3 fatores que bolsonaristas celebram na
vitória de Donald Trump
A volta de Donald
Trump à Casa Branca como novo presidente americano deverá produzir efeitos políticos
diretos no Brasil e no mundo, segundo expoentes da direita bolsonaristas
ouvidos pela BBC News Brasil.
• Confira todos os resultados das eleições
dos EUA 2024
Poucos dias antes das
eleições americanas, realizada na terça-feira (5/11), na qual Trump derrotou a
candidata democrata e atual vice-presidente Kamala Harris, a reportagem
conversou com Paulo Figueiredo, ex-comentarista da Jovem Pan, e Ernesto Araújo,
que chefiou o Itamaraty no governo Bolsonaro.
Ambos se envolveram,
em diferente intensidade, em um esforço de brasileiros na campanha online
pró-Trump e atuam como uma interface entre representantes da direita do Brasil
e dos Estados Unidos, se consolidando como vozes influentes na diáspora
brasileira em território americano.
Araújo soma quase 900
mil seguidores em sua conta no X (antigo Twitter) e, atualmente licenciado do
Itamaraty, vende cursos online de formação política à direita, que ele admite
ter criado sob "inspiração" do guru Olavo de Carvalho, morto há dois
anos.
Já Figueiredo, cuja
conta na rede social X está atualmente bloqueada no Brasil por determinação do
Supremo Tribunal Federal, reúne 1,3 milhão de seguidores ali. Nos EUA, ele
consegue operar seu perfil normalmente, sem restrições legais.
Figueiredo é alvo de
investigação da Polícia Federal, que o acusa de ter participação na suposta
tentativa de golpe de Estado liderada por alguns expoentes do governo de
Bolsonaro depois da derrota eleitoral de 2022, o que ele nega.
Em diferentes graus,
Araújo e Figueiredo estão convencidos de que, no poder, Trump colocará em
evidência o ex-presidente Bolsonaro, levará o bolsonarismo a retomar seu foco
em uma agenda de direita radical, produzirá impactos no modo como o Brasil
combate as fake news e deverá aprofundar os intercâmbios políticos de
lideranças conservadoras de direita em âmbito global.
• Bolsonaro em evidência e mudança de
atmosfera
Paulo Figueiredo
recorda que o ex-presidente Donald Trump tem "um enorme carinho
pessoal" por Bolsonaro e por seu filho, o deputado federal Eduardo
Bolsonaro. Ele acredita que essa proximidade vai derivar em uma maior e natural
atenção ao político brasileiro.
Os bolsonaristas não
estão sozinhos na avaliação. O ex-subsecretário do Departamento de Estado para
o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, que serviu também como embaixador dos
Estados Unidos no Brasil, vê na volta de Trump ao poder como o provável início
de um novo capítulo da recente história espelhada que Brasil e Estados Unidos
têm escrito.
Nos últimos dez anos,
os dois países viveram o desgaste dos políticos tradicionais, a ascensão ao
poder de modelos populistas de direita, a derrota nas urnas dos representantes
desse modelo (Trump e Bolsonaro), as contestações ao modelo democrático que culminaram
em ataques físicos às instituições pelos apoiadores desses líderes, como a
invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e a depredação da Praça dos Três
Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
Trump reeleito, disse
Shannon, "deve ajudar Bolsonaro, porque mostra que é possível perder e
ainda assim voltar ao poder quatro anos depois".
A questão é que, à
diferença de Trump, Bolsonaro está inelegível.
O ex-presidente, que
também é alvo de outras investigações no âmbito da Polícia Federal, não pode
concorrer a cargos eletivos até 2030.
Em sentença de junho
de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que ele cometeu abuso de
poder político e uso indevido dos meios de comunicação em uma reunião com
embaixadores durante a campanha de 2022 na qual atacou, sem provas, as urnas
eletrônicas.
Bolsonaro, no entanto,
refuta o veredito e tem dito que vai concorrer em 2026, sem explicar como. Para
que isso aconteça, ele teria que conseguir deixar sem efeito a punição do TSE.
