terça-feira, 5 de novembro de 2024

Jeffrey Sachs: ‘A Cúpula dos BRICS deve marcar o fim das ilusões neoconservadoras’

A recente cúpula dos BRICS em Kazan, Rússia, deve marcar o fim das ilusões neoconservadoras, encapsuladas no subtítulo do livro de Zbigniew Brzezinski de 1997, The Global Chessboard: American Primacy and its Geostrategic Imperatives [O Tabuleiro de Xadres Global: A Primazia Estadunidense e os seus Imperativos Geoestratégicos]. Desde a década de 1990, o objetivo da política externa dos EUA tem sido a “primazia”, também conhecida como hegemonia global. Os métodos escolhidos pelos EUA foram guerras, operações de mudança de regime e medidas coercitivas unilaterais (sanções econômicas). Kazan reuniu 35 países com mais da metade da população mundial que rejeitam o bullying dos EUA e que não se intimidam pelas alegações de hegemonia dos EUA.

Na Declaração de Kazan, os países ressaltaram “o surgimento de novos centros de poder, tomadas de decisões políticas e crescimento econômico, que podem abrir caminho para uma ordem mundial multipolar mais equitativa, justa, democrática e equilibrada”. Eles enfatizaram “a necessidade de adaptar a arquitetura atual das relações internacionais para melhor refletir as realidades contemporâneas”, ao mesmo tempo em que declararam seu “compromisso com o multilateralismo e com a defesa do direito internacional, incluindo os Propósitos e Princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (ONU) como seu alicerce indispensável”. Eles apontaram especificamente para as sanções impostas pelos EUA e seus aliados, afirmando que “tais medidas minam a Carta da ONU, o sistema de comércio multilateral, os acordos de desenvolvimento sustentável e ambientais”.

A busca neoconservadora pela hegemonia global tem raízes históricas profundas na crença dos EUA em seu excepcionalismo. Em 1630, John Winthrop invocou os Evangelhos ao descrever a Colônia da Baía de Massachusetts como uma “Cidade sobre a Colina”, declarando grandiosamente que “os olhos de todo o povo estão sobre nós”. No século XIX, os EUA foram guiados pelo Destino Manifesto, para conquistar a América do Norte deslocando ou exterminando os povos nativos. Durante a Segunda Guerra Mundial, os estadunidenses abraçaram a ideia do “Século Estadunidense”, de que, após a guerra, os EUA liderariam o mundo.

As ilusões de grandeza dos EUA foram superalimentadas com o colapso da União Soviética no final de 1991. Com o desaparecimento do inimigo da Guerra Fria, os neoconservadores estadunidenses conceberam uma nova ordem mundial em que os EUA seriam a única superpotência e o policial do mundo. Seus instrumentos de política externa preferidos eram as guerras e operações de mudança de regime para derrubar governos que eles não aprovavam.

Após o 11 de setembro de 2001 [ataques às torres-gêmeas em NY], os neoconservadores planejaram derrubar sete governos no mundo islâmico, começando pelo Iraque e, em seguida, avançando para Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Irã. De acordo com Wesley Clark, ex-comandante supremo da OTAN, os neoconservadores esperavam que os EUA prevalecessem nessas guerras em cinco anos. No entanto, mais de 20 anos depois, as guerras instigadas pelos neoconservadores continuam, enquanto os EUA não alcançaram absolutamente nenhum de seus objetivos hegemônicos.

Os neoconservadores raciocinaram, na década de 1990, que nenhum país ou grupo de países jamais ousaria enfrentar o poder dos EUA. Brzezinski, por exemplo, argumentou em The Grand Chessboard [O Grande Tabuleiro de Xadrez] que a Rússia não teria escolha senão se submeter à expansão da OTAN liderada pelos EUA e aos ditames geopolíticos dos EUA e da Europa, já que não havia alguma perspectiva realista de a Rússia formar com sucesso uma coalizão anti-hegemônica com a China, o Irã e outros. Como Brzezinski afirmou: “A única opção geoestratégica real da Rússia — a opção que poderia dar à Rússia um papel internacional realista e também maximizar a oportunidade de se transformar e modernizar socialmente — é a Europa. E não qualquer Europa, mas a Europa transatlântica da ampliação da UE e da OTAN.”

Brzezinski estava decisivamente errado, e seu erro de julgamento ajudou a levar ao desastre da guerra na Ucrânia. A Rússia simplesmente não sucumbiu ao plano dos EUA de expandir a OTAN para a Ucrânia, como Brzezinski presumiu que aconteceria. A Rússia disse um firme não e estava disposta a travar uma guerra para impedir os planos dos EUA. Como resultado dos erros de cálculo neoconservadores em relação à Ucrânia, a Rússia agora está prevalecendo no campo de batalha, e centenas de milhares de ucranianos estão mortos.

