sábado, 21 de dezembro de 2024

Cinco desafios que o retorno de Trump à Casa Branca traz para o Brasil

Com a aproximação da posse do republicano, a Sputnik Brasil lista os principais desafios a serem enfrentados pelo governo brasileiro na próxima era Trump.

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, toma posse no dia 20 de janeiro para seu segundo mandato como presidente após um hiato de quatro anos. Embora o período afastado tenha sido curto, foi suficiente para grandes mudanças no cenário geopolítico, que nortearão a política externa de Trump, criando desafios para outros países, sobretudo do Sul Global.

A Sputnik Brasil lista cinco desafios que o retorno de Trump à Casa Branca traz para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

·        Aumento do protecionismo

Já durante a campanha presidencial, Trump demonstrava que seu próximo mandato seria marcado pelo aumento do protecionismo nos EUA e pelo uso de tarifas como ferramenta de pressão.

Trump já ameaçou impor tarifas de 100% a países do BRICS, caso não abandonem os planos de desdolarização em transações comerciais internas do grupo.

·        Aproximação dos EUA com a Argentina

A Argentina é o maior parceiro comercial do Brasil na América do Sul e terceiro no cenário global, atrás apenas de China e EUA. Entretanto, o país vem se aproximando dos EUA desde a eleição de Javier Milei, enquanto se afasta do Brasil.

Essa tendência pode causar dois impactos negativos. O primeiro efeito é o esfriamento das relações políticas e econômicas entre Brasil e Argentina. Além de ir contra a agenda de integração regional do governo brasileiro, o afastamento reduziu o comércio entre os países, o que resultou em queda de 24,8% nas exportações brasileiras para o país vizinho entre janeiro e outubro.

O outro problema é o impacto político interno, já que a ascensão de Milei, inflada após a eleição de Trump, é vista por analistas como demonstração de força da direita radical e pode conferir novo fôlego ao bolsonarismo no Brasil.

·        Rusga entre EUA e China

A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Porém, essa parceria pode colocar o Brasil em uma situação política delicada.

Isso porque tudo indica que a gestão de Trump será marcada por maior pressão contra a influência da China na América do Sul e na América Latina, uma vez que terá como seu futuro secretário de Estado o republicano Marco Rubio, conhecido por ter liderado todas as sanções e medidas contra a China e por sua postura incisiva contra países não alinhados dos EUA.

·        Pressão contra a regulamentação das redes

Donald Trump anunciou dois renomados representantes do setor de tecnologia para compor seu governo: o empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), que comandará o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês); e Devin Nunes, dono da rede Truth Social, que presidirá o Conselho Consultivo de Inteligência da Presidência.

Musk e Nunes são ligados às chamadas big techs e defendem a manutenção das redes sociais de maneira desregulamentada. A ascensão de ambos a cargos importantes do governo estadunidense ocorre em um momento em que o Brasil segue a tendência mundial de conter o avanço da desinformação e do extremismo on-line, por meio da regulamentação e responsabilização das redes pelos conteúdos postados.

Musk já proferiu uma série de ataques ao Judiciário brasileiro, acusou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de promover a censura e, após empossado, pode protagonizar mais embates com o objetivo de minar as tentativas de regulamentar as redes.

·        Descrédito em relação à agenda climática

Uma das prioridades do governo Lula é alçar o Brasil ao posto de protagonista da agenda global de sustentabilidade. Esse desejo se dá porque o tema está no centro do debate na comunidade internacional, por conta dos eventos causados pelas mudanças climáticas.

Porém, o retorno de Trump à Casa Branca — com uma visão negacionista sobre as mudanças climáticas e a anunciada intenção de fortalecer a indústria de carvão estadunidense — pode prejudicar o debate global sobre sustentabilidade, uma vez que a adesão dos EUA em acordos referentes ao clima é importante, levando em consideração que o país é um dos maiores poluidores globais.

¨      Feitas por Biden, deportações de imigrantes para América Latina quebram recorde de Trump, diz mídia

Apesar da retórica anti-imigração do presidente eleito dos EUA Donald Trump, o atual líder estadunidense Joe Biden deportou mais imigrantes de seu país do que qualquer presidente dos EUA durante a década, escreve o jornal The Guardian.

