segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Após seca histórica, povos indígenas no Acre dividem área de terra com risco de conflito, diz entidade

Dois povos indígenas da Amazônia, os Mashco Piro e os Manchineri, correm risco de conflito, de acordo com a entidade Associação Manxinerune Ptohi Phunputuru Poktshi Hajene (Mappha), que representa o povo Manchineri. A seca histórica dos rios, a ação de madeireiros peruanos e a escassez de alimentos estão forçando os Mashco Piro a se aproximarem em uma área de fronteira entre o Brasil e o Peru, aumentando a tensão entre ambos.

Há gerações que os Mashco Piro e os Manchineri vivem na Terra Indígena Mamoadate entre o Peru e a cidade brasileira de Assis Brasil. Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a área é compartilhada em períodos sazonais de cada ano.

A diferença é que, enquanto os Mashco vivem como um grupo étnico isolado, os Manchineri são definidos como povos indígenas, pois o contato aconteceu há muitos anos. Em resumo, há 3 grupos: povos indígenas, povos indígenas de recente contato e povos indígenas em isolamento voluntário (os isolados) . Os Manchineri pertencem ao primeiro e os Mashco Piro ao último, segundo definição da Comissão Pró-Indígenas do Acre (CPI-Acre).

Nos últimos tempos, porém, membros dos Mashco Piro têm sido obrigados a se deslocar cada vez mais e até mesmo a entrar em áreas habitadas pelos Manchineri. Foi o que ocorreu no último dia 31 de outubro quando, segundo os indígenas acreanos, alguns membros do clã isolado invadiram uma aldeia em busca de mantimentos e saquearam uma casa. (Veja vídeo acima)

De acordo com Mailson Machineri, coordenador dos monitores da Mappha, entidade que representa a etnia, afirma que a principal preocupação dos Manchineri é evitar um conflito com o outro povo e que esse é um momento difícil para os moradores da aldeia.

“Nós compartilhamos nosso território com os parentes desconfiados, e estamos muito preocupados com essa situação. Foi o primeiro saque que eles fizeram aqui na aldeia Extrema, precisamos de apoio das autoridades e dos parceiros, pois por agora não vamos poder caçar, entrar na mata, pois precisamos proteger os parentes da aldeia e os desconfiados”, disse em nota divulgada pela CPI-Acre.

<><> ONG também faz alerta

Segundo a ONG Survival International, que também recebeu a denúncia, no caso específico dos Mashco Piro na terra indígena Mamoadate, eles estão em contato com as lideranças indígenas locais e reforçando os pedidos que foram feitos à Funai, ao MPI e outras autoridades responsáveis.

"Os indígenas solicitam a instalação de uma base de proteção e de uma unidade de saúde indígena no local para que possam mediar a situação e evitar maiores consequências aos Manchineri e Mashco Piro, no caso por exemplo de uma aproximação maior dos indígenas isolados na comunidade da aldeia Extrema. A Funai possui funcionários especializados nesse tipo de situação e a Survival avalia que a presença deles na região é vital para garantir a segurança dos indígenas", diz Priscilla Oliveira, ativista e pesquisadora da organização.

Ainda segundo a pesquisadora, a ONG atrela isto ao fato da exploração de madeira no território dos Mashco Piro, no Peru, que compromete a existência dos indígenas, uma vez que parte do território deles ficou de fora da proteção legal, sendo concedido a madeireiros a permissão para exploração de madeira na região.

"Estamos agora pressionando a empresa a cancelar permanentemente a certificação. Tudo isso deve colocar mais pressão no governo peruano para resolver a situação, ou seja, para finalmente cancelar as concessões de exploração de madeira na área e proteger permanentemente o território dos Mashco Piro", comentou.

<><> Funai acompanha o caso e nega iminência de conflito

O g1 entrou em contato com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que informou que acompanha as evidências dos povos indígenas isolados na região da aldeia Extrema, Terra Indígena Mamoadate.

"Quando recebemos as primeiras informações, mantivemos a equipe de servidores da Funai, que são todos do povo Manchineri, em alerta", comunicaram.

Porém, ao contrário do que afirmam os Manchineri, a Funai alega que não há iminência de conflito. "Os povos isolados Maschos utilizam o território para desenvolver suas práticas culturais, há anos. Além do mais, não há histórico recente de conflito desses povos na região".

O órgão disse ainda que já estabeleceu um diálogo com a comunidade Manchineri e com as organizações indigenistas parceiras, além de prestar apoio com alimentação, já que no momento eles não podem caçar e nem pescar para evitar contato com os Mashco.

