Há uma
demanda no Brasil por extremismos de direita que é maior que o bolsonarismo,
diz Pedro Telles
Nos
últimos anos Jair Bolsonaro aglutinou em torno de si os desejos de parte da população
que vê no autoritarismo uma saída para as encruzilhadas contemporâneas, mas o
bolsonarismo como movimento, viu-se, nas últimas eleições municipais, ameaçado
por outros personagens igualmente extremistas. O que está em jogo não é o
extremismo em voga, mas o protagonismo do ex-presidente. “Quanto que, de fato,
é um movimento liderado por Bolsonaro primariamente ou quanto que ele é um
movimento em que o Bolsonaro foi protagonista por um tempo. É mais centralizado
em sua liderança ou sequer é mais um movimento, podendo ser mais uma pulsão
social que leva a um interesse eleitoral pela extrema-direita, mas que não se
configura como movimento?”, questiona Pedro Telles, em entrevista por telefone
ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
“Cada
vez mais percebemos que a extrema-direita é um campo maior do que ele e que,
significa, ela pode e tende a continuar nesse caminho mesmo que ele saia de
cena. Existe uma demanda eleitoral colocada aí e por isso que o transcende”,
propõe o entrevistado. “É muito difícil continuar chamando de bolsonarismo a
ideologia promovida por Bolsonaro, pois é uma ideologia da qual ele
efetivamente não é ‘dono’, inclusive sequer se mantenha como o principal ator
capaz de pautar essa ideologia e promovê-la, não da forma hegemônica como já
fez”, complementa.
O
cenário se complexífica ainda mais quando levamos em conta o papel das Big
Techs na democracia e no processo eleitoral. Telles chama atenção para um
aspecto levantado por um defensor do Brexit (processo de saída do Reino Unido
da União Europeia), colocando os cientistas de dados como mais confiáveis que
cientistas políticos. “A visão é que cientistas políticos e outros atores
tradicionais da política e do marketing político com muita frequência se
baseiam mais em palpites pessoais e em um suposto entendimento que se tem
individualmente com essa dinâmica política e com relação ao eleitorado. Por
outro lado, cientistas de dados se baseiam em números e não em palpites e, com
frequência, acertam muito mais em função disso. Portanto, devemos escutar mais
e melhor as angústias, anseios, desejos e necessidades dos cidadãos”, descreve.
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Confira a entrevista.
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No Brasil a extrema
direita, ao menos desde 2017, se organiza a partir do signo do bolsonarismo.
Até que ponto a extrema direita brasileira se reduz ao bolsonarismo e a partir
de que ponto ela tem outras feições?
Pedro
Telles – Pelo fato de o Bolsonaro ter-se construído, até pouco tempo, como uma
liderança da extrema-direita incontestável do Brasil, a ideia de
extrema-direita se associou muito à ideia de bolsonarismo, esses conceitos se
tornaram quase sinônimos. Mais recentemente, com o Bolsonaro se fragilizando,
vai ficando claro que a extrema-direita brasileira vai além e está acima do
bolsonarismo. Tem uma dimensão do bolsonarismo que é a dimensão dele enquanto
um projeto pessoal do Bolsonaro e da sua família. Tem uma outra dimensão que é
do bolsonarismo como suposto rompimento e também como suposta ideologia. É
claro que o projeto pessoal dele continua existindo e pode ser chamado de
bolsonarismo. Agora, a ideia de bolsonarismo como movimento está bastante
fragilizada, pode ser muito questionada. Quando percebemos a quantidade de
eleitores de extrema-direita que se associam ao Bolsonaro, que apoiam ele, mas
que acabam votando em candidatos que não são apoiados por ele, como o caso do
[Pablo] Marçal em São Paulo. Quanto que, de fato, é um movimento liderado por
Bolsonaro primariamente ou quanto que ele é um movimento em que o Bolsonaro foi
protagonista por um tempo. É mais centralizado em sua liderança ou sequer é
mais um movimento, podendo ser mais uma pulsão social que leva a um interesse
eleitoral pela extrema-direita, mas que não se configura como movimento? Em
termos de ideologia, a mesma coisa. Tem diversos atores que estão emergindo de
forma mais independente de Bolsonaro, em alguns casos até disputando espaço com
ele localmente, pelo menos na extrema-direita, que compartilham dos mesmos
signos, símbolos e propostas em grande parte e que mostram que isso não está
atrelado ou amarrado ao Bolsonaro. Esse é um pouco o contexto que as eleições
nos trazem para refletir.
