sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Vijay Prashad: Por que os israelenses bombardeiam casas palestinas no meio da noite?

Às 22h da noite de 28 de outubro de 2024, a força aérea israelense atingiu um prédio de cinco andares em Beit Lahiya, na região norte de Gaza. O norte de Gaza tem sido bombardeado pelos israelenses desde 8 de outubro de 2023. Não houve trégua para os moradores desta cidade, que fica ao norte do campo de refugiados de Jabaliya. Nos primeiros meses dos bombardeios, Sahar (42 anos) fugiu da área com seu filho de 11 anos e o restante de sua família. Isso aconteceu, contou ela à Human Rights Watch, “por causa do bombardeio excessivo a casas civis, que matou famílias inteiras.”

Asma (32 anos) deixou Beit Lahiya em direção à supostamente segura área de al-Mawasi. “Vivemos em um desastre”, diz. “Estamos sem esperança, famintos e cercados.”

A família Abu Nasr não deixou Beit Lahiya. De fato, grande parte da família estendida buscou abrigo no prédio familiar, acreditando que a sua localização em uma área residencial poderia oferecer alguma imunidade aos ataques israelenses. Na noite de 28 de outubro de 2024, havia 300 pessoas vivendo nos 10 apartamentos do prédio. Era apertado, mas eles se sentiam seguros.

Quando o míssil atingiu o prédio às 22h, destruiu a escadaria, bloqueando qualquer possibilidade de fuga, exceto pelo térreo. Muhammed Abu Nasr (29 anos) morava no térreo com sua esposa e filhos. Eles pularam o muro do perímetro e foram para a casa de um vizinho. Mais tarde, Muhammed contou à escritora Asil Almanssi: “Não dormi a noite toda, pensando nos meus pais, meus irmãos, meus sobrinhos e sobrinhas. Como pude deixá-los e fugir? Será que fui realmente um covarde, um traidor? Esses pensamentos me atormentaram, e eu não sabia se tinha feito a coisa certa ou não.”

Mas era a única coisa que ele poderia ter feito. Permanecer em um prédio com a escadaria destruída seria insensato. Famílias presas no prédio ligaram para a Defesa Civil de Gaza. Não havia nada que pudesse ser feito por elas até a manhã seguinte. Elas arrumaram as suas malas e esperaram pelo amanhecer, quando esperavam ser resgatadas dos andares superiores do prédio danificado.

Então, como se já tivessem previsto isso durante toda a noite, às 4h os israelenses atacaram novamente o prédio residencial. Desta vez, atingiram o núcleo dos apartamentos. Muhammed Abu Nasr, agora na casa de um vizinho, ouviu “uma explosão mais alta do que qualquer coisa que já tinha ouvido. Parecia que um terremoto havia sacudido toda a área, com o chão tremendo violentamente e partes das paredes da casa onde eu estava desabando.” Foi uma bomba enorme. Muhammed ouviu a sua família pedindo ajuda e gritando que havia corpos entre eles. Não havia nada a fazer. Aeronaves israelenses preenchiam o céu. Outro ataque era possível.

Quando os socorristas começaram a remover os escombros, encontraram sobreviventes, feridos com pernas quebradas e pulmões perfurados. Mas também descobriram que mais de 100 pessoas da família Abu Nasr haviam sido mortas. Foi um massacre horrível de uma família em uma área residencial bem conhecida. Carroças e ombros fortes levaram os feridos ao Hospital Al-Helou, um hospital de maternidade que sofreu ataques israelenses em novembro de 2023, mas que agora permanece parcialmente funcional. Foi no hospital que Asil Almanssi ouviu Bassam Abu Nasr (cinco anos), o único sobrevivente de sua família imediata, dizer repetidamente: “Eu quero o meu pai.” Mas o seu pai havia sido morto pelos israelenses.

<><> Por que às 4h?

Durante a Grande Guerra (1914–1919), ambos os lados usaram aeronaves para transportar bombas que poderiam ser lançadas em alvos inimigos, incluindo áreas residenciais. Essas aeronaves não tinham dispositivos de navegação muito bons, mas seus adversários também não tinham nada além de holofotes para localizá-las no céu. Voar com bombardeiros lentos à luz do dia os exporia a caças rápidos. Por isso, voavam sob a cobertura da escuridão à noite.