<><> Seca pode ter forçado grupos a se aproximar

O incidente do final de outubro foi o segundo avistamento de integrantes dos Mashco Piro em menos de seis meses. Uma ocorrência rara.

De acordo com o povo Manchineri, acredita-se que a invasão se deu por conta da seca dos rios no interior que possivelmente obrigou o povo isolado a sair de onde estavam em busca de água ou até mesmo podem ter deslocado toda a totalidade da aldeia, mudando por completo o lugar onde moram. A Funai também acredita ser esse o motivo da mudança dos isolados.

Mailson disse ainda os Manchineri encontraram na floresta, pegadas indo em uma direção que os indígenas do Acre decidiram não seguir, por medo da reação dos vizinhos em caso de um encontro entre os clãs.

O Povo Manchineri tem a maior concentração aldeada no município de Assis Brasil, nas Terras Indígenas do Riozinho do Iaco e Mamoadate (Assis Brasil e Sena Madureira). Também há Manchineris de contexto urbano que se concentram em Rio Branco.

<><> Mascho Piro

Com cerca de 750 indivíduos, o povo Mashco Piro é o maior grupo indígena isolado do mundo e habita a floresta amazônica, em uma região de fronteira entre o Acre, no Brasil, e o Peru. No entanto, a integridade deste grupo está ameaçada, segundo a organização Survival International, que em julho divulgou imagens raras do grupo.

O registro mostra os indígenas caminhando às margens do rio Las Piedras, no sudeste do Peru, supostamente atrás de comida. A Survival alertou para as ameaças a que os Mashco Piro estão submetidos por conta de atividades de madeireiras que operam na mesma região em que eles vivem (veja no mapa mais abaixo).

Os Mashco Piro vivem em total isolamento na Amazônia peruana e brasileira, mais precisamente na faixa fronteiriça entre o Acre e o Peru. A área total de extensão da fronteira Brasil-Peru é de 2.995 quilômetros, já a faixa que compreende ao Acre é de 1.565 km.

Estes indígenas dependem exclusivamente do que cultivam e caçam na floresta, tanto para obter os alimentos como para ter as ferramentas e construir os tapiris, que são as casas onde eles moram. Eles evitam contato até com outros indígenas de outros povos.

No Brasil, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) tem três registros confirmados de indivíduos pertencentes ao povo Mashco Piro, sendo:

  • Na Terra Indígena Mamoadate, no limite da fronteira entre Brasil e Peru;
  • No Parque Nacional do Manú, que abrange as regiões peruanas de Cusco e Madre de Dios;
  • E na região do Rio Envira, mais ao Norte, na terra indígena Kampa.

No Peru , onde estão em maioria, eles vivem em uma área de cerca de 816 mil hectares, perto do Parque Nacional Alto Purus. É a Reserva Indígena Mashco Piro, equivalente a uma Terra Indígena no Brasil.

A Survival International explica que o último registro de indígenas Mashco Piro na região foi feito há dez anos, inclusive na região do Rio Envira.

<><> Por que eles apareceram em julho?

Acredita-se que eles apareceram porque estão sendo pressionados a sair de dentro do próprio território, principalmente no que diz respeito à busca por comida. A quantidade de indígenas registrados na região, segundo ela, chama atenção.

Nos últimos dias, mais de 50 indígenas Mashco Piro apareceram perto da aldeia dos Yine de Monte Salvado, no sudeste do Peru, que não são isolados. A Survival alertou que os Mashco Piro haviam relatado aos Yine, outro grupo indígena que fala língua parecida, sobre a presença dos madeireiros.

Povo Mashco Piro, tribo de indígenas isolados, em registro raro — Foto: Survival International

No passado, mais precisamente em 1880, houve registros de exploração e escravização deste povo indígena. Isto ocorreu quando o território foi invadido por trabalhadores envolvidos na extração de látex, para fabricação de borracha. Alguns deles conseguiram escapar e, então, mantiveram o isolamento.

A Survival alerta que povos indígenas isolados são vulneráveis a qualquer tipo de contato com pessoas de fora, já que eles não possuem imunidade contra doenças comuns como a gripe.

<><> O que está ocorrendo na região?

A ONG denuncia a exploração de madeira no território dos Mashco Piro, no Peru, que compromete a existência dos indígenas, uma vez que parte do território deles ficou de fora da proteção legal, sendo concedido a madeireiros a permissão para exploração de madeira na região.

Neste caso em específico, o espaço dos indígenas fica à beira de um rio, a poucos quilômetros da região onde uma madeireira chamada Canales Tahuamanu detém uma licença de extração certificada pelo Conselho de Manejo Florestal (FSC).

