Cidade
da PB já perdeu mais de 20 casas com a força do mar
A força do mar em
uma cidade afetada pela erosão costeira no Litoral Norte da Paraíba já
destruiu pelo menos 22 imóveis na área urbana de Baía
da Traição,
segundo a Defesa Civil. Imagens de satélite do Google Earth, feitas entre 2007
e 2023, mostram a evolução dessa destruição. Pesquisadores ainda buscam
respostas para entender a causa do problema.
A cidade atrai turistas por suas praias e
experiências em aldeias indígenas, uma vez que o município tem cerca de 86,64%
da população composta por indígenas, segundo o Censo 2022. A erosão costeira
foi motivo para um decreto de situação de emergência, reconhecido pelo governo
federal.
Raí Pereira passou a infância na região e
acompanhou a degradação das casas. Ele explicou que a rua mais afetada pela
força do mar é a rodovia estadual PB-008, uma estrada muito movimentada, que dá
acesso às aldeias e a pontos turísticos do local.
Ele morava na rua por trás da beira-mar, mas a
força da água mudou o cenário. "O lado que era da praia, a maré 'comeu' as
casas. A minha rua era a segunda, e aí com a perda desse lado de residências,
que era do lado do mar, [a minha rua] passou a ser a primeira, agora de frente
pro mar sem nenhuma casa na frente. Só o que divide o mar da minha casa é o
calçamento, a PB-008", descreveu.
Raí relatou que decidiu se mudar para morar a
alguns quilômetros de distância, por medo dos ventos e da força do mar.
"Também vieram outros agravos como a
deterioração da casa com a maresia. Como não tem mais os coqueirais na frente e
as outras residências, toda a força do vento acaba pegando as telhas das casas
de frente e aí começa a aparecer goteira, começa a aparecer infiltração. Enfim,
é perigoso, né? Então ficava muito complicado permanecer lá. E o mar, cada vez
mais avançando, avançando... então antes que ele derrubasse todo o calçamento
ou parte do calçamento, nós resolvemos nos organizar e sair", contou.
A empresária Wyara Lelgouarch também foi afetada
pela força das marés. Ela tem uma pousada à beira-mar em Baía da Traição. Mas
cada vez que chegava uma maré mais alta e mais forte, o terraço da pousada era
danificado. A cada três "marés" como essas, ela precisava refazer o
terraço e o quebra-mar, que ajudava a amenizar a força da água.
Wyara relembra que começaram a retirar as telhas do
telhado quando viram que as vigas da pousada estavam rachando. Ela e o sócio perceberam
que estavam impotentes diante da situação e não tinham mais recursos
financeiros para continuar lidando com a demanda de uma obra tão grande e tão
constante.
"Refizemos o quebra-mar e o terraço duas
vezes, mas, infelizmente, foi em vão, pois a cada nova maré o mar continuava a
destruir o que havia sido restaurado. Por conta disso, tivemos que fechar a
pousada em meados de 2022", relembra.
Wyara ainda tem esperança de que os estudos que
estão sendo feitos na orla viabilizem um projeto de engorda na praia. Assim, a
pousada poderia ser reformada e reaberta.
"O caos não afetou somente a nós, mas também
várias casas, restaurantes, bares e outros meios de hospedagem em Baía da
Traição. Cerca de 50% dos nossos clientes eram estrangeiros, principalmente franceses,
e agora é difícil promover a Baía em tal estado, com a praia e a infraestrutura
completamente afetadas".
Os estudos sobre a situação do município estão
sendo produzidos pelo Programa Estratégico de Estruturas Artificiais Marítimas
(Preamar), que é uma iniciativa do Governo da Paraíba em parceria com o
Instituto Federal da Paraíba (IFPB).
A equipe de pesquisadores está analisando as causas
da erosão na Baía da Traição e verificando se ela impacta toda a costa do
município. O trabalho inclui a elaboração de um diagnóstico emergencial, além
de um estudo a longo prazo sobre as condições da região.
·
Quais os motivos da destruição em Baía da Traição?
A coordenadora do meio físico do Programa
Estratégico de Estruturas Artificiais Marítimas (Preamar) e doutora em
geociências, Larissa Lavor, explica que está ocorrendo um processo de erosão
costeira na Praia do Forte, em Baía da Traição.
