sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Por que conflito entre Israel e Hezbollah não vai ser suspenso em Gaza?

O governo de Israel anunciou um cessar-fogo no conflito contra o Hezbollah no Líbano.

O país está travando uma guerra em duas frentes na região desde 7 de outubro do ano passado, incluindo um confronto contra o Hamas em Gaza.

A escalada contínua dos conflitos levou políticos e analistas do mundo todo a manifestar o temor de que o Oriente Médio entrasse em uma guerra total.

Perguntamos aos correspondentes da BBC que cobrem a região por que razão foi declarado um cessar-fogo no Líbano, mas ainda não em Gaza — e como chegamos até aqui.

Há diferenças marcantes na forma como Israel abordou seus dois principais adversários regionais — o Hamas, em Gaza, e o Hezbollah, no Líbano.

Enquanto Gaza faz parte de uma entidade atualmente sob ocupação israelense, o Líbano é um Estado soberano — embora tenha sido ocupado por Israel até que a resistência sustentada pelo Hezbollah e outros grupos forçou sua retirada.

Apesar de seu enorme poderio militar e de sua supremacia aérea, Israel tem sofrido com sua operação terrestre no Líbano.

Depois de quase dois meses, não conseguiu garantir o controle das cidades do sul, nem conseguiu neutralizar a capacidade de lançamento de foguetes do Hezbollah em direção ao norte.

O Hezbollah também conseguiu aprofundar seus ataques no território de Israel, interferindo no dia a dia das principais cidades.

Isso acontece em um momento em que o Exército israelense está sofrendo um número cada vez maior de baixas no sul do Líbano.

Israel também não conseguiu criar condições para o retorno dos moradores desalojados ao norte do país. Isso pode ter sido uma questão importante para convencer o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a concordar com um cessar-fogo com o Hezbollah.

Soma-se a isso o esgotamento do Exército israelense e os efeitos políticos e econômicos de ter que convocar cada vez mais reservistas para o conflito.

Leila Nicolas, autora do livro Global and Regional Strategies in the Middle East ("Estratégias Globais e Regionais no Oriente Médio", em tradução livre), também observa que "os israelenses não têm um plano claro para o 'dia seguinte' [ao fim da guerra] em Gaza".

Segundo ela, isso é algo que pode ser deixado para depois que Donald Trump tomar posse como presidente dos EUA, em janeiro.

Em contrapartida, já existe uma estrutura clara para o acordo no Líbano, que é a base sobre a qual os termos do cessar-fogo foram negociados.

Ele se baseia na Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, que encerrou a guerra entre Israel e o Hezbollah em 2006.

Muitos aspectos do acordo permanecem obscuros ou ambíguos. Isso indica que ambos os lados tiveram que rever seus objetivos iniciais para que o acordo funcionasse.

Israel não foi capaz de eliminar totalmente a ameaça do Hezbollah e garantir, por meios militares, o retorno seguro de seus cidadãos ao norte de Israel.

O Hezbollah, abalado pelos vários golpes em sua liderança, instituições e comando militar, também parece ter abandonado sua condição original de não interromper os ataques às posições israelenses antes do fim da guerra em Gaza.

"Também está claro que o Irã [um apoiador financeiro e ideológico do Hezbollah] não gostaria que o Hezbollah fosse arrastado para uma longa guerra de atrito [também conhecida como guerra de exaustão] que vai esgotá-lo ainda mais", acrescenta Nicolas.

·        Adnan El-Bursh, correspondente da BBC News Arabic em Gaza

Algumas pessoas em Gaza se referiram ao acordo como uma decisão do Hezbollah de abandonar a estratégia de "unidade das frentes".

Este é o conceito adotado pelo Hezbollah e pelo Hamas no início da guerra com Israel para coordenar as operações entre os membros do chamado "eixo de resistência", que inclui outros grupos em Gaza, os houthis no Iêmen e outros grupos menores no Iraque.

