sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Encurralados pela morte em Gaza: relatório de MSF expõe a campanha israelense de destruição total

Repetidos ataques militares de Israel contra civis palestinos nos últimos 14 meses, o desmantelamento do sistema de saúde e de outras infraestruturas essenciais, o cerco sufocante e a negativa sistemática de acesso à assistência humanitária estão aniquilando as condições de vida em Gaza, de acordo com um novo relatório divulgado por Médicos Sem Fronteiras (MSF), “Gaza: Vidas encurralas pela morte” ("Gaza: Life in a death trap").  A organização humanitária médica internacional faz, mais uma vez, um apelo urgente a todas as partes envolvidas por um cessar-fogo imediato para salvar vidas e permitir o fluxo de ajuda humanitária. Israel deve cessar seus ataques indiscriminados contra civis, e seus aliados devem atuar sem demora para proteger a vida dos palestinos e assegurar o cumprimento das regras do direito internacional para situações de guerra.

"As pessoas em Gaza estão lutando para sobreviver sob condições apocalípticas, mas nenhum lugar é seguro, ninguém é poupado e não existe saída deste enclave destroçado", disse Christopher Lockyear, secretário-geral de MSF, que visitou Gaza no início deste ano.  

"A ofensiva militar recente no Norte é uma ilustração crua da guerra brutal que as forças israelenses estão travando em Gaza, e estamos vendo sinais claros de limpeza étnica à medida em que palestinos são forçados a se deslocar, encurralados e bombardeados”, afirmou Lockyear. "O que nossas equipes médicas têm testemunhado no território ao longo deste conflito é consistente com as descrições feitas por um número crescente de especialistas legais e por organizações, concluindo que está ocorrendo um genocídio em Gaza. Embora não tenhamos autoridade legal para estabelecer intencionalidade, os sinais de limpeza étnica e a devastação em curso - incluindo assassinatos em massa, ferimentos severos e fortes danos à saúde mental, deslocamentos forçados e condições de vida impossíveis para palestinos sob cerco e bombardeios - são inegáveis”.

Em resposta aos terríveis ataques efetuados pelo Hamas e por outros grupos armados em Israel em 7 de outubro de 2023 - nos quais 1.200 pessoas foram mortas e 251 foram tomadas como reféns - as forças israelenses estão esmagando toda a população de Gaza. A guerra total de Israel matou mais de 45 mil pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde, incluindo oito colegas de MSF.

número de mortes adicionais relacionadas à guerra é provavelmente muito mais elevado devido aos impactos de um sistema de saúde colapsado, surtos de doenças e o acesso severamente limitado a comida, água e abrigo. As Nações Unidas estimaram anteriormente neste ano que mais de 10 mil corpos permaneciam soterrados sob os escombros. As forças israelenses impediram em diversas ocasiões a entrada na Faixa de Gaza de itens essenciais como comida, água e suprimentos médicos, assim como bloquearam, negaram ou atrasaram a assistência humanitária, conforme documentado no relatório. Cerca de 1,9 milhão de pessoas — 90% da população total da Faixa de Gaza – foram deslocadas de maneira forçada, muitas delas por diversas vezes.

Menos da metade dos 36 hospitais de Gaza estão sequer funcionando parcialmente e o sistema de saúde está em ruínas. No período de um ano coberto pelo relatório — de outubro de 2023 a outubro de 2024 — as equipes de MSF enfrentaram 41 ataques e incidentes violentos, incluindo ataques aéreos, bombardeios e incursões violentas em instalações de saúde; disparos contra abrigos e comboios da organização; e detenções arbitrárias de colegas por forças israelenses. Profissionais médicos e pacientes de MSF foram forçados a evacuar hospitais e instalações de saúde em 17 ocasiões distintas, tendo que muitas vezes sair correndo para salvar suas vidas. Ocorreram hostilidades entre as partes em conflito perto de instalações médicas, colocando pacientes, cuidadores e equipes médicas em risco.