Além disso — e esta é a mensagem clara de Kazan — as sanções e pressões diplomáticas dos EUA não isolaram a Rússia em nada. Em resposta ao bullying generalizado dos EUA, surgiu um contrapeso anti-hegemônico. Em termos simples, a maioria do mundo não quer nem aceita a hegemonia dos EUA e está disposta a enfrentá-la, em vez de se submeter às suas imposições. Além disso, os EUA não possuem mais o poder econômico, financeiro ou militar para impor a sua vontade - se é que algum dia tiveram.

Os países que se reuniram em Kazan representam uma clara maioria da população mundial. Os nove membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul como os cinco originais, mais Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos), além das delegações de 27 aspirantes a membros, constituem 57% da população mundial e 47% da produção mundial (medida em preços ajustados ao poder de compra). Os EUA, em contraste, constituem 4,1% da população mundial e 15% da produção mundial. Adicionando os aliados dos EUA, a parcela populacional da aliança liderada pelos EUA é de cerca de 15% da população global.

Os BRICS ganharão um peso econômico relativo, poder tecnológico e força militar nos próximos anos. O PIB combinado dos países dos BRICS está crescendo cerca de 5% ao ano, enquanto o PIB combinado dos EUA e seus aliados na Europa e na Ásia-Pacífico está crescendo cerca de 2% ao ano.

Mesmo com seu crescente peso, no entanto, os BRICS não podem substituir os EUA como um novo hegemon global. Eles simplesmente não possuem o poder militar, financeiro e tecnológico para derrotar os EUA ou até mesmo ameaçar os seus interesses vitais. Na prática, os BRICS estão defendendo uma nova multipolaridade realista, não uma hegemonia alternativa em que eles estejam no comando.

Os estrategistas estadunidenses devem prestar atenção à mensagem positiva que vem de Kazan. Não apenas a busca neoconservadora pela hegemonia global fracassou, mas foi um desastre custoso para os EUA e o mundo, levando a guerras sangrentas e sem sentido, choques econômicos, deslocamentos em massa de populações e ameaças crescentes de confronto nuclear. Uma ordem mundial multipolar mais inclusiva e equitativa oferece um caminho promissor para sair do atoleiro atual, um que pode beneficiar os EUA e seus aliados, bem como as nações que se reuniram em Kazan.

O surgimento dos BRICS, portanto, não é apenas uma repreensão aos EUA, mas também uma potencial abertura para uma ordem mundial muito mais pacífica e segura. A ordem mundial multipolar vislumbrada pelos BRICS pode ser um benefício para todos os países, incluindo os Estados Unidos. O tempo se esgotou para as ilusões neoconservadoras e para as guerras de escolha dos EUA. O momento chegou para uma diplomacia renovada que encerre os conflitos que assolam o mundo.

 

¨      "O Brasil ainda precisa decidir se quer ser protagonista ou coadjuvante no Brics", diz Fabiano Mielniczuk

O Brasil encontra-se em um momento crucial dentro do Brics, bloco que inclui, além do país, Rússia, Índia, China e África do Sul. A cada nova cúpula, o peso e a influência do grupo aumentam, reforçando a discussão sobre a necessidade de uma nova ordem global multipolar, capaz de reduzir a hegemonia do Ocidente. O cientista político Fabiano Mielniczuk, entrevistado pelo jornalista Mario Vitor Santos no programa Forças do Brasil, trouxe uma análise sobre o papel do Brasil no bloco e destacou a necessidade de uma definição mais clara: “O Brasil ainda precisa decidir se quer ser protagonista ou coadjuvante no Brics”.

Para Mielniczuk, a postura do país nas últimas cúpulas ainda reflete uma posição ambígua. “O Brics é uma plataforma potente para que o Brasil amplie suas alianças e diversifique sua economia. Porém, a questão fundamental que ainda se coloca é se o país quer realmente liderar”, avalia o cientista político. Ele enfatiza que o Brasil possui desafios internos, como questões econômicas e dificuldades diplomáticas, que, em sua visão, restringem o potencial de liderança na organização.

O cientista político pontuou ainda que, enquanto alguns membros do Brics têm acelerado suas ações em prol de uma economia sustentável e de uma transição energética, o Brasil enfrenta dilemas sobre o caminho a ser tomado. “Temos uma economia baseada em commodities, e a mudança para uma economia verde é uma demanda crescente dentro do bloco. O Brasil pode e deve liderar essa pauta, mas falta uma decisão estratégica para consolidar essa posição”, destaca.

Segundo Mielniczuk, o crescimento do Brics e a expansão de seus temas de discussão, como sustentabilidade e inovação tecnológica, abrem novas portas para o Brasil, mas também exigem uma postura firme e a busca de acordos sólidos. “O país precisa definir qual será sua contribuição para o bloco. Podemos nos tornar uma potência em energias renováveis, mas isso requer investimento e uma política externa ativa”, ressalta.

Sobre a parceria com a China, maior economia do bloco e principal parceiro comercial do Brasil, Mielniczuk alerta para o risco de uma dependência excessiva. “A relação com a China é fundamental, mas o Brasil precisa diversificar suas parcerias para não cair em um desequilíbrio. É preciso visão estratégica para equilibrar essas relações dentro do bloco”, afirma o cientista político, que defende uma maior autonomia brasileira no cenário internacional.