<><> Transcendendo Bolsonaro
É
claro que o Bolsonaro continua sendo a principal liderança e tende a continuar
sendo uma grande liderança nesse campo, no médio prazo pelo menos, talvez no
longo prazo. A questão é o quanto que isso significa que ele é “dono” da
extrema-direita. Cada vez menos isso é verdade e cada vez mais percebemos que a
extrema-direita é um campo maior do que ele e que, significa, ela pode e tende
continuar nesse caminho mesmo que ele saia de cena. Existe uma demanda
eleitoral colocada aí e por isso que o transcende.
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Pablo Marçal
representa uma ameaça à hegemonia do bolsonarismo?
Pedro
Telles – O Marçal representa uma ameaça ao bolsonarismo menos enquanto
indivíduo e mais enquanto símbolo. É muito difícil falar que qualquer ator
específico vai conseguir se tornar maior do que o Bolsonaro em um futuro
previsível da política brasileira ou vai derrotar o Bolsonaro em absoluto. Mas
ele mostra que é, sim, possível que lideranças que não estão amarradas ao
Bolsonaro não devem nada a ele. Assim como surgiu o Marçal, podem surgir mais,
podemos ter cinco, seis, sete, oito, nove ou dez figuras como o Marçal
emergindo nos próximos anos no Brasil. Em seu conjunto fragilizam ainda mais o
lugar do Bolsonaro como liderança desse campo e também tem um cenário em que uma
figura individual chega nesse lugar, mas é menos interessante olhar para o
Marçal como o Marçal em si e sobre ele destronando o Bolsonaro no futuro etc.,
e mais olhar como esse campo está em disputa por muitos atores e como na sua
soma desses diversos atores, de outros que estão emergindo e que podem emergir,
quanto que pode se fragmentar ainda mais esse campo político. É impossível
dizer exatamente o que vai acontecer.
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O que significa dizer,
tal como em seu artigo no Intercept, que Pablo Marçal pode ser a morte do
bolsonarismo?
Pedro
Telles – A ideia de que Marçal pode ser a morte do bolsonarismo, que eu escrevi
no artigo, tem menos a ver com uma morte absoluta ou desaparecimento do
bolsonarismo, e muito mais com uma morte do bolsonarismo como o definimos e
como o vemos até recentemente. Isso se conecta com o que respondi
anteriormente, hoje eu acho muito difícil continuar definindo como
“bolsonarismo” o movimento político que o elegeu. Não me parece que o Bolsonaro
é dono desse movimento ou seja ele o organizador do fenômeno como um movimento.
Também é muito difícil continuar chamando de bolsonarismo a ideologia promovida
por Bolsonaro, pois é uma ideologia da qual ele efetivamente não é “dono”,
inclusive sequer se mantenha como o principal ator capaz de pautar essa
ideologia e promovê-la, não da forma hegemônica como já fez. Enquanto projeto
político continuará existindo o bolsonarismo, eleitores e grandes apoiadores
fiéis a ele vão continuar existindo, o que não quer dizer que ser fiel a ele é
fiel inclusive para apoiar quem ele apoia. Sabemos que hoje existe um grupo de
eleitores grande que continua fiel ao Bolsonaro, mas que para outros cargos
vota em nomes que ele não apoiou, como é o caso do Marçal. Ainda que alguma
dimensão dele possa continuar existindo, é nesse sentido, não de uma morte
absoluta, mas de uma morte como até hoje ouvimos e tratamos na política
brasileira, inclusive como ele mesmo construiu estratégia e como outros atores
constituíram estratégias ao redor.
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O próprio Jair
Bolsonaro fez em suas redes sociais e falas, no início da campanha à prefeitura
de São Paulo, uma série de acenos indiretos – nem tão discretos assim – a
Marçal. Não estaria aí a possibilidade de uma refundação, ainda mais radical,
do bolsonarismo?
