segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Quais os riscos da alta da dívida no Brasil e no mundo?

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou neste mês que a dívida pública global deve ultrapassar US$ 100 trilhões este ano pela primeira vez, atingindo 93% do Produto Interno Bruto Global (PIB), e que o Brasil está entre os países em que o débito deve continuar aumentando.

A DW ouviu especialistas sobre o quão preocupante é o crescimento da dívida pública brasileira em meio a esse cenário de alta global, com reflexos que vão dos juros à inflação. 

O FMI estima que a dívida pública do Brasil como proporção do PIB avance de 83,9%, no fim de 2022, para 94,7% em 2026, ao final do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se esse cenário se materializar, representará uma piora de 10,8 pontos porcentuais para o indicador. O avanço da dívida é alvo de frequentes disputas no governo, especialmente com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vem defendendo a necessidade de reduzir gastos para conter o débito. 

O cenário amplia incertezas com relação à economia brasileira, além de elevar o chamado "risco país", aponta o professor de macroeconomia Ricardo Hammoud, do Ibmec-SP. Neste caso, "há mais dificuldade de financiar a sua dívida e seu déficit”. "Além disso, a dívida também fica mais cara", diz. 

Maior dívida está ligada normalmente a um patamar mais elevado dos juros, algo a que o Banco Central já vem reagindo. Em setembro, a autoridade voltou a subir a taxa Selic, que chegou aos 10,75%, e analistas esperam novos aumentos nas próximas reuniões.  

Nesta semana, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, cobrou um maior ajuste fiscal, e atrelou os cortes a um menor nível dos juros. "O Plano Real foi o primeiro plano que teve um ajuste fiscal antes. Quando a gente olha de lá para cá, todas as vezes em que o Brasil conseguiu diminuir os juros, foram acompanhadas de choques fiscais positivos", disse.   

Por outro lado, Lula defende que o aumento da arrecadação e a queda dos juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento. Além disso, neste ano, o presidente comparou a dívida brasileira com a de Estados Unidos, Itália e Japão, todas acima de 100%, afirmando que "este não é o problema" da economia. 

<><> Processo global?  

As projeções do FMI e os analistas ouvidos concordam que o aumento da dívida pública do Brasil atualmente faz parte de um processo global que envolve múltiplos fatores, inclusive estruturais, como o aumento dos gastos com a previdência diante do envelhecimento da população.  

Entre outros países destacados pelo organismo com avanço de dívidas preocupantes, estão Estados Unidos, França e Itália. Por sua vez, os especialistas apontam fatores que limitam o nível dos débitos brasileiros sem que haja maiores riscos para a economia. 

"Países de renda alta podem dar-se ao luxo de contraírem dívidas como proporção do PIB bem mais altas que nos emergentes, já que há quem compre dívidas públicas mais altas dos mais ricos", explica Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial.  

"A comparação do Brasil com países como Japão e Estados Unidos é incabível, são países que financiam suas dívidas de forma muito mais barata", afirma Hammoud, lembrando que os bancos centrais de ambos chegaram a manter suas taxas de juros próximas de zero em alguns períodos. "Além disso, a confiança nestes países é muito maior. Mesmo com a dívida mais alta, continuam sendo financiados", aponta.  

"Os Estados Unidos têm o dólar, e os europeus têm o euro, que são muito procurados como moedas de reserva, o que o Brasil não tem", afirma. Segundo o especialista, a comparação adequada deve ser feita com outras economias emergentes, como Peru, México e Colômbia, que têm características mais similares.  

"É notável que entre os emergentes a dívida brasileira já é alta, e a preocupação é o ritmo em que isso está acontecendo", aponta Canuto. 

<><> Espaço para mais arrecadação? 

Há ceticismo sobre capacidade do governo de aumentar a arrecadação, algo que tende a ser impopular por normalmente ocorrer por meio do aumento de impostos.  

Hammoud indica que ainda que a proporção que o aumento dos gastos tomou nos últimos dois anos foi muito maior do que o da arrecadação. Ele lembra que o avanço se deu especialmente entre as despesas para manter a máquina do governo funcionando, os chamados gastos primários. 

Na visão de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o chamado arcabouço fiscal proposto pelo governo não vem sendo suficiente para garantir a confiança nas contas públicas do país, já que o projeto dependia muito de aumento na arrecadação, sem um ajuste na estrutura de gastos.  

Além disso, ele lembra que a administração não conseguiu que novos recursos fossem aprovados no Congresso, e que "é difícil imaginar" que logre isso após dois anos de mandato, em um momento em que a popularidade está mais desgastada que no começo da gestão.  