Após a Grande Guerra, o primeiro-ministro britânico Stanley Baldwin disse a verdade sobre o uso de bombardeios aéreos: “O bombardeiro sempre vai conseguir chegar ao alvo. A única defesa é no ataque, o que significa que você tem que matar mais mulheres e crianças mais rapidamente do que o inimigo, se quiser se salvar” (10 de novembro de 1932).

As palavras de Baldwin vieram sete anos após outras duas potências europeias (Espanha e França) incentivarem mercenários dos Estados Unidos a bombardear a cidade marroquina de Chefchaouen em plena luz do dia durante a Guerra do Rif (1921–1926). Os pilotos estadunidenses realizaram 350 bombardeios. O objetivo não era atingir alvos militares, mas causar angústia psicológica.

Essa lógica continua viva em Gaza. Bombas às 4h têm como objetivo maximizar o terror e expulsar civis. A devastação é tamanha que 1.000 famílias palestinas já foram exterminadas completamente.

<><> Algo impensável

Mesmo diante desse genocídio, muitos palestinos se recusam a sair de Gaza, pois isso significaria abandonar a Palestina, sendo parte da Nakba permanente iniciada em 1948. Eles permanecem, suportando os bombardeios noturnos que exterminam famílias inteiras.

Como disse Suleiman Salman al-Najjar, que perdeu a família em um ataque israelense: “Algo impensável agora é nossa realidade.”

 

¨      O dilema da Alemanha: apoiar o TPI ou Netanyahu?

O governo alemão, agora minoritário, formado pelo Partido Social Democrata (SPD) e pelos Verdes, definitivamente preferiria evitar a questão, por mais previsível que tenha sido: o Tribunal Penal Internacional(TPI), com sede em Haia, emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa Yoav Gallant. Enquanto países europeus como Holanda e Irlanda foram claros em afirmar que pretendiam cumprir os mandados, o governo alemão hesitou em dar uma resposta.

Na semana passada, o TPI disse ter encontrado evidências suficientes de que ambos foram cúmplices de crimes contra a humanidade e crimes de guerra como parte da ofensiva contínua de Israel em Gaza. A campanha militar começou após o ataque do grupo extremista palestino Hamas, baseado em Gaza, em 7 de outubro de 2023, contra Israel. Um mandado de prisão também foi emitido para o líder militar do Hamas, Mohammed Deif, com as mesmas acusações, embora Israel diga que matou Deif em julho.

Israel afirmou ao TPI que vai recorrer dos mandados de prisão, de acordo com comunicado divulgado na quarta-feira (27/11) pelo gabinete do premiê.

<><> Entre o apoio ao TPI e a responsabilidade histórica com Israel

A Alemanha é considerada um dos maiores apoiadores do TPI, que iniciou suas atividades em julho de 2002 e é apoiado por 124 países. No entanto, esse número não inclui nações de peso nas negociações globais, como os Estados Unidos e a Rússia.

O que é crucial na atual circunstância é que o tribunal não tem meios de executar os mandados de prisão. Os Estados membros – incluindo a Alemanha – são formalmente obrigados a levar as pessoas procuradas sob custódia caso elas cruzem suas fronteiras.

Em outras palavras, se Netanyahu for à Alemanha, ele terá que ser preso. Ou não?

Ao mesmo tempo, pesa para a Alemanha a sua responsabilidade histórica em relação a Israel, que já foi caracterizada pelo governo alemão como uma "razão de Estado". É por isso que as reações de autoridades alemãs à decisão em Haia foram mistas.

Durante a conferência climática em Baku, em entrevista para a emissora ARD, a Ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock (Verdes), foi a primeira a reagir: "Cumprimos a lei em nível nacional, europeu e internacional", garantiu. "E é por isso que agora estamos examinando exatamente o que isso significa para nós em termos de sua aplicação internacional", ponderou.

Pouco tempo depois, o governo alemão emitiu um comunicado à imprensa, em que diz: "O governo alemão reconheceu a decisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) de solicitar mandados de prisão para o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant."

Assim como na declaração de Baerbock, a palavra "exame" também apareceu no comunicado oficial, que continua dizendo: "Outras medidas serão tomadas somente quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant visitarem a Alemanha."

<><> Não há planos iminentes para uma visita de Netanyahu

Netanyahu esteve na Alemanha pela última vez há cerca de um ano e meio. E na sexta-feira passada (22/11), outros membros do governo alemão enfatizaram, quase com alívio, que não há previsão para uma visita do premiê.

