Ainda é possível uma crítica fraterna
ao MinC?
Após dois anos de gestão, é natural que erros e acertos aconteçam. No
entanto, acreditar que o MinC está imune a críticas, ou que mudanças de postura
e construção não podem ser propostas, enfraquece o campo cultural e político —
além de comprometer a eficácia das políticas públicas de cultura. A ausência de
um diálogo crítico não fortalece o governo, a gestão ou o campo cultural; pelo
contrário, gera impacto negativo no avanço das políticas arduamente
conquistadas.
Essas conquistas, que incluem as leis e os recursos públicos que
sustentam as políticas culturais do MinC por meio da descentralização de
recursos da União para estados e municípios, são resultados de esforços
históricos entre 2020 e 2022. Durante um período marcado pela pandemia e pelo
governo Bolsonaro, uma forte coalizão nacional, composta por gestores,
sociedade civil, forças políticas e parlamentares, conseguiu, em consenso,
aprovar legislações, orçamentos e superar vetos.
Diante desse legado, é vital que o MinC se reconecte com o espírito
coletivo que possibilitou tais avanços, garantindo que os frutos dessas
conquistas sejam consolidados e ampliados.
No entanto, a recente Medida Provisória (MP) da Política Nacional Aldir
Blanc (PNAB) foi introduzida de forma abrupta, carregada de contradições, tanto
em seu conteúdo quanto na justificativa apresentada pelo governo. A postura do
MinC em atribuir a demora na execução dos recursos da LPG (Lei Paulo Gustavo) e
da PNAB às gestões municipais e estaduais carece de maior reflexão.
Desde o início da atual gestão, especialistas em políticas públicas de
cultura apontaram falhas na estratégia de implementação e alocação
orçamentária. Essa crítica não minimiza os desafios da reconstrução do MinC,
mas ressalta a necessidade de uma abordagem mais colaborativa e compartilhada
com gestores municipais e estaduais, bem como com a sociedade civil de forma
regional e temática.
Uma questão central é a postura inicial do MinC de concentrar decisões
em um pequeno grupo, afastando-se da coalizão de gestores, parlamentares e
sociedade civil que foi essencial para a aprovação dessas políticas e
orçamentos. Essa escolha reforça a percepção de que o Ministério assume o
protagonismo absoluto pelos resultados — positivos ou negativos — na aplicação
dos recursos.
É necessário revisar a linha do tempo de regulamentação dessas leis para
compreender os desafios enfrentados e questionar: quais ações estratégicas
foram efetivamente implementadas pelo MinC, como ente federado responsável por
coordenar e orientar essas políticas?
Como o Ministério apoiou os mais de 5.500 municípios brasileiros, cada
um com suas peculiaridades jurídicas e administrativas, frequentemente
agravadas por estruturas de gestão precárias?
>>>> Uma análise criteriosa levanta questões práticas:
– Quantos encontros de formação com gestores e procuradores públicos
estaduais e municipais foram realizados?
– Não me refiro a lives para tirar dúvidas, mas a formações robustas,
estruturadas e adaptadas aos formatos EAD e presenciais.
– Quais mecanismos de suporte e atendimento nacional foram implementados
para incorporar peculiaridades regionais e promover parcerias com governos
estaduais e entidades municipalistas?
– Quais iniciativas foram desenvolvidas para capacitar pareceristas e
avaliadores de editais?
– Por fim, que métodos e métricas estão sendo usados para monitorar e
avaliar os resultados dessas políticas?
Os editais e chamadas públicas, apesar de serem ferramentas
fundamentais, não devem ser vistas como únicas ou exclusivas na execução de
políticas públicas de cultura. No caso da LPG e da PNAB, os editais foram
estabelecidos em lei, mas isso nos leva a perguntas urgentes:
– Quais estudos e debates sobre a modelagem de editais foram realizados?
– Após as experiências com as leis emergenciais LAB e LPG, quais
reflexões foram feitas sobre os melhores formatos de editais, indo além dos
tradicionais planos de trabalho e prêmios?
Observando a condução dos editais pelo MinC, nota-se a ausência de
estratégias que priorizem a criação de redes culturais e promovam a circulação
sustentável de bens e serviços culturais. Essa lacuna compromete a
transformação que essas políticas poderiam gerar, limitando seu alcance.
Para enfrentar esses desafios, é fundamental propor soluções concretas.
Uma prioridade deve ser a criação de uma plataforma nacional de formação em
EAD, integrada às ações formativas regionais presenciais, em um mutirão
inspirado nos ensinamentos de Paulo Freire com os Círculos de Cultura, que
promovam encontros periódicos de avaliação e troca de experiências
municipalistas e regionais.
Ferramentas modernas de geração e análise de dados precisam ser incorporadas
à gestão do MinC, permitindo um melhor entendimento e implementação do
federalismo cultural e do Sistema Nacional de Cultura. Além disso, novos
mecanismos digitais e colaborativos de participação e controle social, como o
fortalecimento de conselhos, entidades, redes, movimentos e conferências de
cultura, devem ser incentivados.
Outra prioridade é fomentar um debate sério sobre a economia da cultura,
promovendo o desenvolvimento de cadeias produtivas locais e regionais com
princípios de colaboração e redes. Não devemos criar uma dicotomia entre
economia, indústria e cidadania; essas dimensões precisam ser integradas. Um
exemplo seria adotar estratégias para fortalecer a indústria cultural
brasileira enquanto se promove a economia circular e solidária.
Adotar indicadores científicos para medir o impacto das políticas também
é essencial. Métricas como a porcentagem de municípios que executaram os
recursos em relação ao número de capacitações realizadas devem orientar os
esforços, alinhados a estratégias que priorizem o fortalecimento de redes
culturais colaborativas e a criação de circuitos de bens, serviços e atividades
culturais.
Além disso, a valorização dos servidores públicos de cultura deve ser um
pilar e prioridade dessas políticas. Os desafios enfrentados pelos servidores
municipais são enormes, e a sobrecarga os coloca sob forte pressão, levando a
um aumento de problemas de saúde mental em centenas de servidores que precisam
lidar com regulamentações feitas sem cronograma e planejamento claros. Esse
cenário demanda uma abordagem emergencial, séria e responsável.
Conflitos eleitorais são inevitáveis no jogo democrático, mas é
importante destacar que o campo cultural não torce pelo fracasso do MinC. Pelo
contrário, o sucesso dessa gestão é crucial para o setor, e ainda há tempo de
corrigir erros e tropeços que comprometem as conquistas históricas do setor
cultural brasileiro.
Mais do que nunca, é hora de retomar a estratégia de frente programática
construída entre 2020 e 2022 e reconectar o MinC à coalizão que construiu essas
políticas. Essas conquistas não foram obra de um único partido ou entidade, mas
o resultado de uma ampla coalizão que superou adversidades e construiu
consensos entre diferentes forças políticas.
Por fim, o debate público deve ser crítico, construtivo e propositivo.
Um Ministério da Cultura que escute, dialogue e construa em parceria com
gestores municipais, estaduais, sociedade civil e parceiros institucionais pode
transformar a vida de milhões de brasileiros e desempenhar o papel
civilizatório que nossos tempos exigem.
Com unidade na diversidade, transparência e planejamento estratégico
construído de forma dialógica, podemos garantir que as políticas públicas de
cultura avancem e cumpram sua missão: fomentar o desenvolvimento da economia
cultural, fortalecer o universo simbólico e assegurar o pleno exercício dos
direitos e da cidadania cultural da população brasileira.
Fonte: Por Marcelo
das Histórias, em Outras Palavras
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