Enquanto isso, as feridas físicas e psicológicas dos palestinos são imensas e suas necessidades continuam crescendo. Instalações apoiadas por MSF realizaram ao menos 27.500 consultas relacionadas à violência e 7.500 intervenções cirúrgicas. Pessoas estão sofrendo por ferimentos de guerra, mas também por doenças crônicas, agravadas quando não é possível ter acesso a cuidados de saúde e medicamentos. Os deslocamentos forçados impostos por Israel levaram as pessoas a enfrentar condições de vida insuportáveis e insalubres, em um contexto em que doenças podem se espalhar rapidamente. Como resultado, equipes de MSF estão tratando um número elevado de pessoas com problemas de saúde como doenças de pele, infecções respiratórias e diarreia — e a expectativa é de que a incidência aumente com a queda das temperaturas durante o inverno. Crianças não estão recebendo vacinas cruciais, tornando-as vulneráveis a doenças como pólio e sarampo. MSF tem observado um aumento no número de casos de desnutrição, apesar de ser impossível realizar um monitoramento completo do problema em Gaza devido à insegurança generalizada e à falta de medidas que assegurem a criação de zonas livres de conflito.

À medida em que as opções de cuidados médicos em Gaza se reduzem, Israel tem tornado ainda mais difícil que pessoas possam ser evacuadas por razões médicas. Entre o fechamento da passagem de Rafah, no início de maio de 2024, e setembro de 2024, as autoridades israelenses autorizaram as evacuações de apenas 229 pacientes - o que corresponde a somente 1,6% dos que precisavam de assistência fora do território naquele momento. É uma gota em um oceano de necessidades.

A situação no norte de Gaza é especialmente grave após a recente ofensiva militar de Israel que transformou o local em terra arrasada, deixando grandes áreas despovoadas e matando quase 2 mil pessoas, segundo relatos. A parte norte da Faixa de Gaza, particularmente o campo de Jabalia, foi cercada novamente por forças israelenses desde 6 de outubro último. Autoridades israelenses reduziram dramaticamente a quantidade de ajuda essencial autorizada a ingressar no Norte. Em outubro de 2024, a quantidade de suprimentos que chegavam à totalidade do território de Gaza atingiu o menor patamar desde que a guerra escalou, em outubro de 2023: uma média diária de 37 caminhões humanitários entrou em outubro de 2024, muito abaixo dos 500 que ingressavam antes de 7 de outubro de 2023.

“Por mais de um ano, a nossa equipe médica em Gaza tem testemunhado uma campanha implacável de destruição maciça, devastação e desumanização por parte das forças israelenses”, disse Lockyear. “Palestinos foram mortos em seus lares e em leitos de hospitais. Eles foram deslocados à força repetidas vezes para áreas sem condições sanitárias ou de segurança. As pessoas não conseguem aceder nem às necessidades mais básicas, como comida, água limpa, remédios e sabão em meio a um cerco e a um bloqueio punitivo."

MSF apela aos Estados, particularmente aos aliados mais próximos de Israel, para que cessem seu apoio incondicional ao país e cumpram sua obrigação de evitar um genocídio em Gaza. Há quase um ano, em 26 de janeiro, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) ordenou que Israel tomasse “medidas imediatas e efetivas para permitir o fornecimento urgente de serviços básicos necessários e de assistência humanitária para endereçar as condições de vida adversas enfrentadas por palestinos na Faixa de Gaza”. Israel não adotou nenhuma ação relevante para cumprir a ordem da corte. Em vez disso, autoridades israelenses continuam bloqueando ativamente as ações de MSF e de outras organizações que tentam levar assistência a pessoas encurraladas sob cerco e bombardeios.