Trump, conhecido por sua promessa de concluir a construção de seu muro na fronteira com o México, mais uma vez reiterou seus planos através de um anúncio feito pela porta-voz da equipe dele, Karoline Leavitt, que afirmou:

"No primeiro dia, o presidente Trump consertará o pesadelo da imigração e da segurança nacional que Joe Biden criou, por lançar a maior operação de deportação em massa de criminosos ilegais da história dos Estados Unidos."

O The Guardian cita os números de 13 milhões a 14 milhões de imigrantes ilegais que estão agora nos EUA.

Porém, o jornal descobriu que o atual presidente dos EUA é responsável pelo maior número de deportações por ano, 2023, do que em qualquer ano da presidência de Trump.

"Os EUA deportaram mais de 270.000 imigrantes em um período recente de 12 meses, a maior quantidade anual em uma década", cita o jornal os dados de um relatório do governo dos EUA.

O Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA deportou imigrantes para 192 países durante o ano fiscal de 2024, de 1º de outubro de 2023 a 30 de setembro de 2024.

As autoridades norte-americanas conseguiram aumentar as deportações por:

Simplificar o procedimento de envio de pessoas para El Salvador, Guatemala e Honduras;

Aumentar o número de voos de deportação, inclusive nos finais de semana.

Anteriormente, o jornal também revelou que Biden expandiu o número de celas para imigrantes, que poderá ajudar Trump a realizar sua promessa.

¨      Especialista: influência chinesa na América Latina dará resultados positivos na luta contra pobreza

O desenvolvimento tecnológico na América Latina estimulado pela presença da China resulta na superação dos problemas econômicos, disse o consultor da Frente Parlamentar do BRICS do Congresso Nacional do Brasil Rafael Gontijo ao jornal Global Times.

O artigo nota que a cooperação entre a América Latina e a China está se intensificando, com a China ocupando o primeiro lugar entre parceiros comerciais do Brasil desde 2009.

Isso se aplica, em particular, para o setor energético, com o mercado da região sendo "um dos mais promissores mercados fotovoltaicos do mundo" em que o líder é o Brasil, seguido pelo Chile e México.

Em sua entrevista, Gontijo expressou a opinião de que a região latino-americana pode seguir o exemplo da China para superar problemas econômicos.

O especialista destacou o anúncio das autoridades chinesas em 2021 de que o país "erradicou completamente" a pobreza absoluta, elevando cerca de 800 milhões de pessoas para um nível mais alto.

A extensão do acesso das pessoas comuns a bons sistemas de educação, de saúde e de transporte atende à realização dos direitos humanos na prática, disse ele.

Gontijo chamou o gigante asiático de "parceiro indispensável para a América Latina" e acredita que os investimentos chineses em várias áreas estratégicas vão dar resultados positivos.

"A presença da China na região, por meio de investimentos diretos, se tornará ainda mais significativa, promovendo o desenvolvimento tecnológico e a criação de empregos na América Latina", disse, citado no artigo.

Segundo o consultor, as relações comerciais entre o Brasil e China vão continuar a crescer, especialmente com o crescimento do BRICS.

Gontijo também ressaltou a importância da cooperação com a China no âmbito do Sul Global, cuja ascensão representa uma mudança positiva na abordagem aos desafios globais que não podem ser resolvidos sem participação da maior parte do mundo.

"Uma ordem mundial multipolar é essencial para alcançar a paz, a prosperidade e mitigar os efeitos das mudanças climáticas, com a China desempenhando um papel de liderança entre os países do Sul Global devido à sua relevância econômica e respeito à diversidade."

 

¨      O que a Coreia do Sul fez o Brasil pode fazer na indústria audiovisual. Por José Dirceu

Há 30 anos, a Coreia do Sul, a exemplo de muitos outros países que cultuavam as produções de Hollywood, praticamente só exibia em suas salas de cinema filmes norte-americanos. Hoje, sua indústria audiovisual é motivo de orgulho nacional e importante fonte de divisas. As exportações coreanas de filmes, série e games somaram US$ 13,2 bilhões em 2022, a produção de conteúdo é base de um complexo industrial e cultural que está recebendo, a partir de 2023, investimento público de US$ 4 bilhões, em cinco anos, e o Comitê da Indústria de Conteúdo, com seu plano plurianual, é coordenado pelo primeiro-ministro.

