sábado, 30 de novembro de 2024

Black Friday: como ofertas afetam nosso cérebro

Você prefere a Black Friday ou a Cyber Monday? As liquidações de janeiro ou as ofertas do Prime Day da Amazon? Talvez você prefira esperar por um bom e velho saldão de queima de estoque.

Quaisquer que sejam seus hábitos de consumo, há uma boa chance de que você goste da ideia de conseguir uma pechincha.

Os dias e as semanas que antecedem a Black Friday refletem esse desejo febril. Não é possível entrar em lugar nenhum online sem ser bombardeado com anúncios e ofertas de promoções supostamente especiais para o período que antecede o Natal.

E os varejistas físicos também adoram fazer promoções. Enfrentar uma longa fila com outros caçadores de ofertas do lado de fora das grandes lojas no dia seguinte ao Natal se tornou uma espécie de tradição festiva.

Mas nem sempre é um evento totalmente civilizado. Recentemente, quando a marca francesa premium de utensílios de cozinha Le Creuset realizou uma liquidação relâmpago na cidade inglesa de Andover, a polícia foi chamada para controlar a multidão.

As pessoas haviam viajado quilômetros de distância e esperado horas para colocar as mãos em algumas panelas e frigideiras chiques com desconto.

Em edições anteriores da Black Friday, os caçadores de ofertas se envolveram em brigas físicas pelos produtos mais populares.

Nos EUA, chegou a ser criado um site para registrar os ferimentos — e até mesmo as mortes — que aconteciam durante o evento anual de compras.

Parece, então, que os produtos com desconto, sejam eles televisores, utensílios de cozinha ou bolsas, são itens altamente valorizados na sociedade moderna.

Isso se deve, em parte, a uma resposta química no nosso cérebro, que nos estimula a comprar algo quando nos deparamos com preços reduzidos.

Quando vemos uma etiqueta de preço que consideramos um bom negócio, a parte do nosso cérebro que lida com o prazer (o núcleo accumbens) é ativada.

Isso significa que as pessoas sentem um alto nível de satisfação quando encontram e compram uma pechincha.

O núcleo accumbens, junto a outras regiões do cérebro relacionadas à recompensa, também desempenha um papel no processamento emocional, em grande parte combinado ao neurotransmissor dopamina.

A dopamina é um neurotransmissor que ajuda a controlar os centros de recompensa e prazer do cérebro — e está associada à sensação de felicidade.

Quando as pessoas veem fotos de coisas que desejam comprar, a região do cérebro com receptores de dopamina é ativada.

Elas recebem uma "dose" de dopamina quando fazem as compras e, portanto, sentem-se bem com o que estão fazendo.

Soma-se a isso o fato de que a dopamina também torna as pessoas mais impulsivas na tomada de decisão, e é fácil entender por que os consumidores ficam entusiasmados com os descontos.

•                        A emoção da caçada

Portanto, se os consumidores gostam de se sentir recompensados e gratificados, cabe aos varejistas oferecer essas recompensas e gratificações.

E eles trabalham arduamente para fazer isso, usando uma variedade de estratégias para ajudar os consumidores a obter sua dose de dopamina.

Entender os fundamentos psicológicos das compras é como ter um kit de ferramentas de persuasão para lojas de grande e pequeno porte.

Uma destas ferramentas envolve ofertas de compras que ficam disponíveis apenas por curtos períodos de tempo, para gerar um senso extra de urgência.

Isso aumenta ainda mais os níveis de adrenalina, o que faz com que as pessoas se sintam tontas de excitação com a perspectiva de conseguir uma pechincha, e é uma das razões pelas quais vemos as vendas vinculadas a um determinado dia, semana ou mês.

Um cronômetro de contagem regressiva em um site tem um efeito semelhante, fazendo com que os consumidores sintam que podem perder a oportunidade, a menos que ajam imediatamente.

A boa notícia é que os consumidores podem, na verdade, resistir aos seus impulsos biológicos e se conter para não se deixar levar por uma pechincha. No entanto, é necessário algum autocontrole.

Ao se deparar com um produto barato, não ceda à tentação e compre-o imediatamente. Leve um tempo para decidir.

Se você estiver fisicamente na loja e preocupado com a possibilidade de outra pessoa comprar, leve o item com você e caminhe um pouco.

Com o tempo, a urgência da sua reação inicial vai diminuir. E, à medida que a pressa passar, você provavelmente vai se sentir menos compelido a comprá-lo.

O mesmo princípio se aplica online. Pare por um momento, afaste-se da tela e faça outra coisa por um tempo para diminuir um pouco a vontade de comprar uma pechincha.

Seja qual for o item e por maior que seja o desconto, você pode acabar percebendo que ele não é tão essencial para sua vida quanto seu cérebro pensava inicialmente.

 

•                        Black Friday: por que compramos compulsivamente. Por Pablo Ruisoto, em he Conversation

A Black Friday chegou e, com ela, as aglomerações de consumidores dispostos a lutar para conseguir os melhores descontos e ofertas.