Fabiano Mielniczuk conclui que, com o fortalecimento do Brics, o Brasil se encontra em uma encruzilhada de definição de seu papel na nova ordem global. Para ele, o país deve decidir se vai adotar uma postura mais ativa e buscar protagonismo ou se continuará ocupando uma posição de apoio. “O Brasil precisa se posicionar de uma vez por todas: ser um líder ou apenas seguir os passos de seus parceiros. Essa é a grande decisão que temos pela frente”, finaliza.

<><> Lavrov compartilha suas expectativas para a presidência brasileira do BRICS

Em entrevista à rede internacional TV BRICS, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, comentou a 16ª Cúpula do BRICS realizada em Kazan, na Rússia, entre os dias 22 e 24 de outubro.

O ministro destacou, em fala à mídia, que a Rússia "apoiará ativamente" as iniciativas brasileiras, das quais devem estar novos mecanismos financeiros.

"Acredito que a plataforma de pagamento, os mecanismos de liquidação, os mecanismos de seguro estarão entre as prioridades da presidência brasileira."

Ele lembrou que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva iniciou o tópico de sistemas de pagamento alternativos durante a presidência russa na cúpula do BRICS em Joanesburgo em 2023.

"Foi em resposta a essa iniciativa, consagrada na declaração de Joanesburgo, que os ministros das finanças e os banqueiros centrais trabalharam. O progresso é evidente. Mas deve ser levado à sua conclusão lógica para que haja mecanismos prontos para uso", observou o ministro.

"Não tenho dúvidas de que nossos colegas brasileiros trabalharão com energia triplicada, considerando que esta é uma iniciativa de seu presidente. Acho que o próprio presidente Lula da Silva garantirá que este tópico seja um dos mais importantes", disse Lavrov.

Além disso, o ministro espera que o Brasil continue a avançar as iniciativas russas como a bolsa de grãos, plataforma de investimentos e os grupos sobre transporte, e medicina nuclear.

"Todas essas são coisas puramente práticas nas quais todos os participantes do BRICS estão interessados."

>>>> Filiação plena será considerada em 2025

Foi adiantado pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Randhir Jaiswal, que pelo menos 13 países se tornaram países parceiros do BRICS.

A questão de prosseguir com suas filiações plenas, disse Lavrov, será considerada ao longo de 2025. O ministro também observou que hoje são mais de 30 países que expressaram o desejo de participar dos eventos do BRICS.

A Cúpula do BRICS com a participação de chefes de Estado foi realizada em Kazan de 22 a 24 de outubro. Após a reunião, o presidente russo Vladimir Putin anunciou que os membros do BRICS concordaram com uma lista de estados parceiros da associação.

Ele observou que futuros países parceiros do BRICS receberiam convites e propostas para participar do trabalho nessa capacidade e, ao receber uma resposta positiva, seria anunciado quem exatamente estava nessa lista.

"Temos um acordo de que, assim que recebermos uma resposta do país convidado, será anunciado que esse estado se juntou ao BRICS como um país parceiro", esclareceu Lavrov.

¨      Viktor Orbán afirma que, com a entrada de novos membros, BRICS já supera as economias ocidentais

O grupo BRICS de potências emergentes já superou o Ocidente no mercado global, disse o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán neste domingo (3), acrescentando que a Cúpula do BRICS em Kazan, na Rússia, destacou o potencial econômico do bloco.

"A cúpula do mundo oriental foi realizada em Kazan há uma semana [...]. Eles já se expandiram, há mais de dez países, e todos eles se encontraram em Kazan. Esta é a economia do mundo oriental. Vinte anos atrás, isso não seria uma grande notícia, mas agora esses países valem mais, de acordo com indicadores econômicos, do que a economia ocidental", disse Orbán à emissora húngara Kossuth.

O primeiro-ministro se referiu ainda à reunião da Comunidade Política Europeia em Budapeste na próxima quinta-feira (7) como uma "cúpula do mundo ocidental". Ele descreveu o encontro liderado pela União Europeia (UE) como "o maior evento diplomático da história da Hungria".

Líderes de mais de 40 países, incluindo a UE, Turquia, Reino Unido, bem como Estados do Cáucaso do Sul e dos Bálcãs Ocidentais, devem vir a Budapeste para discutir o declínio da competitividade da Europa e os possíveis desafios geopolíticos que a Europa enfrentará após a eleição dos EUA, acrescentou Orbán.

Kazan sediou a cúpula do BRICS de 22 a 24 de outubro de 2024. O BRICS é uma associação intergovernamental criada em 2006. A Rússia assumiu a presidência rotativa do bloco em 1º de janeiro de 2024. O ano começou com a adesão de novos membros à associação. Além da Rússia, Brasil, Índia, China e África do Sul, o grupo inclui agora o Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, de acordo com o site da presidência russa do BRICS 2024. A Arábia Saudita não formalizou seu ingresso, mas tem participado das reuniões.

 

Fonte: Brasi 247/Sputnik Brasil

 

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