FGV, dois dos maiores especialistas em contas públicas –  indicam um intervalo de 3% a 5,4% para a inflação ótima. Outro especialista – ortodoxo -, Aloísio Araújo, estima que para uma dívida de 75% do PIB, a meta de inflação razoável deveria ser de 4,5%.

Economia tem muita indexação e muito preço que resiste a cair. Por isso, metas baixas exigem juros permanentemente altos e isso é ruim. Existe trade off entre meta baixa e meta crível, segundo Aloisio. Usando só a taxa de juros, para derrubar em 1 ponto  a inflação, a taxa de juros deveria aumentar 4 pontos, segundo estudos do próprio Banco Central.

·        Desde o Real, só uma vez a inflação anual foi inferior a 3%

Se se estipula uma meta irreal, o mercado não acredita. Se não acredita, a política monetária não influencia em nada as expectativas.

O Banco Central é o responsável por apresentar a proposta de meta inflacionária para o Conselho Monetário Nacional. Qual a razão, então, para apresentar uma meta tão rígida, sem estudos maiores? Uma hipótese foi a redução da inflação no ano passado, que poderia ter passado ao banco um sentimento de onipotência. Outra hipótese é o ativismo político de Campos Neto.

Se o aumento da Selic foi de boa fé, dois anos é tempo suficiente para se constatar que o experimento não deu certo. Nenhum banco corroborou a previsão de 3% do Copom. E o custo fiscal foi massacrante.

Um dos pontos levantados contra o aumento do piso da inflação é que poderia comprometer as expectativas do mercado. É pensar que formação de expectativas é jogo de truco, diz Fiocca. 

Fiocca contrapõe um estudo da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto.

Segundo os estudos, as expectativas respondem por 10% da inflação, contra 47% de preços livres e 16% de administrados. E como as expectativas são afetadas pelo comportamento dos preços, esses 10% são influenciados por todos os demais fatores.

Além disso, aumentando o piso, vai se migrar do ponto de baixa credibilidade para outro com mais alta credibilidade. Vai ter ganho de credibilidade

·        O fator Selic

Um dos principais componentes de uma política monetária é o chamado “efeito riqueza”. O Banco Central aumenta os juros. Em um modelo com taxas pré-fixadas (aquelas que se sabe, antecipadamente, o valor do resgate), o aumento de juros provoca uma queda no valor do papel. Os investidores se sentem mais pobres e vão consumir menos.

Com papéis pós-fixados – como a Selic -, o efeito é inverso: aumentando os juros, investidores e bancos ganham mais, injeta-se mais dinheiro na economia. Ou seja, o aumento dos juros é expansionista – e não contracionista, como deveria ser.

Em situação normal, quando sobe juros, o câmbio aprecia – ou seja, cai o valor do dólar. Na semana passada, houve aumento da Selic e o dólar aumentou de valor. E fica o mercado discutindo o resultado primário de meio ponto enquanto os juros aumentam 4 pontos.

·        Proposta 

# Corrigir a meta de inflação de 3% para 4%.

# Combinar instrumentos macroprudenciais e Selic na gestão monetária.

Ou seja, em vez de recorrer somente aos juros da Selic, definir controles sobre o crédito, compulsórios (a parte do crédito que os bancos têm que depositar no Banco Central), regulações, instrumentos quantitativos macroprudenciais. E, gradativamente, substituir a Selic por outros títulos públicos. E tudo isso acompanhado da boa comunicação, com os economistas de mercado.

Em sua análise não foi abordada a questão da cartelização dos leilões, nem as jogadas políticas do cartel para inviabilizar o governo.

 

¨      Se o Regime de Metas não for revisto, desastre à vista. Por Luís Nassif

O Banco Central fez duas intervenções no mercado de câmbio, uma de US$ 4,850 bilhões entre 5a e 6a feira e outra de US$ 4,7 bilhões ontem. E o dólar continuou subindo.

Essa vulnerabilidade – que trouxe a volatilidade internacional do dólar para dentro do país – ocorre apesar de reservas cambiais de US$ 350 bilhões. Deve-se à maneira como autoridades econômicas, todas amarradas a interesses de rentistas, administraram a política cambial nas últimas décadas. Flexibilizou-se a posse de dólares nas mãos dos exportadores, permitiram-se abertura de contas em dólar por pessoas físicas. Enfim, uma série de medidas integrando o mercado financeiro aos mercados internacionais, sem que o país dispusesse de uma moeda forte.

O golpe final foi a introdução do Regime de Metas Inflacionárias, colocando nas mãos do mercado, nas chamadas expectativas, a definição da taxa de juros básica da economia.