Neste ano, as ofertas incluem até novos produtos e serviços de clínicas de reprodução humana. Como explicar esses níveis de consumo? Somos viciados em comprar? Nesse artigo questionamos essa ideia e revisamos a importância do contexto social nos nossos hábitos de consumo: quanto, o que e quando consumimos.

<><> Compulsão por compras?

O problema de comprar em excesso não é novo e as tentativas de explicar o fenômeno como resultado de um transtorno também não. Em 1915, o psiquiatra Emil Kraepelin o definiu como "mania por compras" ou "oniomania".

Em 1924, Eugen Bleuler definiu comprar em excesso como um "impulso incontrolável por compras" ou "loucura impulsiva", juntamente com a cleptomania ou a piromania.

Recentemente, foi redefinido como transtorno aditivo ou obsessivo-compulsivo, apesar de não ter sido incluído nos manuais de diagnóstico de referência em saúde mental.

Sem dúvida, a perda de controle nas compras, que persiste apesar das suas sérias consequências para o consumidor, é real. No entanto, os limites que separam os consumidores comuns daqueles que compram de maneira "patológica" não estão claros, e sua delimitação arbitrária de diagnóstico perpetua o mito de que a cura será mais fácil com tratamentos psicofarmacológicos.

Ou seja, contribui para medicalizar mais um aspecto da vida cotidiana, apesar de não existir nenhum tratamento psicofarmacológico específico e eficaz para esse problema. Além disso, desvia a atenção do contexto social em que ocorre.

Para muitos consumidores com ou sem problemas, ir às compras funciona como ir à farmácia, como uma estratégia de enfrentamento para regular nosso humor. Portanto, as diferenças entre um consumidor e um consumidor com dependência parecem ser mais quantitativas que qualitativas.

<><> Obsessão por compras pode ser problema social

A perda de controle nas compras pode ser considerada não apenas um problema individual, mas um sintoma de um problema social. A expressão do consumismo, que se caracteriza pela compra ou acumulação de bens e serviços não essenciais, constitui o objetivo final da economia para garantir o crescimento constante.

As marcas competem para vender mais e os consumidores por comprar mais. Segundo o economista Victor Lebow, o consumismo se converteu em um estilo de vida. Alguns dos fatores contextuais que contribuem para explicar a crescente perda de controle sobre as compras são:

1) Aumento da facilidade em comprar pela internet e com cartões de crédito. Isso reduz o intervalo entre o impulso ou desejo de comprar e a finalização da compra. Atualmente, é possível comprar com um só clique.

2) Os descontos, as ofertas e promoções limitados por tempo ou unidades favorecem a urgência da compra, porque supervalorizamos produtos difíceis de conseguir e supostamente escassos.

3) Os meios de comunicação em massa e as redes sociais multiplicam as oportunidades de nos compararmos com pessoas de fora da nossa esfera de contato e classe social, aumentando, com isso, nossos desejos.

4) A publicidade favorece compras que supervalorizam bens materiais desnecessários e gera novas necessidades que se satisfazem mediante o consumo materialista.

5) As modas favorecem o consumo, desvalorizando rapidamente o valor do que é comprado e reforçando o desejo de comprar novos produtos.

6) O narcisismo converte o consumo compulsivo em um ritual de autocomplacência voltado a satisfazer nossos egos.

7) Os hábitos de consumo são indicadores de nosso status, aceitação e prestígio social. As compras constituem um meio para manter e alcançar o status desejado. Mesmo que isso signifique economizar menos ou se endividar, porque a impossibilidade de consumir afetaria nossa estima e reconhecimento social.

Isso é importante porque, paradoxalmente, se incentiva o consumo em um contexto de poder aquisitivo cada vez mais desigual: oito pessoas ganham mais que a metade da população mundial.

Além disso, os custos derivados da maximização das margens de lucro — produzindo mais, mais rápido e mais barato — estão se tornando cada vez mais evidentes, tanto em termos de precárias condições de trabalho, quanto em termos de grave deterioração ambiental.

Assim, embora os níveis de consumo tenham atingido níveis recordes após a pandemia, os problemas de saúde mental também registram números recordes.

<><> As compras numa sociedade de consumo

O sucesso da Black Friday é um símbolo do êxito do consumismo como forma de vida na sociedade atual, onde consumimos, substituímos e descartamos num ritmo cada vez maior e, portanto, insustentável.

A natureza irracional e compulsiva das compras, especialmente durante a Black Friday, seria o resultado esperável dentro do contexto disfuncional da nossa sociedade de consumo, enquanto um diagnóstico simplesmente rotula esse padrão de consumo irracional sem explicar por que ocorre.

Como consequência, a redução das taxas de compras compulsivas não pode se limitar ao diagnóstico e tratamento de casos individuais, mas também atuar nos determinantes sociais do consumo. Não apenas adotando hábitos de consumo éticos, socialmente responsáveis e sustentáveis, mas também padrões de produção que vão além da busca pela maximização dos lucros para empresas privadas.

Precisamos de mais cidadãos informados e participativos na tomada de decisões que os afetam e menos consumidores passivos, vulneráveis às estratégias de marketing e sem controle sobre o que, quanto e como consome e produz.

 

Fonte: Por Cathrine Jansson-Boyd, para The Conversation

 

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