BRICS substitui
América Latina como plataforma contra embargo dos EUA a Cuba, diz analista
Cuba entra no BRICS
como país parceiro em meio à crise econômica gerada pela manutenção insistente
de embargo econômico imposto pelos EUA. Com a América Latina desmobilizada,
BRICS emerge como melhor plataforma para pressionar Washington a retirar as
sanções unilaterais adotadas contra Cuba.
Nesta sexta-feira
(13), o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov,
anunciou a entrada de Cuba no BRICS como membro parceiro do bloco. A partir de
janeiro de 2025, Havana participará das atividades do grupo, que estará sob a
liderança do Brasil.
Cuba
foi formalmente convidada a aderir ao BRICS como membro parceiro, com o aceite do
Brasil, durante a Cúpula de Chefes de Estado do BRICS celebrada na cidade russa
de Kazan, em outubro desse ano. A Bolívia também aceitou o convite para
integrar o bloco na mesma categoria, informou Sergei Ryabkov.
"[Cuba e
Bolívia] fazem parte do grupo de países que receberam convites. Estamos
confiantes de que tudo vai dar certo no sentido da entrada deles [no BRICS]
como países parceiros", disse o diplomata russo.
A presidência russa
do BRICS negocia com os cerca de 13 países convidados pelo bloco a aderir à
nova categoria de países parceiros. De acordo com Ryabkov, a lista final
de novos membros deve ser publicada até o fim deste ano.
"Ainda não
concluímos o processo de coordenação com os países convidados, de acordo com a
decisão da Cúpula de Kazan de os integrar", informou o diplomata.
"Para os países convidados, trata-se de uma grande e séria perspectiva.
Portanto, faltam apenas alguns dias para a lista de países ser tornada
pública."
A entrada
de Cuba virá em um momento difícil para a ilha, no qual o embargo
econômico consolida crise econômica severa. Com países latino-americanos,
inclusive o Brasil, menos engajados na luta pelo fim do embargo imposto por Washington,
o BRICS emerge como plataforma alternativa para a defesa dos direitos de Cuba,
disse a jornalista e professora nas universidades Mackenzie e PUC-SP,
Vanessa Oliveira.
"A América
Latina não está mais no contexto da 'onda rosa', no qual lideranças manifestavam
apoio a Cuba e militavam contra o embargo econômico. Os governos de
esquerda da região estão atualmente focados em problemas internos e com
dificuldades de levantar pautas externas", disse Oliveira à Sputnik
Brasil. "O BRICS emerge como o grupo que poderá tomar decisões políticas e
econômicas importantes, e manter a pressão pelo fim do embargo."
Ademais, a chegada
de Trump à Casa Branca e de seu possível secretário de Estado, Marco Rubio, aponta para uma
política dura em relação à América Latina. Filho de refugiados cubanos e
considerado neoconservador em política externa, Marco Rubio poderá aumentar a
pressão sobre governos não alinhados aos EUA na região, como Cuba, Venezuela e
Nicarágua.
"Cuba é uma
ameaça à segurança nacional dos EUA", disse Marco Rubio durante sessão do
Senado dos EUA, em agosto deste ano. "A proximidade geográfica e o
alinhamento de Cuba com nossos adversários impõem um risco que não podemos
ignorar."
Apesar da retórica,
a ilha de Cuba já não possui a influência militar e no setor de
inteligência que tinha outrora, apontou a professora Oliveira. A ausência
de recursos financeiros também limita severamente a atuação internacional de
Havana.
"A
manutenção do embargo após o fim da Guerra Fria se dá pela insistência de Cuba
em enfrentar a penúria de criar novas redes de contato, por exemplo, com
a China", disse Oliveira à Sputnik Brasil. "No contexto da década de
noventa, de vitória do capitalismo e dos EUA, a presença de Cuba destoava e a
ilha virou um bode expiatório."
Para Vanessa
Oliveira, que também é pesquisadora do Instituto Alameda e coorganizadora do
livro "Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade", o
valor simbólico da ilha atualmente supera suas capacidades militares ou
ideológicas.
"O caso de
Cuba não é único. Lembremos do Haiti, que, após realizar a sua revolução,
também passa por séculos de punição. Do ponto de vista dos EUA, o tamanho
da audácia é proporcional à punição", disse Oliveira.
A especialista nota
que o poderio cubano das décadas de 70 e 80, capaz de treinar milícias
comunistas, preparadas para lutar em guerras anticoloniais na América Latina,
na África e Sudeste Asiático, já não é uma realidade. Sem poderio militar,
Cuba se tornou um dispositivo do discurso simbólico da política doméstica dos
EUA.