A principal diferença que explica a existência do acordo de cessar-fogo no Líbano e a falta de um em Gaza é que o Hezbollah deixou as negociações nas mãos do governo libanês, enquanto o Hamas está liderando as negociações em Gaza e se recusa a ser representado pela Autoridade Palestina em Ramallah.

As divisões entre os palestinos e a falta de um Estado unificado e oficialmente reconhecido que gerencie as negociações com Israel têm desempenhado um papel importante na falta de um acordo de cessar-fogo em Gaza.

Alguns especialistas também dizem que há um vazio na liderança do Hamas, após o assassinato de figuras importantes da organização por Israel. Isso significa que o Hamas não está agora em posição de negociar de forma eficaz um cessar-fogo.

As dificuldades de comunicação entre os líderes do Hamas dentro e fora de Gaza tornam tudo ainda mais desafiador.

Fathi Sabah, escritor e analista político de Gaza, disse à BBC que "Israel considera a guerra em Gaza sua principal batalha, dado o fato que o Hamas iniciou o conflito, e não o Hezbollah. Atacar o Hezbollah no Líbano foi uma oportunidade que se apresentou a Israel quando Israel sentiu que havia destruído as capacidades do Hamas em Gaza".

Sabah também acredita que a dimensão do combate contra o Hezbollah — que tem mais recursos e representa uma ameaça maior do que o Hamas — foi um fator que Israel levou em consideração ao negociar um cessar-fogo.

"Os foguetes do Hezbollah atingiram cidades como Tel Aviv e Haifa, e tiveram um impacto doloroso em Israel e nas milhares de pessoas que foram desalojadas do norte", afirmou Sabah à BBC.

Ele também acredita que Israel foi influenciado pelas atitudes de países aliados, como os EUA e a França, que estavam cada vez mais desconfortáveis com o que descreveram como "agressão israelense" a Beirute.

·        Muhannad Tutunji, repórter da BBC News Arabic em Jerusalém

Vários fatores levaram Israel e o Líbano a chegarem a um acordo neste momento, especialmente dadas as distintas realidades políticas e militares do Líbano e de Gaza.

No Líbano, o Hezbollah — que luta contra Israel — faz parte de uma cena política mais ampla, representando apenas um dos muitos grupos sectários e políticos do país.

Alguns analistas dizem que nem todos os cidadãos libaneses compartilham a perspectiva do Hezbollah sobre o conflito com Israel.

A situação em Gaza, no entanto, é bem diferente. Lá, a força política e militar que governa é o Hamas, apoiado por algumas outras facções com posições semelhantes anti-Israel.

Para os israelenses, a guerra no Líbano também é diferente da guerra em Gaza.

A operação militar no Líbano tem como objetivo eliminar qualquer ameaça militar aos moradores do norte de Israel e busca restaurar sua segurança na região.

Em Gaza, Israel declarou sua intenção de erradicar completamente o Hamas, uma meta que ainda não foi totalmente alcançada. Israel também pretende recuperar os 101 reféns que ainda são mantidos em Gaza, o que afetaria qualquer negociação de cessar-fogo.

O ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, Yaakov Amidror, disse à BBC que muitos libaneses temem que o conflito possa se espalhar para outras partes do Líbano.

Isso, segundo ele, poderia levar a uma destruição semelhante à observada nos subúrbios do sul de Beirute.

Ele também destacou a decisão estratégica de Israel de separar sua abordagem em relação ao Líbano do conflito em Gaza. Para Israel, isso é crucial, pois permite que o país se concentre em erradicar completamente o Hamas em Gaza, ele explica.

Amidror enfatizou que o verdadeiro teste do cessar-fogo não estava no acordo em si, mas em sua implementação — e questionou como Israel reagiria se o Hezbollah violasse o cessar-fogo.

 

¨      Trégua de Israel no Líbano não é boa notícia para Gaza. Por Jonah Valdez

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, anunciou na terça-feira à noite, em um pronunciamento televisionado, seu apoio a um acordo de cessar-fogo para interromper o combate de Israel no Líbano, transmitindo uma mensagem de vitória para seu público israelense. Ele falou sobre um Hezbollah diminuído pela campanha de Israel.

