sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

ASH 2024: novas utilizações para terapias existentes, estudos sobre eficácia do CAR-T e acesso foram destaques

A hematologia é uma das áreas da medicina que, nos últimos anos, mais recebeu inovações com potencial de mudar o curso de diversas doenças. Mas além de novas soluções, as pesquisas estão se debruçando em identificar formas de ampliar a eficácia e utilizar tratamentos já existentes para outras condições, além de debater avanços no diagnóstico, equidade e acesso. Esses foram alguns dos destaques do ASH 2024, principal congresso global de hematologia, promovido pela Sociedade Americana de Hematologia.

O evento reuniu cerca de 30 mil médicos e profissionais do mundo todo em San Diego, Estados Unidos, entre 7 e 10 de dezembro e apresentou informações importantes sobre novas terapias para doença malignas e não malignas relacionadas à hematologia. Entram nessa lista cânceres de sangue, como leucemias e linfomas, doenças autoimunes, síndromes de falhas da medula óssea e condições de sangramento e coagulação.

“Vimos coisas muito boas tanto na plenária principal quanto nos demais abstracts”, afirmou o médico hematologista Nelson Hamerschlak, coordenador do Programa de Hematologia, Transplante de Medula Óssea e Terapia Celular do Hospital Israelita Albert Einstein, durante um painel promovido pelo Einstein e pela Abrale após o encontro. “Em leucemia linfocítica crônica, ficou claro que hoje a quimioterapia não é mais o tratamento ideal. Na leucemia mieloide crônica, ficou claro que é possível, para um pequeno grupo de pacientes, interromper o tratamento. Nos linfomas e mieloma múltiplo, se mostrou muito a ação do CAR-T e dos anticorpos biespecíficos, principalmente combinados com outros elementos. E em terapia celular foi muito impactante também um trabalho que mostrou que mudar a dieta dos pacientes que fazem o CAR-T modifica o seu resultado”, resumiu.

Juliana Dallagnol, médica hematologista do Einstein, lembrou também das novidades na área de acompanhamento da jornada. Segundo ela, como os pacientes estão vivendo mais, diversos estudos exploraram formas de aprimorar a qualidade de vida, por exemplo, com o uso de medicações para prevenir infecções. E destacou ainda avanços no diagnóstico e entendimento da biologia das doenças.

Em paralelo a essas novidades, o ASH também foi palco de temas como equidade, diversidade e inclusão. É o que observou Catherine Moura, CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale). “O ASH não é só sobre novidades e evoluções de diagnóstico e tratamento e inclui todas as outras temáticas relativas à qualidade de vida, como, por exemplo, como o engajamento de pacientes pode ajudar no desenvolvimento dos estudos clínicos e como podemos tratar essas demandas não atendidas que acontecem na jornada dos pacientes hematológicos.”

 <><> Pesquisa e equidade de acesso na hematologia

Durante o debate, Moura relatou que viu muitos trabalhos sobre ampliação de acesso e como a redução das iniquidades sociais podem interferir nos cuidados em hematologia.

Neste contexto, Hamerschlak destacou um estudo relacionado a transplante de medula: “A pesquisa mostrou que pacientes que tinham condições socioeconômicas piores, quando faziam o transplante, tinham os mesmos resultados dos pacientes com condições melhores. Mas ele também mostrou que a condição socioeconômica influencia muito o acesso ao tratamento”.

O engajamento precoce do paciente em processos diversos também foi tema de discussão durante o ASH 2024. A presidente da Abrale relatou que muitos trabalhos abordaram como o letramento em saúde pode fortalecer o vínculo entre médicos e pacientes para aumentar o nível de conhecimento e atuação do paciente como protagonista da tomada de decisão sobre os seus cuidados.

A participação dos pacientes no entendimento das etapas de avaliação e incorporação de tecnologias em saúde e em pesquisas clínicas foi outro assunto de destaque. “As novidades do congresso chegam via pesquisa clínica. Não existe inovação sem pesquisa. E o Brasil, hoje, conseguiu se inserir no mapa da pesquisa clínica mundial em hematologia. Temos que ter muito orgulho disso e seguir incentivando os pacientes a participarem”, completou Dallagnol. 

<><> Protocolos terapêuticos adaptados para outras doenças

Dentre os eixos terapêuticos do ASH 2024, a adaptação de terapias já utilizadas em determinadas doenças para tratar outras condições foi um dos principais. Nesta linha, um estudo controlado testou pela primeira vez os benefícios da hidroxiuréia, usada no tratamento da anemia falciforme, em pacientes com hemoglobinopatia SC.

Existem poucos tratamentos para a hemoglobinopatia SC, uma doença rara que provoca fraqueza, crises de dor e anemia, entre outros sintomas. Por outro lado, a hidroxiuréia já é uma terapêutica incorporada no SUS e aprovada para pacientes com anemia falciforme do tipo SS ou S-Betatalassemia.

