terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Carlos Bocuhy: Os desafios da diplomacia climática em 2025

Em 2024 houve poucos avanços na diplomacia ambiental internacional. As grandes negociações sobre clima, biodiversidade e plásticos não conseguiram atingir seus objetivos primordiais.

Isso ocorre quando a emergência desses temas nunca foi tão evidente, denotando que a humanidade atravessa uma crise civilizacional.

Os alertas da ciência têm sido contundentes, como o do clima, por parte do conceituado Instituto de Resiliência de Estocolmo e dos recentes estudos sobre perda de biodiversidade divulgados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

A crise instalada está também caracterizada por inação dos líderes mundiais, que ocupam o palco das COPs de Clima e Diversidade Biológica com discursos vazios, sem propostas reais que permitam avanços positivos.

Os motivos do fracasso atingem as raias do absurdo. Por exemplo, em 2024, o Azerbaijão, pequeno país petrolífero com deficiências democráticas e de direitos humanos, foi sede da COP29, a cúpula global para discutir eliminação gradual do petróleo. Foi pego de calças curtas ao tentar usar a conferência para ampliar seus negócios no ramo de petróleo e gás.  

Enquanto isso, o mundo constatava que 2024 quebrou o recorde do ano mais quente registrado: no Brasil o RS foi devastado por inundações e um número alarmante de incêndios florestais consumiu mais de 1 milhão de hectares;  a África e a América do Sul sofreram secas severas; as bacias hidrográficas do Oeste brasileiro atingiram níveis de criticidade; o calor perigoso atingiu grandes partes da Ásia, Europa e América Central; a região de Valência no Mediterrâneo foi devastada por um tornado; e os furacões, intensificados pela água do mar anormalmente quente, atingiram o Caribe e o sudeste americano.

A tundra ártica, que já foi um sumidouro de emissões de carbono, agora passou a emiti-lo: está oficialmente descongelada e suficientemente propensa a incêndios florestais.

Como pode o ano de 2024, com problemas agudos bem configurados, vir a apresentar resultados medíocres na diplomacia ambiental internacional? A diplomacia climática nunca esteve diante de tão difícil encruzilhada: a dura realidade planetária associada a comprovações da ciência que atestam um estado de periculosidade apontando para uma trajetória sombria – e sobretudo, a óbvia necessidade de mudança.

No cerne da diplomacia climática está o reconhecimento sobre os impactos globais da mudança do clima, que transcendem fronteiras nacionais e exigem soluções cooperativas internacionais. Seu nascimento formal está também na gênese da diplomacia ambiental que teve início na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo em 1972, que já completou meio século.

Portanto, as casas diplomáticas nacionais tiveram décadas para colher subsídios amparados em fortes aportes científicos.  Formam quadros especializados  há mais de 30 anos, a partir da Conferência Rio 92, que estabeleceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.  

Sua missão tem sido conduzir negociações climáticas. Apesar de atingir a marca de 29 conferências, a diplomacia climática ainda não logrou patamares mínimos que permitissem promover mudanças efetivas na devastadora realidade global. A lacuna entre missão e eficácia acaba implicando simulações e atuações teatrais.

A temporada diplomática ambiental de 2024 começou em outubro, com a Colômbia sediando a 16ª Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. A reunião buscava estancar a perda de ecossistemas e espécies em todo o mundo. A Colômbia é um dos países com maior biodiversidade da Terra, e felizmente tem se manifestado em afastar o país dos combustíveis fósseis e reduzir o desmatamento. Mesmo com a liderança motivada da Colômbia, a conferência terminou em decepção, pois o esforço diplomático das nações reunidas não conseguiu chegar a um acordo sobre como as metas de conservação da biodiversidade seriam monitoradas ou pagas. Ficou para o ano que vem.

Em novembro, os negociadores diplomáticos de mais de 170 países se reuniram em Busan, na Coreia do Sul, para a quinta e última rodada de negociações do tratado de poluição plástica da ONU. Não houve acordo, apesar de os oceanos estarem cada vez mais contaminados.

O impasse se resumiu, mais uma vez, a quem arcaria com os custos de reduzir o problema. Nesse caso, mais de 100 países queriam medidas para conter a produção de plástico, não apenas encontrar novas maneiras de limpar os resíduos. A proposta é estruturante e obviamente comprometeria a receita da indústria de fabricação de plástico. Os países produtores de petróleo, incluindo Arábia Saudita e Rússia (o plástico é feito principalmente de petróleo e gás), pressionaram contra essas medidas, bloqueando o acordo. O tratado sobre o plástico ficou para o próximo ano.

