Ao lado de Trump, bolsonaristas celebram
vitória e retomam plano de pressionar STF
O sul da Flórida se
transformou em um QG da extrema direita no dia das eleições nos Estados Unidos.
O resort de Donald Trump, Mar-a-Lago, em Palm Beach, reuniu trumpistas,
bolsonaristas brasileiros, empresários e outras importantes figuras
conservadoras de vários países com um propósito: além de acompanhar o
resultado das urnas por lá, que deu a vitória a Trump, os políticos buscavam
reforçar laços para impulsionar suas próprias plataformas. No caso do Brasil, a
expectativa de Eduardo Bolsonaro e outras lideranças do PL é que a vitória de
Trump ajude a pressionar as autoridades brasileiras e, em especial, o Supremo
Tribunal Federal (STF).
Neste ano, segundo
a Agência Pública mostrou,
os parlamentares intensificaram suas viagens internacionais com um objetivo: disseminar
a falsa narrativa de que o Brasil viveria uma ditadura e precisaria sofrer uma
pressão vinda do exterior para se libertar desse estado. A estratégia repete a
de dissidências cubanas, venezuelanas e nicaraguenses, países contra os quais
os EUA impôs sanções a fim de fragilizar seus governos.
“Os Estados Unidos têm
um poder, uma capacidade de pressão muito grande, se vocês forem ver o que eles
fizeram com a gangue, com a quadrilha do Nicolás Maduro, congelaram dezenas de
bilhões de dólares”, disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em uma
live publicada após a vitória do republicano.
O filho do
ex-presidente Jair Bolsonaro acompanhou a apuração ao lado de Donald Trump, em
Mar-a-Lago, resort de Trump em Palm Beach, na Flórida. Também estavam ali
Gilson Machado, ex-ministro do Turismo de Bolsonaro, e seu filho, Gilson Filho,
eleito vereador em Recife nas últimas eleições. De acordo com Eduardo, havia
cerca de 50 pessoas no jantar privativo, entre elas, Trump Jr., o apresentador
Tucker Carlson, e os empresários Elon Musk e Vivek Ramaswamy. “Muita gente
influente, mesmo aqui nos Estados Unidos, mas influente em pautas brasileiras”,
afirmou.
Os deputados Rodrigo
Valadares (União-SE), Filipe Barros (PL-PR), Paulo Bilynskyj (PL-SP) e Bia
Kicis (PL-DF) também integraram a comitiva que acompanhou a apuração nos EUA,
no centro de convenções onde Trump fez seu discurso da vitória. “Essa eleição
marcará o futuro dos Estados Unidos, do Brasil, e do mundo”, disse Bia Kicis em
live no Instagram na terça-feira, 5 de novembro, antes da divulgação do
resultado.
Na mesma gravação, ela
também citou “vários tipos de fraude” que estariam sendo promovidas para
garantir a vitória da democrata Kamala Harris. “Vocês sabem que o tipo de
fraude que tem não é só a questão da urna”, disse. Citou, por exemplo, o caso
de um imigrante chinês indocumentado que, mesmo sem poder, conseguiu votar no
estado de Michigan. As autoridades afirmaram que casos como esse são raros e
não se repetiram na última eleição.
A CNN publicou uma
reportagem que afirma que casos isolados e erros humanos, ainda que corrigidos,
foram usados pelos apoiadores de Trump para disseminar narrativas de fraude
eleitoral. Quando Javier Milei, representante da extrema-direita na Argentina,
ganhou as eleições no ano passado, bolsonaristas já estava prontos para dizer
que a derrota havia sido fruto de roubo, como mostrou a Pública.
Representantes
argentinos também foram aos EUA, entre eles os deputados Santiago Santurio, do
partido de Milei, e Agustín Romo, o líder do partido na Câmara dos Deputados e
assessor presidencial. O mexicano, Eduardo Verastégui, produtor do filme Som da
Liberdade que participou da edição brasileira da Conferência de Ação Política
Conservadora (CPAC) também estava presente, assim como o deputado Nigel Farage,
do Parlamento Britânico, e Rob Roos, do Parlamento Europeu, que gravou uma
entrevista em inglês com Bia Kicis com denúncias de uma suposta perseguição aos
bolsonaristas no Brasil e críticas ao governo Lula. A intenção dos brasileiros
é criar uma coalizão internacional
de extrema-direita.
Isabela Kalil,
professora da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e coordenadora do
Observatório da Extrema Direita, aponta que a articulação do 03, Eduardo, com
Trump “não é irrelevante”. “O Eduardo Bolsonaro de fato representa o Brasil
nesse circuito da direita radical, não só nos Estados Unidos, mas fora também”,
explicou. Ainda assim, ela aponta que, atualmente, os bolsonaristas têm
aumentado o tamanho de sua influência, ainda que eles “possam ganhar força com
o tempo”.
<><> Construir
relações
Além da vitória de
Trump no Executivo, os republicanos também conquistaram maioria no Senado e o
mesmo cenário se encaminha na Câmara, o que também foi celebrado pelos
parlamentares brasileiros. Os deputados veem as conquistas como formas de
fortalecer iniciativas ligadas ao Brasil, como dois projetos de lei que são
resultados de visitas que a comitiva de extrema-direita fez em março e maio a
alguns congressistas chave, que passaram a encampar o discurso falso de que o
Brasil vive uma ditadura do judiciário.
Um deles, a H.R. 9605, foi
proposta pela deputada Maria Elvira Salazar, em parceria com o deputado Darrell
Issa, em 16 de setembro deste ano. O projeto busca cancelar os vistos e
deportar autoridades estrangeiras que tenham ferido a liberdade de expressão de
cidadãos americanos. Como justificativa, Salazar cita as ações do ministro do
STF, Alexandre de Moraes, contra o bilionário e dono do X, Elon Musk.
