Canabidiol ajuda no tratamento de 70% das
crianças com autismo, diz pesquisa
Um estudo realizado com crianças e jovens com
autismo, no Hospital Universitário de Brasília (HUB), mostra que 70% dos
pacientes apresentaram melhora a partir do tratamento com o canabidiol –
substância encontrada na cannabis.
A pesquisa apresentada
no 19º Congresso Brasileiro de Neurologia Infantil, que termina neste sábado
(9), em Brasília, acompanhou 30 pacientes de 5 a 18 anos, diagnosticados com
autismo moderado a grave. Entre as mudanças observadas no grupo estão:
• Aumento de habilidades comunicativas
• Melhora na atenção, aprendizagem e
contato visual
• Diminuição da agressividade e
irritabilidade
• Aumento geral na qualidade de vida
A líder da pesquisa,
Jeanne Alves de Souza Mazza, neurologista infantojuvenil do HUB, explica que o
medicamento foi administrado junto com alimentos para melhorar sua absorção e
eficácia.
"Foram observadas
diversas melhorias significativas em 70% dos pacientes, especialmente em
componentes como agressividade e irritabilidade. [...] No total, 74%
conseguiram reduzir ou interromper o uso de pelo menos um medicamento
convencional", diz Jeanne Alves de Souza Mazza.
👉 O estudo utilizou o Nabix 10000, medicamento fitoterápico
desenvolvido pela FarmaUSA, empresa farmacêutica dos Estados Unidos.
O diretor científico
da FarmaUSA, Helder Colmenero, explica o Nabix 10000 é encontrado no Brasil
apenas via importação, sempre sob controle da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). Segundo ele, "é fundamental enfatizar que o uso do
medicamento exige receita médica e acompanhamento contínuo de um profissional
de saúde".
"Ele [o
medicamento] não é recomendado como primeira ou segunda opção de tratamento,
sendo indicado apenas quando o paciente não obteve resultados satisfatórios com
outros tratamentos, apresenta baixa qualidade de vida ou sofre de sintomas
complexos", diz Helder Colmenero.
👉 A pesquisa teve início em 2022 e foi finalizada em 2024. Neste
período, seis meses foram dedicados ao tratamento, coleta de dados e
monitoramento contínuo dos pacientes, seguidos de um mês para a compilação e
análise estatística dos dados.
• Entenda o canabidiol
O canabidiol (CBD) é
uma substância presente nas plantas do gênero cannabis. Ele é a principal
substância extraída que pode ser usada como produto medicinal de forma
legalizada no Brasil.
• O CBD pode ser comercializado em óleos
(que podem ser ingeridos em gotas), pomadas, extratos ou cápsulas;
• É indicado com comprovação de eficácia
para o tratamento de doenças como epilepsia e Alzheimer;
• Desde 2015, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação de produtos à base de
cannabis para fins medicinais;
• E a partir de 2019, a agência reguladora
passou a permitir a venda de produtos com substâncias da cannabis em farmácias.
• Como a maconha medicinal funciona em
tratamentos de epilepsia
Desde 2015, a Anvisa
permite a importação de produtos a base de cannabis, mas é a primeira vez que o
Sistema Único de Saúde inclui a maconha medicinal ao seu rol de tratamentos no
estado, facilitando o acesso de famílias mais pobres.
Pacientes que usam a
cannabis medicinal poderão ter acesso gratuito ao tratamento ao tratamento das
seguintes doenças:
• síndromes de Dravet;
• síndrome de Lennox-Gasteau;
• e esclerose tuberosa.
"Classicamente
são epilepsias que já acometem na infância, ou seja, as crianças já começam a
ter essas crises convulsivas com essas doenças", explica o psiquiatra e
neurocientista José Alexandre Crippa, professor da Faculdade de Medicina da USP
Ribeirão Preto. "Foi descoberto na década de 70 que o canabidiol, um dos
compostos da cannabis sativa, poderia melhorar essas condições."
Segundo o pesquisador,
há várias hipóteses que explicam a eficácia da substância em tratamentos
anticonvulsivos.
"Provavelmente
porque esse tipo de epilepsia envolve o sistema endocanabinoide", explica.
"São alguns receptores para canabinoides [já] presentes no cérebro."
O sistema
endocanabinoide tem um funcionamento independente da cannabis no corpo humano.
Ao se conectarem com outras substâncias do corpo, os receptores para
canabinoides são ativados.
"[Há] talvez
também outros mecanismos envolvidos como, por exemplo, o efeito antioxidante, o
efeito anti-inflamatório do canabidiol, e um efeito também sobre alguns outros
receptores chamados vaniloides", detalha Crippa em entrevista a Julia Duailibi.
• O que dizem pacientes e pesquisadores
sobre uso medicinal da planta
Em 2023, 430 mil
pessoas fizeram uso de medicamentos à base de cannabis, o nome científico da
maconha.