Estados devem usar sua influência para aliviar o sofrimento da população e permitir um aumento maciço da assistência humanitária na Faixa de Gaza. Como força de ocupação, as autoridades de Israel são responsáveis por assegurar a entrega rápida, segura e sem obstrução de ajuda humanitária em nível suficiente para atender às necessidades da população. Em vez disso, o bloqueio e a contínua obstrução da entrada de ajuda por parte de Israel tornaram quase impossível que a população de Gaza tenha acesso a bens essenciais, incluindo combustível, comida, água e medicamentos. Ao mesmo tempo, Israel decidiu banir efetivamente a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), que é a maior provedora de assistência, cuidados médicos e de outros serviços vitais aos palestinos.

MSF reitera seu apelo por um cessar-fogo imediato e sustentado. A destruição total da vida palestina em Gaza tem de cessar. MSF também está apelando por acesso imediato e seguro ao norte de Gaza para permitir a entrega de ajuda humanitária e suprimentos médicos a hospitais. Enquanto MSF continua fornecendo assistência que salva vidas nas regiões central e sul de Gaza, apelamos a Israel para que encerre seu cerco ao território e abra acessos terrestres vitais, incluindo a passagem de Rafah, para permitir um grande aumento da ajuda médica e humanitária.

O relatório de MSF nota que mesmo que a ofensiva militar de Israel contra Gaza terminasse hoje, seus impactos de longo prazo seriam sem precedentes, graças à escala da destruição e aos desafios extraordinários de prover assistência médica por toda a Faixa de Gaza. Um número impressionante de pessoas com ferimentos de guerra corre risco de infecção, amputação e de deficiência física permanente, e muitas vão necessitar de anos de cuidados de reabilitação. O impacto físico e o trauma mental cumulativos, causados por violência extrema, perda de familiares e lares, reiterados deslocamentos forçados e condições de vida desumanas, geram cicatrizes que vão perdurar por gerações.

 

¨      Human Rights Watch acusa Israel de genocídio por bloqueio de água em Gaza

A ONG de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) acusou, nesta quinta-feira (19/12), Israel de atos de genocídio e extermínio por privar palestinos na Faixa de Gaza do acesso à água e a serviços básicos de higiene necessários à sobrevivência.

Em um relatório de 179 páginas, a HRW afirmou ter descoberto que as autoridades israelenses privaram intencionalmente a população de Gaza do acesso à água potável e aos serviços de higiene básicos.

“As autoridades e as forças israelenses interromperam e seguiram limitando a água corrente em Gaza, assim como a maior parte da infraestrutura hídrica e higiênico-sanitária e de materiais para a purificação da água. Também bloquearam a entrada de materiais hídricos essenciais”, diz o documento.

O relatório teve como base entrevistas com 66 palestinos do enclave, quatro funcionários da Empresa de Água dos Municípios Costeiros (CMWU) da região, além de 31 agentes sanitários e 15 colaboradores de agências das Nações Unidas e organizações humanitárias internacionais.

Para a conclusão, a HRW também analisou imagens de satélites, fotografias e vídeos realizados entre o início do conflito, em outubro de 2023, e setembro de 2024, assim como relatos de médicos, epidemiologistas, organizações humanitárias e especialistas em água e serviços higiênicos.

“Os governantes e as organizações internacionais deveriam adotar todas as medidas para prevenir o genocídio em Gaza, como a suspensão da assistência militar [a Israel], a revisão dos acordos bilaterais e das relações diplomáticas e o apoio à Corte Penal Internacional”, disse a HRW.

O governo israelense negou as acusações, dizendo que o material divulgado está “repleto de mentiras”. “A HRW está mais uma vez divulgando acusações de sangue a fim de promover sua propaganda anti-Israel. Esse relatório está cheio de mentiras assustadoras, mesmo para os padrões já baixos da HRW”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores do país, citado pelo Times of Israel.

¨      Chanceler chinês na ONU cobra de Israel fim do genocídio em Gaza

A reunião desta quinta-feira (19/12) do Conselho de Segurança, principal órgão interno da Organização das Nações Unidas (ONU), foi marcada por fortes críticas de Geng Shuang, representante da China no organismo, contra o massacre cometido por Israel contra os palestinos residentes na Faixa de Gaza.