No grupo de pacientes com hemoglobinopatia SC tratado com hidroxiureia, houve melhora nos níveis de hemoglobina, menor quantidade de doenças vaso-oclusivas e menos casos de hospitalização. Segundo Dr. Ricardo Helman, hematologista do Einstein, o estudo pode promover avanços no tratamento para esses indivíduos. “Provavelmente vai ser uma mudança de prática que talvez traga a liberação dessa medicação para essa população”, avalia.

Outra pesquisa testou se a adição de uma imunoterapia poderia trazer benefícios para crianças com leucemia linfoide aguda B tratadas com quimioterapia. Ele foi realizado com mais de 2.000 pacientes pediátricos de 1 a 10 anos, comparando efeitos da quimioterapia combinada com a imunoterapia com o tratamento isolado de quimio.

A terapêutica com anticorpos chama-se blinatumumabe e já é aprovada no Brasil para outras indicações como doença residual e doença recidivada. Com seu uso junto à quimioterapia, o estudo estima que se possa ter uma melhora de 85% para 95% nas taxas de cura de crianças com esse tipo específico de leucemia.

“Acreditamos que, com esse estudo, talvez num prazo de poucos anos, consigamos ter também a aprovação da indicação de incorporar o blinatumumabe para os pacientes pediátricos com leucemia linfóide de células B”, comenta Eduardo Chapchap, hematologista do Einstein. Ele lembra que um estudo similar com adultos levou à aprovação dessa imunoterapia nos Estados Unidos.

Hamerschlak vai além: “Estamos atingindo números incríveis. Provavelmente no futuro, crianças com leucemia vão estar plenamente curadas com os tratamentos novos que estão sendo oferecidos.”

<><> Relação de dieta com terapia CAR-T

Outra novidade apresentada no ASH é a de que a dieta cetogênica tem potencial de aumentar a eficácia da terapia genética de células CAR-T. Essa terapia consiste em modificar geneticamente as células de um paciente para o tratamento de uma doença específica. No caso apresentado, se testou a influência da dieta na eficácia dessa tecnologia em camundongos com linfoma que receberam tratamento com células CAR-T. Um grupo deles recebeu uma dieta cetogênica, rica em gorduras, enquanto outros receberam dietas ricas em carboidrato e proteína.

O que se observou é que o primeiro grupo teve uma melhor resposta contra o tumor. Isso sugere que a dieta cetogênica muda metabolicamente as células, tornando-as mais eficientes na resposta tumoral.

Além do teste em camundongos, os pesquisadores avaliaram o sangue de pacientes que fizeram infusão de CAR-T e viram que os que tinham níveis mais altos do metabólito gerado pela dieta rica em gorduras também eram os que apresentavam maior expansão dessas células. Os próximos passos devem envolver a realização de um estudo clínico controlado que demonstre, em pacientes, a relação entre essa dieta e a melhora na eficácia do tratamento contra o câncer.

 

¨      RSNA 2024: radiologia vive contraste da chegada de IA e novas tecnologias com desafios de falta de profissionais e acesso

A área de radiologia vive um momento de contrastes. Com o avanço da medicina e as tendências de envelhecimento da população, os exames de imagem são e serão cada vez mais demandados. Além disso, a tecnologia – como a inteligência artificial – avança para aumentar a qualidade das imagens, aumentar a precisão dos exames e facilitar a vida dos radiologistas.

Mas justamente esse avanço tem afastado jovens profissionais de especialização nessa área, resultado de uma equação que envolve o tempo de formação com a perspectiva de que as máquinas farão todo o trabalho em algum momento. Pode até ser que esse cenário se torne realidade, mas até lá, há uma lacuna a ser atendida.

Essa foi um pouco da tônica do Encontro Anual da Sociedade Norte-Americana de Radiologia (RSNA, na sigla em inglês), que ocorreu no começo de dezembro em Chicago, nos EUA. O evento recebeu cerca de 40 mil pessoas ao longo de 5 dias, que se dividiram entre os espaços dos pavilhões que traziam estandes com novas tecnologias e plenárias para apresentação de debates e estudos.

Não à toa, o tema deste ano foi Construindo Conexões Inteligentes. “Entre máquinas, entre humanos e entre máquinas e humanos”, afirmou Curtis Langlotz, presidente da RSNA durante discurso de abertura. “O segredo do sucesso da radiologia sempre foi incorporar novas tecnologias, desde a descoberta do raio-X, até o ultrassom, tomografia computadorizada, ressonância magnética, teranóstico até chegar nesses novos sistemas inteligentes. Essa conexão da radiologia com a tecnologia coloca essa área como protagonista nesse momento em que os sistemas de saúde adotam novas ferramentas.”

<><> Qualidade de imagem e inteligência artificial embarcada

Essa evolução tecnológica ficou nítida pelos 700 estandes divididos em dois grandes pavilhões – onde não era raro encontrar rodas de especialistas brasileiros. Os quatro maiores eram os da Siemens Healthineers, GE Healthcare, Philips e United-Imaging – esta última, de origem chinesa, tem avançado nos principais mercados e, inclusive, iniciou operações no Brasil em 2024.

