sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Política do Brasil de subsidiar óleo e gás pode elevar emissões em 20% até 2050

Se o patamar atual de incentivos do governo federal aos combustíveis fósseis continuar, o Brasil caminha para aumentar suas emissões de carbono pelo setor da energia em mais de 20% até 2050, em comparação com o ano de 2022. O valor repassado em subsídios à produção de petróleo e gás natural, que agravam as mudanças climáticas, cresceu 15% entre 2022 e 2023. Na prática, isso representa uma ameaça à transição energética do país e ao cumprimento das metas nacionais definidas no Acordo de Paris, assinado há quase uma década.

Esse cenário futuro foi previsto por dois estudos divulgados na última semana. Em um deles, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) calculou que os subsídios do governo à produção de combustíveis fósseis saltaram de R$ 36,3 bilhões em 2022 para R$ 41,9 bilhões em 2023. Em outro, o Observatório do Clima estimou o impacto que a continuidade desses subsídios pode ter nas emissões de gases de efeito estufa.

Uma terceira análise, da organização Oil Change International, aponta ainda que o Brasil planeja expandir a produção de petróleo e gás em 36% até 2035.

De acordo com o Inesc, nem mesmo a redução de subsídios para o consumo de fósseis, que tiveram uma queda de 12% entre 2022 e 2023, passando de R$ 45,7 bilhões para R$ 39,8 bilhões, pode ser lida como uma postura avessa aos combustíveis fósseis pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A explicação para essa redução é a retomada da cobrança de impostos como Cide e PIS/Cofins sobre a gasolina, que havia sido suspensa pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) até 31 de dezembro de 2022.

“Se a diminuição de subsídios ao consumo de combustíveis fósseis fosse uma preocupação com as mudanças climáticas e uma vontade política do governo Lula, isso também teria sido visto na produção, e não foi o que aconteceu. O aumento dos subsídios à produção nacional de petróleo e gás natural compromete as metas das quais o Brasil é signatário nos espaços internacionais e o avanço da transição energética, que é freada pelo aumento da oferta das fontes fósseis”, afirma Cássio Cardoso, um dos autores do estudo e mestre em energia pela Universidade Federal do ABC (UFABC).

Um dos principais incentivos à produção de combustíveis fósseis no Brasil é o Repetro, regime especial que isenta o imposto de importação de equipamentos para pesquisa e lavra de petróleo e gás natural. Segundo dados da Receita Federal compilados pelo Inesc, as renúncias fiscais associadas ao Repetro cresceram 52,45% entre 2022 e 2023: passaram de R$ 12 bilhões para R$ 18,5 bilhões. Na prática, o Estado brasileiro abdicou da arrecadação desse montante para estimular a atividade de petroleiras no país.

Os subsídios à produção de energias renováveis, como solar e eólica, também cresceram entre 2022 e 2023, de R$ 12 bilhões para R$ 15,9 bilhões. Mas o valor repassado às fontes poluidoras é superior: para cada real investido na produção de energia limpa, outros R$ 2,63 são direcionados para fósseis. E, quando se considera a soma dos incentivos à produção e ao consumo, a discrepância é ainda maior: os subsídios aos combustíveis fósseis são 4,5 vezes maiores do que os direcionados às energias renováveis.

Os números apontam para um futuro em que o Brasil aumenta suas emissões por energia, em vez de reduzi-las. De acordo com a análise do Observatório do Clima (OC), se o patamar atual de incentivos à produção de combustíveis fósseis se mantiver, as emissões brasileiras do setor energético podem alcançar 558,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2050. Isso corresponderia a um aumento de 20% em relação a 2022, quando as emissões por energia somaram 461,8 milhões de toneladas.

“No lugar de descarbonizar, nós vamos carbonizar nossa matriz energética. Isso é assumido pelo governo, quando pretende expandir a produção de petróleo e gás natural e são mantidos os subsídios para fósseis. O cenário é bastante negativo sob o ponto de vista de ambição climática”, afirma Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do OC.

Araújo avalia que o governo federal deveria estudar um plano para reduzir gradualmente os subsídios aos combustíveis fósseis, que considerasse quais incentivos podem ser cortados de imediato e quais devem seguir um cronograma de eliminação no prazo mais curto possível. Segundo o estudo do OC, se medidas nessa direção fossem tomadas, as emissões brasileiras por energia poderiam cair 80% até 2050, quando somariam 267,4 milhões de toneladas de carbono.

Em vez disso, a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) anunciou que realizará, no ano que vem, um leilão de mais de 400 blocos para novas áreas de exploração de petróleo. “Só a previsão do leilão já mostra que a decisão é a expansão [da produção], e ninguém está negando isso. O setor de energia é a grande contradição do governo Lula na questão ambiental. Não dá para querer ser o quarto maior produtor de petróleo do mundo [como planeja o Ministério de Minas e Energia] e querer ser uma potência ambiental, isso não combina. O Brasil está apostando no petróleo e no gás natural na época errada”, complementa Araújo.

