sábado, 30 de novembro de 2024

Agronegócio faz ofensiva antiambiental nas assembleias legislativas

A investida de parlamentares contra leis ambientais segue de Norte a Sul do país. Em nova reportagem, a agência de notícia Associated Press destacou os esforços de pecuaristas e produtores de soja para se livrar das proteções legais do bioma amazônico. Ações podem colocar em risco as metas climáticas do governo Lula, como a redução das emissões de gases do efeito estufa e a meta do desmatamento zero até 2030.

No Acre, por exemplo, a Lei nº 4.396/2024, aprovada por unanimidade em agosto, permite a privatização de quase 900 km² de floresta protegida – uma área do tamanho da cidade de Nova York. O objetivo declarado é legalizar o status de pessoas que se mudaram ilegalmente para cinco unidades de conservação florestais, destaca a AP.

A nova legislação recebeu forte apoio do agronegócio. Assuero Veronez, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre, afirmou, durante um discurso no parlamento estadual, que “quanto mais floresta, mais pobreza”. Apenas a perspectiva das Áreas Protegidas (APs) virarem privatizadas fez com que os números de destruição disparassem no estado: de agosto a outubro, o desmatamento ilegal em quatro APs aumentou mais de três vezes em relação ao ano anterior.

Na vizinha Rondônia, Assembleia e governos locais buscam anular 11 Unidades de Conservação (UCs) e reduzir outras duas. Em Mato Grosso, autoridades têm dificultado a viabilização da Moratória da Soja. Em uma declaração, o governo estadual disse que encerrou os incentivos sob a moratória da soja porque o estado já aplica “as regulamentações ambientais mais rigorosas do mundo” e as empresas que violarem as leis nacionais enfrentarão penalidades, assim como aconteceria em outros países.

Outro projeto de alto impacto ambiental que tem ganhado força  – inclusive do governo federal – é o Ferrogrão, uma malha de 933 km, prevista para ligar Sinop (MT), o berço nacional da soja, a Itaituba (PA), às margens do rio Tapajós.

Dez anos depois de ser oficialmente apresentada, com o maior projeto de infraestrutura de transportes do governo federal – estimado em mais de R$ 25 bilhões – “só serviu para produzir, até hoje, um comboio de impasses ambientais e administrativos, questionamentos jurídicos, pilhas de documentos, relatórios e teses sobre a abertura de uma nova ferrovia na Amazônia”, aponta O Eco.

O governo federal tentou buscar entendimento entre todas as partes: em outubro do ano passado, foi criado um grupo de trabalho para discutir o projeto com organizações civis, lideranças indígenas e comunidades impactadas pelo empreendimento. Mas, em julho, por meio de uma carta enviada ao Ministério dos Transportes,  elas anunciaram a saída do GT.

“O que deveria ser um espaço de diálogo transversal e interministerial terminou esvaziado, sem que a Casa Civil enviasse sequer um representante a uma única reunião. E o que deveria ser um espaço de debates profundos terminou sendo um ambiente secundarizado e sem ressonância nos processos de tomada de decisão”, afirmaram as organizações.

A movimentação parlamentar para o enfraquecimento das leis ambientais também está a todo vapor no Paraná, com o Projeto de Lei 662/2024 do governador Ratinho Junior (PSD). O Estadão detalha que o texto retira o poder de deliberação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), que tem participação da sociedade civil, e atribui a um órgão ou instituto estadual a competência para licenciar obras e empreendimentos com potencial de degradar o meio ambiente.

Ratinho Junior defende que o objetivo é “modernizar o trâmite dos processos de licenciamento ambiental por meio da redução dos entraves burocráticos e da uniformização de procedimentos administrativos”; enquanto ambientalistas falam em um “passar a boiada” estadual.

 

•                        Tarcísio veta educação climática em escolas após lançar Agro Jovem. Por Gabriel Gama

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) vetou o Projeto de Lei nº 80/2023, que incluía conteúdos sobre as mudanças climáticas na grade curricular das escolas estaduais de São Paulo, 12 dias após ter anunciado o programa Agro Jovem, destinado a “incentivar a participação da juventude no agronegócio paulista”. O PL havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e recebeu a oposição do governo paulista no mês passado. Segundo especialistas ouvidos pela Agência Pública, o movimento “oficializa” a oposição da gestão à educação climática.