Pedro
Telles – O Bolsonaro fez tanto acenos no sentido de aproximação ao Marçal,
quanto movimentos de ataque, ele e os filhos dele muitas vezes também falando
em nome da família. Ele teve uma postura bastante errante em relação ao Marçal,
o que indica uma dificuldade do Bolsonaro e da família de lidar com esse
fenômeno. Como reagir a uma figura que, na maior cidade do país, está no seu
campo, disputa os votos, cresce muito rápido e não está respondendo. O certo é
tentar derrubar essa figura antes que ela fique grande demais? Parece que ele
tentou fazer isso e não conseguiu. Tenta se aproximar dela para não rachar
esses votos e ter alguém que de uma forma os leve mais ainda e que tire de vez
esses votos, ao invés de complementar localmente você segue como figura
relevante nacional? É uma escolha difícil e ao que indica o Bolsonaro não foi
capaz de fazer essa escolha com assertividade com relação ao Marçal e ao
[Ricardo] Nunes. Quem que cresce politicamente nesse sentido em São Paulo é
muito mais o Tarcísio [de Freitas] que fez uma escolha muito consistente em
favor do Nunes, que tem essa figura eleita. Acima de tudo, o Bolsonaro foi
errante nessa trajetória. Não sei se existe uma clareza de estratégia do
Bolsonaro no sentido de uma refundação mais radical do bolsonarismo. Agora, que
existe a possibilidade de emergência e de crescimento de outras figuras
radicais, sem dúvida existe. O Bolsonaro, ao longo do seu governo, foi se
aproximando em termos de acordo e construções conjuntas do Centrão, na prática,
o discurso mais radical dele de ser antissistêmico e tudo mais, fomos vendo,
com o passar do governo dele, que ele cada vez mais se imbricou dentro do
sistema – ele que já era uma figura do sistema. O Marçal é muito mais outsider
e alguém de fora do sistema que o Bolsonaro. Então, sem dúvida, o espaço para
uma extrema-direita ainda mais radicalizada existe, mas quanto que o Bolsonaro
está construindo isso e colocando de pé ativamente, é difícil dizer a partir do
que temos de evidências nessa eleição.
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Desde a derrota de
Bolsonaro em âmbito nacional e a vitória de Tarcísio de Freitas em São Paulo, a
mídia passou a ver em Tarcísio uma espécie de bolsonarismo moderado, inclusive
tecendo elogios a políticas liberais adotadas pelo governador do Estado. A pergunta,
diante disso, é: existe bolsonarismo moderado?
Pedro
Telles – A ideia de que pode existir um bolsonarismo moderado é uma contradição
em termos. O bolsonarismo é uma forma de extremismo. Desde que esse termo
passou a ser usado para descrever esse fenômeno que surge junto com o
crescimento do Bolsonaro e a eleição dele para presidência, é muito evidente
que esse termo é usado para definir uma forma de extremismo usado por
Bolsonaro. Não existe a possibilidade de um extremismo moderado, são dois
conceitos incompatíveis.
<><> Retórica moderada
Isso
não quer dizer que um político extremista não possa ter um discurso, uma
retórica e uma estética que pareça mais moderada com o objetivo de atrair
atores e eleitores que também se veem como mais moderados para apoiá-los. E há
políticos que são bastante hábeis em fazer isso, em ter uma prática extremista
e promover políticas extremistas, mas ter uma retórica e uma estética que soa
mais moderada, para ascender ao poder e se manter no poder. Contudo, seguem
sendo, efetivamente, extremistas. Com muita frequência, se não sempre, usam
essa retórica moderada muito conscientemente, com muita estratégia, para poder
seguir avançando nas suas práticas extremistas. Inclusive, geralmente políticos
que são extremistas não adotam posturas e propostas extremistas em todas as
dimensões da sua atuação. Com muita frequência tem algumas parcelas das
propostas e ideias que eles promovem, que isoladamente não são extremistas, o
que também tem um apelo para um cidadão que está preocupado com ter um voto
associado com o despropósito daquela figura que se relacionam e dialogam sem a
ausência de limites. Isso está a serviço e faz parte de um projeto que é
extremista e que no seu cerne se propõe a implantação de políticas
antidemocráticas, antidireitos humanos e antigarantias fundamentais e assim por
diante.
·
Que afetos são
mobilizados pela extrema direita que torna tão sedutor seu discurso para uma
parcela não desprezível da população?
Pedro
Telles – O mais importante aqui é entender que atores de extrema-direita
crescem, menos por uma capacidade de acessar um conjunto específico de afetos
que dialoga com a população como um todo ou como uma grande fatia dela de forma
uníssona por assim dizer, e mais por entender uma boa parte da força desses
atores tem a ver com a capacidade de dialogar com diversos segmentos da
população, que tem angústias, necessidades e desejos que também são diferentes.
É o conjunto desses grupos e a capacidade de falar com eles que traz a força. Por
exemplo, Bolsonaro se elege, por um lado, se alavancando muito em cima de uma
retórica anticorrupção, muitas vezes enganosa – no caso Bolsonaro isso já tem
muita evidência –, absolutamente contraditória e incoerente com o que ele mesmo
fez, mas que não foi ele quem criou. Mas ele se alavanca em cima disso e fala
com uma parte da população. Ele fala com uma outra parte da população apelando
para pautas de costumes a partir de um olhar de valores de conservadores. Ele
olha parte outra da população dialogando sobre os problemas econômicos que o
país tinha quando ele é eleito e com propostas que tinham mais a ver com
angústias em relação à economia e políticas socais.