Tudo isso em um país com o principal instrumento de criação de expectativas – a mídia – capturada pelo mercado e incapaz de trazer uma discussão racional ao tema.

Não é de hoje. Nos anos 50, com a necessidade de dólares para financiar os investimentos, grupos estrangeiros – e mídia da época – criaram um estratagema. A lei permitia a remessa de um percentual do capital externo registrado. Multinacionais tomavam empréstimos em cruzeiros, e engordavam o capital registrado. Sobre esse valor fictício, faziam remessas para fora.

Getúlio Vargas aprovou uma Lei de Remessa de Lucros impedindo a manobra e foi alvo de campanha inclemente, visando fundamentalmente explodir o câmbio. A campanha foi endossada por jornais brasileiros e norte-americanos.

Banqueiro, nomeado embaixador nos Estados Unidos, Walther Moreira Salles cumpriu a missão didática de explicar a lógica da medida. Mas só conseguiu o empréstimo ponte que tirou o país do estrangulamento cambial quando se associou ao Secretário de Estado Douglas Dillon, e, juntos, passaram a adquirir títulos da dívida brasileira devidamente depreciados, e que se valorizaram quando o governo norte-americano aprovou o empréstimos ao Brasil.

A lógica de então é similar ao jogo especulativo de agora: se deixar a fixação do câmbio nas mãos do mercado, as “expectativas” dos agentes será sempre buscar o movimento que maximize os lucros. É por isso que o mercado fica extremamente vulnerável a movimentos de cartelização. Juntam alguns grandes investidores, passaram a empurrar o dólar em determinada direção. Adquirem posição e, em seguida, empurrar as “expectativas racionais” na direção contrária, para vender suas posições por um preço melhor.

No caso brasileiro, essa cartelização foi pessoalmente comandada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, quando, ainda em fevereiro, começou a alertar para a situação “catastrófica” das contas públicas – em cima de uma discussão sobre meros 0,5% de déficit, sendo trabalhado por pacotes fiscais.

O BC deixou o barco correr livremente com o cartel e operadores de mercado alimentando uma mídia inepta com terrorismo fiscal.

Depois do estouro da boiada, não se espere mais nenhuma racionalidade. O agente econômico não quer saber se os indicadores são bons ou ruins: o que interessa é saber para que direção caminha a irracionalidade do mercado.

Foi o que levou, anos atrás, economistas – alguns até sérios – defendendo a tese da “dominância fiscal” – que ocorre quando a dívida pública e os déficits fiscais crescem de forma insustentável.

No caso brasileiro, a única variável fora do eixo é a taxa Selic, que remunera parte relevante da dívida pública. Com o terrorismo, o mercado busca a profecia auto-realizada. O déficit primário é ridiculamente pequeno – fala-se em 0,25% do PIB tendendo para o equilíbrio. Mas o terrorismo infundido nas expectativas jogam a Selic para o espaço. Por conta de um estouro mínimo nas metas inflacionárias, o BC programou três altas de um ponto na Selic, em poucos meses – amarrando a próxima gestão do banco.

Ora, com a Selic a 12,25%, podendo aumentar mais dois pontos em pouco tempo, não há ajuste fiscal que compense. Assim, cria-se o fantasma da dominância fiscal. E, à medida em que o fantasma vai adquirindo corpo, mais se pressiona por aumento da Selic, aumentando ainda mais o fantasma da dominância fiscal.

Some-se o que ocorre na economia americana. A tributação sobre as importações provocará inflação – tendo como consequência o aumento dos juros internos. A redução dos impostos dos grandes grupos aumentará os lucros e dividendos. Ambos os movimentos transformarão os EUA em sorvedouro de dólares, fortalecendo ainda mais os movimentos do cartel dos juros.

Enquanto isto, na ponta da economia real, empresas cortam investimentos, vendem ativos, produzem menos, deprimindo a receita fiscal.

Conclusão: atuar nesse ambiente apenas manobrando juros e vendendo dólares é o caminho óbvio para o desastre. O cartel já tomou conta totalmente das expectativas.

Se os especuladores não forem machucados, por regulações ou mesmo por investigações contra o cartel, haverá um desastre pela frente. Está na hora do BC começar a preparar a saída do Regime de Metas Inflacionárias e da liberalização cambial absurda das últimas décadas.