O selo de aprovação, encontrado em produtos feitos de papel, é um certificado de que a madeira utilizada é sustentável. Mas segundo a ativista, não é este o caso. Por conta disto, a ONG quer que esta certificação seja retirada da empresa madeireira e que o governo peruano acabe com as concessões dentro da terra indígena. O pedido é feito por meio de um abaixo-assinado.

Imagens mostram indígenas isolados do povo Mashco Piro, próximos ao Rio Las Piedras, na Amazônia Peruana — Foto: Arquivo/Survival International

Povo indígena Mashco Piro estava em busca de comida próxima ao Rio Las Piedras; local fica a poucos quilômetros de área de exploração madeireira — Foto: Arquivo/Survival International

<><> Nota da Funai

"A Funai informa que está acompanhando as evidências dos povos indígenas isolados na região da aldeia Extrema, Terra Indígena Mamoadate. Quando recebemos as primeiras informações, mantivemos a equipe de servidores da Funai, que são todos do povo Manchineri, em alerta.

Vale esclarecer que o território tradicional dos povos indígenas isolados Maschos é também a Terra Indígena Mamoadate, ou seja, a área é compartilhada com o povo Manchineri em períodos sazonais de cada ano. Importante mencionar ainda que não há iminência de conflito. Os povos isolados Maschos utilizam o território para desenvolver suas práticas culturais, há anos.

Além do mais, não há histórico recente de conflito desses povos na região. Pelo contrário, o povo Manchineri contribui e é parceiro da proteção dos indígenas isolados. Fato é que os povos indígenas isolados Maschos estão cada vez mais presentes em lado brasileiro. Possivelmente, isso está relacionado aos casos extremos de mudanças do clima e das pressões socioambientais enfrentadas por esses povos em lado peruano.

Por outro lado, a partir do momento em que a Funai soube da presença do povo isolado na região da aldeia Extrema, a equipe de servidores começou uma série de ações pautadas em conversas com a comunidade e com as organizações indigenistas parceiras.

Foram abertas também reuniões da Sala de Situação Local, espaço das instâncias de órgãos de Estado (Funai, Secretaria de Saúde Indígena e Ministério dos Povos Indígenas), com o objetivo de acompanhar e de monitorar as informações dos acontecimentos e da contingência relacionada aos vestígios dos povos indígenas isolados Maschos.

Em reunião que contou com a participação da Funai, a comunidade recebeu apoio de fontes de proteína alimentar por parte das organizações indigenistas, devido ao fato de não poderem caçar e pescar, e a Funai encaminhou outros insumos necessários à proteção dos indígenas isolados Maschos e ao povo Manchineri. Também houve a compensação parcial dos bens subtraídos pelo povo indígena Maschos."

 

•        Desmatamento em queda anima, mas zerá-lo até 2030 ainda será desafio para o Brasil

As medições oficiais do desmatamento feitas pelo sistema PRODES do INPE mostraram uma queda significativa nas taxas de desmatamento na Amazônia e no Cerrado entre agosto de 2023 e julho de 2024. Isto trouxe certo alívio. Após quatro anos de uma política antiambiental no governo anterior, a redução do desmate mostra que o governo Lula está no caminho certo no combate a esse crime.

Mas é preciso fazer mais. Principalmente pelo compromisso assumido pelo próprio presidente da República de zerar o desmatamento no país até 2030 – que está logo ali. Ou seja: a diminuição deve, sim, ser celebrada. Mas será preciso intensificar ainda mais a fiscalização e a punição aos desmatadores para atingir esse objetivo.

“Apesar da queda nos dois biomas, é importante frisar que as taxas de destruição estão altas e precisamos de uma política de desmatamento zero ainda este ano. Ainda temos pontos que concentram um aumento das taxas em relação ao bioma como um todo”, explicou n’O Globo o pesquisador da USP e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Lucas Ferrante.

A redução do desmatamento não caiu do céu, e sim é o resultado da política de combate e não compactuação com esse crime assumida pelo atual governo, reitera Míriam Leitão n’O Globo. Ela lembra que foi o segundo ano consecutivo de queda da taxa de desmate na Amazônia. E destaca a redução no Cerrado, que se tornou um “calcanhar-de-Aquiles” na meta de desmatamento zero.

Para continuar travando a destruição do Cerrado, o governo federal firmou um pacto para prevenção e controle do desmatamento e de incêndios na região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que de 2019 a 2022 concentrou 70% do desmatamento monitorado no bioma. Assinado com os quatro estados, o pacto busca fortalecer a aplicação de sanções ao desmatamento ilegal em imóveis rurais da região, além de aprimorar as regras de transparência e compartilhamento de informações.