A desconfiança com o equilíbrio das contas públicas brasileiras é uma das grandes razões por trás da desvalorização do real neste ano. Apesar de fatores externos que impulsionaram o dólar no exterior, analistas apontam que até 80% da perda de valor do ativo brasileiro atualmente está ligado a desdobramentos no país.  

"Parte do câmbio atual está ligado ao lado fiscal, o dólar estaria mais baixo não fosse isso", aponta Vale. Um dos desdobramentos da moeda mais desvalorizada é uma maior inflação, que deve ficar acima da meta do Banco Central em 2024, segundo as estimativas do mercado financeiro.  

<><> "Trajetória explosiva da dívida"  

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, disse que a dívida crescente torna o quadro da economia mundial "mais preocupante". A dirigente afirmou que o espaço fiscal continua diminuindo, e as escolhas de gastos se tornaram "mais difíceis". "Escolas ou clima? Conectividade digital ou estradas e pontes?", sugeriu. 

Na visão de Canuto, o FMI foi enfático na "trajetória explosiva da dívida". Entre as principais repercussões, ele acredita que há a chance de o cenário levar a uma elevação dos prêmios de risco pelo mundo, e juros mais altos, o que impactaria em taxas mais altas também no Brasil. 

Entre os fatores que devem impulsionar uma alta de gastos nos próximos anos, ele destaca transição energética, corrida armamentista e políticas populistas. No último caso, Canuto lembra que as dúvidas econômicas nos Estados Unidos atualmente com relação às eleições presidenciais são sobre qual programa de governo trará maior aumento para dívida do país. 

Outro fator é o aumento dos gastos com previdência, enquanto há redução da população economicamente ativa. Citando exemplos de países nórdicos a asiáticos, Canuto lembra que "as políticas que até agora tentaram reverter as taxas de natalidades têm falhado" ao redor do mundo. 

Vale observa riscos semelhantes, e compara com o período de altas dívidas públicas que seguiu a Segunda Guerra Mundial, o que costuma ser citado por aqueles que não creem em grandes riscos de uma alta do nível da dívida. "O momento atual é diferente, naquela época era possível ter maior crescimento econômico", avalia.  

Em sua visão, o que poderia amenizar o quadro é um aumento da produtividade, o que pode ser impulsionado por novos desdobramentos tecnológicos, como os oferecidos pela inteligência artificial. 

A depender do vencedor do Nobel de Economia neste ano, há razões para ter cautela com os ganhos trazidos pelas novas ferramentas. Em um estudo publicado em maio, Damer Acemoglu estimou em modestos 0,53% os ganhos de produtividade gerais da economia ao final de dez anos advindos da aplicação da inteligência artificial em diversos setores. 

 

¨      UE prioriza reforma econômica após vitória de Trump

Os líderes da União Europeia (UE) prometeram dar novo impulso à economia e à competitividade do bloco europeu, ao término da cúpula que reuniu os chefes de governo dos 27 Estados-membros do bloco na Hungria.

A cúpula em Budapeste foi organizada pelo governo do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, que ocupa a Presidência rotativa Conselho da UE.

O ultradireitista, um dos principais aliados do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a afirmar em coletiva de imprensa que acreditava que o objetivo comum dos líderes reunidos em Budapeste era "tornar a Europa grande novamente", tomando emprestado o slogan de campanha de seu colega americano.

De fato, o espectro da futura presidência de Trump pairou sobre a cúpula, onde os líderes discutiram como o bloco deverá se posicionar politicamente em relação ao próximo governo em Washington, e como a economia europeia pode competir com os EUA.

Orban disse que as medidas estabelecidas na declaração de Budapeste, elaborada ao final da cúpula, incluíam ações urgentes para reduzir os altos preços da energia em todo o bloco.

<><> Apoio à Ucrânia

O húngaro disse aos colegas europeus nesta sexta-feira (08/01) que a reeleição de Trump mudará o jogo em relação à guerra na Ucrânia e pediu à UE que "passe da guerra para a paz".

Não está claro até o momento quais mudanças Washington poderá impor no que diz respeito ao apoio americano à Ucrânia que teriam potencial para mudar o curso da guerra, seja em prol de Kiev ou de Moscou.

O presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, emitiram uma declaração conjunta em Budapeste reafirmando sua "determinação em fornecer apoio inabalável à Ucrânia e ao povo ucraniano". Eles reiteraram sua determinação em repelir a agressão da Rússia.