O Brasil tem todas as condições de vir a ter uma pujante indústria de conteúdo. Tem tradição na indústria cinematográfica que começa no final dos anos 1940, com os Estúdios Vera Cruz, passa pelo Cinema Novo, pelo Cinema Marginal, pela Embrafilme, pelo cinema pós-redemocratização, até consolidar-se no cenário atual. Tem um arcabouço regulatório, com agência reguladora e legislação setorial de estímulo ao desenvolvimento do audiovisual brasileiro que, agora, precisa ser estendida ao mundo digital, com mecanismos de fomento. Carece, no entanto, de um conjunto integrado de políticas públicas que contemple toda a cadeia produtiva da indústria de conteúdo, não só da produção de audiovisual, mas também da indústria de games, que é um importante nicho de mercado no qual o Brasil já mostrou que pode ser competitivo.

Para os envolvidos nesse debate, já estamos atrasados na regulação do streaming na internet, ou seja, em estabelecer contrapartidas a serem cumpridas pelas plataformas estrangeiras que operam no país exibindo filmes e séries produzidos em outras partes do mundo. Há vários anos, países europeus e mesmo asiáticos regulamentaram o streaming na internet. A França, por exemplo, já está na terceira rodada da regulamentação, em que elevou os percentuais cobrados das plataformas pela exibição dos conteúdos – a média da taxação lá é de 25% do faturamento.

Aqui, Netflix, que desembarcou no Brasil há 13 anos, Google/Youtube, Disney, Amazon, Apple TV, entre outros, operam pagando apenas ISS e ICMS. Há cinco anos não pagam a taxa de Contribuição para o Desenvolvimento Industrial do Cinema Nacional – Condecine, de 11% sobre remessa de lucros, porque a Receita Federal está avaliando a cobrança do tributo (a taxa não é cobrada se a empresa investe valor equivalente em produção audiovisual no país). Segundo cálculos da Agência Nacional do Cinema – Ancine, a Condecine Remessa deveria gerar R$ 1 bilhão/ano e existe um passivo de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões que não foram cobrados.

As grandes plataformas estrangeiras de streaming não só vêm destruindo o mercado da TV paga e mesmo da TV aberta pois têm um modelo de negócios muito mais modular e flexível, mas também porque têm uma carga tributária bem menor – o que, convenhamos, é uma anomalia, pois protege quem domina o mercado. Nesse cenário, regular o streaming na internet é tarefa mais que urgente, pois as plataformas são majoritárias nesse mercado que, segundo estimativas, têm faturamento anual de R$ 35 bilhões (a fatia do leão seria da internet, mas o valor inclui também publicidade na TV aberta e TV paga).

Como levar à frente a luta pela regulação do streaming na internet? Há uma série de iniciativas a serem contempladas no âmbito do Executivo e das agências reguladoras – Ancine, no que se refere à regulação para disciplinamento dos serviços, e CADE, no âmbito da defesa da concorrência –, e também do Legislativo. O Senado aprovou, em abril, o PL 2331/2022, com relatoria do senador Eduardo Gomes (PL/TO), que regulamenta a cobrança da taxa de Condecine para os streaming de vídeos exibidos pelas plataformas digitais com receita bruta acima de R$ 2 milhões anuais e cem produções. Mas o texto, que ainda vai ser examinado pela Câmara dos Deputados, é muito limitado, pois considera empresa estrangeira instalada no país como brasileira para fins de benefícios fiscais. Além disso, prevê o fim da Condecine Remessa.

Na Câmara, o texto aprovado no Senado deverá ser debatido juntamente com o PL do deputado André Figueiredo (PL 8889/2127), que, embora resgate o conceito de empresa brasileira para aquelas que tenham maioria de capital nacional e estabeleça alíquota de imposto de 6% (o dobro da prevista no PL do Senado), ainda é tímido de acordo com as análises de especialistas do setor. Isso porque a alíquota média, em função da dedução de investimentos em produção local, cai para 2,5% no PL da Câmara (1% no caso do Senado). A arrecadação total, a partir de simulações feitas, na melhor das hipóteses ficaria entre R$ 330 milhões e R$ 800 milhões. Muito pouco frente ao que é necessário para financiar o desenvolvimento da indústria brasileira de audiovisual. Hoje, a Condecine arrecada R$ 1,2 bilhão (a quase totalidade vem da taxa cobrada das operadoras de telecom); 30% vão para o orçamento da União e os 70% restantes para o Fundo Setorial do Audiovisual.

