sábado, 2 de novembro de 2024

Moisés Mendes: ‘Não desistam de ser de esquerda’

Quem tiver talento para produzir tutoriais e mentorias pode começar uma lição com esse título acima: não desista de ser de esquerda. E logo depois acrescentar, com um olhar enviesado de alta sabedoria: para que exista um centro, é preciso que existam direita e esquerda.

A esquerda mal-humorada não irá gostar dessa ideia. Nem a esquerda arrogante, que toma porre de Campari nos Jardins e sai gritando para que a militância, Lula, Haddad e Simone Tebet partam para o enfrentamento com a direita.

Mas alguém precisa alertar uma certa inteligência que faz a cabeça de muita gente: ninguém disse a quadros e militantes das esquerdas que eles devem desistir de refundar raízes, resistir, avançar e afrontar o fascismo. Ninguém disse que não devem mais ser de esquerda.

Então, que continuem fazendo ativismo, com retórica e ação política de esquerda, porque é disso que Lula e todos os que estão no poder, em nome das esquerdas, continuam dependendo. Sejam lulistas.

Alguém precisa pensar e agir com posições até à esquerda do PT e dos demais partidos de esquerda, para que Lula continue tentando se entender com o centro e possa governar.

É simples assim. A esquerda precisa ser forte lá nas bases, para que tenha, como governo, o respeito da direita e possa contar com o centro como aliado no poder.

Parece tudo simplificado demais, mas é a hora de simplificar. A militância segue fazendo o que a esquerda deve fazer, enquanto os que estão no governo tentam se equilibrar na corda bamba. E não há equilíbrio possível nessa corda cada vez mais bamba sem a sombrinha do centro.

Mas essa tarefa de ser esquerda é também dos mandatos, dos que desfrutam das farturas e das hegemonias paroquiais asseguradas pelo fundo partidário e já arrancam na frente de todos, incluindo os prefeitos que contam, tanto quanto seus colegas da direita, com a dinheirama das emendas.

Militância e mandatos precisam se acertar para que não deixem de ser de esquerda e para que parem de cobrar de Lula que ele seja um esquerdista ao falar com Arthur Lira.

São os quadros e seus líderes com ou sem mandato, em Brasília ou Barbacena, e os que vão a campo que devem tentar puxar o governo para a esquerda, enquanto a direita puxa Lula para o seu lado e continua extorquindo.

É o que precisa ser feito por Lula, ao mesmo tempo em que os analistas tentam descobrir, na pizza das prefeituras conquistadas pela direita, quais são as fatias da velha direita, nova direita, do centro e da extrema direita do bolsonarismo sem Bolsonaro.

Parece cansativo, mas essa é uma controvérsia que diverte mais as esquerdas: fazer o fatiamento que ajude a entender qual é o pedaço de cada um nos latifúndios de Kassab, Bolsonaro, Caiado, Valdemar Costa Neto, Tarcísio de Freitas e na fazendola de Pablo Marçal.

Claro que ninguém vai dizer, como dizem as mentorias com alta audiência e alto impacto, que só irão sobreviver os que suportarem o mau tempo. Mas, nessa linha, dá pra dizer que o temporal ainda não passou.

 

¨      Estar onde o povo está. Por Elisabeth Lopes

Alguns dias após as eleições municipais, o que dizer? Os progressistas acordaram no dia 28/10 perplexos diante dos resultados expressos nas urnas. Embora a esquerda tenha vencido em algumas cidades importantes e numa das capitais do país, não foi suficiente para superar o avanço do retrocesso.

O que moveu a escolha expressiva dos eleitores, prioritariamente, pela direita liberal e extrema direita em detrimento das proposições de candidatos progressistas, a exemplo de São Paulo, Porto Alegre, Cuiabá e Natal?

Esses questionamentos constituíram as pautas desta semana, tanto nas mídias conservadoras, como nos veículos progressistas. Jornalistas, analistas políticos, representantes de partidos vencedores e de partidos que não atingiram as expectativas projetadas durante a campanha, expressaram exaustivamente suas leituras críticas a respeito.

O que tomou conta da atenção das camadas de brasileiros com acesso a informações mais elaboradas e com tempo para metabolizar as escolhas do povo, não ocupou a mesma atenção das camadas marginalizadas das periferias das cidades. Ao contrário, o povo pobre, lembrado pelas forças antagônicas à força progressista durante as campanhas, não teve tempo para análises. A maioria seguiu sua rotina, acordando de madrugada para pegar o ônibus lotado para a escala de trabalho 6X1, mal paga, enquanto outros pela depressão causada por suas materialidades de vida em meio a miséria e sem lugar para ir, permaneceram em suas casas de papelão, ou envoltos em jornais e trapos velhos pelas ruas das cidades.