Em abril deste ano, o
ministro incluiu Musk entre os investigados do inquérito das milícias digitais,
que investiga grupos suspeitos de disseminar notícias falsas em redes sociais
para influenciar processos políticos. No final de agosto, o ministro suspendeu
o X no Brasil em função do descumprimento de ordens judiciais, como o pedido de
suspensão de perfis que estavam ameaçando policiais envolvidos
nos inquéritos das milícias digitais e do 8 de janeiro. O antigo Twitter voltou
a funcionar 38 dias depois, quando os pedidos de Moraes foram atendidos.
“O juiz da Suprema
Corte brasileira, Alexandre de Moraes, é a vanguarda de um ataque internacional
à liberdade de expressão contra cidadãos americanos como Elon Musk”, justificou
a deputada Salazar, de acordo com release publicado
por sua assessoria. “A liberdade de expressão é um direito natural e
inalienável que não conhece fronteiras”, disse. De acordo com a legislação
brasileira, a liberdade de expressão não protege discursos desinformativos e
violentos.
Em setembro deste ano,
Eduardo Bolsonaro, o deputado Marcel van Hattem (Novo-SP) e o senador Eduardo
Girão (Novo-CE) fizeram um bate e volta nos Estados Unidos para participar de
um jantar promovido pelo comentarista Paulo Figueiredo com a presença da deputada.
Na ocasião, o grupo Yes Brazil USA presenteou Salazar com um certificado em reconhecimento “à
sua defesa da democracia e liberdade do povo brasileiro”. O Yes Brazil USA é um
dos articuladores da extrema-direita nos EUA e na Europa. “Tenha aliados”,
publicou o filho de Jair Bolsonaro em seu Instagram.
Outro projeto de lei
em tramitação é de autoria do deputado Chris Smith, que recebeu a comitiva de
brasileiros em março e, em maio, promoveu a audiência intitulada “Brasil: uma
crise de democracia, liberdade e estado de direito?”, baseada em desinformação,
em um subcomitê do Comitê de Assuntos Internacionais da Câmara.
Apresentado em 25 de
setembro, o H.R. 9850 proíbe
que recursos públicos americanos sejam empregados em organizações
internacionais, governamentais ou não, que estariam promovendo ataques à
liberdade de expressão. O texto cita como uma de suas justificativas uma
parceria firmada entre o Consórcio para Eleições e Fortalecimento de Processos
Políticos (CEPPS), financiado com verba pública dos EUA, e o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
Salazar, Smith, o
senador Rick Scott e os deputados Rich McCormick, que se encontrou com a
comitiva de brasileiros em março, e Carloz Giménez, também assinaram uma carta
endereçada ao Secretário de Estado Antony Blinken solicitando a revogação de
vistos e a negação de entrada nos EUA aos ministros do Supremo Tribunal
Federal. Todos foram reeleitos. Representantes do Yes Brazil USA comemoraram a
reeleição do senador Scott ao seu lado.
“Por conta da
suspensão do X, o Brasil passou a ser relevante para a extrema-direita nos
Estados Unidos, para a direita radical, e para essa articulação que
supostamente denuncia o risco de os Estados Unidos seguirem o mesmo caminho e
terem um futuro autoritário”, avalia Isabela Kalil.
Ainda assim, ela não
considera que o controle republicano no parlamento dos EUA vai fortalecer essas
iniciativas. “O Brasil não está na lista de prioridades dos políticos
republicanos do Congresso. Com exceção de uma ou outra ação específica, um ou
outro congressista, de fato isso não é relevante para os congressistas nos
Estados Unidos”, afirmou. “[Essas comitivas] não são amplamente recebidas pelos
republicanos, mas sim por alguns pontos focais que eles têm em específico”,
acrescentou.
Neste ano, Eduardo
Bolsonaro foi aos EUA ao menos quatro vezes em agendas públicas. “Para você
construir aqui uma relação e você ter acesso a algumas pessoas aqui demora
tempo”, justificou.
Em maio,
a Pública mostrou como
ele e outros 14 deputados brasileiros, formaram uma comitiva que defendeu, por
exemplo, que os Estados Unidos aprovem uma lei para penalizar as autoridades
brasileiras, sob a justificativa de violação dos direitos de conservadores, e
que imponham sanções ao país sul-americano para que a suposta “ditadura de
esquerda” seja derrotada.
Após a publicação da
reportagem, o deputado gravou um vídeo dizendo que o grupo não defende sanções,
ainda que outros parlamentares, como o deputado André Fernandes (PL-CE), tenha
dito em entrevista que “talvez com sanções ou iminentes sanções, o Brasil, mais
específico o Judiciário, reflita, tire o pé do acelerador, porque nós não vamos
parar”. A ação rendeu um pedido do
PSOL ao STF para que a comitiva seja investigada.
Dias antes da ida da
comitiva para acompanhar a posse de Trump, um grupo de parlamentares
brasileiros de esquerda enviou uma carta para “alertar” os democratas da ida
dos bolsonaristas. “Essa visita tem o claro objetivo de promover uma narrativa
falsa de que o Brasil vive sob uma ‘ditadura judicial’, utilizando redes de
desinformação na tentativa de minar as instituições democráticas brasileiras,
afirmaram os senadores Eliziane Gama (PSD-MA) e Humberto Costa (PT-PE), além
dos deputados Henrique Vieira (PSOL-RJ), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Rafael
Brito (MDB – AL) e Rogério Correia (PT-MG), em ação coordenada pelo Instituto
Vladimir Herzog.
Fonte: Por Laura
Scofield, da Agência Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário