Emilio Cafassi: ‘Uruguai - amanhecer de uma
eleição agitada’
A longa noite parece
estar dando trégua na margem oriental do Rio da Prata, onde um primeiro clarão
apareceu suavemente no horizonte, embora apenas no dia 24 de novembro saberemos
se estará acompanhado do necessário vento dissipador do manto escuro que nos
envolve nos últimos cinco anos. Neste caso, deixaríamos para trás cinco anos de
ruína social, destruição de direitos e liberdades, juntamente com os infames
escândalos de corrupção que marcaram este período.
Estou entusiasmado com
esta perspectiva, embora o resultado eleitoral em seu conjunto me deixe certo
ressaibo agridoce. Não por me contagiar com o entusiasmo exultante que
floresceu entre os militantes da Frente Ampla nos territórios, induzidos pelo
desejo encorajador de um avanço avassalador neste primeiro turno, que em alguns
se transformou em desalento subjetivo logo em seguida, diante do rigor dos
fatos. Embora eu reconheça que as margens de erro das pesquisas podem se
ampliar, parecia pouco provável que todos os institutos tivessem previsões mais
ou menos convergentes e que todos excluíssem uma vitória no primeiro turno.
Eu não esperava mais
votos no resultado legislativo. Por isso, não viajei, embora minhas memórias
remetam para as celebrações das vitórias da Frente Ampla em Montevidéu, que
sempre foram dos momentos mais felizes de minha vida. Sobretudo naquela noite,
quando Pepe Mujica ganhou a presidência e os braços foram milhares de abraços
em profusão e as gargantas os cantos que fizemos soar até o amanhecer, já não
literário, mas literal, pelas ruas do centro da cidade e pela orla.
Não posso deixar de me
alegrar com a maioria absoluta no Senado, com a aproximação da maioria na
Câmara dos Deputados, e menos ainda, em termos subtrativos, com a exclusão
parlamentar do ultradireitista Manini Ríos e do multisserviçal Mieres. Embora
ofuscada pela derrota da cédula branca do Sim, um espinho que reaviva
desilusões passadas, como aquela, também naquele 2009 de alegria, com o mesmo
contraste amargo. Perderam-se então os referendos da cédula rosa, revogando a
sinistra lei da caducidade, e da cédula branca incorporando o voto no exterior
para a diáspora, ambas ainda expressões de atraso e falta de escrúpulos,
agravando nossa dívida com a história.
Discordo da conclusão
crítica da ex-vice-presidente Lucía Topolansky sobre a pertinência da
iniciativa do PIT-CNT [Plenário Intersindical dos Trabalhadores – Convenção
Nacional dos Trabalhadores] de convocar um plebiscito para alterar um artigo da
Constituição a fim de garantir e ampliar a seguridade social. Em declarações à
estação de rádio de sua região, M24, afirmou que a discussão sobre
o plebiscito “desvia esforços e energias” ao mesmo tempo que “gerou conflitos e
tensões nos comitês de base”.
Não nego que estas
tensões tenham surgido, embora desconheça os detalhes, mas o mais provável é
que se devam à atitude dilatória da própria Frente Ampla, de adiar os debates e
esperar por consensos quase excludentes, particularmente quando se trata de iniciativas
dos movimentos sociais, para evitá-los através do atalho da “liberdade de
ação”. Não é a primeira vez, é uma conta a mais num grande colar de freios e
posteriores fracassos de iniciativas de democracia direta que surgiram na
dinâmica de construção identitária e de reivindicação dos movimentos sociais.
Inversamente, creio
que qualquer debate político não partidarizado, como os gerados pelos
institutos de democracia direta (referendos ou plebiscitos), permite que as
discussões sejam transversais, enriquecendo a argumentação, em oposição à mera
emotividade ou tradição, um campo em que a esquerda e o progressismo devem se
sentir à vontade. Além disso, embora não seja a única forma de apelar para
estes institutos, a convergência com a eleição nacional é talvez a forma mais
viável de utilizar esta ferramenta de poder dos cidadãos.
Assim, atribuir-lhes
um caráter de distração não só desencoraja, como desincentiva mecanismos que
deveriam ser ampliados tanto em frequência quanto em alcance, entre outras
razões, para incentivar um contato mais assíduo com os cidadãos e distanciar-se
dos partidos tradicionais. Mais ainda neste caso, sobre o qual argumentei num
artigo anterior, concluindo que o movimento operário uruguaio lançou, com a
iniciativa, uma contraofensiva oportuna e precisa, superando o momento
defensivo para levar adiante um questionamento contundente, que demonstra outra
vez ser um exemplo em nível mundial.