Ela afirma que esse processo envolve a retirada de
sedimentos das praias litorâneas devido à ação de forças naturais, como ondas,
marés, ventos e correntes marítimas. De acordo com a pesquisadora, esse
processo pode ser intensificado por atividades humanas, como construções
próximas à costa e desmatamento.
O professor Saulo Vital, do Departamento de
Geociência da Universidade Federal da Paraíba, também afirma que a orla de Baía
da Traição apresenta uma crescente erosão costeira. “Se não for tomada nenhuma
providência, a tendência é piorar”, explica o pesquisador.
Segundo Larissa Lavor, é precoce afirmar quanto o
mar avançou nos últimos anos na região, e que os pesquisadores estão se
esforçando para conseguir essas respostas, que só serão obtidas após uma longa
análise do fenômeno na área.
“Preliminarmente, com base em imagens de satélites,
estima-se que a linha de costa vem diminuindo nas últimas décadas, mas a
corroboração só pode ser dada após a finalização do diagnóstico, pois é
necessário, no mínimo, analisar o fenômeno ao longo de um ano, levando em
consideração uma estação seca e uma estação chuvosa”, afirma a pesquisadora.
No entanto, Larissa Lavor explica que ainda não é
possível afirmar o que está causando a erosão em Baía da Traição, mas os
pesquisadores estão investigando diversas possibilidades.
Lavor explica que os pesquisadores investigam se a
destruição pode ter relação com o avanço do mar e as
mudanças climáticas. Ela destaca que os fenômenos ligados à
dinâmica da costa brasileira estão se intensificando devido às alterações na
temperatura global, que têm causado o aumento do nível do mar ao longo do
último século.
“Claro que essa variação vai depender de
características geológicas e geomorfológicas de cada lugar analisado, mas no
geral, eventos extremos vêm ocorrendo com mais frequência”, analisa.
No entanto, ainda são necessárias pesquisas para
entender como a erosão se comporta na região, se há avanço do mar e qual o
aumento do nível do mar na região costeira.
Larissa Lavor também explica que o Preamar está
analisando elementos cartográficos históricos para verificar se há urbanização
irregular na região da praia, que também é uma das
possibilidades para o fenômeno.
“Estamos buscando informações em documentos
históricos, mas analisando imagens de satélites e a partir de visitas técnicas,
percebeu-se que as edificações estão em faixa de planície litorânea, que
envolve pós-praia, praia, cordões litorâneos, restingas e duna”, afirma a
pesquisadora.
O professor Saulo Vital também afirma que uma das
principais questões na orla de Baía da Traição é que as casas foram construídas
no pós-praia e até mesmo praia, além da proximidade com o Rio Sinimbu. Ele
explica que a área de praia sofre oscilação de maré, sendo a praia propriamente
dita. Já o pós-praia é geralmente onde se encontra a restinga, a vegetação
característica da região de praia.
O pesquisador também destaca que é necessário mais
estudos para entender o avanço do nível do mar na região e o impacto da ação
marítima na região.
“Tem que ter muito
cuidado, porque nem tudo é mudança climática. Às vezes é uma questão urbana,
mesmo. Pode ser que aquele município não teve um devido
planejamento, as coisas foram feitas de forma irregular e, uma hora, o problema
vai explodir. E pode ser as duas
coisas também, e provavelmente é”, afirmou o pesquisador Saulo
Vital.
Segundo a pesquisadora Larissa Lavor, o maior
impacto da urbanização na região são os destroços, que precisam ser removidos,
porque sua presença pode criar obstáculos que contribuem para a intensificação
do problema. Além disso, há a perda das residências da população e das
histórias das famílias que viveram naquele local.
“Também existe o fato de que as casas em alguns
pontos podem servir de áreas de dissipação de energia das ondas, ressuspendendo
e deslocando sedimentos, deslocando-os para outros pontos e promovendo erosão
em lugares que não existia esse processo”, afirma a pesquisadora.
A pesquisadora também explica que, muitas vezes, a
erosão é causada por fatores externos à área do município, resultantes de
intervenções ou urbanizações em regiões próximas, que afetam a dinâmica local e
podem se propagar para outras áreas. Embora não seja possível afirmar que a
erosão em Baía da Traição seja causada por isso, os pesquisadores também estão
avaliando essa possibilidade.