A sobrevivência grita de modo ensurdecedor todos os dias aos ouvidos de quem não tem mais nada a perder, a não ser a própria vida pela fome. O vendedor de bala, o pedinte e o pobre empreendedor pobre foram avistados pelas esquinas, à margem das promessas dos liberais que não serão cumpridas.

Nessa perspectiva de avanço da direita liberal e mesmo da extrema direita que enfraqueceu, mas não ao ponto de ficar abaixo da esquerda reside a inconformidade de uma fração do povo que votou em candidatos que representariam a prática progressista de governar.

A despeito das histórias pregressas de candidatos da direita liberal e da extrema direita fascista, figuras horrendas conseguiram amealhar votos para se elegerem ou reelegerem. Como explicar a inclinação de boa parte do povo em eleger seus próprios algozes? A reeleição de Sebastião Melo em Porto Alegre, depois de sua constatada incompetência na administração da cidade constitui um exemplo gritante. Patrocinado por empresas poderosas, entre estas, as da construção civil, Melo conseguiu engambelar a população que o escolheu em detrimento de um projeto progressista, capitaneado por Maria do Rosário, que postulava, entre outros objetivos, o desenvolvimento sustentável e a diminuição das disparidades sociais na cidade.

Analisar esse fenômeno requer refletir com base em múltiplas materialidades, que certamente não serão esgotadas neste texto.

Tenho referido, de modo exaustivo, que o campo progressista precisa se debruçar sobre as causas do fenômeno do avanço das alas degenerativas da igualdade social, para a partir de uma detida reflexão, renovar sua atuação junto ao povo, como em tempos passados em que a esquerda ocupava a gestão de boa parte do território político do país e se vislumbrava tempos promissores de práticas de bem estar social.

Um dos problemas, entre tantos, reside no afastamento da esquerda das bases, e quando menciono o vocábulo bases, quero dizer, povo e não somente com relação aos filiados dos partidos de ideário progressista. A esquerda se encastelou numa institucionalidade hermética. Deixou de dialogar, de estar onde o povo está. É certo que na atual conjuntura de comunicação massiva digital, o contato corpo a corpo, a escuta ativa foi gradativamente deixada de lado. As configurações do trabalho mudaram, os antigos sindicatos aglutinadores da força de protesto e de luta dos trabalhadores minguaram depois da reforma trabalhista empreendida no governo usurpador de Temer. A configuração do trabalho mudou. A realidade atual é quase de cada um por si e o pastor neopentecostal por todos.

Os trabalhadores com ou sem carteira assinada ou os ditos autônomos empreendedores, ou os expurgados dos bens sociais, não têm tempo para ficar nas redes assistindo os discursos, que para eles parecem vazios acerca da realidade em que vivem.

Apesar das plataformas digitais terem uma enorme influência nas mentes do povo, sobretudo nas cabeças mais jovens, por meio de enganadores como Pablo Marçal, que consegue atingir milhares de usuários como falso coach em nome de Jesus ao demonstrar que é possível sair da miséria como ele saiu, este fato não totaliza a inclinação do povo pela direita, que come de garfo e faca ou pelo extremismo de direita que vocifera a barbárie e o fascismo.

Aproveitadores como o Marçal, narram os milagres, mas não revelam os santos delinquentes que os produziram. Essas mentiras que parecem verdades não se sustentam ao longo do tempo.

Os políticos precisam deixar seus gabinetes para escutar o João, a Maria, o José, os líderes das comunidades, as donas de casa, os jovens, os educadores, os moradores, os donos dos pequenos comércios, os anseios de todas as classes sociais. A política autentica se dá no diálogo vivo entre os homens e mulheres da polis.

A consciência política do povo se desperta por meio de um permanente diálogo vivo com ele. Realiza-se pelo acolhimento de ideias de melhoria indicadas pelo povo. Concretiza-se na escuta ativa de quem vive a aventura e a desventura de morar nos diversos lugares desse país.

O povo precisa entender os efeitos das políticas públicas no cotidiano de suas vidas. Necessita ser esclarecido onde é aplicado o dinheiro do imposto quando ele compra um simples pãozinho, o feijão, a farinha. As pessoas precisam ser esclarecidas sobre os destinos dos orçamentos públicos do executivo, do legislativo. Que emendas parlamentares foram utilizadas para favorecer determinados candidatos nas eleições, que emendas resultaram em obras nos municípios onde residem, no saneamento básico de seu bairro, na reforma da escola de seus filhos, na melhoria do acesso à saúde, na pavimentação e iluminação das ruas, na manutenção dos sistemas de proteção das cidades contra inundações. As mudanças nas condições de vida e de trabalho do povo não dependem somente do esforço pessoal, como Marçal prega.