A Pública apurou que a equipe mais próxima ao governador está envolvida na elaboração do Agro Jovem, que inclui ações educativas em universidades e escolas estaduais de ensinos médio e fundamental II e prevê o recrutamento de estudantes para compor um “conselho” da juventude rural. O programa também oferecerá 200 vagas de estágios na Secretaria de Agricultura e Abastecimento e premiações de projetos desenvolvidos pelos estudantes, mas ainda depende de decreto para ser instituído.

As emissões de gases causadores do efeito estufa pela agropecuária corresponderam a 22,7% do total emitido em 2023 pelo estado de São Paulo, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases (Seeg), do Observatório do Clima. O setor ocupa a segunda posição no ranking de maiores emissores do estado, ficando atrás apenas do de energia.

O veto de Tarcísio ao PL 80/2023 foi publicado no Diário Oficial em 8 de outubro. De autoria do deputado Guilherme Cortez (PSOL), o projeto previa a inclusão de conteúdos sobre as mudanças climáticas no programa de ensino da rede estadual, de maneira transversal e interdisciplinar. O texto havia sido aprovado pela Alesp em votação simbólica, quando a maioria dos parlamentares é favorável à proposta e apenas os votos contrários são computados. Somente oito dos 94 deputados votaram contra o projeto.

Em entrevista à Pública, Cortez afirmou que planeja dialogar com a base bolsonarista da Assembleia para derrubar o veto do governador. “O veto é uma sinalização clara do negacionismo que existe no governo e da pressão de setores econômicos que não querem o avanço da consciência da população em relação à mudança climática. Sabemos dos interesses políticos e econômicos dessa administração, que impedem o governador de ter uma postura coerente com o tema”, disse o parlamentar.

“O agronegócio é predominante no estado de São Paulo, principalmente no interior. É um setor que trabalha com métodos que são insustentáveis e causam emissão de poluentes na atmosfera, como as queimadas, o uso indiscriminado de agrotóxicos e as formas antiquadas e predatórias de uso do solo. É um setor que economicamente apoia o governo e para o qual o governo faz todas as sinalizações possíveis”, complementa Cortez.

A abertura para valorização do agronegócio nas escolas, como prevê o programa Agro Jovem, acentua um posicionamento do governo paulista quanto à priorização da educação climática. “A educação ambiental climática é realmente antagônica a essa dita educação sobre o agro, que parece muito com o movimento Escola Sem Partido. O agronegócio é o modelo da insustentabilidade”, afirma Rachel Trajber, coordenadora do Cemaden Educação, programa do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.

<><> Escola Sem Partido à la agro

O programa Agro Jovem foi apresentado durante o seminário Agrotalk Mind, cujo anfitrião foi o próprio governo paulista. Com o tema “A educação brasileira e o ecossistema da indústria agrocultural”, o encontro reuniu mais de 150 produtores rurais no Salão Nobre da Secretaria de Agricultura, no dia 26 de setembro. O evento teve ares de festa e foi organizado pela AGX Estratégias, agência de marketing comandada por Aryane Garcia, que integrou a campanha à reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do governador Tarcísio.

O secretário-executivo de Agricultura, Edson Fernandes, apresentou o Agro Jovem no evento, que teve participação do deputado estadual Lucas Bove (PL), vice-presidente da Comissão de Educação da Alesp e que votou contra a aprovação do PL de educação climática, e da presidente da associação De Olho no Material Escolar, Letícia Jacintho.

A De Olho no Material Escolar foi criada em 2021 com o objetivo de “contribuir para uma educação positiva e atualizada sobre o agro”. A associação faz lobby entre os parlamentares e atua para revisar material didático que “demonizaria” o agro – tendo, inclusive, chamado atenção após ter criticado questões do Enem 2023 que envolviam o agronegócio.

Jacintho, que vem de família ruralista, disse em entrevista ao podcast da revista agropecuária Coopercitrus que “pode-se fazer propaganda dizendo que o ‘agro é pop’ e o ‘agro é tudo’ ou qualquer outro tipo de publicidade, mas se não consertarmos a base, que é a educação, será muito difícil conseguir mostrar toda a grandeza do agronegócio”.

Em entrevista ao Canal Rural durante o Agrotalk Mind, o deputado Lucas Bove enalteceu o foco do evento no que chamou de “doutrinação nas escolas contra o agronegócio”. “A ideia [do Agro Jovem] é justamente fazer com que esse tipo de problema não ocorra mais e que a gente possa, de fato, ter uma educação de qualidade que não prejudique o nosso agronegócio e também ajude o produtor rural”, disse o parlamentar.