"Cuba é uma
ameaça simbólica que, nos EUA, joga com o imaginário do voto latino.
Candidatos conservadores evocam países como Cuba, Venezuela e Nicarágua para
marcar a sua posição no espectro ideológico e atingir objetivos de política
interna, e não de política externa", acredita Oliveira.
Apesar da chegada
de Trump ser um complicador para a ilha, a pesquisadora aponta
que presidentes democratas também tomaram medidas que perpetuam o
embargo econômico imposto contra Cuba.
"O presidente
democrata Bill Clinton aprovou uma série de normas que retiraram a decisão
sobre o embargo da presidência da República. Após Clinton, o embargo
passou a ser uma responsabilidade do Congresso norte-americano, o que dificulta
muito a sua retirada", explicou Oliveira. "A ideia de que os
democratas teriam uma política mais à esquerda, enquanto os republicanos teriam
uma visão à direita, não corresponde à realidade e ofusca o verdadeiro centrão
que é o Congresso norte-americano em assuntos de política externa."
A pesquisadora
lamentou que passos rumo à normalização das relações entre Washington e
Cuba tomados pelo ex-presidente dos EUA, Barack Obama, não foram retomados
durante a atual administração de Joe Biden, gerando consequências sociais
significativas para a população cubana.
"Houve
uma frustração com a chegada de Biden e a consolidação da realidade de que
o embargo a Cuba é uma pauta de consenso nos EUA, mais consolidada do que em
outros momentos da história recente", disse a especialista. "O
migrante latino nos EUA, advindo de países como Cuba e Venezuela, tem um
discurso anticomunista arraigado e um papel decisivo nas corridas eleitorais
norte-americanas."
Segundo a
especialista, o futuro secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio,
mobilizou com sucesso o eleitorado latino em favor de Trump e "atacar
Cuba será uma maneira de entregar o prometido, e consolidar a parceria entre os
latinos e o Partido Republicano".
"O discurso
anti-Cuba também será útil para manter a pauta contra a imigração viva
durante o mandato de Trump. Como vemos, Cuba é instrumentalizada para
mobilizar pautas domésticas caras a Rubio e Trump", lamentou Oliveira.
Para
o professor de história política da América Latina na UNESP, Alberto
Aggio, a ausência de reformas internas em Cuba dificulta a retomada de diálogo
político com os EUA. Segundo ele, a abertura da ilha para a economia de mercado
poderia ser um incentivo para a flexibilização do embargo.
"Não vejo
nenhum elemento novo, tanto na política interna quanto externa de Cuba, que
leve os EUA a modificar a sua política e flexibilizar o embargo", disse
Aggio à Sputnik Brasil. "Não há nenhum incentivo para os EUA realizarem
mudanças. Para as negociações entre Cuba e EUA prosperarem, serão necessárias
mudanças internas em Havana."
O professor pontua
que aliados do governo cubano, como China e Vietnã, apontam para
a necessidade de mudanças no modelo econômico da ilha, com a adoção das
leis de mercado, ainda que em setores específicos.
"Claro que o
embargo norte-americano é um grande problema, mas também é necessário que
internamente seja apontada uma perspectiva de mudança", disse Aggio.
"Existe uma relutância grande por parte da ideologia dominante em Cuba em
relação à modernidade ocidental, que provavelmente terá que ser superada."
A visão do acadêmico,
no entanto, não é consensual. Para a Vanessa Oliveira, o governo de Havana
empreendeu reformas nos últimos anos, ainda que não sejam aquelas
almejadas por observadores externos.
"Apesar de
concordar que nem tudo deve ser colocado na conta do embargo econômico, Cuba
empreendeu algumas reformas nos últimos 15 anos. Ainda que não sejam as
reformas que alguns gostariam, essas foram as reformas que Havana empreendeu
até agora e há apoio da população para que as mudanças sejam paulatinas",
disse Oliveira.
A especialista
lembrou que Cuba empreendeu medidas para enxugar a máquina do Estado e
implementou o modelo de empresas mistas. As reformas política e constitucional
também foram iniciadas, ainda que de maneira tímida.
"Mas esperam
que Cuba atenda às expectativas internacionais em relação a quais reformas
promover. E isso, do ponto de vista da soberania dos povos, é bastante
questionável. Afinal, não está claro quais são as reformas que Cuba precisa
fazer para lograr a retirada do embargo", notou Oliveira.
A mudança
abrupta no comportamento dos EUA, que abandonou o movimento de aproximação
iniciado por Barack Obama, tampouco garante previsibilidade a Havana sobre as
respostas de Washington às suas reformas.