A eliminação gradual dos combustíveis fósseis, cuja queima é a principal responsável pelo aquecimento do planeta, foi a principal definição da 28ª Conferência do Clima da ONU (COP28), realizada em Dubai, em 2023.

“Todos os contribuintes brasileiros estão renunciando à arrecadação de impostos para subsidiar a produção de combustíveis fósseis e alimentar o mercado global do petróleo e do gás natural. Esse petróleo está sendo queimado lá fora, não só aqui dentro. São emissões com carimbo brasileiro e subsidiadas por toda a população”, afirma Cássio Cardoso.

Na última segunda-feira, 28, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicou um estudo que mostrou que a concentração de CO2 na atmosfera atingiu o recorde de 420 partes por milhão (ppm) em 2023. A última vez que a Terra teve uma concentração do gás tão elevada foi de 3 a 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura global era de 2 ºC a 3 ºC mais quente, afirmou a OMM.

•        Subsídios aos fósseis pesam no bolso da população brasileira e tiram dinheiro que poderia financiar adaptação

Para Cardoso, a insistência do governo federal em pautar a exploração de petróleo na Margem Equatorial, que poderia anular os ganhos de redução de emissões obtidos com o desmatamento zero da Amazônia, reforça o dano aos contribuintes brasileiros, já que o dinheiro destinado para a pesquisa de novas reservas de petróleo poderia ser revertido para políticas públicas mais urgentes à população.

“Enquanto ainda houver subsídios, esses incentivos continuarão se revertendo em aumento na produção de petróleo. E, quando a renda da venda do petróleo vem para o Estado brasileiro, ela é usada para pagar a dívida pública. O dinheiro do petróleo não vai para a saúde, nem para a educação ou para a adaptação aos eventos climáticos extremos”, afirma Cardoso.

Suely Araújo defende que é necessário questionar a narrativa propagada pelo governo de que a exploração de petróleo precisaria continuar para financiar a transição energética. “O petróleo deve financiar a transição, sim, mas considerando somente o que está sendo explorado hoje. Se os combustíveis fósseis são o principal vilão [para o aquecimento global], não faz sentido intensificar a produção para custear a transição energética, sendo que você vai piorar o problema. Fere a regra da lógica”, diz.

Por outro lado, os subsídios às fontes renováveis também exigem uma reformulação. A maior parte dos R$ 15 bilhões repassados em 2023 foi paga pela própria população, já que um encargo tributário para incentivar a geração distribuída de energia limpa está embutido no valor da conta de luz.

“Não é justo que as classes mais ricas, que conseguem instalar painéis solares em cima das suas casas, sejam beneficiadas com subsídios pagos por toda a população, inclusive por quem não tem condições de ter painéis solares. Por que o subsídio para os fósseis sai do orçamento público e para as renováveis sai do bolso dos contribuintes?”, questiona Cardoso.

•        O que diz o governo

Em nota enviada à reportagem, o Ministério de Minas e Energia afirmou que o Repetro “é essencial para aumentar a competitividade do Brasil no cenário internacional, atraindo investimentos que, sem esse regime, poderiam ser direcionados a outros países”. Disse também que esse regime especial “não gera perda de receita, mas funciona como um mecanismo de estímulo que fortalece a economia nacional, viabilizando projetos de grande escala e garantindo sustentabilidade ao setor”.

O ministério afirmou, ainda, que “defende a transição energética justa, segura e equilibrada”, conduzida à luz do que chama de “trilema energético”, “equilibrando os objetivos interligados de promoção da segurança energética, da sustentabilidade ambiental e da equidade energética”.

E disse que “a segurança energética consiste em assegurar o fornecimento constante e confiável de energia, mitigando a dependência de fontes instáveis ou de países estrangeiros para atender às necessidades energéticas do país. A equidade energética, por sua vez, visa a garantir que todas as pessoas tenham acesso a fontes de energia confiáveis, acessíveis e limpas”. O ministério foi questionado sobre o aumento estimado de emissões, mas não forneceu nenhuma resposta.

 

•        Explorar a Margem Equatorial: sinuca de bico!. Por Luiz Fernando Padulla

Tomou conta do jornalismo a notícia de que o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), seguindo suas avaliações técnicas, manteve o veto à exploração e prospecção de petróleo e gás na Margem Equatorial brasileira – abrangendo quatro estados do Nordeste (Piauí, Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará, e dois do Norte (Pará e Amapá).

De acordo com o órgão (e é bom que se diga que no atual governo, retomou sua autonomia), ainda faltam informações que garantiriam a segurança e viabilidade para a exploração.

