sábado, 30 de novembro de 2024

Como o uso de telas na infância interfere no desenvolvimento

Os telas digitais têm se tornado uma companhia constante de crianças e adolescentes, que passam horas consumindo conteúdo de vídeos ou jogos em tablets, smartphones e televisão. Dados da TIC Kids Online Brasil 2023 mostram que as crianças brasileiras estão se conectando cada vez mais cedo à internet. Em 2023, 24% relataram ter começado a usar a rede na primeira infância, antes dos seis anos, enquanto que, em 2015, essa porcentagem era de 11%. O problema é que o excesso de uso de telas na infância pode interferir no desenvolvimento, trazendo inúmeros malefícios.

Segundo pesquisas, esse excesso é capaz de provocar problemas como afinamento precoce do córtex cerebral, aceleração do processo de envelhecimento cerebral, diminuição do desempenho em testes de linguagem e de matemática, miopia, aumento de peso, entre outros.

Os males causados são tantos que alguns governos já estão tentando interceder e limitar o tempo do uso de telas na infância. Na China, menores de 18 anos só poderão jogar videogames on-line por no máximo três horas por semana. Sem entrar na questão política sobre interferência do Estado na vida privada dos cidadãos, o fato é que muitas horas em frente às telas fazem mal. E há cada vez mais pesquisas comprovando isso.

•                        Uso de telas na infância e desenvolvimento

Um amplo estudo demonstra os efeitos do uso de telas (celular, tablet, computador e televisão) no cérebro de crianças, adolescentes e adultos. O levantamento norte-americano do Instituto Nacional de Saúde intitulado Desenvolvimento Cognitivo do Cérebro Adolescente (ABCD, na sigla em inglês) pretende acompanhar por uma década mais de 11 mil crianças (inicialmente com nove e dez anos de idade) nos Estados Unidos. Os cientistas observam a saúde mental, física e cognitiva das crianças, enquanto rastreiam suas mudanças cerebrais, uso de substâncias e hábitos de mídia digital, entre outras coisas. Os resultados preliminares já divulgados relacionados a mídias digitais geram grandes alertas.

Segundo alguns resultados da pesquisa, o uso constante de telas na infância pode afetar o cérebro humano. De acordo com os cientistas, exames de ressonância magnética em 4,5 mil crianças entre nove e dez anos de idade mostraram diferenças significantes nos cérebro das que usam smartphones, tablets e videogames por mais de sete horas por dia. Foi verificado afinamento precoce do córtex cerebral dessas crianças, com possível diminuição da receptividade de informações sensoriais.

Isso ocorre porque as telas provocam muitos estímulos sensoriais, principalmente visuais e auditivos. São tantos estímulos que a parte do cérebro considerada como centro de todas as sensações acaba ficando saturada. Entretanto, as crianças não têm maturação cerebral para lidar com isso. Dessa forma, não conseguem filtrar quais informações devem ser absorvidas enquanto estão em frente às telas.

Outro problema disso é que os estímulos da “vida real” podem passar a ser insuficientes para aquela criança. Nada mais a estimula, o que a torna apática na maior parte das atividades cotidianas. Como consequência, ela precisa por ter alto níveis de estímulos para poder continuar se satisfazendo.

•                        Capacidade cognitiva afetada

O abuso no uso de telas na infância também está ligado a menor desempenho em testes de matemática e linguagem, segundo o estudo.

Uma pessoa inteligente é aquela que retém uma grande quantidade de informações, fazendo conexões entre elas. A memória ajuda na cognição. Quando as crianças são muito expostas às telas, elas recebem muitas informações, mas retêm poucas delas. A cognição assim é afetada. Por isso, eles acabam tendo dificuldades em linguagens e matemática.

Além disso, há uma outra explicação possível em relação à linguagem. As crianças aprendem vendo outras pessoas falando e costumam imitar a entonação e velocidade de fala. Quando assistem a muita televisão, os desenhos animados e filmes vão ser seu modelo. Por isso, acabam muitas vezes conversando como personagens infantis e limitadas àquele vocabulário.

