sábado, 9 de novembro de 2024

Eduardo Vasco: A eleição de Trump pode ser uma oportunidade para o Brasil

Com maioria no Senado e muito provavelmente na Câmara dos Deputados, Donald Trump terá um maior controle sobre a política norte-americana. Além disso, tudo indica que ele aprendeu um pouco com os erros de seu primeiro mandato e desta vez terá homens de alta confiança nos principais postos governamentais. Há muita preocupação, entre os elementos tradicionais do establishment, que ele reorganize toda a burocracia estatal e construa um Deep State próprio. 

A força avassaladora de Trump, comprovada nestas eleições, indica que os donos tradicionais do Deep State podem ter de adotar a máxima do “se não pode com ele, junte-se a ele”. Os grandes jornais, prevendo a vitória do republicano, decidiram não declarar apoio a nenhum candidato, apesar de sua cobertura ter sido claramente anti-Trump e pró-Harris. Nos últimos meses da campanha, também foi possível verificar um aumento no financiamento da candidatura Trump por grandes corporações, em comparação com o período anterior à entrada de Harris na disputa (embora esta, mesmo assim, tenha recebido o dobro de dinheiro do republicano). As previsões mais recentes dos mecanismos do mercado financeiro também indicavam uma vitória de Trump, contrastando com o empate técnico verificado nas pesquisas de intenção de voto.

Apesar disso, caso o regime político estadunidense se adapte a Trump, seus representantes farão de tudo para colher concessões do presidente eleito. As principais publicações que orientam os formuladores da política externa americana, como a Foreign Affairs, têm publicado artigos alertando para o mal que uma política trumpista pura representaria para os Estados Unidos. Em outras palavras, como o isolacionismo enfraqueceria o sistema imperialista de dominação global.

<><> O caso brasileiro e latino-americano

Contudo, se na Europa e na Ásia a política externa de Trump pode resultar na debilitação do intervencionismo americano, o cenário na América Latina provavelmente não seguirá essa tendência. Claro, o imperialismo está numa fase histórica de decadência, mas, por ser o quintal dos Estados Unidos, o continente tem maiores dificuldades de reagir contra a dominação imperial. As classes dominantes dos nossos países não passam de vassalas de Washington, que, devido à proximidade geográfica, exerce um controle mais efetivo sobre elas do que sobre as de outros continentes.

Somos um dos pontos de menor divergência entre a ala trumpista e a ala “globalista” da burguesia americana. As duas concordam que o Hemisfério deve ser de controle exclusivo dos Estados Unidos. A Doutrina Monroe faz parte do ABC político dessas duas alas. A armadilha da dívida externa escraviza nossos povos sob o jugo do FMI e do Banco Mundial. Os abundantes recursos naturais nos tornam presas imediatas para os grandes monopólios industriais. Trump tem uma política extremamente favorável à voracidade das grandes petroleiras, e Brasil e Venezuela cheiram a petróleo. Elon Musk, o mais proeminente magnata trumpista, olha para as reservas de lítio de Brasil, Argentina, Chile e Bolívia com uma cobiça indisfarçável (basta lembrar de suas palavras quando do golpe na Bolívia).

Nos últimos anos, os Estados Unidos escalaram a ofensiva sobre o nosso continente. Se Trump, em seu primeiro mandato, adotou uma política relativamente pacifista com relação ao resto do mundo, na América Latina ele quase derrubou os governos de Nicarágua (2018) e Venezuela (2019), além de ser bem-sucedido com o golpe de Estado na Bolívia (2019) e a eleição de um fantoche no Brasil (2018).

Ao mesmo tempo que mantinha o espólio dos nossos países, o protecionismo de Trump (seguido, em muitos aspectos, por Joe Biden) afetou duramente as exportações do Brasil. Ele impôs uma tarifa de 25% ao aço brasileiro, acusando-nos de ser uma “ameaça à segurança nacional dos EUA”. Biden manteve essa medida e agora todos consideram que as tarifas também prejudicarão a exportação de milho, soja, ferro, biocombustíveis e partes de maquinário.

As transações comerciais com os EUA já tiveram um déficit de 1,1 bilhão de dólares em 2023 e a redução das exportações, motivada pelas altas tarifas, deverá elevar ainda mais esse déficit. A política econômica de Trump também deverá elevar os juros e valorizar o dólar, conduzindo ao aumento da inflação no Brasil. A grande imprensa monopolista brasileira – sucursal dos veículos estadunidenses – já está usando isso para pressionar ainda mais fortemente por um arrocho fiscal, porque os bancos internacionais precisarão compensar as perdas com o protecionismo nos EUA aumentando o espólio dos outros países.