Além de criticar os mais de 14 meses de ofensiva israelense contra o território palestino, Shuang lembrou das restrições ao fornecimento de água, alimentos e insumos básicos impostas por Tel Aviv à população local de Gaza, razão pela qual qualificou a ação do governo do premiê sionista Benjamin Netanyahu como “genocida”.

O diplomata chinês fez um apelo à comunidade internacional, pedindo aos países que condenem os ataques contra os palestinos em Gaza e exijam que Israel acate as resoluções já aprovadas pelo Conselho de Segurança, que falam em um cessar-fogo, no fim das restrições à ajuda humanitária e ao trabalho de entidade que prestam assistência aos palestinos residentes na região.

Ao finalizar sua intervenção, Geng Shuang defendeu que o Conselho de Segurança utilize “todas as ferramentas e vias disponíveis para acabar permanentemente com o conflito” na Faixa de Gaza.

Embora as palavras usadas pelo diplomata na reunião desta quinta tenham sido mais contundentes que em reuniões anteriores, é fato que a China sempre se posicionou de forma crítica às ações de Israel em Gaza, entre outras coisas, votando sempre a favor dos direitos dos palestinos no Conselho de Segurança.

Além disso, Pequim também costuma votar a favor de resoluções pedindo o reconhecimento internacional do Estado da Palestina e a implementação da solução de dois Estados para colocar fim ao conflito na região.

Na reunião desta quinta, Shuang reiterou essa postura, dizendo que “a solução de dois Estados é a única resposta viável à questão palestina e a comunidade internacional deve agir para que ela seja colocada em prática”.

O massacre cometido por Israel contra os palestinos residentes na Faixa de Gaza teve início em outubro de 2023 e já causou a morte de mais de 45 mil pessoas, além de deixar mais de 107 mil feridas. Estudos estimam que o número de vítimas fatais pode ser até três vezes maior, considerando os corpos soterrados nos escombros e as pessoas mortas pela fome, sede e outros problemas decorrentes da falta de ajuda humanitária.

 

¨      Israel quer Síria fragmentada e desprovida de meios militares, diz analista sobre monte Hermon

Israel capitaliza na transição de governo da Síria, desmantelando a infraestrutura militar e ocupando território de seu país vizinho. Saiba quais os objetivos de Israel em suas operações na Síria e como os países árabes podem responder para garantir a integridade territorial de Damasco.

Nesta quarta-feira (18), o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu instruiu as forças militares de seu país a permanecer no território de monte Hermon, na Síria, até pelo menos o fim de 2025, informou a CNN.

Anteriormente, o ministro da Defesa do país, Israel Katz, havia confirmado a visita de Netanyahu ao monte Hermon. Na ocasião, Netanyahu presidiu à reunião com o comandante do Exército, Herzi Halevi, e com o chefe do serviço de inteligência interna Shin Bet, Ronen Bar.

Reconhecido internacionalmente como território da Síria, o monte Hermon garante visão estratégica de alvos localizados no Líbano, Síria e Israel. A cerca de 40 quilômetros de Damasco, o monte garantirá que a capital síria fique sob vigilância e alcance da artilharia israelense.

O monte Hermon é parte da zona desmilitarizada das Colinas do Golã, criada pela ONU após a guerra árabe-israelense de 1973. As forças de Israel mantêm a ocupação das Colinas do Golã desde a Guerra dos Seis Dias de 1967, apesar da resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU ordenar a sua retirada.

"Houve uma invasão terrestre [de Israel] nas regiões das Colinas do Golã pertencentes à Síria, o que configura uma violação grosseira dos acordos de 1974 e uma infração flagrante da soberania e integridade territorial [síria]", disse o representante da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, Vasily Nebenzya, nesta terça-feira (17).

O diplomata russo declarou que, de acordo com suas informações, as forças israelenses não se limitaram a adentrar a zona contestada das Colinas do Golã, mas "avançaram bem mais", chegando a cerca de 20 km da capital síria, Damasco.