O evento de maior visibilidade em 2024 foi a conferência climática anual da ONU, onde as nações ricas historicamente responsáveis pela maior parte das emissões de carbono do mundo deveriam comprometer-se a financiar a mudança energética global, especialmente a dos países em desenvolvimento, cuja demanda e crescimento irão poluir mais e mais o planeta em futuro próximo.

Dos US $ 1,3 trilhão por ano esperados, apenas a promessa de US $ 300 bilhões foi obtida. Esperava-se maior proatividade dos maiores emissores de carbono do mundo, como os Estados Unidos, o que não ocorreu.

O prognóstico é ainda pior. A eleição de Donald Trump, no mês passado, levou a previsão real americana a zero dólares. Além dos EUA, os partidos populistas de extrema-direita que vêm ganhando espaço na Europa estão inclinados a enquadrar o financiamento climático como “dinheiro doado a outros países ao custo de não reformar nossas próprias escolas”, afirma Linda Kalcher, diretora executiva do think tank climático europeu Strategic Perspectives. Alguns dos países doadores estão no meio de uma crise de inflação e custo de vida, observou Kalcher.

E o clima ficou para o ano que vem, na COP30, a ser realizada no Brasil. Não resta dúvida que estamos atravessando cenário político difícil para o grande projeto restaurador que cabe à diplomacia climática. As negociações climáticas da ONU têm se baseado em atos de confiança recíproca.

Acreditava-se que os países que se beneficiam dos combustíveis fósseis também assinariam acordos e passariam por transições energéticas. Mas nos últimos anos a influência dos petroestados e das empresas de petróleo e gás vem sucessivamente obstacularizando e retardando o progresso, de forma que os observadores já estão argumentando que todo o processo das COPs está se esfacelando, com lobistas cada vez mais presentes e liderando conferências.

Al Gore, Ban-Ki-Mon e outros notáveis chamaram a atenção para as reuniões sediadas e coordenadas em petroestados, como Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão. Durante as negociações deste ano, um grupo que inclui ex-líderes diplomáticos enviou uma carta à ONU instando-a a reformar aspectos-chave das conferências, combatendo os conflitos de interesse e com exigências sobre a construção de um processo democrático que exigiria condições éticas para participar.

Indiscutivelmente, o projeto de diplomacia ambiental internacional atingiu um momento de inflexão, na perspectiva de exaurir-se em sua própria gênese institucional, quando esta, as nações, na prática demonstram ser refratárias às mudanças necessárias. A liderança geopolítica global não atenta, de forma responsável, para gravíssimo problema civilizacional.

A temperatura média global do ar na superfície do planeta de janeiro a setembro de 2024 foi de 1,54 °C (com uma margem de incerteza de ± 0,13 °C) acima da média pré-industrial, impulsionada por um evento El Niño de aquecimento, de acordo com uma análise de seis conjuntos de dados internacionais usados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), das Nações Unidas.

Em dez anos, e não para 2100 como os otimistas afirmavam, já atingimos o patamar de segurança de aquecimento de 1,5ºC adotado como limite durante o Acordo de Paris.

Não há mais janela de tempo para perder com teatralidade diplomática. A principal questão que resta responder é quem deve pagar para evitar o pior dos estragos das mudanças climáticas. Muitos países vão sucumbir às intempéries climáticas sem grandes financiamentos de países ricos. Irão sofrer enormes consequências das mudanças climáticas que não causaram e irão afundar em dívidas que não podem pagar.

Isso não é fato novo na história da civilização. Raubwirtschaft, como afirma o geógrafo Friedrich Ratzel, ou economia do roubo, da pilhagem, é velha conhecida no trato de potências colonialistas para exploração dos “países coloniais”.  O busines-as-usual pratica duplo assalto ecológico: protagoniza a causalidade dos problemas e agora estabelece barreiras para sua solução.     

O mundo se reunirá novamente no próximo ano, em Belém, Brasil, para a COP30, a 30ª cúpula de negociações climáticas da ONU. Até lá, Trump estará no cargo e provavelmente terá iniciado o processo para retirar os EUA da mesa de negociações climáticas.