Para todos os lados, era possível ver a sigla “AI” exposta em diversos equipamentos. Muitos deles já saem com a tecnologia embarcada de fábrica para operar. Por exemplo, um equipamento de ultrassom de abdômen com IA já é capaz de identificar os órgãos e registrar as medidas durante o exame de forma automática – tornando-o mais rápido.

Outro exemplo, no estande da Siemens, era a nova família de tomografia computadorizada baseada em contagem de fótons. Chamada de Naeotom Alpha, a tecnologia, lançada em 2021, promete entregar imagens com resoluções até duas vezes mais nítidas do que os equipamentos convencionais e com cerca de 40% menos dose de radiação.

“O mundo precisa de exames de imagem com a tendência de envelhecimento e necessidade de avanços na saúde nos países em desenvolvimento”, afirmou André Hartung, presidente da área de diagnóstico por imagem da Siemens Healthineers. “70% das decisões médicas são baseadas em imagens. E quanto melhor a informação da imagem, melhor para o profissional de saúde.”

A companhia está apostando alto no equipamento, a ponto de afirmar que, na visão da empresa, em um futuro não distante toda tomografia será com essa tecnologia. “Há quem diga que em 2040 isso já será realidade”, relatou Philipp Fisher, head de tomografia computadorizada da empresa. “Não vamos fixar um ano exato, mas estamos avançando o mais rápido possível. Vamos continuar investindo no equipamento convencional, mas a tendência é que a nova tecnologia seja predominante.”

Usando como exemplo a área de doenças cardiovasculares, a ideia é que a resolução de alta qualidade permita enxergar situações que levem a decisões nas duas vias: tanto de agir quando for algo que demande uma decisão rápida, quanto a de evitar um procedimento invasivo quando não for necessário. Além disso, o sistema de IA embarcado também facilita de forma automática o posicionamento correto do paciente para o exame e o fluxo de trabalho dos profissionais que estão atuando.

Não há equipamentos do tipo no Brasil ainda, mas Miranda Rasenberd, vice-presidente de vendas e marketing, afirmou que a empresa está com negociações avançadas com uma grande instituição do país, que deve se tornar a primeira da América Latina a implantar a nova tecnologia.

<><> Estudo brasileiro no encontro da RSNA

Na área de apresentações, houve espaço para um estudo brasileiro. Em 2024, o Grupo Fleury utilizou três ferramentas de inteligência artificial de mercado para analisar um banco de dados com mais de 1,5 mil mamografias anônimas, sendo 565 de casos confirmados de câncer de mama por biópsia e 946 de casos sem a doença. A conclusão do estudo foi de que as IAs combinadas conseguiram taxas de acurácia acima de 90%.

Bruno Aragão, coordenador médico de inovação do Grupo Fleury, relatou que os comentários sobre o estudo foram positivos e em linha com a tendência de que pesquisas de avaliação de performance da IA em cenários locais têm sido algo valorizado.

“Ferramentas de IA embora já ‘prontas’ para uso devem idealmente ter sua performance testada em dados locais antes de qualquer implementação em larga escala. O estudo foi importante para confirmar que todas as ferramentas têm sim boa performance, mas cada uma tem sua particularidade, com perfis de acurácia ligeiramente diferentes em cada tipo de caso. Isso reforça que a análise humana é indispensável”, completou.

Segundo ele, após a avaliação dos resultados, o próximo passo é avançar para implementar esse tipo de ferramenta a partir de 2025 “como um assistente para as análises dos médicos radiologistas.”

<><> E o acesso a essas inovações da radiologia?

A tecnologia avança e as tendências são promissoras, mas no Brasil e em diversos outros países em desenvolvimento, há problemas mais básicos. Por suas dimensões continentais e desigualdades sociais, o acesso a exames de imagem ainda é um desafio. Populações ribeirinhas da Região Amazônica, por exemplo, precisam se deslocar quilômetros para conseguir. E sem o exame, o diagnóstico muitas vezes chega tarde, elevando os custos de tratamento e evitando um desfecho mais grave.

“Esse não é um desafio só do Brasil, quase metade da população global não tem acesso à saúde e à saúde de qualidade”, reitera Adriana Costa, diretora-geral da Siemens Healthineers no Brasil. “Temos movimentos e territórios que são muito díspares em termos de acesso.”

A empresa tem levantado dados de bases como o Datasus para verificar os vazios assistenciais e identificar em quais regiões a implementação de um equipamento como uma ressonância poderia trazer mais impacto. Após a análise, a companhia tem feito reuniões com instituições públicas e privadas para mostrar os potenciais.

Mas para de fato trazer esses avanços, na visão de Costa, o diálogo precisa mudar e as parcerias podem ter papel de destaque. “Sempre falamos nos fóruns que a saúde no Brasil está doente e precisamos encontrar saídas. Isso não vai ser uma responsabilidade só da indústria, da saúde suplementar ou do só sistema público. A colaboração entre todos os agentes será importante para endereçar soluções que realmente atendam as grandes dores que existem.”

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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