sábado, 2 de novembro de 2024

Como preparar seu cérebro para uma prova

Cientistas dizem que novidades e histórias são ótimas estratégias para melhorar o processo de aprendizagem, enquanto sono e atividade física são cruciais para reduzir o estresse e reter informação.

4,3 milhões de brasileiros farão a prova do Exame Nacional do Ensino Médio 2024 (Enem) para tentar garantir uma vaga no ensino superior.

Preparar-se para as provas pode ser desafiador, e muitos adotam rotinas intensas de estudo, repassando conteúdos por horas a fio.

Mas e se o segredo de uma boa revisão não for apenas mais horas de estudo, mas sim entender como o cérebro aprende e lembra das coisas?

<><> Cada um aprende de um jeito

O neurocientista Bogdan Draganski, do Hospital Universitário Insel em Berna, na Suíça, diz que não existem truques rápidos ou "atalhos fáceis" para o sucesso escolar.

Segundo ele, aprender é um processo individual, onde as "diferenças individuais de motivação, atenção e cognição" de cada um fazem com que não exista uma forma única de aprender.

Sendo assim, o que diz a ciência sobre como otimizar o aprendizado para os exames?

<><> Como o cérebro aprende informações complexas

O cérebro armazena memórias como conexões entre os neurônios, particularmente nas regiões do hipocampo e da amígdala cerebral. A essas conexões dá-se o nome de sinapse.

Novas memórias são formadas quanto os neurônios criam novas sinapses com outros neurônios, gerando uma teia de conexões neuronais. Mas é preciso trabalhar na manutenção dessas memórias se quisermos acessá-las depois.

Só que a ciência ainda não sabe ao certo o que acontece no cérebro quando aprendemos informação que é mais complexa que uma única memória.

"Os mecanismos que regem a formação, consolidação e recuperação bem-sucedidas da memória episódica ainda são elusivos", afirma Draganski.

Isso porque, segundo ele, o aprendizado é um processo "tremendamente complexo" no cérebro, que depende de estímulos sensoriais, emoções, níveis de estresse, centros de processamento cognitivo e, claro, redes de memória.

"E tudo isso varia de indivíduo para indivíduo de acordo com o sexo, gênero e fatores socioeconômicos e ambientais", explica o neurocientista.

É por isso, frisa Draganski, que cabe a cada um encontrar seu próprio processo individual de aprendizagem – e, sim, ele pode ser diferente daquele que te foi inculcado na escola.

<><> O poder das histórias

Aprender e reter novas informações depende de dois processos principais: a codificação, quando as novas informações são inicialmente aprendidas, e a consolidação, quando essas informações são fortalecidas nas áreas de memória do cérebro.

Estudos sugerem que praticar a "recuperação ativa" – o ato de testar a si mesmo sobre o que aprendeu – melhora a retenção da memória em comparação com o estudo passivo, que inclui hábitos como a releitura de anotações.

Neurocientistas também apontam que nosso cérebro é programado para buscar novidades. Isso significa que você provavelmente lembrará melhor de informações novas e interessantes, enquanto ambientes previsíveis, como algumas salas de aula, podem te fazer se sentir desmotivado.

A atenção é crucial nesse processo de fixação do aprendizado. Por isso, é importante encontrar várias formas diferentes de aprender a mesma coisa – pode ser com vídeos educacionais, leitura, podcasts, memes e até mesmo desenhando ou cantando sobre o que você aprendeu.

Outra boa estratégia é inventar histórias sobre o que se aprendeu. Estudos mostram que o cérebro retém 50% mais informação de textos narrativos do que descritivos.

<><> O fator estresse

A ciência também mostra que o estresse tem um grande impacto nos processos de aprendizado e formação de memórias.

Um pouco de estresse pode de fato melhorar a formação de memórias. Mas estresse demais vai te impedir de acessá-las e atualizá-las posteriormente com novas informações – e isso pode ser fatal no dia da prova.