“Qualquer intervenção deve ser cautelosa, baseada
em estudos e monitorada. Na costa paraibana, muitos trechos sofrem erosão,
geralmente ligados a construções irregulares em faixas de praia. Quando somamos
esse fator ao aumento do nível do mar, percebemos que o processo tem se
intensificado nos últimos tempos”, afirma a pesquisadora.
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Expedições de pesquisadores à Baía da Traição
No dia 10 de dezembro, uma equipe de pesquisadores
de diferentes áreas realizou uma expedição ao município com o intuito de
elaborar um diagnóstico urgente sobre a situação de Baía da Traição. A
iniciativa faz parte do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Preamar,
coordenado pelo Ministério Público Federal (MPF).
De acordo com o MPF, as equipes debateram a
situação em um painel antes de se dirigirem ao município. Durante a expedição,
os pesquisadores visitaram locais afetados pela erosão, especialmente a Praia
do Forte, onde passa a rodovia PB-008, que conecta Baía da Traição às aldeias
indígenas. Além disso, o grupo de especialistas também esteve no manancial
responsável pelo abastecimento de água da cidade e em áreas que não enfrentam o
problema da erosão.
A equipe, composta por 16 profissionais, coletou
dados tanto em terra quanto no mar, além de realizar registros visuais,
fotográficos e históricos, complementados por imagens de satélite. Eles também
conversaram com pescadores e moradores locais para entender melhor os impactos
sociais da situação.
O MPF informou que o Projeto Preamar irá elaborar
um diagnóstico completo do problema, com estudos previstos para um ano e meio.
No entanto, a expedição fornecerá um relatório emergencial em dezembro,
contendo os resultados obtidos, análises hidrodinâmicas e propostas de medidas
urgentes.
”A partir dos levantamentos já feitos, estamos
estudando uma solução emergencial para garantir a integridade da PB-008, a
principal via de acesso da cidade, bem como soluções regionalizadas em médio e
longo prazo. As propostas serão apresentadas ao Painel Científico do TAC, fórum
onde as soluções serão formalmente definidas” disse o coordenador do Preamar,
Cláudio Dybas.
·
O que está sendo feito para minimizar o problema?
De acordo a Defesa Civil de Baía da Traição, a
solução para impedir o avanço da erosão costeira é construir um semicírculo em
concreto ou realizar o alargamento da faixa de areia. O investimento necessário
para a realização das ações seria entre R$ 10 milhões, para o primeiro projeto,
e cerca de R$ 86 milhões para o alargamento.
A Defesa Civil também explica que precisam de
verbas para realizar os projetos. Para receber um repasse do Governo Federal,
estão enviando informações sobre a situação da cidade para o Sistema Integrado
de Informações sobre Desastres (S2ID) e entregaram um plano de trabalho para
resolver o problema da PB-008, que é a estrada mais afetada. Eles também
afirmam que aguardam respostas do estudo dos pesquisadores do Preamar.
Ainda segundo a Defesa Civil, uma reunião foi
realizada com os moradores da região mais afetada, mas eles afirmaram que só
querem deixar o local quando não houver mais opções. O órgão afirmou que os
moradores terão apoio da prefeitura quando isso acontecer.
O município está em estado de situação emergencial
em áreas da Praia do Forte, decretada devido ao avanço do mar e aos danos
significativos causados pela erosão costeira. A situação foi reconhecida pelo
governo federal no dia 29 de novembro.
O decreto considera o agravamento da erosão marinha
em toda a orla da Praia do Forte, que, segundo o documento, foi provocado pelo
“avanço das marés além da normalidade”. Também considera a destruição em parte
do trecho da via pública e equipamentos de drenagem pluvial da praia, além de
outras áreas costeiras afetadas.
Também não é a primeira vez que o Governo da
Paraíba reconhece a situação de emergência no município. Em 2010, o estado
afirmou que a Baía da Traição estava sofrendo com o “súbito e imprevisível”
avanço do mar rumo à orla da cidade. O decreto registra que o “processo de
erosão marinha” estava ameaçando bens e equipamentos do município, além de
colocar em risco a vida de moradores e turistas que visitavam o local.
Naquela época, a Defesa Civil do município
registrou que várias casas foram destruídas e que os moradores estavam
apreensivos com suas moradias, problema que estaria causando prejuízos desde
2000.
Fonte: g1
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