<><> A necessidade de um reposicionamento do Brasil

Se for mantida a política de submissão (que Lula não tem conseguido superar) diante dos EUA, a crise econômica no Brasil vai piorar vertiginosamente. Claro que os primeiros a senti-la (e os que a sentirão mais profundamente) são os pobres, os trabalhadores e os camponeses. Mas os empresários que não pertencem – totalmente – ao seleto grupo de sanguessugas e parasitas antinacionais também serão fortemente afetados.

O Brasil vai presidir o BRICS no primeiro ano de mandato de Trump nos Estados Unidos. Uma das principais tarefas do País será avançar com o processo de desdolarização dentro do bloco, iniciado e impulsionado por China e Rússia. Dentre os seríssimos equívocos do governo com relação ao BRICS, está o de optar por um processo mais lento de abandono do dólar como moeda exclusiva de negociação. Diante da nova realidade, isso terá de ser revisto e revertido, porque a redução e – oxalá – o fim da dependência do dólar é uma necessidade imperativa para qualquer nação que pretende ser soberana.

Com efeito, a presidência brasileira do BRICS em meio ao relacionamento econômico crescentemente negativo com os EUA de Trump abre uma oportunidade imperdível de distanciamento dessa dependência quase escravagista. Ao ver dificultada a exportação de soja para os EUA, por exemplo, o Brasil pode orientá-la para a China. O aço também pode ser dirigido para os Emirados Árabes e a América Latina e Caribe, grandes importadores do Brasil. 

Além do BRICS, abre-se também uma chance de fortalecimento da integração latino-americana através dos mecanismos regionais como a Celac e o Mercosul (desde que a política desse organismo seja reorientada para os interesses nacionais). Agora que os democratas tomaram uma surra e foram escorraçados da Casa Branca, do Congresso e do Senado, pode ser que o presidente Lula também se sinta menos amarrado às suas pressões, volte atrás nos ataques do governo à Venezuela e à Nicarágua e busque retomar as boas relações com os dois países, o que seria vital para o fortalecimento do Brasil e da região diante da ofensiva que virá. Porque se o governo continuar com suas hostilidades contra os países irmãos, estará objetivamente aliando-se a Donald Trump. Isso vai deixar claro para todos os ingênuos dirigidos pela Globo que o ataque à Venezuela não passa de um alinhamento à extrema-direita nacional e internacional.

Aqui entra um ponto delicadíssimo que merece profunda reflexão de Lula e do PT. A vitória de Trump impulsiona os instintos golpistas de toda a oligarquia latino-americana e, particularmente, da extrema-direita, ainda em crescimento. Ela não fica apenas animada e motivada, mas vai também receber apoio material para desestabilizar os governos minimamente nacionalistas da região. Se Javier Milei já demonstrou ser a ponta de lança da ofensiva imperialista na América Latina, com Trump no poder nos EUA essa parceria vai crescer.

A pressão sobre o Brasil vai dobrar. Jair Bolsonaro acaba de declarar que a eleição de Trump “é um passo importantíssimo” para ele mesmo voltar ao governo – e, se não for possível, alguém apoiado por ele. Mas o capitão reformado não escondeu suas esperanças no apoio do novo governo dos EUA: “acredito que o Trump gostaria que eu fosse elegível.” Demonstrando sua disposição apaixonada de servir novamente ao imperialismo americano, como se estivesse balançando o rabinho para o dono, Bolsonaro disse que “sabe o seu lugar”: “estou para ele como o Paraguai está para o Brasil.”

É tão claro como a água que a oposição bolsonarista vai tentar tirar o máximo proveito do fato de Trump assumir o governo para prender ainda mais o Brasil sobre o colo do Tio Sam. Porque, embora Trump não seja um representante típico do sistema imperialista americano, os bolsonaristas – amantes da bandeira americana – o veem como o grande símbolo do poder e da força dos Estados Unidos, que devem reinar eternamente sobre a face da Terra. No Congresso brasileiro há muitos exemplos dessa vassalagem, a começar por Eduardo Bolsonaro, que esteve abraçando Trump em Mar-a-Lago.

