sábado, 14 de dezembro de 2024

BRICS substitui América Latina como plataforma contra embargo dos EUA a Cuba, diz analista

Cuba entra no BRICS como país parceiro em meio à crise econômica gerada pela manutenção insistente de embargo econômico imposto pelos EUA. Com a América Latina desmobilizada, BRICS emerge como melhor plataforma para pressionar Washington a retirar as sanções unilaterais adotadas contra Cuba.

Nesta sexta-feira (13), o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, anunciou a entrada de Cuba no BRICS como membro parceiro do bloco. A partir de janeiro de 2025, Havana participará das atividades do grupo, que estará sob a liderança do Brasil.

Cuba foi formalmente convidada a aderir ao BRICS como membro parceiro, com o aceite do Brasil, durante a Cúpula de Chefes de Estado do BRICS celebrada na cidade russa de Kazan, em outubro desse ano. A Bolívia também aceitou o convite para integrar o bloco na mesma categoria, informou Sergei Ryabkov.

"[Cuba e Bolívia] fazem parte do grupo de países que receberam convites. Estamos confiantes de que tudo vai dar certo no sentido da entrada deles [no BRICS] como países parceiros", disse o diplomata russo.

A presidência russa do BRICS negocia com os cerca de 13 países convidados pelo bloco a aderir à nova categoria de países parceiros. De acordo com Ryabkov, a lista final de novos membros deve ser publicada até o fim deste ano.

"Ainda não concluímos o processo de coordenação com os países convidados, de acordo com a decisão da Cúpula de Kazan de os integrar", informou o diplomata. "Para os países convidados, trata-se de uma grande e séria perspectiva. Portanto, faltam apenas alguns dias para a lista de países ser tornada pública."

entrada de Cuba virá em um momento difícil para a ilha, no qual o embargo econômico consolida crise econômica severa. Com países latino-americanos, inclusive o Brasil, menos engajados na luta pelo fim do embargo imposto por Washington, o BRICS emerge como plataforma alternativa para a defesa dos direitos de Cuba, disse a jornalista e professora nas universidades Mackenzie e PUC-SP, Vanessa Oliveira.

"A América Latina não está mais no contexto da 'onda rosa', no qual lideranças manifestavam apoio a Cuba e militavam contra o embargo econômico. Os governos de esquerda da região estão atualmente focados em problemas internos e com dificuldades de levantar pautas externas", disse Oliveira à Sputnik Brasil. "O BRICS emerge como o grupo que poderá tomar decisões políticas e econômicas importantes, e manter a pressão pelo fim do embargo."

Ademais, a chegada de Trump à Casa Branca e de seu possível secretário de Estado, Marco Rubio, aponta para uma política dura em relação à América Latina. Filho de refugiados cubanos e considerado neoconservador em política externa, Marco Rubio poderá aumentar a pressão sobre governos não alinhados aos EUA na região, como Cuba, Venezuela e Nicarágua.

"Cuba é uma ameaça à segurança nacional dos EUA", disse Marco Rubio durante sessão do Senado dos EUA, em agosto deste ano. "A proximidade geográfica e o alinhamento de Cuba com nossos adversários impõem um risco que não podemos ignorar."

Apesar da retórica, a ilha de Cuba já não possui a influência militar e no setor de inteligência que tinha outrora, apontou a professora Oliveira. A ausência de recursos financeiros também limita severamente a atuação internacional de Havana.

"A manutenção do embargo após o fim da Guerra Fria se dá pela insistência de Cuba em enfrentar a penúria de criar novas redes de contato, por exemplo, com a China", disse Oliveira à Sputnik Brasil. "No contexto da década de noventa, de vitória do capitalismo e dos EUA, a presença de Cuba destoava e a ilha virou um bode expiatório."

Para Vanessa Oliveira, que também é pesquisadora do Instituto Alameda e coorganizadora do livro "Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade", o valor simbólico da ilha atualmente supera suas capacidades militares ou ideológicas.

"O caso de Cuba não é único. Lembremos do Haiti, que, após realizar a sua revolução, também passa por séculos de punição. Do ponto de vista dos EUA, o tamanho da audácia é proporcional à punição", disse Oliveira.

A especialista nota que o poderio cubano das décadas de 70 e 80, capaz de treinar milícias comunistas, preparadas para lutar em guerras anticoloniais na América Latina, na África e Sudeste Asiático, já não é uma realidade. Sem poderio militar, Cuba se tornou um dispositivo do discurso simbólico da política doméstica dos EUA.