São remédios ainda
muito novos, e que não curam. Mas pesquisas e especialistas afirmam que eles
são capazes de tratar pacientes que têm resistência a tratamentos
convencionais.
<><> ‘Na
minha cabeça, era uma coisa que iria me viciar’
Rosilene Teixeira
levou um susto quando o filho mais velho sugeriu que ela usasse cannabis
terapêutica:
"Na minha cabeça,
era uma coisa que iria me viciar, uma coisa que pode não me fazer bem. Então
quando ele falou, a princípio, eu fique meio... Igual a todo mundo. 'Mas é de
maconha?'", conta a fisioterapeuta.
Ela sempre teve dores
devido à escoliose idiopática, um desvio da coluna, e uma fibromialgia.
Rosilene fez cirurgias, usou coletes, mas nada adiantava. Até começar a tomar
algumas gotinhas diárias de óleos extraídos da planta, com receita médica.
"Eu estaria
mentindo se eu falasse não sinto nem um pouquinho de dor. Uns 80 % melhorou a
minha dor", afirma.
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Avanços e desafios no Brasil
A maconha é
considerada um entorpecente e foi proibida no Brasil no fim da década de 1930,
seguindo uma tendência que começou nos Estados Unidos. A Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda estritamente sob prescrição
médica. O produto é quase sempre importado.
"O grau de
evidência, o grau de robustez que a gente tem é inquestionável", destaca
Francisco Netto, pesquisador da Fiocruz.
Francisco foi o
coordenador da nota técnica divulgada pela Fiocruz, uma das instituições de
saúde e pesquisa mais respeitadas do Brasil. No documento, a instituição afirma
ser crucial o investimento científico nessa área, além da regulamentação — que
viabilize a produção, a prescrição e o acesso do medicamento no Sistema Único
de Saúde.
"A gente vive na
sociedade ainda muito desigual e é uma medicação que ainda vai, durante muito
tempo, ter um custo de produção alto. Então para que as pessoas que são a
maioria possam ter acesso a isso, a única forma é através do Sistema Único de
Saúde", pontua o pesquisador.
‘Na minha cabeça, era
uma coisa que iria me viciar’: mulher faz uso do cannabis para dores — Foto:
Reprodução/TV Globo
<><> Na
sala de aula
O Globo Repórter foi
até uma sala de aula de uma das universidades mais conceituadas da América
Latina , a Unicamp, onde o tema da turma de pós graduação é cannabis medicinal.
"O principal é
que a gente capilarize o conhecimento que esse conhecimento chegue a cada vez
mais longe a partir de informações de qualidade, com o embasamento científico,
que deixe a população segura desse uso e que vá quebrando os tabus os e as crenças
que existem hoje com relação ao uso da cannabis", ressalta a professora,
Priscila Mazzola.
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Pesquisas mostram bons resultados
No Brasil, a Unifesp
foi pioneira nas pesquisas com o uso medicinal da cannabis, na década de 1950,
com o professor Elisaldo Carlini. Ele foi perseguido e preso, aos 87 anos,
acusado de fazer apologia ao crime.
Soraya Smaili
trabalhou com ele. Ela se debruçou sobre os efeitos dos compostos da cannabis
nos neurônios.
"Nós temos muito
interesse em estudar a Doença de Parkinson. É uma doença que não tem cura assim
como outras doenças neurodegenerativas. Mas pode sim retardar o efeito ou as
causas da doença. O acúmulo de uma proteína que é tóxica pode ser retardado ou
diminuído com a utilização dos canabinoides", explica a professora da
Unifesp.
Na Universidade de
Brasília (UNB) estão sendo realizadas pesquisas também sobre receptores e
enzimas do nosso corpo, que podem explicar os bons resultados da cannabis:
"Há uma
quantidade de estudos extraordinária não só para compreender o potencial
médico, mas para compreender a importância desse sistema na própria vida. Ficou
claro que é um sistema que está na raiz de todo o controle do nosso
bem-estar", afirma o neurocientista, Renato Malcher:
<><> O que
diz o Ministério da Saúde e a Anvisa
A reportagem buscou
respostas no Ministério da Saúde, que pode regulamentar o uso do medicinal da
cannabis, mas ainda não há um plano a curto prazo.
"O que a gente
tem que avançar agora nesse momento é uma agenda que a gente precisa fazer
pesquisa, pesquisa clínica para mostrar segurança e eficácia para um país do
tamanho do Brasil para gente vir a incorporar [...] Então, é tratar dessa
questão sem preconceito e com base científica", diz o secretário da
Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha.
"A decisão do
Ministério da Saúde é muito importante porque pauta o Brasil. O uso inadequado
de medicamentos pode ser um grande malefício para a população. Então é
importante dizer que existe tempo da ciência", completa o secretário.
Em nota, a Anvisa
disse que está em fase de regulação de produtos à base de cannabis. E que, por
isso, não poderia antecipar avaliações sobre o cenário do uso desses produtos
no Brasil.
Fonte: g1
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