O questionamento das lideranças políticas é pensado nas cifras: a região tem o potencial de criar mais de 326 mil novos empregos formais, adicionar R$ 65 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) nacional e acrescentar R$ 3,87 bilhões à arrecadação indireta no Brasil. Além disso, especula-se que o Brasil poderia voltar a ter que importar petróleo já em 2034, quando estima-se esgotar as reservas atuais do Pré-Sal.

Pois bem. A pergunta é: explorar ou não?

Enquanto biólogo e ambientalista, posiciono-me contrário à tal exploração, não apenas pelos riscos (que apesar de todas as precauções e cuidados, são reais), mas principalmente porque estamos lutando pelo fim do uso dos combustíveis fósseis, sendo urgente a transição para outras formas menos impactantes para o ambiente.

No entanto, entendo também a necessidade, inclusive da perda de nossa soberania e o risco que essa região sofre de ser explorada por capitais estrangeiros, como já ocorre na Guina com a presença predatória empresa estadunidense ExxonMobil (atuante sob as marcas Exxon, Mobil e Esso) que, desde 2015, se estabeleceu como líder na exploração de petróleo na região.

Sabemos que o “outro negro” e o gás natural ainda são as bases de grande parte da energia elétrica mundial (26%), sendo que este setor ocupa o 2º lugar em missões de gases estufa. E de acordo com a Agência Internacional de Energia, é previsto o aumento de 30% no consumo de energia elétrica até 2040, sendo os combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão mineral) responsáveis por mais de 50% de sua geração.

A utilização do petróleo e gás natural nos transportes – 4º maior emissor dos gases causadores das mudanças climáticas – ainda é uma realidade. No Brasil, o uso deles como matriz energética segue elevada, com previsão de serem responsáveis por mais de 44% até 2026.

Trago esses breves números para que sejamos racionais e tentemos chegar a uma decisão técnica e coerente. Afinal, o que desejamos?

A soberania energética, sem a qual a economia de forma em geral não se sustenta, é fundamental. No entanto, não podemos ser demagogos e apenas teóricos, principalmente quando defendemos em reuniões com lideranças mundiais a urgência de um mundo mais sustentável.

O uso do petróleo e seus derivados, talvez seja uma das maiores contradições do mundo atual. Uma sinuca de bico: explorar e garantir saúde financeira e econômica, mesmo que isso gere ainda mais gases de efeito estufa, colocando em risco não apenas os locais com possíveis acidentes, mas a própria sobrevivência do planeta pela eternizada dependência desses combustíveis? Ou encabeçar de fato a luta pela transição energética, a qual o Brasil tem um potencial enorme para ser vanguarda?

Alternativas como o investimento em políticas públicas verdadeiramente sustentáveis, não apenas com a substituição do petróleo e gás natural (sem falar no carvão mineral), mas também investindo em transporte público de qualidade, seriam importantes passos.

(Em tempo: engana-se que a venda e consumo de carros elétricos resolve o problema, afinal, além de toda exploração dos minerais em países ricos desses recursos naturais, mas empobrecidos e escravizados pelo capital, precisamos analisar a fonte da energia que recarrega essas baterias – ou seja, perde-se a ideia de “energia sustentável” quando usa-se combustível fóssil para recarregá-las).

É preciso promover a conscientização das pessoas, colocando todas as possibilidades e opções na mesa. O chamamento para o debate é fundamental. Isso promoveria não apenas a maior clareza das informações, mas fortaleceria a verdadeira democracia participativa – enfraquecendo a democracia burguesa. Seria a oportunidade também de confrontar o próprio agronegócio latifundiário que está entranhado no próprio governo (e pouco se fala que ele, além de não produzir alimento, poluir e intoxicar o ambiente e debilitar a saúde do país, é responsável direto por 70% das emissões dos gases causadores do efeito estufa, causadores de mudanças climáticas que incluem a falta de chuvas também nos reservatórios das hidrelétricas que, sem água, obrigam o acionamento das termoelétricas que queimam gás natural para geração de energia – poluindo ainda mais o ambiente, e encarecendo nossa conta de luz!)

Nessa discussão, entendo que tentar desmoralizar o IBAMA e seu corpo técnico e responsável, jogando a opinião pública contra o órgão (que ainda se recupera dos ataques e aparelhamento que o ex-presidente promoveu), não é a maneira mais correta de se conduzir a luta. Estaríamos sendo incoerentes e nos nivelando à postura abjeta que tanto condenamos durante o (des)governo passado.

Enfim, o debate está aberto. E espero que seja realmente feito sem qualquer decisão unidirecional, sem critério e com paixões partidárias deixadas de lado. Afinal, nessa sinuca de bico, o buraco é mais embaixo!

 

Fonte: Por Gabriel Gama, da Agência Pública/Brasil 247

 

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