“Esse não é o mesmo Hezbollah — estamos há décadas oferecendo resistência”, disse Netanyahu, durante seu pronunciamento. “O Líbano não é o mesmo.” 

Joe Biden, presidente dos EUA, se manifestou a favor do cessar-fogo no mesmo dia, um pouco mais tarde, e acrescentou que seu governo usaria o impulso do acordo de terça-feira entre Israel e o Hezbollah para avançar em um acordo de cessar-fogo em Gaza. Biden também culpou o Hamas pelo fracasso das negociações de paz em Gaza até agora, alegando que o grupo não teria negociado de boa fé, apesar das apurações em sentido contrário.

Mas o próprio discurso de Netanyahu aparentemente prejudicou o argumento de Biden. Ao defender o cessar-fogo para o público israelense, Netanyahu, que é procurado pelo Tribunal Penal Internacional por possíveis crimes de guerra, enfatizou que o fechamento da frente norte de sua guerra permitiria que os militares de Israel se reagrupassem, e daria ao país a oportunidade de se concentrar em outros inimigos: o Irã e o Hamas. Ele também enfatizou que Israel “manteria completa liberdade de ação militar”, e acrescentou que “caso o Hezbollah viole o acordo ou tente se rearmar, atacaremos decisivamente”.

Logo de saída, são raros os indícios de que o governo Netanyahu esteja interessado em algum tipo de paz duradoura no Líbano e em Gaza. 

Israel intensificou sua campanha de bombardeio contra o Líbano nos últimos dias, inclusive durante e após o anúncio do futuro cessar-fogo. Um dia antes do anúncio da trégua, ataques israelenses mataram pelo menos sete palestinos na Cidade de Gaza. Nos últimos dias, surgiram notícias de que as Forças de Defesa Israelenses estariam usando drones atiradores para atacar e matar civis. E como o fluxo de ajuda humanitária para Gaza foi sufocado por Israel, os especialistas alertam sobre “uma forte possibilidade de fome” nas áreas do norte de Gaza.

“O consenso no momento é que não há um acordo de cessar-fogo porque Netanyahu não quer um acordo de reféns — ele não quis porque pretende manter sua coligação unida, e a extrema direita quer reocupar Gaza“, diz Mairav Zonszein, analista sênior da organização International Crisis Group (Grupo de Crises Internacionais) com foco em Israel e Palestina. “Você não pode sair de Gaza se pretende construir assentamentos lá.” 

Ela conta que os israelenses estão questionando por que Netanyahu resolveu fechar um acordo com o Hezbollah, em vez de priorizar um cessar-fogo em Gaza, onde permanecem mais de 100 reféns israelenses. Moradores do norte de Israel também criticaram o acordo de terça-feira, dizendo que a campanha de Israel no Líbano não melhorou sua sensação de segurança perto da fronteira. Embora os ataques do Hezbollah tenham matado 45 cidadãos israelenses no norte de Israel e nas colinas de Golã ocupadas, as perdas para o Líbano têm sido espantosas.

Desde que Israel começou sua campanha no Líbano, em setembro, os ataques israelenses já mataram mais de 3.800 libaneses e feriram mais de 15.000, muitos deles, civis. Mais de um milhão de pessoas foram desalojadas no Líbano, incluindo mais de 500 mil refugiados sírios. Os militares israelenses destruíram vilarejos inteiros no sul do país. O custo da reconstrução está estimado em mais de 8 bilhões de dólares (46,5 bilhões de reais). 

“Embora um cessar-fogo seja bem-vindo, e eu tenha implorado por ele desde o primeiro dia, e esteja aliviado porque ele está vindo, fica mais do que um gosto amargo na boca porque esse suposto acordo de cessar-fogo é basicamente um retorno ao status quo antes de toda essa operação”, diz Drew Mikhael, especialista em deslocamento e resolução de conflitos no Instituto Tahrir de Políticas do Oriente Médio.