A tarefa será mais difícil em 2025. O cenário será ainda mais adverso. Para reverter esse quadro, será necessário dar efetividade à diplomacia climática e reconfigurar, de forma ética, as cúpulas globais. 

 

¨      COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas. Por Gabriel Tussini

A 16ª sessão da Conferência das Partes (COP16) da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, realizada em Riade, na Arábia Saudita, terminou com alguns avanços, porém sem o mais esperado deles: a adoção de um protocolo global e vinculante de combate às secas. O instrumento, defendido na abertura da conferência por países africanos, teve oposição de partes como EUA, União Europeia e Argentina, que defenderam o uso de estruturas já existentes e abordagens descentralizadas e não-vinculantes.

A proposta foi uma das 7 elencadas no relatório entregue em agosto pelo Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre a Seca (IWG), parte da estrutura da convenção. Seria estabelecido um objetivo global, com metas e indicadores que serviriam como “traduções tangíveis, de curto-prazo e acionáveis do objetivo geral da política”. Eram previstos ainda mecanismos de monitoramento, comunicação de informações e aprendizado, que ajudariam os países a se manter dentro dos parâmetros estabelecidos, com transparência e cooperação entre si.

O protocolo poderia oferecer uma “abordagem jurídica ampla e abrangente para enfrentar a seca em todos os níveis”, segundo o relatório. Sua adoção, porém, demandaria algum tempo para que os países avaliassem as mudanças necessárias em suas leis, trazendo também os desafios de se criar um “arcabouço aplicável e balanceado, relevante para todas as regiões vastamente diferentes”, pontuou o documento.

As outras opções apresentadas pelo IWG foram uma emenda à convenção, também vinculante; a adoção de uma decisão colaborativa com o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), para aumentar o financiamento à resiliência contra secas; fortalecer a capacidade de acesso das partes ao financiamento e à implementação de seus planos nacionais de combate às secas por meio do Mecanismo Global, uma das estruturas internas da convenção; uma declaração política formal de autoridades de alto nível; e uma resolução “especial e ambiciosa” sobre secas – embora não exista um mecanismo que obrigue as partes a seguirem esse tipo de decisão.

“Entre as 7 opções apresentadas pela COP, a África defendeu o protocolo contra as secas. Nós estávamos seriamente apresentando isto como africanos, porque somos o continente mais afetado. Esta é uma das opções políticas mais abrangentes e proativas que irão abordar de forma efetiva e proativa as secas ao redor do mundo”, defendeu Charles Lange, vice-diretor da Autoridade Nacional de Gestão Ambiental do Quênia, citado pelo African Climate Wire.

Ao mesmo veículo, o vice-ministro do Meio Ambiente da Arábia Saudita e conselheiro da presidência da COP16, Osama Faqeeha, lembrou que a convenção já prevê mecanismos contra a degradação dos solos e a desertificação, através da meta de Neutralidade de Degradação de Solos (LDN, na sigla em inglês). “O que falta é um instrumento para a seca”, cobrou.

Nos grupos de contato e reuniões informais – locais onde as partes negociam ao longo dos dias –, porém, não houve consenso sobre qual ou quais soluções adotar (poderiam ser adotadas mais de uma ou mesmo todas em conjunto). “As partes precisam de mais tempo para chegar a um acordo sobre o melhor caminho a seguir”, resumiu Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da convenção, em seu discurso de encerramento ao fim da COP, na manhã do último sábado (14) – um dia após o dia previsto para o encerramento, que levou mais tempo que o planejado na esperança de se chegar a um acordo. A questão continuará sendo discutida na COP17, marcada para julho de 2026, na Mongólia.

<><> Outras decisões trazem avanços

Apesar da falta de acordo naquela que era vista como a mais importante medida a ser tomada na conferência, outras 39 decisões foram adotadas ao longo dos 12 dias de COP, reportou o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD). “Depois da plenária de encerramento, um delegado experiente observou que, embora tenha havido negociações difíceis, algumas das decisões foram as mais fortes e inovadoras já saídas de uma COP da Desertificação”, diz o resumo geral produzido pelo instituto.

Entre as medidas estão a criação de dois novos comitês representativos (“caucus”) para a convenção: um para Povos Indígenas e outro para Comunidades Locais, em proposta articulada pelo Brasil, que se juntam aos comitês de Gênero e de Juventude. A representação brasileira, reportou o IISD, “argumentou que a convenção deve permitir que os mais vulneráveis influenciem na tomada de decisões, destacando os comitês de Povos Indígenas e de Comunidades Locais da Convenção sobre Diversidade Biológica [CBD, na sigla em inglês]”.