"Proponho que chamemos as coisas pelo nome, e não escondamos fatos desconfortáveis ao Ocidente ou a Jerusalém embaixo do tapete", disse Nebenzya. "Se Israel de fato quer manter relações amistosas com os seus vizinhos, deve estabelecê-las não a partir da posição de força, mas a partir de diálogo igualitário e baseado em condições benéficas a todas as partes."

A zona recém ocupada por Israel é patrulhada por uma força da ONU de pouco mais de mil soldados, chamada Força de Observação de Desengajamento das Nações Unidas (UNDOF, na sigla em inglês). Após ter sua zona de jurisdição violada por Israel, autoridades da ONU reagiram.

"A presença de forças militares israelenses na zona de desengajamento é uma violação do acordo de 1974", disse o porta-voz do secretário-geral da ONU, Stephane Dujarric. "Uma ocupação é uma ocupação. Quer dure uma semana, um mês ou um ano, continua sendo uma ocupação."

A recente decisão do governo de Tel Aviv de ampliar os assentamentos israelenses nas Colinas de Golã afasta expectativas de retirada do Monte Hermon no médio prazo. De acordo com o gabinete de Netanyahu, a decisão visa "dobrar a população" na região reconhecida internacionalmente como síria.

Nas últimas semanas, Israel realizou entre 450 e 500 ataques contra a Síria, com o objetivo de eliminar a infraestrutura militar do país. De acordo com Nebenzya, as forças israelenses danificaram significativamente as forças aérea, naval e os sistemas de defesa antimísseis da Síria.

Para o cientista político e professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha, Israel vê um "momento de oportunidade" para garantir que nenhum governo sírio futuro seja capaz de se opor a Israel.

"Para Israel, não importa se o próximo governo de Damasco será amigável ou não. O que importa é que ele não terá bateria antiaérea, força naval, medicamentos ou instalações de dessalinização de recursos hídricos para sequer reagir a eventuais investidas israelenses", disse Lima Rocha à Sputnik Brasil.

Para o professor de Relações Internacionais Yasser Saleh, a estratégia israelense consiste em instigar divisões sectárias preexistentes na Síria, impedindo a organização de possível resistência à expansão de Tel Aviv sobre seu território.

"Acredito que a ideia seja evitar a centralização e a manutenção de um Estado sírio operante a partir de Damasco", disse Saleh à Sputnik Brasil. "Estão jogando a carta sectária separatista tanto para legitimar a sua entrada [no Monte Heron], como para resolver seus problemas crônicos de falta de população e pessoal para manter sua presença nesse território."

Desprovida de força militar, a Síria seria um vizinho inofensivo para Israel, aos moldes da Jordânia, disse Lima Rocha. O analista lamentou a falta de reação dos demais países árabes frente aos ataques sofridos pela Síria.

"Existe um campeonato entre os países árabes de quem fará a declaração mais dura contra Israel. Mas, infelizmente, o que vemos é que essa batalha fica na retórica, e pouco é feito para de fato conter as ações israelenses", disse Rocha Lima.

No dia 14 de dezembro, líderes de países como Egito, Iraque, Líbano, Catar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos (EAU) se reuniram na Jordânia para debater a transição síria. Os líderes aprovaram uma declaração, patrocinada pela Liga Árabe, pedindo uma nova constituição para Damasco, além do envolvimento direto da ONU na transição síria.

"Não há reação efetiva por parte dos governos regionais e o Eixo da Resistência encontra-se muito enfraquecido", notou Lima Rocha. "Com a presença israelense na Síria, o Hezbollah ficará sem a sua linha logística, o que enfraquecerá ainda mais a atuação do grupo."

No entanto, o desmonte da capacidade de defesa militar e projeção síria abre caminho não só para a atuação de Israel, mas também de outras potências regionais, como a Turquia e o Catar. Em 14 de dezembro, a Turquia reabriu sua embaixada em Damasco, após 12 anos de rompimento das relações diplomáticas com a Síria. O Catar também anunciou a reabertura da sua representação diplomática, informou o Security Council Report.