Quando o estresse toma conta de você, ele inibe a capacidade do cérebro de codificar informações, tornando o processo de aprendizagem mais penoso e menos eficaz. Em casos extremos ele pode levar à ansiedade, que torna tudo ainda mais desafiador.

<><> Dicas testadas pela ciência para um aprendizado mais eficaz

Draganski tem um conselho para adolescentes que querem aprender melhor: "Viva uma vida saudável." Por vida saudável, entenda-se: manter rotinas saudáveis de sono, alimentação e atividade física.

O sono, em particular, é crucial para o processo de aprendizagem e consolidação da memória. É durante o sono que o cérebro processa e organiza informações, fortalecendo as conexões neuronais que ajudarão a lembrar delas depois.

Já a falta de sono, além de aumentar os níveis de estresse, pode prejudicar a concentração e a memória.

Adolescentes precisam dormir entre oito e dez horas para manter o bom funcionamento cognitivo do cérebro, e Draganski aconselha os jovens a zelar por esse repouso, ainda que isso signifique "desafiar as autoridades escolares, caso a escola comece muito cedo".

<><> Atividade física e redução dos níveis de estresse

Outra dica de Draganski é praticar atividades físicas com frequência, já que isso traz benefícios profundos para o funcionamento do cérebro, especialmente entre adolescentes.

Exercícios físicos ajudam a administrar o estresse, reduzindo os níveis de cortisol e liberando endorfinas, que promovem a sensação de bem-estar. Mesmo uma caminhada curta ou uma ginástica leve podem ajudar a aumentar o foco, reduzir a ansiedade e tornar a revisão de conteúdos escolares mais eficiente.

Draganski, porém, ressalta que o sucesso escolar na juventude também depende em alguma medida do apoio que se tem dentro de casa.

Meditação ou técnicas de respiração profunda podem ajudar a manter o estresse sob controle – tanto para lidar com as provas quanto com a família.


Livro ou computador: o que é melhor para aprendizagem?

O filósofo grego Sócrates acreditava que as ideias escritas caiam no esquecimento. Agora, milhares de anos depois, estamos na posição privilegiada de poder discutir o pensamento de Sócrates, porque ele foi justamente escrito. Hoje em dia, comentaristas dizem com frequência que a palavra escrita, ou seja, os livros, é melhor do que computadores para o ensino.

O argumento usado para justificar essa afirmativa é o mesmo de Sócrates em relação à escrita: o esquecimento. À medida que cada vez mais salas de aula trocam os livros impressos por obras e outros materiais digitais, pesquisadores analisam o impacto dessa mudança sobre o aprendizado das crianças.

O campo é novo e ainda não há consenso científico sobre o que é melhor para o aprendizado das crianças, se são os livros ou os dispositivos digitais.

Um estudo realizado em escolas de ensino fundamental em Honduras, por exemplo, constatou que a substituição de livros didáticos por laptops não fez diferença no aprendizado dos alunos – não foi nem positivo nem negativo.

Mas não seria senso comum que ambas as formas de aprendizado – impressa e digital – podem ser eficazes, dependendo do indivíduo e da situação? Vamos nos aprofundar um pouco mais.

<><> Aprendizado precoce reconfigura o cérebro

É importante considerar a neurociência aqui, pois ela pode ajudar os educadores a escolher quais ferramentas usar em diferentes estágios do desenvolvimento de uma criança. E os neurocientistas mostraram que o aprendizado e a formação da memória reconfiguram fisicamente o cérebro.

O cérebro é "elástico" – ele cresce e estabelece conexões entre os neurônios à medida que formamos memórias, aprendemos e esquecemos. Isso acontece em todas as idades, mas o cérebro é particularmente maleável durante a infância. A plasticidade do cérebro depende ainda enormemente das experiências e do ambiente.

<><> Por que as crianças devem escrever à mão?