“Os Ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) lideraram a articulação das demandas dos povos de diferentes países para a criação da instância de negociação, que vai funcionar como um espaço de debate e integração dos povos de diversas partes do mundo”, resumiu o governo federal. “Como uma comunidade internacional, é essencial que aproveitemos o conhecimento, a experiência e a expertise daqueles impactados pela degradação da terra, desertificação e seca”, declarou o saudita Osama Faqeeha, citado pelo MPI.

“Hoje foi feita história”, afirmou o australiano Oliver Tester, representante indígena presente na conferência. “Estamos ansiosos para defender nosso compromisso de proteger a Mãe Terra através de um comitê dedicado, e deixamos este espaço confiando que nossas vozes serão ouvidas”, discursou, citado pelo site oficial da convenção.

Além disso, a conferência tornou permanente a Interface Ciência-Política, órgão até então temporário da convenção responsável por traduzir estudos científicos em recomendações de políticas públicas – cujo corpo de especialistas produziu, por exemplo, o estudo lançado durante a conferência que demonstra que 3/4 do planeta ficaram mais secos nas últimas 3 décadas. Alguns debates, porém, lembraram que, ao unir a abordagem científica com recomendações políticas, a convenção deve se preparar para lidar com o lobby que atrasa o progresso de outras convenções climáticas da ONU, segundo o IISD.

Outra reivindicação antiga, porém, não foi adotada por divergência entre os países-membro – a permissão para que organizações da sociedade civil tenham acesso aos grupos de contato. De acordo com o IISD, China e Essuatíni argumentaram que a convenção é um mecanismo entre governos; para a Malásia, as organizações deveriam ser observadoras das conferências e permanecer de fora dos grupos de contato; para os Emirados Árabes Unidos, a participação delas deveria se limitar à troca de conhecimentos e à sensibilização da sociedade. 

As partes, porém, concordaram em pedir ao secretariado da convenção que estudasse como outros mecanismos ambientais multilaterais permitiam o acesso da sociedade civil às negociações, com relatório a ser apresentado na próxima COP.

Apesar da falha em negociar um mecanismo global contra as secas, a convenção conseguiu aprovar um mecanismo de financiamento: a Parceria Global de Resiliência à Seca de Riade, que atraiu compromissos de doação num total de mais de 12 bilhões de dólares para ajudar “80 dos mais vulneráveis países do mundo a construir sua resiliência à seca”, resumiu a ONU.

Para Osama Faqeeha, a iniciativa “vai mover a gestão de secas para além da resposta reativa a crises, através da melhoria de sistemas de alerta precoce, financiamento, avaliações de vulnerabilidade e mitigação dos riscos de seca”. “Este é um momento marcante para o combate internacional à seca, e chamamos os países, companhias, organizações, cientistas, ONGs, instituições financeiras e comunidades para se juntar a esta parceria fundamental”, disse o conselheiro da presidência da COP16 ao site oficial da conferência.

Embora seja um passo considerável, a quantia por si só, não é suficiente. De acordo com um relatório lançado pela convenção no dia 3 dezembro, 2º dia da conferência, o mundo precisa de 2,6 trilhões de dólares em investimentos até 2030 para a restauração de mais de um bilhão de hectares de terras degradadas e para a construção de resiliência às secas – o equivalente a cerca de 1 bilhão de dólares por dia, ou 355 bilhões de dólares por ano. A quantia total, pontua o relatório, é “equivalente ao que o mundo desperdiça a cada ano em subsídios que ferem o meio ambiente”. A falta de financiamento agravaria os efeitos atuais da seca, levando a instabilidades econômicas, insegurança alimentar e migrações forçadas.

Apesar da falta de consenso sobre um mecanismo global contra secas, o secretário-executivo da convenção, Ibrahim Thiaw, se disse “cheio de esperança” com a Parceria Global de Resiliência à Seca de Riade. “As 39 importantes decisões que foram adotadas nesta COP servirão de orientação não apenas a todos os governos do mundo, mas também ao setor privado, povos indígenas e comunidades locais”, acrescentou Thiaw, que lembrou também que a COP foi um chamado à ação, e que soluções “estão ao nosso alcance”, mas dependem de “vontade política”.

 

Fonte: ((O))eco

 

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