A última vez que o chefe de governo de Israel esteve em Berlim para conversas políticas foi em março de 2023, seis meses antes do ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro. A União Europeia, assim como os EUA e outros países, classificam o grupo como uma organização terrorista.

Israel é um dos dez países com os quais a Alemanha mantém consultas intergovernamentais – reuniões em que todos os membros do gabinete de cada país se encontram. O objetivo é enfatizar a relação bilateral especial entre as partes. A primeira reunião desse tipo ocorreu em Jerusalém em 2008, sob o comando da então chanceler Angela Merkel (CDU), e a última foi em outubro de 2018.

<><> Porta-voz do governo considera prisão improvável

Como o governo alemão pretende lidar com o conflito entre a decisão do TPI e a demonstração de solidariedade a Israel? Isso é o que muitos jornalistas queriam saber em uma recente coletiva de imprensa em Berlim.

A uma das perguntas, o porta-voz do governo, Steffen Hebestreit, respondeu: "Por um lado, há a importância do Tribunal Penal Internacional, que apoiamos fortemente, e, por outro lado, há a responsabilidade histórica que você mencionou. Essa declaração deve ser considerada à luz desses dois pontos. Eu estaria inclinado a dizer que tenho dificuldade em imaginar que faríamos prisões na Alemanha com base nisso".

Enquanto o governo federal se esforça para encontrar uma posição clara entre seu apoio a Israel e seu apoio ao TPI, outros políticos alemães têm tido menos escrúpulos.

Por exemplo, Boris Rhein (CDU), que chefia o governo do estado alemão de Hesse, chamou os mandados de prisão de "absurdos" na sexta-feira. Rhein acrescentou que Israel está em guerra há mais de um ano, uma guerra que a organização terrorista Hamas desencadeou com seu ataque a cidadãos inocentes. "Para mim, está completamente fora de questão que um primeiro-ministro democraticamente eleito de Israel seja preso em solo alemão por defender seu país contra terroristas", disse Rhein.

Mas Rhein também sabe que atualmente é difícil imaginar Netanyahu visitando a Alemanha.

<><> Qual é o papel do Tribunal Penal Internacional?

Em caso de crimes de guerra e contra a humanidade, cabe aos tribunais nacionais a aplicação da assim chamada jurisdição universal, cujo âmbito, porém, é limitado.

Quando eventuais atrocidades não são levadas à Justiça internamente, o TPI é o único órgão jurídico internacional capaz de apresentar acusações. Inaugurado em Haia em 2002, ele é o tribunal mundial permanente para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Sua jurisdição abrange crimes cometidos pelos seus 124 Estados-membros e seus respectivos cidadãos.

Mas muitas das principais potências mundiais não o integram, como China, Estados Unidos, Rússia, Índia e Egito. O TPI reconhece a Palestina como Estado-membro, enquanto Israel rejeita a jurisdição do tribunal e não se envolve formalmente com ele.

Em março de 2023, o TPI expediu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, com base em suspeitas de que o presidente russo seria responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças da Ucrânia. O mandado contribuiu para a redução das viagens de Putin ao exterior.

Ainda que decretado pelos juízes, o mandado de prisão não é um veredito, mas é um sinal de que o TPI leva a sério as acusações contra um indivíduo a ponto de investigá-lo.

De acordo com seu próprio portal de internet, o TPI somente emite mandados de prisão se os juízes julgarem necessário para assegurar que a pessoa vai comparecer ao julgamento. O mandado também pode ser emitido para evitar que o acusado atrapalhe a investigação ou o processo, e que cometa novos crimes.

Todos os 124 países signatários do tribunal são obrigados a prender as pessoas procuradas que entrarem em seus territórios e entregá-las à Corte. Mas nem sempre isso acontece. Em 2015, o então líder sudanês Omar Al-Bashir visitou a África do Sul - país-membro do TPI- sem problemas mesmo com um mandado de prisão pelo tribunal. Em 2024, foi a vez de Putin visitar a Mongólia - outro membro do TPI - sem ser incomodado.

¨      Milhares retornam ao sul do Líbano com início do cessar-fogo

Milhares de habitantes do sul do Líbano desalojados há meses estão voltando para suas casas em meio a celebrações, desde que o cessar-fogo entre Israel e o grupo xiita Hezbollah entrou em vigor, na manhã desta quarta-feira (27/11).