"Cuba é uma ameaça simbólica que, nos EUA, joga com o imaginário do voto latino. Candidatos conservadores evocam países como Cuba, Venezuela e Nicarágua para marcar a sua posição no espectro ideológico e atingir objetivos de política interna, e não de política externa", acredita Oliveira.

Apesar da chegada de Trump ser um complicador para a ilha, a pesquisadora aponta que presidentes democratas também tomaram medidas que perpetuam o embargo econômico imposto contra Cuba.

"O presidente democrata Bill Clinton aprovou uma série de normas que retiraram a decisão sobre o embargo da presidência da República. Após Clinton, o embargo passou a ser uma responsabilidade do Congresso norte-americano, o que dificulta muito a sua retirada", explicou Oliveira. "A ideia de que os democratas teriam uma política mais à esquerda, enquanto os republicanos teriam uma visão à direita, não corresponde à realidade e ofusca o verdadeiro centrão que é o Congresso norte-americano em assuntos de política externa."

A pesquisadora lamentou que passos rumo à normalização das relações entre Washington e Cuba tomados pelo ex-presidente dos EUA, Barack Obama, não foram retomados durante a atual administração de Joe Biden, gerando consequências sociais significativas para a população cubana.

"Houve uma frustração com a chegada de Biden e a consolidação da realidade de que o embargo a Cuba é uma pauta de consenso nos EUA, mais consolidada do que em outros momentos da história recente", disse a especialista. "O migrante latino nos EUA, advindo de países como Cuba e Venezuela, tem um discurso anticomunista arraigado e um papel decisivo nas corridas eleitorais norte-americanas."

Segundo a especialista, o futuro secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, mobilizou com sucesso o eleitorado latino em favor de Trump e "atacar Cuba será uma maneira de entregar o prometido, e consolidar a parceria entre os latinos e o Partido Republicano".

"O discurso anti-Cuba também será útil para manter a pauta contra a imigração viva durante o mandato de Trump. Como vemos, Cuba é instrumentalizada para mobilizar pautas domésticas caras a Rubio e Trump", lamentou Oliveira.

Para o professor de história política da América Latina na UNESP, Alberto Aggio, a ausência de reformas internas em Cuba dificulta a retomada de diálogo político com os EUA. Segundo ele, a abertura da ilha para a economia de mercado poderia ser um incentivo para a flexibilização do embargo.

"Não vejo nenhum elemento novo, tanto na política interna quanto externa de Cuba, que leve os EUA a modificar a sua política e flexibilizar o embargo", disse Aggio à Sputnik Brasil. "Não há nenhum incentivo para os EUA realizarem mudanças. Para as negociações entre Cuba e EUA prosperarem, serão necessárias mudanças internas em Havana."

O professor pontua que aliados do governo cubano, como China e Vietnã, apontam para a necessidade de mudanças no modelo econômico da ilha, com a adoção das leis de mercado, ainda que em setores específicos.

"Claro que o embargo norte-americano é um grande problema, mas também é necessário que internamente seja apontada uma perspectiva de mudança", disse Aggio. "Existe uma relutância grande por parte da ideologia dominante em Cuba em relação à modernidade ocidental, que provavelmente terá que ser superada."

A visão do acadêmico, no entanto, não é consensual. Para a Vanessa Oliveira, o governo de Havana empreendeu reformas nos últimos anos, ainda que não sejam aquelas almejadas por observadores externos.

"Apesar de concordar que nem tudo deve ser colocado na conta do embargo econômico, Cuba empreendeu algumas reformas nos últimos 15 anos. Ainda que não sejam as reformas que alguns gostariam, essas foram as reformas que Havana empreendeu até agora e há apoio da população para que as mudanças sejam paulatinas", disse Oliveira.

A especialista lembrou que Cuba empreendeu medidas para enxugar a máquina do Estado e implementou o modelo de empresas mistas. As reformas política e constitucional também foram iniciadas, ainda que de maneira tímida.

"Mas esperam que Cuba atenda às expectativas internacionais em relação a quais reformas promover. E isso, do ponto de vista da soberania dos povos, é bastante questionável. Afinal, não está claro quais são as reformas que Cuba precisa fazer para lograr a retirada do embargo", notou Oliveira.