 

¨      A emendocracia brasileira: O fisiologismo como regra e o fim dos grandes articuladores. Por Elias Tavares

O anúncio da liberação de R$ 7,5 bilhões em emendas parlamentares pelo governo federal, estrategicamente sincronizado com a semana mais crucial do Congresso Nacional para a aprovação das reformas tributária e fiscal, lança uma luz incômoda sobre o funcionamento do nosso sistema político. A relação entre Executivo e Legislativo, que deveria ser pautada por diálogo e articulação política, transformou-se em um jogo explícito de “toma lá, dá cá”. Esse fenômeno, que chamo de “emendocracia”, redefine o papel do Congresso e escancara o caráter fisiológico que permeia as relações institucionais no Brasil.

Em um momento em que o país precisa avançar com urgência em pautas estruturantes, como a reforma tributária e o arcabouço fiscal, é curioso observar como a liberação bilionária de emendas, uma ferramenta legítima quando utilizada com critério, surge como pré-requisito para que os interesses do governo avancem no Parlamento. A impressão que fica é que, sem emendas, as pautas de interesse do Executivo estariam fadadas ao esquecimento. Esse contexto reflete um Congresso que, hoje, mais demanda do que entrega.

O poder de barganha do Legislativo chegou ao seu ápice, a ponto de transformar o presidencialismo brasileiro em algo que se assemelha ao semipresidencialismo defendido recentemente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele afirmou que a adoção desse modelo seria uma evolução institucional, mas a realidade é que, na prática, já vivemos algo próximo a isso. O governo federal, cada vez mais refém do Congresso, só consegue aprovar suas pautas prioritárias por meio de acordos financeiros disfarçados de articulação política. O que deveria ser negociação política virou uma mera troca de interesses imediatistas.

<><> O Fim dos Grandes Articuladores

Essa nova realidade política evidencia também a ausência de figuras capazes de articular consensos no Congresso sem recorrer à liberação de recursos públicos. O Brasil já teve grandes articuladores que, com habilidade política e visão de Estado, construíram pontes e viabilizaram mudanças significativas. Líderes como Michel Temer, reconhecido como um pacificador, ou Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”, eram capazes de conduzir negociações com inteligência e autoridade moral, sem precisar distribuir bilhões em emendas.

Outros nomes, como José Sarney, no Senado, e Renan Calheiros, em diferentes momentos, desempenharam o papel de mediadores em situações de alta tensão política. Eles compreendiam que a política, apesar de suas complexidades, não pode se resumir a interesses pessoais. Infelizmente, essa tradição parece ter ficado no passado.

Hoje, o que temos é um Congresso fragmentado, onde os interesses individuais e regionais se sobrepõem ao interesse nacional. A figura do articulador político, aquele que transita entre as bancadas, escuta os diferentes lados e constrói acordos em nome de um projeto de país, desapareceu. Em seu lugar, surge um sistema onde o diálogo cede espaço a uma negociação financeira descarada, em que votos são trocados por emendas.

<><> O Custo do Fisiologismo

A emendocracia é um reflexo de um fisiologismo que há muito tempo corrói nossas instituições. Deputados e senadores, em vez de pensarem no país, concentram-se em maximizar seus ganhos eleitorais e atender interesses de seus redutos políticos. O Executivo, por sua vez, tornou-se refém dessa lógica, incapaz de aprovar pautas essenciais sem abrir os cofres públicos.

Esse cenário tem implicações graves para a governabilidade e para a qualidade da democracia brasileira. Enquanto bilhões são liberados para satisfazer demandas parlamentares, a sociedade enfrenta uma crise fiscal sem precedentes, com um orçamento cada vez mais engessado e prioridades nacionais relegadas ao segundo plano.

Se antes as reformas eram fruto de diálogo e articulação, hoje elas são compradas. O resultado é um sistema político que se move em função de interesses imediatistas, sem planejamento estratégico e sem pensar no Brasil de longo prazo. Trata-se de um sistema que trabalha para si mesmo, e não para o povo que deveria representar.

<><> Conclusão

O que está em jogo não é apenas a aprovação das reformas tributária e fiscal, mas o futuro do próprio modelo democrático brasileiro. A prática da emendocracia, com sua barganha explícita entre Executivo e Legislativo, mina a credibilidade das instituições e reforça a percepção de que o sistema político brasileiro está quebrado.

É urgente resgatar o papel da política como instrumento de transformação social. Isso passa por limitar o uso das emendas parlamentares como moeda de troca e resgatar o papel do articulador político, aquele que negocia com base no interesse público, e não em interesses particulares.

Até que isso aconteça, continuaremos a ser reféns de um sistema onde a política é decidida a partir do bolso, e não da cabeça. A verdadeira reforma que o Brasil precisa é a reforma do nosso próprio modelo de fazer política, que hoje, infelizmente, se reduz a uma triste e disfuncional emendocracia.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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