“Aproximadamente 3 mil mortes conhecidas, famílias exterminadas de que nunca teremos notícia porque foram mortas no contexto do assassinato de Nasrallah, 1,5 milhão de pessoas desalojadas — tudo isso por quê?”, pergunta Mikhael. Israel “decidiu praticar crimes de guerra em seu vizinho unilateralmente, sem nenhum ganho estratégico aparente”, diz. 

Pelo acordo de terça-feira, o combate deveria cessar às 4h da manhã, hora local, na quarta-feira. Ao longo de um período de 60 dias, Israel deve retirar seus soldados do Líbano, enquanto o governo libanês assume o controle do sul do Líbano para restaurar uma zona tampão de segurança entre o Líbano e Israel. 

Essa zona existia, antes do conflito recente, como resultado de um acordo que entrou em vigor em 2006. Por esse acordo, a área era supervisionada pelas forças de paz da ONU, que Israel bombardeou reiteradamente durante o conflito em curso. Também como parte do acordo, o Hezbollah, o partido político e grupo militar xiita, está proibido de reconstruir sua capacidade militar ou se reafirmar no sul do país. 

Embora Biden afirme que o acordo deveria representar “uma interrupção permanente das hostilidades”, ele sustenta que “Israel tem o direito de se defender” caso suspeite que o Hezbollah está violando o acordo. Netanyahu assegurou que ainda lançará ataques no Líbano se isso acontecer. 

Zonszein considera que a trégua não significa que Israel esteja interessado na paz. Ela diz que o apoio contínuo dos EUA dá a Israel a capacidade unilateral de se mover livremente pelo Líbano, por terra, mar e ar. Manter a ameaça de violência contra o Líbano, e, como Netanyahu mencionou em sua fala, contra o Irã, é fundamental para a estratégia israelense, explica ela.

“Israel quer ser esse monstro furioso, é a percepção que busca, porque perdeu toda essa dissuasão e potência em 7 de outubro”, pondera Zonszein. “Então isso faz parte do que [Israel] quer vender: quer que as pessoas achem que o país é louco e meio desumano, que vai atacá-las, porque isso projeta poder.” 

Mikhael concorda. Netanyahu “precisa criar ilhas de insegurança ao seu redor”, diz, “ele só tem violência, insegurança e ansiedade para oferecer ao povo israelense”. 

Momento após o anúncio do acordo por Biden, caças israelenses atacaram Beirute mais uma vez. A campanha de bombardeio continuou nas horas que antecederam o cessar-fogo prometido.

¨      Itamaraty celebra cessar-fogo no Líbano, mas apela por extensão do acordo à Faixa de Gaza

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou uma nota nesta quarta-feira (27) na qual disse ter ficado satisfeito com o anúncio do cessar-fogo no Líbano, encorajando as partes a cumprirem a Resolução 1701 (2006) do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

"O Brasil exorta as partes envolvidas a respeitarem os termos do acordo e a garantirem a cessação permanente das hostilidades e o retorno dos deslocados internos a suas residências", diz o Itamaraty em nota.

A pasta pede ainda que seja reforçado o compromisso com a soberania e a integridade territorial do Líbano e o respeito da fronteira delimitada ao longo da Linha Azul, "que separa o Líbano de Israel e das Colinas de Golã".

O ministério, no entanto, reitera a necessidade de estabelecer um acordo de cessar-fogo imediato, permanente e abrangente na Faixa de Gaza "que permita a entrada desimpedida de ajuda humanitária e a libertação de todos os reféns".

Entre 5 de outubro e 27 de novembro foram realizados 13 voos de repatriação pela Força Aérea Brasileira (FAB) no âmbito da operação Raízes do Cedro, trazendo 2.662 pessoas, entre nacionais brasileiros e seus parentes próximos. "A maior operação de repatriação em voos da FAB", destaca a nota do MRE

 

Fonte: BBC News Mundo/The Intercept/Sputnik Brasil

 

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