É necessário desvelar a verdadeira face das promessas dos políticos fisiológicos financiados pela elite rica. Ao discursarem ao povo, esses políticos interesseiros se valem de vários expedientes, como o uso da fé evangélica, ou da veiculação de imagens de lacrações ardilosas contra seus adversários, vestem-se de homens de origem humilde, como Sebastião Melo e seu chapéu de palha.

O povo é iludido pela mídia corporativa que invalida diuturnamente as ações dos governos de esquerda no Jornal Nacional, na GloboNews, é enganado pelos falsos milagres de prosperidade narrados nos diversos programas dos canais de empresários da fé, como Malafaia, Edir Macedo. A população é atingida pela lavagem cerebral, não só a mais pobre, também a média e média alta. Assim fez a grande mídia ao demonizar o Partido dos Trabalhadores, desde o episódio do mensalão e recentemente durante a corruptiva operação Lava a Jato.

A mentira continua a ser protagonista nos esquemas da extrema direita fascista. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e fruto do decadente Bolsonarismo, cometeu um crime eleitoral gravíssimo em pleno dia da eleição contra a candidatura de Guilherme Boulos. O que esperar da Justiça Eleitoral? O que chamou a atenção, inclusive da mídia corporativa, que inicialmente recriminou o governador Tarcísio no dia após o pleito, já diminui a repercussão em suas telas, como esperado. A elite financeira e a mídia corporativa já escolheram o sucessor à presidência da República em 2026, o Tarcísio, suco puro do fascismo à moda brasileira, que come com talheres liberais as refeições preparadas pelos gourmets da elite financeira da Faria Lima. Esperamos que a justiça seja feita a Tarcísio para que o país não sucumba na obscuridade das artimanhas fascistas.

Como diz o poeta Chico Buarque, “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Que as múltiplas reflexões e avaliações feitas, após as recentes eleições municipais, sirvam para que amanhã as escolhas sejam verdadeiramente legitimadoras das necessidades de bem estar social e de qualidade de vida do povo.

 

¨      Mercado financeiro nem disfarça mais seu ódio aos pobres. Por Bepe Damasco

Acabo de ler com satisfação que o índice de desemprego do terceiro trimestre apurado pelo IBGE, de 6,4%, foi o menor para o período desde 2014. O Brasil caminha para, até 2026, atingir a condição de pleno emprego, que acontece quando a taxa de desocupação fica abaixo de 5%. 

Mas sabe o que essa ótima notícia representa para o mercado financeiro ?

Rigorosamente nada. O dólar segue em alta, atingindo sua maior cotação desde 2021, e a bolsa de valores opera em queda. 

Desta vez, o movimento especulativo, segundo os analistas da mídia hegemônica, que no Brasil assume a condição de porta-voz do rentismo, tem como objetivo pressionar o governo para que anuncie o quanto antes uma política de corte de gastos.

Como não produzem sequer um parafuso e estão com as burras cheias de papéis da dívida pública do país, bancos, corretoras e fundos de investimento vivem um pesadelo sem fim, que é o temor de a situação fiscal se deteriorar a ponto de o governo ser forçado a um calote. 

Para esses senhores do dinheiro fácil, juros altos são tão essenciais quanto o oxigênio que respiram, ao mesmo tempo que desprezam variáveis na economia real, como produção, emprego, consumo e desenvolvimento. 

Desprovidos de convicções democráticas e republicanas, fazem a bolsa operar em alta e o dólar em queda até quando a quando a Constituição da República é violada, como no golpe contra Dilma Rousseff e a prisão ilegal de Lula.

Maus brasileiros e entreguistas até o último fio de cabelo, estão na fila do gargarejo do aplauso a todas as ações lesivas ao patrimônio público da nação. Se dependesse da Faria Lima, todos os setores estratégicos para o desenvolvimento, a independência tecnológica e a soberania nacional seriam arrematados em leilão pela iniciativa privada, bem como serviços essenciais à população, como saúde e educação.

Será que ao redor do mundo existe mercado financeiro tão desqualificado, antipovo, antinacional e que devota um ódio tão visceral aos pobres como o nosso?

Acho difícil.

Por aqui, as demonstrações explícitas de falta de empatia com os mais humildes e de perversidade são chocantes:

  • Defendem ajuste fiscal à custa dos que recebem Benefício de Prestação Continuada.
  • Querem ajustar as contas públicas avançando sobre o seguro de quem está sem trabalho.
  • Pregam o fim fim da vinculação do salário mínimo aos benefícios previdenciários.
  • Atacam a política de valorização do salário mínimo.

Tudo isso à lua do dia.