<><> Incapacidade Bolsonarista
E,
o que leva o Bolsonaro a perder depois de um tempo, é justamente a incapacidade
dele de entregar mudanças nessas agendas. Lula se reelege de volta, muito
recuperando as propostas econômicas e sociais onde ele teve um desempenho
melhor do que o Bolsonaro historicamente. O Bolsonaro perde muito apoio em
função dos escândalos de corrupção do governo dele. O importante aqui é
entender que se tentarmos sintetizar o fenômeno da extrema-direita a um
conjunto específico de valores que supostamente atraem a população como um
todo, a dinâmica não é essa. A dinâmica está em entender diferentes segmentos
da população e conseguir dialogar bem com eles, que juntos formam a grande
maioria que permite a eleição. E na facilidade da extrema-direita de ter um
entendimento com esses públicos, de conseguir falar com eles de formas e
plataformas diferentes, no Brasil e no mundo, aí que está o cerne da questão.
·
De que forma é
possível enfrentar a ideologia da extrema direita no Brasil, cuja plasticidade
é capaz de produzir, a cada eleição, um facínora ainda pior que o anterior?
Pedro
Telles – Essa é uma pergunta muito grande e que muita gente está tentando
responder no Brasil e no mundo. Eu não me proponho a dar uma resposta exaustiva
ou conclusiva, mas tem algumas pistas que podemos e devemos seguir. A primeira
pista é a forma como Bolsonaro foi derrotado aqui no Brasil. Um elemento
central para isso foi a construção de uma frente ampla democrática, onde atores
de campos políticos diferentes, historicamente adversários, se juntaram em
defesa do sistema democrático e em oposição ao ator claramente antidemocrático.
Esses atores se juntaram e, inclusive, abriram mão de alguns interesses
individuais, pessoais e algumas prioridades políticas e ideológicas em nome de
juntos enfrentarem esse ator que era uma ameaça maior. Isso não aconteceu só no
Brasil. Essa questão de uma união, bastante pragmática inclusive, vimos
acontecer esse ano com algum sucesso, por exemplo, na França e em algumas
partes do mundo. Esse é um dos elementos.
<><> Processo de escuta
Tem
um segundo elemento que tem a ver com os atores que estão buscando defender a
democracia e derrotar os extremistas irem escutar as pessoas, os cidadãos e
construírem propostas, políticas e campanhas eleitorais mais baseadas em dados
do que em palpites, por mais que sejam palpites bem-informados, e também
baseadas em experiência política que se formou ao longo do último par de
décadas, mas que em grande parte a dinâmica mudou recentemente. Um dos grandes
ideólogos da campanha bem-sucedida do Brexit, da saída da Inglaterra da União
Europeia, dizia que se pedissem um orçamento para contratar uma equipe, ele
preferia muito mais contratar cientistas de dados do que uma equipe de
cientistas políticos. A visão dele é que cientistas políticos e outros atores tradicionais
da política e do marketing político com muita frequência se baseiam mais em
palpites pessoais e em um suposto entendimento que se tem individualmente com
essa dinâmica política e com relação ao eleitorado. Por outro lado, cientistas
de dados se baseiam em números e não em palpites e, com frequência, acertam
muito mais em função disso. Portanto, devemos escutar mais e melhor as
angústias, anseios, desejos e necessidades dos cidadãos.
<><> Regra do jogo
Tem
uma terceira dimensão que é da “regra do jogo” e das instituições que preservam
essas regras e fortaleçam esses aspectos. É muito evidente a relevância que a
Internet, e as redes sociais em específico, têm hoje em dinâmicas políticas,
não só em eleições. E, é muito evidente também, como há inúmeros abusos: uma
parte deles já ilegal, mas não coibido, outra parte não ilegal, mas só porque a
lei ainda não está atualizada para lidar com os novos desafios. Então, tem uma
questão de regulação de Big Techs que é muito central e vou além, como podemos
fortalecer os mecanismos da justiça eleitoral para lidar com essas dinâmicas em
seu novo tempo e assim por diante.
·
Em um contexto marcado
por profundas desigualdades e um sempre presente ressentimento por parte dos
excluídos, como derrotar o projeto político da extrema direita que promete a
redenção por meio do esforço individual?
Pedro
Telles – Aqui tem uma questão bastante central da gente olhar, que é a
capacidade da democracia entregar para as pessoas melhoras de vida. É muito
comum quando debatemos extrema-direita ficarmos concentrados no período
eleitoral, mas o período eleitoral é pontual, é um elemento do sistema
democrático e, em muitos sentidos, ele é o ponto final de processos políticos.