“Nós [lideranças do agronegócio] estamos correndo atrás do prejuízo e do tempo em que não nos envolvíamos com política e não fazíamos questão de debater o que nossos filhos estão aprendendo na escola. Eu vejo vídeos de meninas e meninos que mudaram completamente a personalidade e estão irreconhecíveis por conta daquilo que é ensinado ideologicamente nas escolas”, afirmou Aryane Garcia, idealizadora do Agrotalk Mind, em entrevista ao portal Notícias Agrícolas.

Durante o evento, foi assinado um protocolo de intenções entre a Secretaria de Agricultura e o Instituto Presbiteriano Mackenzie, com o objetivo de firmar um “projeto de qualificação e formação especializada, teórico e prático de estudantes universitários e a transferência de conhecimento por meio de estágios”. O diretor do instituto, Milton Flávio, recebeu a “joia do agro”, banhada em ouro de 18 quilates.

<><> Diálogo e coincidência de objetivos

À Pública, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento afirmou que o programa Agro Jovem “busca fortalecer o diálogo entre a sociedade civil e o poder público, estimulando o desenvolvimento de soluções inovadoras e a formação de uma nova geração de profissionais qualificados para o agronegócio”.

A pasta negou que o Agro Jovem tenha qualquer relação com a associação De Olho no Material Escolar, “apesar de ambos possuírem objetivos convergentes, como capacitação da juventude, divulgação do setor agropecuário e difusão das características do segmento”.

A secretaria acrescentou que “tem diálogo aberto e recebe os pleitos desta e qualquer outra iniciativa com objetivo pedagógico e de conscientização, quando fundamentadas na produção científica e acadêmica disponível e que demonstram a sustentabilidade e contribuição social da agropecuária para o desenvolvimento da sociedade”.

Procurada, a De Olho no Material Escolar afirmou que “iniciativas que tenham os mesmos princípios e propósitos são bem recebidas”. A entidade negou que tenha qualquer participação no programa Agro Jovem. Em relação ao PL de educação climática vetado por Tarcísio, a De Olho afirmou que “desconhece seu teor e, portanto, reserva-se à posição de não comentá-lo”.

A reportagem também procurou o governo de São Paulo, mas não houve retorno até a publicação.

<><> Na contramão da tendência nacional e internacional

Tarcísio de Freitas apresentou dois programas estaduais como razões para o veto ao projeto de lei: o “Escola Mais Segura”, que trata sobre resiliência estrutural das escolas e não cita educação climática, e “Alfabetização Ambiental”, que promove temáticas socioambientais no ensino público.

Para a professora de educomunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e membro da Coalizão Brasileira pela Educação Climática Thaís Brianezi, as justificativas apresentadas pelo governador durante o veto ao PL não seriam suficientes para garantir a implementação da educação climática.

“Há uma certa distância entre a educação ambiental e as ciências do clima. Por isso, o governo federal considerou importante que a educação climática fosse uma prioridade e constasse como um destaque dentro da política de educação. Cai por terra a justificativa do Tarcísio, porque, senão, o governo Lula também teria reconhecido que não era necessário fazer essa inclusão.”

Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei nº 14.926/2024, fruto de um projeto de lei apresentado pelo Senado. A legislação inclui as mudanças do clima, a proteção da biodiversidade e os riscos e vulnerabilidades a desastres socioambientais na Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), instituída em 1999. Na prática, o veto de Tarcísio à educação climática não impede as escolas estaduais de abordarem o tema em sala de aula, já que a atualização na PNEA supre essa lacuna.

Diretrizes para a educação sobre mudanças climáticas também estão estabelecidas por organizações internacionais. A Unesco, órgão das Nações Unidas para a educação, promove a iniciativa Greening Education Partnership, que estimula a colaboração entre governos e a sociedade civil para incentivar a educação climática. A 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), que se encerrou na semana passada, também teve programações voltadas para a educação.

“É lamentável, simboliza uma não priorização do tema”, analisa Brianezi. “Da maneira como foram pautados esses dois movimentos antagônicos, um ganhando projeção e espaço na agenda [a educação sobre o agro], e o outro sendo simplesmente vetado [a educação climática], passa a mensagem de que o governador não quer rever os privilégios que o agronegócio desfruta e nem repensar as práticas da agricultura industrial. Quando o governador veta, ele está se comportando como o capitão do Titanic, que não deixou soar os sinos da emergência.

 

Fonte: ClimaInfo/Agencia Pública

 

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