A mudança abrupta no comportamento dos EUA, que abandonou o movimento de aproximação iniciado por Barack Obama, tampouco garante previsibilidade a Havana sobre as respostas de Washington às suas reformas.

O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, disse preferir não contar com sinais dos EUA para superar as dificuldades enfrentadas pela ilha.

"O resultado das eleições [nos EUA] não representa nada de novo para nós", declarou Díaz-Canela após a vitória de Donald Trump. "Nosso país está pronto. Vamos manter o rumo, sem medo, confiando nos nossos próprios esforços. Será com os nossos talentos que conseguiremos seguir em frente."

 

¨         Chegou a hora de o Brasil pensar em um programa robusto de mísseis?

O lançamento do Oreshnik, fruto do investimento de uma década da Rússia em tecnologia de mísseis, mandou um claro recado dissuasório para os países ocidentais. O Brasil, por sua vez, tem como base da defesa nacional uma estratégia que leva em consideração a assimetria tecnológica com o inimigo. Seria a hora de pensar um programa robusto de mísseis?

Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil acreditam que o país deve se concentrar em fortalecer sua base industrial de defesa, mas precisa superar um grande problema: a falta de continuidade dos projetos.

Segundo o comandante Robinson Farinazzo, especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, vários projetos militares já morreram no meio do caminho, inclusive a Avibras, que "tem 60 anos e a gente está deixando morrer".

"Se a gente tivesse dado continuidade a essa família de mísseis que a gente tinha nos anos 1970, onde a gente estaria hoje? Mas não, os projetos morreram, e começa tudo do zero. Por que a Rússia tem uma indústria de blindados poderosos e eficientes? Porque eles estão fabricando blindados desde os anos 1930", analisa.

Em relação ao questionamento inicial, sobre o Brasil ter um programa forte de mísseis, o especialista avalia positivamente a iniciativa, julgando ser essa a melhor alternativa "em termos de custo, benefício, versatilidade, flexibilidade e poder dissuasório".

O grande desafio, conforme Farinazzo, seria a elite política e econômica brasileira entender que o Brasil carece de poder dissuasório e que tais projetos seriam de suma importância no âmbito geopolítico e econômico.

"O Brasil quer fazer parte do Conselho de Segurança da ONU como membro permanente, quer que ampliem o Conselho de Segurança e quer fazer parte dele. Mas como, se a gente não tem ficha para colocar na mesa, que são forças armadas poderosas?", diz, acrescentando que sem uma soberania tecnológica em defesa "você não é uma voz ouvida no mundo".

<><> 'Brasil precisa entender quais são suas vulnerabilidades'

Para José Augusto Zague, pesquisador do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), países que buscam autonomia estratégica têm que ter uma definição clara de suas necessidades para supri-las.

No caso, o analista define o Brasil como um país que ainda não entendeu as suas vulnerabilidades, logo uma indústria de defesa brasileira não surgiu a partir desse cálculo.

"Para saber quais são as vulnerabilidades de um país, é necessário que isso esteja em um plano nacional de defesa ou na estratégia nacional de defesa", comenta o analista.

De acordo com Zague, o Brasil, no âmbito da indústria global de defesa, está inserido naquilo que ele chama de "modelo da tecnologia militar globalizada", no qual "todas as indústrias de defesa […] têm algum tipo de dependência […], que é um modelo liderado pelos Estados Unidos, [modelo] que tem também nos países da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]".

"O Brasil tem pouquíssima participação como fornecedor de algum tipo de componente ou parte. Isso reflete […] a falta de vocação", acrescenta.

Já a defesa da Rússia corre por fora desse modelo da "tecnologia militar globalizada". "Os russos procuraram ter autonomia estratégica, [e hoje] produzem praticamente tudo aquilo de que eles precisam". A China segue o mesmo caminho.

Diante desse contexto, o analista expressa que o Brasil enfrenta problemas de definição que compreendem desde suas ameaças ao balizamento da defesa, que, no âmbito dos mísseis, pode até esbarrar em acordos internacionais.

O Brasil é, desde 1995, signatário do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês), definido como uma associação informal criada como um esforço multilateral para o combate à proliferação de mísseis e outros sistemas capazes de lançar armas de destruição em massa, sejam elas químicas, biológicas ou nucleares.

Entretanto, o mais determinante para o Brasil é "acabar com essa disfuncionalidade da sua base industrial de defesa, pensando em uma vocação que possa fazer com que o Brasil responda às suas necessidades".

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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