Mas os agentes dos EUA estão espalhados por todo o Congresso e também pelos governos estaduais, prefeituras e todos os órgãos de poder no Brasil. Lula e o PT terão de enfrentá-los de maneira contundente, o que significa abandonar as alianças que fazem até mesmo com os próprios bolsonaristas – o PT apoia 52 prefeitos que também são apoiados pelo PL. A imprensa está aproveitando tanto o resultado das eleições municipais quanto o das americanas para fazer campanha por um governo de centro, ou seja, da direita oligárquica neoliberal e lacaia dos EUA – ou de uma frente ampla à qual Lula se submetesse com medo do espantalho do bolsonarismo. Mas essa quinta coluna, que também está dentro do governo, é tão agente do regime americano quanto os bolsonaristas, por isso seus ataques retóricos a Trump ou a Bolsonaro não devem ser mal-interpretados como nacionalismo. Uma deposição de Lula (seja nas eleições ou não) pode servir tanto aos interesses de Trump como aos do establishment imperialista.

A conclusão, mais uma vez, é a de que o governo Lula ainda pode reduzir a dependência brasileira do imperialismo americano, aproveitando-se do enfraquecimento do Deep State e do regime como um todo com o isolacionismo de Trump. Mas para isso terá a obrigação de combater os agentes dos EUA no Brasil, que poderiam se unificar para evitar que o Brasil se afaste dessa dependência.

 

¨      Marconi Moura de Lima Burum: Por que a eleição de Trump é boa para o Brasil e para o mundo?

“Tudo o que é sólido se desmancha no ar”, já dizia Karl Marx. Nenhum império dura para sempre. Basta! Os Estados Unidos da América, por seus sádicos-cínicos líderes – e com a chancela de seu povo – têm levado crueldade, dor e exploração ao limite a centenas de povos. Por tantas vezes (e guerras), assassinam pessoas inocentes mundo afora. E tudo isso já dura um século. E não suportamos mais. A Palestina (seu povo inocente) não suporta mais. O continente africano, tão dividido intra-nação com guerras civis em diversos territórios seus, conflitos estes patrocinados pelos EUA e outras nações imperiais que doam (vendem) armas ao extremo, e levam destas nações suas riquezas naturais à última “gota”: a África não suporta mais. A América Latina, quase sempre tão instável; vítima das dezenas de golpes e ditaduras militares motivadas pela maldade estadunidense, não suporta mais. Basta!

Pobreza e miséria; concentração extremista de renda; e um capitalismo cada vez mais selvagem é o legado dos EUA para a humanidade. E mesmo que digam que a ciência, os avanços tecnológicos da comunicação, das indústrias farmacêuticas e aeroespacial também são legados (neste caso, positivo) dos EUA, data vênia, discordarei. Afinal, restaria uma pergunta crucial para uma premissa honesta ao debate: seriam os EUA toda esta potência para o desenvolvimento científico-tecnológico do mundo não fosse cada metal, petróleo, planta (e tantos outros recursos) expropriados dos povos e territórios latinos, africanos, asiáticos, árabes – com toda a semântica de uma maldade sofisticada?

Então! Começamos este texto com uma frase de impacto. É válido outra sentença para um melhor dizer que não seja o meu próprio. Dessa forma, concordamos que “impérios não são destruídos por forças externas, e sim por fraquezas internas”. Quem nos – estranhamente – ensina isto é a ficção. A frase foi proferida por Lionel Luthor, uma personagem da série “Smallville” que traz uma abordagem sobre um “herói” de gibis, o Super-Homem (aliás, não há nada mais cafona que esse espectro de “salvador” do mundo todo estereotipado: bem “americano” isso!). 

É verdade que a premissa da frase em questão não é absoluta. Os impérios caem pela potência das circunstâncias (no caso econômico, por exemplo, a ascensão da China ameaça sobremaneira o poderio estadunidense); pela resistência dos povos (tantos os movimentos sociais, ambientais, quanto os organismos de representação dos Direitos Humanos, que mobilizam seus líderes mundiais para fazer contrapontos geopolíticos à arrogância e ignorância dos EUA). Portanto, as forças externas abalam sim as estruturas de um império. No passado, mesmo as guerras de outros impérios que se erguiam, ou de reunião de nações menos potentes eram capazes de fissurar as muralhas de grandes impérios. Com os EUA, ainda que nos arranjos infraestruturais da contemporaneidade, não será diferente.

Contudo, esta frase do famoso adversário do Super-Homem, na intimidade, o Lex, tem um valor adicional para justificar o título deste texto. Existe um enorme risco, uma variável quase ao limite do verossímil que o próximo Presidente dos EUA (auto)destruirá os EUA. Problematizemos. 