Há algumas semanas, em reportagem sobre o crescimento da economia e do nível de emprego, a GloboNews entrevistou agentes do mercado e professores ultraliberais escolhidos a dedo para comentar a conjuntura econômica atual.

E, pasmem, todos os os ouvidos foram unânimes em dizer, na maior cara de pau, que "economia muito aquecida e desemprego em queda são um perigo, pois podem trazer de volta a espiral inflacionária e juros ainda mais altos."

Que tipo de gente é essa que, com geladeira cheia e vida confortável, torce pelo desemprego e o consequente sofrimento alheio? 

Pois é, está cheio delas na Faria Lima e nas editorias de economia da imprensa comercial.

 

¨       O que o estagiário do Supremo já sabe. Por Moisés Mendes

Até o estagiário do Supremo, que chegou na semana passada e ainda não tem mesa e computador, sabe o que se passa lá dentro e na vizinhança. Sabe que há um duelo com etapas a serem vencidas aos poucos e talvez aos trancos, algumas com data de vencimento nesse ano.

O estagiário sabe, ou não teria passado na disputa pelo estágio, que é um jogo de forças para muito além do que, numa simplificação, seria o certo, o errado, o justo ou o razoável sob o ponto de vista do sistema de Justiça.

Sabe que o poder civil e fardado, mesmo fora do poder, como aparentemente estaria agora, se rearticula todos os dias, dois anos depois da tentativa de golpe, e está se rearticulando nesse momento. 

Ele e seus colegas sabem que os militares sempre venceram, ganhando ou perdendo, como perderam na aposta pesada e desastrada que fizeram com Bolsonaro. 

Sabe que o poder econômico se acomoda ao lado dos vencedores, mas com um pé ao lado dos perdedores. Que o golpe de 64 foi viabilizado e mantido por duas décadas pelo poder civil com dinheiro. 

Ficou sabendo, porque qualquer Google também sabe, que grandes empresas nacionais e estrangeiras foram cúmplices da ditadura, com alguns casos exemplares de serviçais dedicados ao trabalho sujo, como aconteceu com a Folha de S. Paulo. 

O estagiário estudou a anistia de 79 e suas consequências. Por isso sabe bem que anistiados voltam a conspirar ou a transmitir o que inspiram e conspiram aos que vêm depois.

Em poucos dias, o estagiário ficou sabendo que a guerra Congresso X Supremo é mais do que uma briga por anistia a golpistas subalternos. Que a anistia é para poupar todo mundo, e não só os manés do 8 de janeiro. E que, se a anistia passar, a porteira estará aberta para toda a boiada do fascismo.

O estagiário sabe que tem gente há muito tempo cercada pela Justiça e ainda agora sob investigação, dentro do balaio do inquérito das fake news. Gente com farda ou já de pijama, grandes empresários, a família do Bolsonaro, os ajudantes, os agregados.

Outro estagiário mais antigo disse ao estagiário mais novo que tem gente inalcançável nesse inquérito. Porque nunca foi alcançada por outros crimes, como sonegação, lavagem de dinheiro e contrabando. Gente que não perde uma só disputa na Justiça paroquial das cidades onde mora.

Mas sabe que, sem Alexandre de Moraes, ninguém saberia como estaríamos hoje, e que por isso ele pediu para estagiar no gabinete do ministro. Sabe até que ministros do próprio Supremo não sabem de onde Moraes tira tanta força.

O estagiário acompanha as tentativas da extrema direita de fragilizar Moraes e entende por que a grande imprensa está ao lado dos ameaçadores. Ele percebe as sutilezas de quem faz jogo duplo, mas joga com o fascismo.

Percebe que as corporações de mídia escondem as notícias sobre as investigações em torno de facções que vendem sentenças no Judiciário. Que a prática está mais disseminada do que se noticia. 

E que é desse Judiciário que deveríamos depender para nos proteger dos poderosos, mas esse mesmo Judiciário vende sentenças aos poderosos.  

O estagiário sabe que o desfecho do embate entre STF e Congresso vai determinar o que será de todos nós a partir desse ano, porque é esse o duelo que junta quase todas as lutas que a democracia já não consegue mediar por outros meios. Sabe que as esquerdas derrotadas nas urnas dependem ainda mais da bravura de Alexandre de Moraes.

Enquanto procura onde sentar e se informa sobre as normas da casa, o estagiário vai aprendendo e olhando para o prédio do Congresso, visto pelos fundos, ali ao lado, a pouco mais de 200 metros.

Está tão perto que o estagiário tem certeza de que sente seus odores. São mais do que enjoativos e incômodos, são assustadores os odores espargidos pelo Congresso.

 

Fonte: Brasil 247

 

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