<><> Novos paradigmas

As estratégias das grandes plataformas digitais implicam desafios regulatórios e concorrenciais importantes. As características intrínsecas à sua atuação – o uso de dados de terceiros, por vezes concorrentes embarcados; sua situação como mercados bilaterais ou plurilaterais e os efeitos de rede, que tendem a gerar concentração; os movimentos agressivos de integração e a manipulação de preços –, criam uma situação complexa, que dificulta o uso dos instrumentos tradicionais pelas instituições de defesa da concorrência.

Diante desse cenário, o Ministério da Fazenda apresentou, em outubro, um estudo com propostas para aperfeiçoar a regulação concorrencial brasileira no que se refere às plataformas digitais. O objetivo das alterações na Lei da Concorrência (Lei 12529/2011), a serem feitas pelo CADE, é impedir que as plataformas digitais exerçam seu poder dominante, como o de dar preferência a seus produtos em marketplaces, firmar acordos de exclusividade e promover aquisições estratégicas para impedir aquisições futuras por terceiros.

Está em avaliação, no Ministério da Fazenda, a taxação das plataformas digitais, que vem sendo estudada, desde 2021, no âmbito de alguns fóruns multilaterais, como a OCDE, como parte de um acordo relativo ao processo de digitalização. Como o acordo, que deveria ter sido formalizado até junho deste ano, não ocorreu até por resistência dos Estados Unidos, alguns países estão unilateralmente estabelecendo seus impostos. A Lei do Imposto sobre Serviços Digitais do Canadá entrou em vigor no final de junho, com efeito retroativo a janeiro de 2022; estabelece cobrança de imposto de 3% sobre empresas de serviços digitais com faturamento acima de 20 milhões de dólares canadenses. O primeiro pagamento será no final de junho de 2025. Nova Zelândia aprovou lei semelhante, que entra em vigor ano que vem.

Independentemente se a Fazenda vai propor ou não a taxação das big techs, o certo é que a indústria brasileira de audiovisual precisa se reorganizar frente a um cenário de forte internacionalização do setor, de concentração do mercado nas mãos de oligopólios que têm seus custos diluídos pela escala mundial e de uma economia baseada no extrativismo dos dados, fonte relevante de receita para as big techs.

A produção independente brasileira e mesmo as redes de TV aberta e de TV paga estão fragilizadas, com receitas em declínio, e sua sobrevivência depende de uma regulação que priorize produção nacional, investimentos e um projeto de desenvolvimento que garanta espaço para a empresa brasileira, promova sua modernização, fomente a diversidade e recupere a receita.

Fora a fragilidade frente à concorrência internacional, o setor audiovisual brasileiro enfrenta problemas estruturais que têm que ser enfrentados nessa fase de reorganização do segmento frente a nova realidade do mercado – o audiovisual responde por 80% do tráfego de dados na internet. A TV carece de diversidade editorial, há dificuldades para o desenvolvimento regional e a produção independente segue isolada. 

Para o Brasil desenvolver uma indústria de conteúdo audiovisual que venha a ser competitiva não basta uma iniciativa legislativa de taxação das plataformas estrangeiras de streaming na internet. É preciso um projeto de desenvolvimento de toda a cadeia produtiva da indústria brasileira de audiovisual, de fomento da produção independente, que é mais flexível, mais regional e se adequa melhor ao formato de parcerias com outras empresas nacionais e estrangeiras, de aperfeiçoamento da regulação da defesa da concorrência para conter o poder dos oligopólios e da regulação setorial para que ela se antecipe aos movimentos de mercado. Enfim, é preciso transformar o Plano de Diretrizes e Metas do Audiovisual Brasileiro em um programa de governo.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Opera Brasil

 

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