O presidente
de Cuba, Miguel Díaz-Canel, disse preferir não contar com sinais dos EUA para
superar as dificuldades enfrentadas pela ilha.
"O resultado
das eleições [nos EUA] não representa nada de novo para nós", declarou
Díaz-Canela após a vitória de Donald Trump. "Nosso país está pronto. Vamos
manter o rumo, sem medo, confiando nos nossos próprios esforços. Será com
os nossos talentos que conseguiremos seguir em frente."
¨
Chegou
a hora de o Brasil pensar em um programa robusto de mísseis?
O lançamento do
Oreshnik, fruto do investimento de uma década da Rússia em tecnologia de
mísseis, mandou um claro recado dissuasório para os países ocidentais. O
Brasil, por sua vez, tem como base da defesa nacional uma estratégia que leva
em consideração a assimetria tecnológica com o inimigo. Seria a hora de pensar
um programa robusto de mísseis?
Analistas ouvidos
pela Sputnik Brasil acreditam que o país deve se concentrar em
fortalecer sua base
industrial de defesa,
mas precisa superar um grande problema: a falta de continuidade dos projetos.
Segundo
o comandante Robinson Farinazzo, especialista militar e oficial da reserva
da Marinha do Brasil, vários projetos militares já morreram no meio do
caminho, inclusive
a Avibras,
que "tem 60 anos e a gente está deixando morrer".
"Se a gente
tivesse dado continuidade a essa família de mísseis que a gente tinha nos anos
1970, onde a gente estaria hoje? Mas não, os projetos morreram, e começa tudo
do zero. Por que a Rússia tem uma indústria de blindados poderosos e
eficientes? Porque eles estão fabricando blindados desde os anos 1930",
analisa.
Em relação ao
questionamento inicial, sobre o Brasil ter um programa
forte de
mísseis, o especialista avalia positivamente a iniciativa, julgando ser essa a
melhor alternativa "em termos de custo, benefício, versatilidade,
flexibilidade e poder dissuasório".
O grande desafio, conforme
Farinazzo, seria a elite política e econômica brasileira entender que o Brasil
carece de poder dissuasório e que tais projetos seriam de suma importância no
âmbito geopolítico e econômico.
"O Brasil quer
fazer parte do Conselho de Segurança da ONU como membro permanente, quer que
ampliem o Conselho de Segurança e quer fazer parte dele. Mas como, se a gente
não tem ficha para colocar na mesa, que são forças armadas poderosas?",
diz, acrescentando que sem uma soberania tecnológica em defesa "você não é
uma voz ouvida no mundo".
<><> 'Brasil
precisa entender quais são suas vulnerabilidades'
Para José
Augusto Zague, pesquisador do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e do
Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), países que buscam autonomia estratégica têm que ter
uma definição clara de suas necessidades para supri-las.
No caso, o analista
define o Brasil como um país que ainda não entendeu as suas vulnerabilidades,
logo uma indústria de defesa
brasileira não
surgiu a partir desse cálculo.
"Para saber
quais são as vulnerabilidades de um país, é necessário que isso esteja em um
plano nacional de defesa ou na estratégia nacional de defesa", comenta o
analista.
De acordo com
Zague, o Brasil, no âmbito da indústria global de defesa, está inserido naquilo
que ele chama de "modelo da tecnologia militar globalizada", no qual
"todas as indústrias de defesa […] têm algum tipo de dependência […], que
é um modelo
liderado pelos Estados Unidos, [modelo] que tem também nos países da
OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]".
"O Brasil tem
pouquíssima participação como fornecedor de algum tipo de componente ou parte.
Isso reflete […] a falta de vocação", acrescenta.
Já a defesa da
Rússia corre por fora desse modelo da "tecnologia militar
globalizada". "Os russos procuraram ter autonomia estratégica, [e
hoje] produzem praticamente tudo aquilo de que eles precisam". A
China segue o mesmo caminho.
Diante desse
contexto, o analista expressa que o Brasil enfrenta problemas de definição que
compreendem desde suas ameaças ao balizamento da defesa, que, no
âmbito dos mísseis,
pode até esbarrar em acordos internacionais.
O Brasil é, desde
1995, signatário do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR,
na sigla em inglês), definido como uma associação informal criada como um
esforço multilateral para o combate à proliferação de mísseis e outros sistemas
capazes de lançar armas de destruição em massa, sejam elas químicas, biológicas
ou nucleares.
Entretanto, o mais
determinante para o Brasil é "acabar com essa disfuncionalidade da sua
base industrial de defesa, pensando em uma vocação que possa fazer com que o
Brasil responda às suas necessidades".
Fonte: Sputnik
Brasil
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