"A influência da Turquia na Síria hoje é incontestável, mas não vimos Ancara tomar medidas para proteger a população local nesse momento de transição", notou Lima Rocha. "Não houve a decretação de zona de exclusão aérea, nem interrupção dos confrontos com os curdos no norte do país."

O professor Saleh nota que os países árabes já estão divididos quando o assunto é Síria, com grupos mais próximos à posição de Turquia e Catar se opondo à visão de países como EAU. Segundo ele, o fiel da balança poderá ser a Arábia Saudita, que ainda mantém sua posição sobre o contexto sírio longe dos holofotes.

<><> Perigo de fragmentação

convivência secular entre diversos grupos étnicos e religiosos na Síria pode estar em jogo, dada a confluência de fatores como colapso social, influência de atores externos e interesses regionais díspares.

"A integridade territorial desse país hoje está mais frágil do que nunca", alertou o representante da Rússia no Conselho de Segurança Nebenzya. "Existe um risco real de cantonização da Síria, dividindo-se por linhas étnico-religiosas."

Especialistas notam o exemplo da Líbia que, após operação liderada pela OTAN para retirar do poder o líder Muammar Kadhafi, se fragmentou em diversas zonas, com forte influência do capital estrangeiro em cada uma delas.

"Acredito ser possível uma fragmentação ao estilo líbio, principalmente pelo potencial das forças sectárias na Síria", declarou Lima Rocha. "Outro modelo possível de se repetir na Síria é o da fragmentação iraquiana, após a invasão dos EUA."

Para Saleh, a situação de Damasco é ainda mais frágil do que a da Líbia, dado o maior número de países com interesses diretos na Síria. Adiciona-se à complexidade do caso líbio a influência de atores como Israel, Irã e os grupos do Eixo da Resistência na Síria.

"A centralização do Estado sírio é desafiadora, em função do baixo controle que Damasco exerce sobre as demais regiões atualmente", disse Saleh. "Nem todos os governos locais reconhecem a transição de governo. Além disso, hoje Damasco controla área menor do que controlava o governo de Bashar al-Assad."

Segundo o professor Saleh, "é impossível dizer que o governo de Damasco exerce sua autoridade sobre o país, e essa será uma tarefa muito difícil de ser concluída".

"Damasco não terá condições de governar o país sem um acordo amplo com as forças regionais e uma espécie de aval de forças externas", avalizou Lima Rocha. "Será necessário um acordo político nacional, o aceite internacional e fontes de financiamento para reconstruir o Estado e receber de volta milhões de refugiados."

De fato, a obtenção de recursos é essencial para a Síria manter a estabilidade social. De acordo com o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) da ONU, desde 27 de novembro deste ano, quase 1,1 milhão de pessoas foram deslocadas no território sírio em função das renovadas hostilidades, em sua maioria mulheres e crianças.

Nesse contexto, o representante da Rússia na ONU Nebenzya pediu a retirada das sanções econômicas impostas contra a Síria, que inviabilizam a recepção de ajuda financeira e humanitária, castigando a população local.

"As sanções devem ser retiradas porque, como sempre dissemos, elas atingem os cidadãos comuns", disse o diplomata russo durante a reunião do Conselho de Segurança da ONU nesta terça-feira (17). "De nossa parte, continuaremos a prestar assistência ao nosso irmão, povo sírio."

Segundo Saleh, o Ocidente é reticente quanto à retirada das sanções impostas contra a Síria, o que impede o governo de realizar empréstimos para financiar a reconstrução do país. Para ele, a perspectiva de retirada de sanções ainda é remota.

"Acho que temos que ter cautela em relação ao processo de transição na Síria porque, por enquanto, os sinais não apontam para um desfecho positivo", concluiu Lima Rocha.

 

 

Fonte: Ascom MSF/Ansa/Opera Mundi/Sputnik Brasil

 

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