É o ponto onde o povo decide a partir do que aconteceu nos anos anteriores, a
partir do contexto político do país e contexto econômico oficial.
Concretamente, olhando para o Brasil e para o mundo mais amplamente, vemos
desigualdades crescendo, direitos trabalhistas diminuindo, problemas ambientais
impactando cada vez mais diretamente a população. Em um contexto em que as
políticas públicas não estão entregando adequadamente, não estão oferecendo uma
perspectiva de futuro e melhoria de vida às pessoas, é mais fácil prosperar um
discurso onde é cada um por si, onde cada um tem que garantir o seu e se
defender, que inclusive é uma lógica que só tende a piorar a dinâmica coletiva.
Mas tem o seu apelo em uma situação em que as pessoas estão percebendo que por
meio do poder público e a coletividade do Estado, acima de tudo, não tem uma
perspectiva de melhoria concreta. Tem um olhar importante de comunicação e
estratégia política eleitoral que é super relevante na pergunta que você faz,
mas, mais a fundo tem uma questão de como fortalecer a capacidade da democracia
e das instituições públicas de entregar para as pessoas melhorias de vida mais
relevantes e concretas.
·
É possível pensar, no
Brasil de hoje, a construção de uma direita civilizada, com projetos políticos
capazes de respeitar preceitos civilizatórios?
Pedro
Telles – Não é só possível pensar no Brasil de hoje a construção de
candidaturas de direitas democráticas, como é necessário. Precisamos, no campo
conservador, ter alternativas a todos os extremistas e ter alternativas com
capacidade de se eleger. Claro que é um cenário muito desafiador para essa
direita, porque os principais líderes do campo da direita hoje são extremistas,
então, tem que enfrentar de partida essas figuras, porém se debruçar sobre o
desafio. Assim como a esquerda também tem a necessidade de se debruçar sobre o
desafio de renovar seus quadros e renovar suas ideias para que elas dialoguem
melhor com ao atual contexto e que não passem o sufoco de saber se vão
conseguir ou não se eleger contra extremistas. Certamente é uma possibilidade,
por mais difícil do que seja. E, mais do que isso, é imperativo que atores de
direita comprometidos com a democracia busquem mostrar e abrir espaço para
candidaturas que são conservadoras e de direita, contudo, que respeitam o
sistema democrático. Quando olhamos para a dinâmica nacional, para a disputa da
Presidência ou de prefeituras em umas grandes capitais, o debate às vezes fica
um pouco binário, que é a disputa entre Bolsonaro e alguém indicado por ele ou
do campo dele versus Lula ou alguém apoiado por ele diretamente ou de mais
visibilidade. Agora, quando olhamos para uma dimensão subnacional –
governadores, municípios e legislativo – tem muito mais nuances. Essa
fragmentação inclusive do campo da extrema-direita com o Bolsonaro perdendo sua
hegemonia, que conservamos antes, possibilita mais espaço para o surgimento de
propostas, ideias e nomes que estão no campo de uma direita democrática – isso
também é necessário. A disputa presidencial e nas grandes cidades são muito
relevantes e, inclusive, a atenção midiática recebida por elas é muito maior,
mas é crucial que se perceba a disputa nas cidades menores e nos cargos
legislativos, que são lugares onde o espaço tende a ser maior para novos nomes,
propostas e ideias e para um enfrentamento à extrema-direita em uma outra
configuração. É bem importante olhar para isso.
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Deseja acrescentar
algo?
Pedro
Telles – Um ponto que eu acrescento tem a ver com a necessidade de sairmos da
defensiva. Em um contexto de ataques à democracia é natural que atores
democráticos adotem uma postura de defender o sistema democrático, de estar
respondendo a ataques. Mas precisamos também construir horizontes e formas de
pautar os debates com nossas propostas, políticas e assim por diante. Tem uma
dimensão importante nessa discussão toda que é quem pauta o debate? Quem dá os
termos do debate? E vamos vendo no Brasil, nos últimos anos, um debate muito
pautado pela extrema-direita, estamos basicamente jogando no campo do
adversário, ainda que defendendo algumas ideias e com alguma frequência ainda
ganhando, não só perdendo. Apesar do cenário como um todo ainda ser de mais
perdas do que ganhos, nos últimos anos houve ganhos muito importantes, quem
está pautando ainda é, majoritariamente, um campo de extrema-direita. Nesse
ponto tem uma questão que é a de construir propostas, comunicação, fatos e
entregas que nos permitam pautar. É muito importante olharmos para isso: sair
de um lugar só de defensiva e ir para um lugar de defensiva e de proposição.
Fonte:
IHU e Baleia Comunicação
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