Faz tempo que este império está cambaleando. Sua economia não responde aos anseios de uma classe média que perdeu muito de seu padrão (do “American Dream”); de pobres cada vez mais pobres; de uma concentração de renda cada vez mais agudizada. E Trump, um bilionário excêntrico e um déspota ignóbil, como não soube governar para o povo no primeiro mandato, também não saberá (e não quererá) no segundo mandato. Com uma vantagem (para ele, claro!)… Agora o “homem alaranjado” terá mais poder, mais capital político (foi avassaladora sua vitória), com uma base maior no Congresso estadunidense, com a maioria dos juízes da Suprema Corte como seus aliados, com mais raiva no coração (não perdoa as instituições e a democracia por não ter implantado seu projeto ditador naquele 6 de janeiro de 2021), e com mais idade (o que deveria lhe dar sabedoria, em seu caso, tende a dar sentimento de urgência à concretização de metas fascistas).

Ocorre que a variável que não se pode ignorar é o sofrimento de seu povo. Sim, é o mesmo povo que votou no “antissistema”. E sim, é o mesmo povo que está bastante decepcionado com o atual Presidente (Democrata) que não lhes devolveu – com ações concretas – a qualidade de vida e o padrão de consumo que é a máxima cognitiva do existir estadunidense. É um paradoxo, mas um dia – mesmo que para isso haja muita dor no habitar de um tempo histórico – o povo que votou contra o “sistema” porque este lhe faz sofrer, enxergará que Donald é ainda mais sistema (é o suco podre do capitalismo) e, portanto, levará ainda mais pobreza, desemprego e dolorosas agruras ao povo que nele votou. Logo, é muito possível que surja uma “primavera americana”; que haja uma convulsão social; que o país colapse a tal ponto de não-volta – como império.

Se isso é uma esperança: ver o fim do império? Sim, mas tem base lógica e dado histórico a validar. E, se isso realmente acontecer como (parecido com o) que estou prevendo, finalmente o Brasil e o mundo encontrarão a paz mínima. Até lá é torcer pelo desastre do Governo Trump (isto é, a não-entrega das promessas de vida a seu povo e as de sofrimento aos seus inimigos imaginários), assim, enfraquecendo-o  dia após dia o seu poder e, com isso rezar para que, i) o império sucumba e ii) seu povo – os inocentes – sofram o mínimo possível com essa tragédia que elegeram.

 

¨      Eleições EUA 2024: vitória de Trump escancara que moderação não detém o fascismo. Por Roberto Santana Santos

Donald Trump venceu as eleições presidenciais estadunidenses e retorna à Casa Branca. Venceu apesar de suas grosserias, barbaridades, falas racistas, demagógicas e xenofóbicas. E, principalmente, mesmo tendo tentado fraudar as eleições de 2020 – como revelam gravações em que “solicita” que as autoridades da Geórgia “encontrassem” 11 mil votos, e sua tentativa de golpe transmitida ao vivo para o mundo inteiro em 6 de janeiro de 2021. Ao que parece, a maioria do eleitorado americano não se importa nem um pouco com isso. É necessário, mais do que constatar essa realidade evidente, compreender porque tantas pessoas mantêm seu apoio firme à extrema-direita.Há um elemento prévio, no entanto, que não pode fugir à análise. A economia estadunidense apresentou sinais de melhora com o governo Biden. A média de crescimento do PIB do presidente em final de mandato é de 3,27% contra 1,42% do governo Trump. Mesmo se retirarmos da conta o ano de 2020 (quando iniciou a pandemia de Covid-19), o primeiro mandato de Trump permanece aquém (2,6%) ao de Biden. O desemprego na sociedade norte-americana, que se manteve em queda permanente durante toda a década de 2010 (governos Obama e Trump), explodiu em 2020, chegando a 8,06%. Biden, entretanto, o trouxe de volta para patamares pré-pandêmicos (3,63% em 2023).

Na inflação, sim, encontra-se a fraqueza do governo democrata. No século XXI, o índice nos EUA nunca esteve até então acima dos 4%. A média no governo Trump foi de 1,90%. Porém, o pós-pandemia levou a uma crise inflacionária mundial, que coincidiu com o governo Biden, atingindo o pico de 8% em 2022, baixando para 4% em 2023. Ou seja, há uma tendência de queda dos preços, mas estes permanecem ainda em patamares altos, o que castiga a classe trabalhadora e restringe o consumo dos setores médios. 

Perante uma realidade amarga economicamente, não surtiram efeito os apelos de “defesa da democracia” por parte de Biden. A “batalha pela alma da nação” (seu lema de campanha em 2020) pretendia fazer dos “valores democráticos”, aparentemente tão caros ao cidadão estadunidense, um instrumento ideológico para combater o avanço da extrema-direita. Um bom slogan, porém, não muda a realidade, mas sim, a organização popular, a mobilização da militância e a disputa permanente de ideias na sociedade. E isso está muito distante da política institucional norte-americana, como de qualquer sistema liberal-representativo.