Apesar da advertência das Forças de Defesa Israelenses (IDF) para que os libaneses se mantenham longe das áreas previamente evacuadas, longos engarrafamentos se formaram nas estradas que levam à região. Pedindo paciência à população, o Exército libanês apelou para que se evitem as localidades ao longo da linha de combate e perto da fronteira, até que as tropas israelenses tenham se retirado.

Em postagem em uma rede social, a instituição afirmou que está tomando as "medidas necessárias" para implementar o cessar-fogo, e que cooperará com a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil) para completar a missão. Desde o início do conflito entre Israel e o Hezbollah em seu território, os militares libaneses têm procurado manter-se neutros.

Na terça-feira, disparos de Israel causaram pelo menos 42 mortes no Líbano, segundo autoridades locais. As IDF admitiram ter aberto fogo contra diversos carros que se aproximaram de uma área restrita. A milícia Hezbollah, que conta com apoio do Irã, também lançou mísseis contra Israel, fazendo disparar sirenes antiaéreas no norte do país.

<><> 3.800 mortos no Líbano, 78 em Israel

Seguindo-se a dias dos mais intensos ataques aéreos e choques, o anúncio de cessar-fogo trouxe alívio à nação árabe, sendo um primeiro passo importante para a resolução do conflito regional desencadeado pelos atentados do grupo fundamentalista palestino Hamas em 7 de outubro de 2023.

O cessar-fogo de 60 dias entre Israel e o Hezbollah, iniciado às 04h00 desta quarta-feira (23h00 da terça-feira em Brasília) é resultado de negociações mediadas pelos Estados Unidos e a França, e conta com ambos como fiadores. Os respectivos presidentes, Joe Biden e Emmanuel Macron, se comprometeram a "fiscalizar para que ele seja implementado como um todo e aplicado".

Desde o início das hostilidades entre Israel e o Hezbollah em 8 de outubro de 2023 – dia seguinte aos ataques mortais do Hamas contra Israel, que desencadearam a guerra na Faixa de Gaza –, o saldo no Líbano é de mais de 3.800 mortos e 15,8 mil feridos por ofensivas israelenses.

Cerca de 3.100 dessas mortes ocorreram após 23 de setembro, com o início da campanha de bombardeios em ampla escala por Israel, que atingiu sobretudo comunidades no sul e leste libaneses, bem como o subúrbio muçulmano de Dahieh, no sul de Beirute.

A violência obrigou mais de 1,2 milhão de cidadãos a abandonarem suas casas, dos quais mais da metade migrou para a Síria, segundo o governo libanês. Em Israel, por outro lado, a troca de hostilidades dos últimos 14 meses matou 78, entre os quais 47 civis, e forçou 60 mil a abandonarem seus lares.

<><> Sucesso do cessar-fogo não está assegurado

O atual plano consiste em três etapas: uma trégua inicial, seguida pela retirada das forças do Hezbollah ao norte do rio Litani; a retirada completa das tropas israelenses do sul do Líbano no prazo de 60 dias; e, por fim, negociações entre os dois países para delimitar sua fronteira, que atualmente corresponde numa linha traçada pela ONU após a guerra de 2006.

Na terça-feira, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, informou que seu gabinete de segurança aceitara a proposta de cessar-fogo por dez votos contra um. Pouco depois, falando a partir da Casa Branca, Biden definiu esse resultado como um "novo começo" para o Líbano, "concebido para ser uma pausa permanente das hostilidades".

Macron igualmente saudou o fechamento do acordo no X, definindo-o como "a culminação de esforços empreendidos durante muitos meses com as autoridades israelenses e libanesas, em estreita colaboração com os EUA". Para o primeiro-ministro libanês, Nayib Mikati, a trégua entre Israel e o Hezbollah seria um "passo fundamental" para a estabilidade regional.

No entanto, há dúvidas se o cessar-fogo se manterá. Netanyahu ressalvou que conta com garantias de Washington para manter a "liberdade de ação", caso o Hezbollah viole as regras. Israel está mantendo seus militares no sul do Líbano, e a Força Aérea está pronta a agir, se necessário. O equipamento antiaéreo do país se encontra igualmente de prontidão, alertou o governo israelense.

 

Fonte: Globetrotter/Brasil 247/DW Brasil

 

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