Por que celebridades estão glamurizando
cigarro de novo
Brat, nome do álbum
mais recente da cantora Charli XCX, foi eleita palavra do ano pelo dicionário
britânico Collins. O termo é usado para definir alguém com "atitude
confiante, independente e hedonista". E, segundo a artista, ser brat pode
significar ter "um maço de cigarros e um isqueiro Bic".
Não foi à toa que a
cantora espanhola Rosalía presenteou Charli XCX com um buquê de cigarros no
aniversário dela; que a cantora americana Addison Rae fumou não apenas um, mas
dois cigarros ao mesmo tempo no clipe de Aquamarine; e que o ator Paul Mescal declarou
que se recusou a parar de fumar quando estava entrando em forma para o filme
Gladiador 2.
Os riscos do tabagismo
são bem conhecidos — e a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que o
cigarro causa mais de 8 milhões de mortes por ano no mundo.
No Brasil, o Instituto
Nacional de Câncer (Inca) estima que 477 brasileiros morram todos os dias por
causa do tabagismo. Por ano, 145 mil mortes relacionadas ao cigarro poderiam
ser evitadas no país.
A médica Misra-Sharp
adverte que mesmo em pequenas quantidades, fumar aumenta o risco de doenças
graves, como câncer de pulmão, que tem uma taxa de mortalidade de 90% em cinco
anos.
Apesar disso,
cantores, atores e influenciadores parecem estar colocando o tabagismo em voga
novamente — com o cigarro de volta, literalmente, às passarelas da Semana de
Moda de Nova York, no início deste ano, como acessório.
Mas, afinal, por que o
cigarro está sendo glamourizado de novo?
Lucy, uma estudante
universitária de 20 anos, conta que começou a fumar recentemente porque "é
o que todo mundo faz".
Quase todos os seus
amigos também fumam, e ela diz que é mais do que um hábito, é uma estética.
"Definitivamente,
acho que o fato de todo mundo tentar ser brat influenciou as pessoas a
começarem a fumar, porque a própria Charli diz que você precisa ter um maço de
cigarros se realmente quiser incorporar essa vibe."
• Os 'cigfluencers'
Charli XCX não é a
única celebridade a se tornar, inadvertidamente, uma chamada
"cigfluencer" (influenciadora de cigarros).
Agora existem contas
no Instagram que compartilham fotos de centenas de celebridades como Dua Lipa,
Chappell Roan e Anya Taylor-Joy fumando.
A imagem estereotipada
do fumante pode ter sido a de um homem velho, acima do peso e com dentes
podres, mas agora foi substituída pela de celebridades jovens e glamourosas que
posam com ar misterioso para as câmeras com um Marlboro Gold na mão.
A estética destas
celebridades fumantes faz lembrar os anos 2000, quando nomes como Kate Moss e
Jennifer Aniston usavam jeans de cintura baixa e camisetas baby look com um
cigarro na boca.
A jornalista Olivia
Petter afirma que o cigarro se tornou um símbolo que representa a nossa
nostalgia em relação a uma era passada de despreocupação, frivolidade e
hedonismo — e que está voltando à cultura pop.
O thriller sedutor e
escandaloso da diretora Emerald Fennell, Saltburn, encapsulou perfeitamente os
meados dos anos 2000 — e nos lembrou de uma época em que era permitido fumar em
ambientes fechados.
Não só havia fotos
promocionais do filme em que o personagem de Jacob Elordi aparece fumando sem
camisa, como fumar era uma parte tão importante da produção que o ator Archie
Madekwe (que interpreta Farleigh) solicitou aulas, porque nunca havia fumado antes.
De acordo com a Truth
Initiative, uma organização de saúde contra o tabagismo sem fins lucrativos,
nove dos 10 filmes indicados ao prêmio principal do Oscar, no início deste ano,
apresentavam cenas com cigarro — o que representa um aumento em relação aos
sete do ano anterior.
Algumas das músicas de
maior sucesso de 2024 também fazem alusão ao tabagismo — Die With A Smile, de
Bruno Mars e Lady Gaga, mostra a artista fumando enquanto toca piano e canta.
Jessica, uma jovem de
26 anos que trabalha com marketing, diz que fumar "voltou a ser
normalizado".
"Há alguns anos,
eu não conhecia ninguém que fumasse, mas agora parece que todo mundo está
fumando, e você meio que esquece como isso faz mal para você."
Uma estimativa recente
da organização Cancer Research sugere que cerca de 350 jovens ainda fumam todos
os dias no Reino Unido, e quase um em cada 10 jovens de 15 anos afirma que, às
vezes, fuma.
Mas, no geral, o
número de jovens que fumam está diminuindo — estimativas oficiais mostram que
menos de um em cada 10 jovens adultos no Reino Unido fuma cigarro – uma queda
acentuada em relação a um quarto dos jovens entre 18 e 24 anos, há 12 anos.
• 'Eca, eu odeio vape'
Embora o número de
jovens que fumam esteja em declínio, a popularidade do vapes aumentou muito— um
em cada sete jovens de 18 a 24 anos que nunca fumaram regularmente agora usa
cigarros eletrônicos.
Jessica costumava usar
vape, mas diz que "agora todo mundo faz isso, não é mais cool" — ao
que parece, a banalização do cigarro eletrônico está fazendo com que algumas
pessoas mudem para o cigarro.
Em um vídeo recente
postado no TikTok, a cantora Addison Rae respondeu a uma pergunta sobre vape
dizendo: "Eca, eu odeio vape. Fume um cigarro!"
O médico James Hook,
baseado nos EUA, disse à BBC que viu casos de jovens que começaram a fumar
depois de usar vape.
Ele acredita que a
forma como o tabagismo é glamourizado pelas celebridades significa que os
cigarros "dão aos jovens uma certa credibilidade pela qual os mais velhos
não precisam se esforçar tanto".
Ele acrescenta que
muitos deles estão "imitando pessoas mais velhas que são consideradas
sofisticadas, modernas ou atraentes".
Hook também afirma que
o fato de as autoridades britânicas estarem adotando uma postura mais rígida em
relação ao tabagismo pode estar incentivando as pessoas a se rebelarem.
"Sempre haverá
indivíduos que vão desafiar o status quo, então não deveria ser nenhuma
surpresa que a proibição de algo só coloque mais lenha na fogueira da rebelião
e represente uma ameaça ao senso de independência de alguém."
O governo do Reino
Unido está planejando uma das leis mais rígidas do mundo contra o tabagismo,
que acabaria proibindo a venda de cigarros no país, já que a nova legislação
prevê aumentar efetivamente a idade mínima para a compra de cigarro em um ano a
cada ano.
Com a intenção do
governo de erradicar este hábito mortal, o ressurgimento do cigarro — e dos
cigfluencers — pode ser mais uma tendência passageira do que uma mudança
cultural duradoura, especialmente porque seu apelo tem menos a ver com o ato em
si, e mais com a estética e o simbolismo que ele representa.
Fonte: BBC News
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