<><> UE "preparada" para lidar com EUA

O chanceler federal alemão, Olaf Scholz – cujo governo corre sério risco de não durar até o final do ano em razão da crise gerada pelo rompimento com uma das siglas da coalizão governista – reafirmou sua disposição de trabalhar com Trump.

Ele, porém, enfatizou que a Europa também deve cuidar de sua própria defesa. "Devemos trabalhar juntos como União Europeia, como europeus, para fazer o que for necessário para nossa própria segurança", disse. "Seremos bem-sucedidos se todos fizerem sua parte", acrescentou.

Scholz avalia que a UE está preparada para enfrentar potenciais tarifas impostas por Trump e seus efeitos na economia do bloco. "Não acho que devemos especular muito sobre essa questão com os EUA. A UE tem competência para fazer o que for necessário. Mas, todos nós devemos claramente buscar negociações", afirmou.

<><> Reformas econômicas

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse nesta sexta-feira que o bloco precisa se apressar para implementar um pacote de reformas econômicas, o que se torna ainda mais urgente após a reeleição de Trump.

As autoridades europeias estão em alerta sobre possíveis implicações para a economia da UE se o republicano cumprir suas ameaças e aplicar tarifas mais altas.

Os líderes da UE prometeram adotar as mudanças recomendadas em um relatório apresentado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi. O italiano foi encarregado no ano passado de preparar o relatório econômico que Von der Leyen deverá usar para orientar seus próximos cinco anos no cargo.

Nesta sexta-feira, Draghi discutiu o relatório com líderes da UE pela primeira vez desde sua publicação, em setembro. Bruxelas espera que as conversas em Budapeste levem eventualmente a medidas concretas para reformar a economia.

"As recomendações neste relatório já são urgentes, dada a situação econômica em que estamos hoje. Elas se tornaram ainda mais urgentes após as eleições nos EUA", disse Draghi.

<><> Correndo atrás dos EUA

O documento alerta sobre o fracasso da Europa em acompanhar os Estados Unidos, destacando a baixa produtividade e a desaceleração econômica da UE. "O que aumentou foi a urgência em cumprir os tópicos que estão neste relatório", disse Von der Leyen, prometendo avançar na implementação das reformas necessárias.

"Draghi fez um apelo claro para um renascimento europeu. A Europa precisa de modernização fundamental para permanecer competitiva", disse Scholz.

Mas, com a Alemanha atolada em uma turbulência política, os interesses nacionais divergentes e os desacordos sobre como enfrentar os desafios, não há garantias de que a UE será capaz de se mexer.

Draghi, inclusive, já havia alertado para a perspectiva de uma "lenta agonia" do declínio do bloco.

<><> "Necessidade de ação decisiva"

O grande destaque do relatório de Draghi é a proposta para que a Europa invista até 800 bilhões de euros (R$ 4,9 trilhões) a mais por ano para melhorar a produção econômica e evitar ficar ainda mais para trás em relação aos EUA.

De maneira controversa, Draghi defendeu uma mudança na política de concorrência da UE, de modo a encorajar grandes gastos.

Em uma declaração formal, os líderes enfatizaram "a necessidade urgente de ação decisiva" e apoiaram as propostas de Draghi, embora tenham permanecido vagos em alguns pontos. Eles concordaram em "mobilizar financiamento público e privado", acrescentando que explorariam "todos os instrumentos para corresponder às metas", sem, no entanto, fornecer maiores detalhes.

A Alemanha e outros países do norte da Europa rejeitam veementemente assumir uma dívida conjunta para financiar investimentos, apesar do sucesso do plano de 800 bilhões de euros para a recuperação econômica pós-pandemia na UE.

Aumentar a capacidade de investimento da Europa poderia envolver mais financiamento público por meio do próprio orçamento da UE ou ao recorrer ao próprio credor do bloco, o Banco Europeu de Investimentos. Mas, levantar mais dinheiro é ainda difícil, com muitos países na UE lutando para controlar suas dívidas e déficits que aumentaram exponencialmente durante a pandemia.

 

¨      Vitória de Trump pode ser gatilho de guerra comercial global?

Donald Trump prometeu ao longo de sua campanha que taxaria todas as mercadorias importadas pelos Estados Unidos se voltasse à Casa Branca. Após sua vitória, empresas e economistas do mundo todo estão afoitos para descobrir até que ponto ele está falando sério.