Segundo o Observatório do Clima (OC), os dados do PRODES mostram que o Brasil aprendeu a reduzir o desmatamento na Amazônia, e que o kit de políticas públicas de combate ao crime ambiental desenvolvido no âmbito do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) ainda serve ao propósito quando o governo tem interesse em usá-lo. Mas, pontua o OC, mostram também que o país tem plenas condições de fazer mais no clima: pode e deve zerar o desmatamento, legal e ilegal, em 2030, como prometeu Lula.

“Esta é, hoje, uma das principais batalhas em torno da NDC, a nova meta climática que o país terá de apresentar para cortar emissões e se adaptar à mudança do clima no período 2031-2035. Há três cenários de desmatamento sobre a mesa de Lula para compor a meta, mas só um propõe desmatamento zero. O presidente precisa fazer a escolha certa – e, também, aumentar a ambição da meta proposta para 2030”, frisou o OC.

<><> Em tempo:

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o projeto que cria a Autoridade Climática Nacional está na fase final de discussão na Casa Civil. A ministra se referiu à Autoridade como uma “governança climática”, que cria um marco jurídico para fazer gestão de riscos, informa O Globo. Sem dar detalhes sobre a estrutura que será criada, Marina afirmou que há um “intenso debate” sobre o assunto no Palácio do Planalto. A criação da Autoridade Climática foi anunciada pela segunda vez pelo presidente Lula em setembro, no auge dos incêndios que se espalharam com a seca histórica no país. Desde o primeiro anúncio, porém, a medida gera disputas no governo. E até o Congresso – em especial a bancada ruralista – está nessa briga, o que não é um bom sinal.

•        Com desmatamento em baixa, emissões brasileiras registraram a maior queda em 15 anos em 2023

O novo levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, lançado nesta 5ª feira (7/11), trouxe uma boa notícia. O Brasil reduziu em 12% suas emissões em 2023, com uma queda de 2,6 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) para 2,3 GtCO2e. Esta é a maior queda anual desde 2009, quando o Brasil registrou a menor emissão da série histórica iniciada em 1990.

De acordo com o SEEG, a queda do desmatamento na Amazônia é o principal vetor por trás da redução das emissões brasileiras no ano passado. As emissões referentes às mudanças no uso da terra, que respondem por 46% de todos os gases de efeito estufa que o Brasil lançou em 2023 (cerca de 1,06 GtCO2e), caíram 24% em relação ao ano anterior.

Entretanto, o SEEG identificou que as emissões associadas ao desmatamento de outros biomas subiram em 2023. Os gases liberados pela conversão de vegetação nativa aumentaram 86% no Pantanal, 23% no Cerrado, 11% na Caatinga e 4% na Mata Atlântica. O Pampa, que responde por apenas 1% do setor, teve redução de suas emissões de desmatamento, em cerca de 15%. No total, a devastação dos biomas brasileiros foi responsável pela liberação de 1,04 GtCO2e na atmosfera no último ano, um volume comparável às emissões totais de países como o Irã.

Nos demais setores analisados pelo SEEG, a trajetória das emissões brasileiras é de alta. A agropecuária registrou seu 4º recorde consecutivo de emissões, com 631,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e), um aumento de 2,2% em relação a 2022. O aumento se deve principalmente ao crescimento do rebanho bovino, com a maior parte das emissões originárias da fermentação entérica, vulgo “arroto de boi”, com 405 MtCO2e emitidos. O setor agropecuário representou 28% das emissões brutas do Brasil no ano passado.

Já os setores de energia e processos industriais tiveram um ligeiro aumento de 1,1% em suas emissões, com total de 511,3 MtCO2e, representando 22% das emissões brutas do país em 2023. Segundo o SEEG, o aumento é decorrente da alta do consumo de óleo diesel, gasolina e querosene de aviação, o que puxou as emissões relacionadas ao transporte em 3,2% (total de 224 MtCO2e). Isso mais do que compensou a redução de emissões devido à queda de 8% na geração de eletricidade por usinas termelétricas.

As emissões relacionadas ao setor de resíduos também tiveram uma pequena alta de 1%, chegando a 92 MtCO2e. Historicamente, as emissões desse setor são marcadas pelo crescimento populacional; no entanto, ao menos no último ano, os avanços no acesso aos serviços de saneamento podem ter ajudado a limitar essa alta.

 

Fonte: g1/ClimaInfo

 

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