De acordo com a Sociedade Canadense para Fisiologia do Exercício (CSEP), para crianças entre cinco e 13 anos terem um bom desenvolvimento físico e cerebral, o seu “dia ideal” deve ter entre nove e 11 horas de sono sem interrupções, pelo menos uma hora de exercícios moderados e, no máximo, duas horas em frente a telas como lazer. Assim, utilizando dados de crianças com média de 10 anos de idade que participam do levantamento ABCD, cientistas canadenses fizeram um estudo analisando os aspectos citados.

A conclusão foi publicada pelo periódico médico The Lancet Child & Adolescent Health. Ela mostra que quanto maior a adesão às recomendações da CSEP, melhores os resultados nos testes cognitivos. As maiores diferenças ficaram a favor das crianças que aderem à limitação do tempo de telas. Assim, ficou comprovado que o tempo excessivo de fato afeta negativamente o desempenho cognitivo das crianças.

Além disso, os cientistas verificaram que crianças que aprendem a empilhar blocos virtuais em jogos no tablet, celular ou computador em 2D (por exemplo Minecraft) não conseguem transferir essas habilidades para montar blocos em 3D. Em outras palavras, a habilidade serve apenas especificamente para os dispositivos digitais, e não para a vida real.

•                        Vício nas telas

Segundo os pesquisadores, o uso de telas na infância libera dopamina no cérebro dos pequenos. Trata-se de um neurotransmissor relacionado à satisfação e, indiretamente, ao vício. Quando alguém fica excessivamente estimulado com a dopamina, como por exemplo com o uso de álcool ou drogas, a pessoa precisa cada vez mais daquele estímulo para se saciar. Então, com as telas acontece o mesmo.

Como a quantidade de estímulos sensoriais e de satisfação é muito grande, as crianças ficam viciadas nas telas. E quando a televisão ou os dispositivos móveis são tirados delas, muitas vezes agem com agressividade.

•                        Miopia

Estudos também apontam que o uso de telas na infância pode ser responsável ainda por aumento de casos de miopia. Um deles, publicado no periódico The Lancet, acompanhou 115 crianças e adolescentes da Argentina entre cinco e 18 anos. De 2019 a 2020, quando estiveram mais expostos a telas, o crescimento da progressão da miopia foi de 40%.

Já uma outra pesquisa, publicada na revista Nature, também com 115 pacientes, teve resultados similares. As crianças e adolescentes entre oito e 17 anos tiveram um aumento na progressão da miopia maior de forma significativa entre 2019 e 2020 do que nos anos anteriores. Então, os cientistas chegaram à conclusão de que as crianças que fazem atividades ao ar livre por pelo menos duas horas diárias e vivem em casa em vez de apartamento tiveram progressão menor na miopia. Entretanto, a duração do tempo de uso e os dispositivos digitais utilizados pelas crianças e adolescentes não se mostraram estatisticamente significativos para a progressão da doença.

•                        Aumento de peso

Um estudo publicado na revista Pediatric Obesity sugere que quanto maior o tempo de uso de telas, maior a chance de apresentar aumento de peso um ano depois. Assim, a pesquisa utilizou dados de 11 mil crianças entre nove e dez anos de idade acompanhadas pelo levantamento ABCD.

Inicialmente, 33,7% das crianças eram consideradas acima do peso ou obesas. No entanto, doze meses depois, a porcentagem aumentou para 35,5%. Segundo os cientistas, é um aumento que deveria ser esperado apenas no final da adolescência e início da vida adulta.

•                        Sono prejudicado

Outro estudo, que também utilizou dados do levantamento ABCD, tirou conclusões sobre o reflexo do uso de telas no sono. O maior uso de mídias digitais, TV e videogame foram associados a aumento da latência no início do sono. Além disso, foram verificados diminuição da duração do sono, insônia e aumento de gravidade de diversos distúrbios relacionados ao sono.

•                        Recomendações de órgãos de saúde sobre uso de telas na infância

A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que as telas sejam completamente evitadas em bebês de até dois anos de idade. A partir dessa idade, o uso de telas na infância deve ser sempre supervisionado por adultos. Assim, a recomendação é de no máximo uma hora por dia para crianças de até cinco anos e de até duas horas ao dia de seis a dez anos. Já o tempo para a faixa entre 11 e 18 anos deveria ser limitado a até três horas por dia.

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um manual. Segundo a publicação, bebês de até um ano de idade não deveriam ser expostos a telas. A partir dessa idade até os quatro anos, a recomendação é de no máximo 60 minutos por dia.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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