segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Ainda é possível uma crítica fraterna ao MinC?

Após dois anos de gestão, é natural que erros e acertos aconteçam. No entanto, acreditar que o MinC está imune a críticas, ou que mudanças de postura e construção não podem ser propostas, enfraquece o campo cultural e político — além de comprometer a eficácia das políticas públicas de cultura. A ausência de um diálogo crítico não fortalece o governo, a gestão ou o campo cultural; pelo contrário, gera impacto negativo no avanço das políticas arduamente conquistadas.

Essas conquistas, que incluem as leis e os recursos públicos que sustentam as políticas culturais do MinC por meio da descentralização de recursos da União para estados e municípios, são resultados de esforços históricos entre 2020 e 2022. Durante um período marcado pela pandemia e pelo governo Bolsonaro, uma forte coalizão nacional, composta por gestores, sociedade civil, forças políticas e parlamentares, conseguiu, em consenso, aprovar legislações, orçamentos e superar vetos.

Diante desse legado, é vital que o MinC se reconecte com o espírito coletivo que possibilitou tais avanços, garantindo que os frutos dessas conquistas sejam consolidados e ampliados.

No entanto, a recente Medida Provisória (MP) da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) foi introduzida de forma abrupta, carregada de contradições, tanto em seu conteúdo quanto na justificativa apresentada pelo governo. A postura do MinC em atribuir a demora na execução dos recursos da LPG (Lei Paulo Gustavo) e da PNAB às gestões municipais e estaduais carece de maior reflexão.

Desde o início da atual gestão, especialistas em políticas públicas de cultura apontaram falhas na estratégia de implementação e alocação orçamentária. Essa crítica não minimiza os desafios da reconstrução do MinC, mas ressalta a necessidade de uma abordagem mais colaborativa e compartilhada com gestores municipais e estaduais, bem como com a sociedade civil de forma regional e temática.

Uma questão central é a postura inicial do MinC de concentrar decisões em um pequeno grupo, afastando-se da coalizão de gestores, parlamentares e sociedade civil que foi essencial para a aprovação dessas políticas e orçamentos. Essa escolha reforça a percepção de que o Ministério assume o protagonismo absoluto pelos resultados — positivos ou negativos — na aplicação dos recursos.

É necessário revisar a linha do tempo de regulamentação dessas leis para compreender os desafios enfrentados e questionar: quais ações estratégicas foram efetivamente implementadas pelo MinC, como ente federado responsável por coordenar e orientar essas políticas?

Como o Ministério apoiou os mais de 5.500 municípios brasileiros, cada um com suas peculiaridades jurídicas e administrativas, frequentemente agravadas por estruturas de gestão precárias?

>>>> Uma análise criteriosa levanta questões práticas:

– Quantos encontros de formação com gestores e procuradores públicos estaduais e municipais foram realizados?

– Não me refiro a lives para tirar dúvidas, mas a formações robustas, estruturadas e adaptadas aos formatos EAD e presenciais.

– Quais mecanismos de suporte e atendimento nacional foram implementados para incorporar peculiaridades regionais e promover parcerias com governos estaduais e entidades municipalistas?

– Quais iniciativas foram desenvolvidas para capacitar pareceristas e avaliadores de editais?

– Por fim, que métodos e métricas estão sendo usados para monitorar e avaliar os resultados dessas políticas?

Os editais e chamadas públicas, apesar de serem ferramentas fundamentais, não devem ser vistas como únicas ou exclusivas na execução de políticas públicas de cultura. No caso da LPG e da PNAB, os editais foram estabelecidos em lei, mas isso nos leva a perguntas urgentes:

– Quais estudos e debates sobre a modelagem de editais foram realizados?

– Após as experiências com as leis emergenciais LAB e LPG, quais reflexões foram feitas sobre os melhores formatos de editais, indo além dos tradicionais planos de trabalho e prêmios?

Observando a condução dos editais pelo MinC, nota-se a ausência de estratégias que priorizem a criação de redes culturais e promovam a circulação sustentável de bens e serviços culturais. Essa lacuna compromete a transformação que essas políticas poderiam gerar, limitando seu alcance.

Para enfrentar esses desafios, é fundamental propor soluções concretas. Uma prioridade deve ser a criação de uma plataforma nacional de formação em EAD, integrada às ações formativas regionais presenciais, em um mutirão inspirado nos ensinamentos de Paulo Freire com os Círculos de Cultura, que promovam encontros periódicos de avaliação e troca de experiências municipalistas e regionais.

Ferramentas modernas de geração e análise de dados precisam ser incorporadas à gestão do MinC, permitindo um melhor entendimento e implementação do federalismo cultural e do Sistema Nacional de Cultura. Além disso, novos mecanismos digitais e colaborativos de participação e controle social, como o fortalecimento de conselhos, entidades, redes, movimentos e conferências de cultura, devem ser incentivados.

Outra prioridade é fomentar um debate sério sobre a economia da cultura, promovendo o desenvolvimento de cadeias produtivas locais e regionais com princípios de colaboração e redes. Não devemos criar uma dicotomia entre economia, indústria e cidadania; essas dimensões precisam ser integradas. Um exemplo seria adotar estratégias para fortalecer a indústria cultural brasileira enquanto se promove a economia circular e solidária.

Adotar indicadores científicos para medir o impacto das políticas também é essencial. Métricas como a porcentagem de municípios que executaram os recursos em relação ao número de capacitações realizadas devem orientar os esforços, alinhados a estratégias que priorizem o fortalecimento de redes culturais colaborativas e a criação de circuitos de bens, serviços e atividades culturais.

Além disso, a valorização dos servidores públicos de cultura deve ser um pilar e prioridade dessas políticas. Os desafios enfrentados pelos servidores municipais são enormes, e a sobrecarga os coloca sob forte pressão, levando a um aumento de problemas de saúde mental em centenas de servidores que precisam lidar com regulamentações feitas sem cronograma e planejamento claros. Esse cenário demanda uma abordagem emergencial, séria e responsável.

Conflitos eleitorais são inevitáveis no jogo democrático, mas é importante destacar que o campo cultural não torce pelo fracasso do MinC. Pelo contrário, o sucesso dessa gestão é crucial para o setor, e ainda há tempo de corrigir erros e tropeços que comprometem as conquistas históricas do setor cultural brasileiro.

Mais do que nunca, é hora de retomar a estratégia de frente programática construída entre 2020 e 2022 e reconectar o MinC à coalizão que construiu essas políticas. Essas conquistas não foram obra de um único partido ou entidade, mas o resultado de uma ampla coalizão que superou adversidades e construiu consensos entre diferentes forças políticas.

Por fim, o debate público deve ser crítico, construtivo e propositivo. Um Ministério da Cultura que escute, dialogue e construa em parceria com gestores municipais, estaduais, sociedade civil e parceiros institucionais pode transformar a vida de milhões de brasileiros e desempenhar o papel civilizatório que nossos tempos exigem.

Com unidade na diversidade, transparência e planejamento estratégico construído de forma dialógica, podemos garantir que as políticas públicas de cultura avancem e cumpram sua missão: fomentar o desenvolvimento da economia cultural, fortalecer o universo simbólico e assegurar o pleno exercício dos direitos e da cidadania cultural da população brasileira.

 

Fonte: Por Marcelo das Histórias, em Outras Palavras

 

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