Estudos revelaram que quanto mais rico for o ambiente de aprendizado durante a infância, mais "coisas" serão aprendidas. Há também uma mudança na maneira em como e cérebro aprende coisas novas pelo resto da vida.

O melhor exemplo é o aprendizado de idiomas. Crianças aprendem um segundo idioma com maior facilidade em comparação aos adultos, porque seu cérebro é mais flexível. Já adultos que aprenderam dois idiomas na infância podem aprender uma terceira língua muito mais rápido do que aqueles que aprenderam apenas um idioma na infância, pois seu cérebro foi treinado para essa aprendizagem.

No outro extremo, a privação sensorial durante a infância altera permanentemente o cérebro para pior. Crianças privadas de experiências diferentes – como menos contato e interação com adultos, por exemplo, menos imagens, e sons e pouco acesso à aprendizagem – podem desenvolver cérebros menores. Essas mudanças geralmente não podem ser revertidas mais tarde na vida.

<><> Benefícios das experiências de aprendizado mais ricas

O que isso significa para a educação? Crianças precisam ser expostas ao maior número possível de diferentes tipos de ferramentas de aprendizado, tanto digitais quanto físicas. Isso pode significar recorrer a livros e à escrita à mão para formar um conhecimento duradouro sobre algo.

Estudos apontam que o ato de escrever exige que o cérebro seja um participante ativo no processo de fazer anotações, mas que o cérebro é menos ativo ao digitar. Assim, escrever à mão grava melhor o conteúdo na memória.

Mas também o uso de plataformas de aprendizagem digital pode significar uma experiência enriquecedora: desenhos animados, aplicativos educacionais baseados em recompensas, salas de aula virtuais e ferramentas de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, motivam os alunos a aprenderem de forma interativa.

De acordo com pesquisas, quando usada em um contexto de aprendizagem, a tecnologia digital é eficaz para aprimorar as habilidades de alfabetização e aptidões numéricas, além da destreza manual e da memória visual.

Os resultados benéficos influenciam todas as áreas de aprendizado de uma criança, incluindo linguagem, alfabetização funcional, matemática, ciências, conhecimento geral e pensamento criativo.

Há também aspectos negativos ligados às tecnologias digitais. Alguns estudos mostram que os computadores podem ter um impacto negativo sobre a atenção se usado forma passiva em vez de ser utilizado como uma ferramenta de aprendizado ativa que envolva o cérebro. Mas ainda não está claro se esses impactos são de curto ou longo prazo.

Alguns estudos também sugerem que o uso excessivo de computadores afeta a saúde física e mental. Mas isso pode ter mais a ver com o fato de ficar sentado em um lugar por muito tempo do que com os próprios computadores. É por isso que correr ao ar livre ou chutar uma bola é vital para o desenvolvimento das crianças e também para seu desempenho escolar.

<><> O verdadeiro problema da educação: a pobreza

Há muitos fatores em jogo na educação de uma criança. O ambiente doméstico é tão importante quanto os materiais e dispositivos usados na aprendizagem. Um dos maiores problemas é a pobreza, que limita o acesso a livros e computadores.

Essa questão ficou evidente durante a pandemia da covid-19, quando as crianças mais carentes tiveram menos acesso a computadores ou livros em casa durante os períodos em que as escolas estavam fechadas.

Uma pesquisa realizada no Reino Unido constatou que um terço dos alunos de áreas carentes não teve acesso adequado a ferramentas de aprendizagem em casa durante a pandemia. O efeito foi uma queda no desempenho escolar.

Os resultados de aprendizagem de crianças em idade escolar caíram nos últimos anos e isso se deve mais a fatores socioeconômicos do que a qualquer outra coisa. Essa é uma tendência observada em todo o mundo e tem sido associada à falta de acesso a ferramentas educacionais mais avançadas.


Fonte: DW Brasil


 

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