Como o fascismo não se importa com o modo “certo” de fazer política, Trump se manteve ativo desde que deixou a cadeira presidencial. Transformou o partido Republicano de conservador numa agremiação de extrema-direita fundamentalista. Resistiu contra seus indiciamentos e condenações. Sustentou a narrativa de que a eleição de 2020 foi fraudada, o que justificaria o 6 de janeiro de 2021 não como um golpe, mas como um levante popular contra “o sistema”. E, com isso, não só garantiu uma terceira indicação sucessiva como candidato republicano, algo inédito na história contemporânea do país, como entrou na disputa como favorito.

Para usar um termo muito caro à esquerda, podemos classificar Trump e seus seguidores como “militantes”. O fascismo quando adquire projeção de massas empolga, engaja e cultiva o sentimento de que o seguidor faz parte de uma coletividade ofendida que se levanta contra aqueles que lhe negaram o sucesso e o bem-estar. Assim, o fascismo age como instrumento do capital para o controle da classe trabalhadora em momentos de crise aguda, trabalhando o ressentimento gestado pela precariedade e o direcionando não para os reais culpados – os capitalistas, classe a qual Trump pertence -, mas, ao “outro” (imigrantes, LGBTs, comunistas, feministas, muçulmanos, intelectuais), o “inimigo” construído pela oratória extremista, que canaliza o ódio ressentido das maiorias para a manutenção do sistema e não para sua contestação.

Desde a primeira candidatura de Trump em 2016, os estados do “rust belt” (cinturão da ferrugem, como Michigan e Wisconsin), outrora uma área densamente povoada de indústrias e operários, que fazia parte do “blue wall” (a parede azul, estados que sempre votavam nos democratas), se tornaram “estados-pêndulo” (que não possuem orientação definida, mudando a cada eleição), evidenciando o estrago que o neoliberalismo e a desindustrialização fizeram com esse setor da classe trabalhadora. Por outro lado, estados antes parte do “pêndulo” se tornaram definitivamente republicanos, como a Flórida, povoada por uma comunidade latino-americana reacionária e que nutre ódio pelos governos de esquerda/progressistas de seus países de origem, como Cuba, Venezuela e também o Brasil. 

Transpassando classes e grupos sociais, o fascismo estadunidense mobiliza o descontentamento real imposto pelo neoliberalismo tardio, contra um “outro”, representado pela ameaça do “diferente” e do “amoral”, contra um liberal-centrismo que parece viver no idealismo de uma “democracia” cada vez mais repudiada pelos seus próprios cidadãos que deveriam usufruir dela. Aparece assim como elemento disruptivo, adquirindo contorno de movimento de massas, mobilizando um sentimento verdadeiro para um objetivo falso, se apresentando como antissistêmico, quando em verdade é um mecanismo eficiente de proteção desse mesmo sistema.

Na véspera da votação nos Estados Unidos, Guilherme Boulos (Psol) concedeu sua primeira entrevista após o segundo turno das eleições municipais brasileiras, chamando a atenção justamente para o suicídio político que representa uma esquerda querendo adotar uma postura de “centro”, em um momento de profundo repúdio a essa posição. Seria, como mencionou, não uma derrota eleitoral, mas histórica, deixando a contestação a um sistema disfuncional nas mãos da extrema-direita que teria caminho aberto para uma longa hegemonia. Na vizinha Argentina também vimos o preço pelo fracasso de um “governo progressista” (Alberto Fernández) que preferiu adotar um “extremismo de centro” do que uma postura de mobilização ativa, o que selou a vitória de Milei.

Mais do que a vitória eleitoral, a resiliência e o crescimento da extrema-direita liderada por Trump são um exemplo (de enorme influência) de que em conjuntura polarizada, dados positivos na economia e defesa abstrata da “democracia” não são garantidoras da vitória. A polarização contra o fascismo é uma necessidade imperiosa, não um capricho retórico. Os apelos à “moderação” não o detém, porque o fascismo só se torna uma opção de massas justamente quando os mecanismos convencionais da política liberal-representativa não têm propósito para amplas camadas da população. Em tempos de clamores ao centro por parte de setores vacilantes do campo popular brasileiro, os sinais vermelhos da conjuntura vindos (não só) de Washington são evidentes e demarcam que contra o fascismo é necessário calçar as luvas e encarar o confronto.

 

Fonte: Brasil 247

 

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