Trump vê as tarifas como uma forma de fazer a economia dos Estados Unidos crescer, proteger empregos e aumentar a receita tributária.

No passado, ele impôs tarifas a países específicos, como a China, ou a determinadas indústrias, por exemplo, de aço.

Mas a promessa da campanha eleitoral de Trump de impor tarifas de 10% a 20% sobre todos os produtos estrangeiros pode afetar os preços no mundo todo.

No mês passado, ele pareceu destacar a Europa.

"A União Europeia parece tão bacana, tão adorável, né? Todos os pequenos países europeus bacanas reunidos... Eles não querem nossos carros. Eles não querem nossos produtos agrícolas", afirmou.

"Eles vendem milhões e milhões de carros nos Estados Unidos. Não, não, não, eles vão ter que pagar um preço alto."

As ações da BMW, Mercedes e Volkswagen caíram entre 5% e 7% após a confirmação da vitória de Trump. Os EUA são o maior mercado de exportação para as montadoras alemãs.

Durante a campanha, Trump afirmou que as tarifas eram a resposta para uma série de questões, incluindo a contenção da China e a prevenção da imigração ilegal.

"Tarifa é a palavra mais bonita do dicionário", ele disse. É uma arma que ele claramente pretende usar.

Embora grande parte desta retórica e conduta tenha como alvo a China, ela não para por aí.

Algumas jurisdições, como a União Europeia, já estão elaborando listas de ações de retaliação preventivas contra os Estados Unidos, depois que os ministros não levaram suficientemente a sério as ameaças anteriores de Trump relacionadas a tarifas, que ele impôs posteriormente.

Os ministros das Finanças do G7, grupo formado por sete dos países mais ricos do mundo, disseram na semana passada que tentariam lembrar aos Estados Unidos liderados por Trump a necessidade de ter aliados na economia mundial porque "a ideia não é iniciar uma guerra comercial".

No entanto, se "um poder amplo e muito forte for usado", a Europa vai considerar rapidamente sua resposta.

No passado, a União Europeia impôs tarifas sobre produtos americanos icônicos, como motocicletas Harley Davidson, uísque Bourbon e jeans Levi's, em resposta aos impostos dos EUA sobre aço e alumínio.

Um representante de um importante Banco Central da zona do euro disse que as tarifas dos EUA, por si só, "não seriam inflacionárias na Europa, mas isso depende de qual vai ser a reação da Europa".

No mês passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) disse que uma grande guerra comercial poderia afetar a economia mundial em 7%, o equivalente ao tamanho das economias francesa e alemã juntas.

Há questões importantes para o governo britânico sobre onde exatamente o Reino Unido pós-Brexit (saída da União Europeia) deve se posicionar em uma plausível — se não certa — guerra comercial transatlântica.

Até o momento, o movimento do Reino Unido tem sido de se aproximar do bloco europeu, inclusive no que se refere a padrões alimentares e agrícolas. Isso dificultaria muito um acordo comercial fechado com os EUA.

O governo Biden não estava interessado em um acordo desse tipo. O principal negociador comercial de Trump, Bob Lighthizer, ainda muito influente, chegou a dizer que a suposição de que o Reino Unido permaneceria próximo à União Europeia para ajudar suas próprias empresas o impediu de buscar um acordo.

"Eles são um parceiro comercial muito maior para vocês do que nós", ele me disse em uma entrevista.

O Reino Unido poderia tentar se manter neutro, mas teria dificuldades para evitar o fogo cruzado, especialmente no que diz respeito ao comércio de produtos farmacêuticos e de automóveis.

A retórica do governo do Reino Unido sugere que ele poderia tentar ser um pacificador nas guerras comerciais globais, mas será que alguém o ouviria?

Os britânicos poderiam escolher um lado, tentando ficar isentos das tarifas mais gerais de Trump.

Os diplomatas foram encorajados por conselheiros econômicos mais pragmáticos em relação ao presidente eleito, que sugeriram que aliados amistosos poderiam conseguir um acordo melhor.

Ou será que o mundo se beneficiaria mais se o Reino Unido unisse forças com a União Europeia para evitar a aplicação de tais tarifas comerciais?

Longe dos EUA, que tal servir de exemplo para o resto do mundo?

Se a maior economia do mundo está recorrendo ao protecionismo em massa, será difícil persuadir muitas economias menores a não fazerem o mesmo.

Tudo isso está em aberto. As advertências de Trump podem ser levadas a sério. Nada é certo, mas é assim que as guerras comerciais podem começar.

 

Fonte: DW Brasil/BBC News


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