Não obstante,
compartilho a opinião de Lucía Topolansky, que, ademais, é uma referência
histórica do setor que arrebatou quase metade dos votos da Frente – o Movimento
de Participação Popular (MPP) –, de que a Frente Ampla tem grandes
possibilidades na eleição, uma previsão que se baseia também, como indicou o
pesquisador e cientista político Oscar Bottinelli, na estrutura e na capacidade
organizativa da Frente Ampla, que não é apenas um lema, mas uma força coesa que
articula sua militância com os cidadãos.
Em contrapartida,
parece pouco provável que o candidato do Partido Nacional (PN), Delgado,
consiga reunir todos os votos do primeiro turno dos membros da coalizão
governamental que ele próprio aspira a recriar. Delgado deve tentar conservar
para si a totalidade dos votos que foram para os partidos da atual coalizão
governamental. Se me permitem ironizar com a teoria do desenvolvimento
psicossexual de Freud, ele estaria com fixação na fase de retenção anal. A
Frente Ampla, pelo contrário, deverá captar alguns fragmentos de tal
eleitorado, ainda que não exclusivamente dele.
Ambas as forças
deverão desenvolver estratégias para capturar os votos necessários à vitória.
Lucía Topolansky considera a possibilidade de buscar algumas coincidências
programáticas com partidos que não ingressaram no parlamento, enquanto
Bottinelli sugere apelar à exacerbação de rivalidades e incompatibilidades
atuais e históricas. Sem dúvida, o programa atual da Frente, com sua forte
ênfase ambientalista, poderia captar algo do eleitorado do Partido Ecologista
Radical Intransigente (PERI) ou, em menor medida, do Partido Verde Animalista
(PVA).
Acho difícil que a
Unidade Popular-Partido dos Trabalhadores (UP-PT), que participaram com o lema
“Assembleia Popular”, possa transmitir algo de sua já muito escassa
contribuição, pois praticamente se baseou na crítica à Frente Ampla diante do
suposto abandono das bandeiras mais radicais ou comprometidas com os mais
submersos. No entanto, creio que há algo que a Frente Ampla pode resgatar se
for receptiva às reivindicações e opiniões de ex-militantes descontentes. É
provável que uma parte significativa deles se expresse através do voto em
branco ou nulo, expressões que têm revelado uma tendência crescente na série de
seis eleições realizadas desde a reforma constitucional de 1996.
A tabela e o gráfico
mostram essa tendência com a particularidade de que o voto nulo foi o mais
baixo precisamente quando, em 2004, a Frente Ampla ganhou no primeiro turno,
levando Tabaré Vázquez à primeira presidência, momento em que se concitaram as
maiores esperanças. Mas, se o voto nulo, depois disso, tendeu a subir, o voto
em branco registrou a maior queda da história em 2009, quando Pepe Mujica foi
eleito. O número atual não é, de modo algum, de se ignorar.
Muitos setores
gostariam de obter essa colheita eleitoral se fosse uma expressão organizada.
Sairiam dela com pelo menos um senador e vários deputados. A questão é saber se
as expectativas desses dois momentos fundadores da experiência de governo da
Frente Ampla podem ser estimuladas, atraindo algumas dessas vontades
desanimadas.
Ultrapassaríamos o
limite de espaço, além de sobrecarregar o leitor com mais tabelas e gráficos,
se fôssemos detalhar ao mesmo tempo a evolução do comportamento comparativo da
Frente Ampla entre o primeiro e o segundo turno, o que deixaremos para outra oportunidade.
Adiantemos apenas que, como sempre foi a primeira minoria, sua razão de
expansão é mais limitada do que a daqueles que a seguiram (Partido Colorado e
Partido Nacional nas cinco eleições anteriores), embora esta escassez se
inverta se deixamos de considerar a segunda minoria e a comparamos com a soma
de todos os seus adversários.
Tal como a Frente
Ampla já não é mais aquela esperança, mas uma trajetória de gestão de 15 anos
(2005-2020), com seus indubitáveis claro-escuros, tampouco a coalizão
oficialista (2020-2025) é uma possibilidade apenas regressiva, mas a encarnação
comprovada e ainda vigente da decadência, da venalidade e do sofrimento
popular.
Fonte: A Terra é
Redonda
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