Um dos caminhos seria
aprovar no Congresso um projeto de anistia para ele e envolvidos no ataque à
sede dos Três Poderes em janeiro de 2023.
A avaliação de
analistas, no entanto, é que Bolsonaro, ao mesmo tempo em que demonstrou força
nas eleições municipais nas grandes cidades, também amargou derrotas, o que não
faria a pauta de anistia tão forte no Congresso.
Tanto Figueiredo como
o ex-chanceler Araújo foram categóricos em dizer que Trump “não se envolveria
na política interna do Brasil” quando perguntados sobre como o governo do
republicano poderia influenciar a aprovação de um projeto de anistia.
Mas não descartam que
Trump seja capaz de promover uma mudança de atmosfera que faça as autoridades
brasileiras repensarem suas ações.
• Musk e expectativa de pressão sobre Lula
e STF
"Elon Musk vai
ter influência no governo Trump, e o Brasil está no mapa mental do Musk, então
eu acho que ele vai influenciar a percepção sobre Brasil", diz Ernesto
Araújo.
No cálculo dos
bolsonaristas, o tamanho que se projeta que o bilionário dono da Tesla, do X e
da Space X, terá na futura administração é motivo de celebração.
"O grande tema do
momento no mundo é a liberdade de expressão, e o Musk vê o Brasil como uma das
principais frentes de batalha no assunto, por tudo o que aconteceu com o
X", segue Araújo.
"Então é alguém
que pode influenciar a administração do Trump em medidas que sejam, de certa
forma, mais críticas da ausência de liberdade de expressão no Brasil, mais
favoráveis a uma pressão.”
Como ex-chanceler do
Brasil, Araújo disse não querer "entrar tanto em especulação sobre essa
coisa de sanções".
"Porque isso
depende, há coisas que são da alçada do Executivo, alguma investigação do
Departamento de Justiça, mas é preciso ver se essa mudança de entendimento
ficará só na Casa Branca, porque nem tudo depende só do presidente",
explica Araújo.
Como ministro das
Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Araújo empreendeu alinhamento total
do Brasil com a gestão Trump, mas não conseguiu aprovar um acordo de livre
comércio com os Estados Unidos, uma meta do então governo, travada no Congresso
americano.
Outro foco dos
bolsonaristas é um projeto de lei, introduzido em setembro no Congresso
americano, batizado de "No Censors on our Shores Act", ou algo como
"Ato Sem Censores em Nossa Área de Jurisdição".
Quem copatrocina o
projeto é o deputado Chris Smith, que prevê a cassação de vistos ou mesmo a
deportação de "qualquer autoridade estrangeira envolvida em atos de
censura" contra cidadãos americanos que, se estivessem nos EUA, violariam
a primeira emenda da Constituição (que garante liberdade de expressão).
Tanto Figueiredo como
Ernesto Araújo admitem que o alvo da lei são os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF).
"O projeto já
está pronto para ser votado agora depois das eleições, a gente vai trabalhar
para que seja votado ainda por essa legislatura na Câmara [de maioria
republicana] e na próxima legislatura pelo Senado [que será de maioria
republicana]", afirma Figueiredo.
"Não só os
ministros ficariam impedidos de entrar nos Estados Unidos, mas também os
delegados da Polícia Federal, juízes auxiliares, outras figuras que certamente
a gente tem trabalhado para identificar. E aí a gente vai depender da sanção
presidencial", segue ele, para quem Trump exercerá pressão sobre a base
republicana em prol do projeto de lei.
"É um otimismo
informado", acrescenta.
Um segundo projeto de
lei, que prevê a proibição de que agências governamentais americanas financiem
ações ou deem assistência com dinheiro público a entidades estrangeiras que
"promovam censura" de entes americanos, poderia seguir o mesmo caminho
legislativo. O texto foi igualmente criado pensando em punir o Brasil pelo caso
com o X.
Já Ernesto Araújo se
mostra menos seguro de um caminho legislativo tão certo para as medidas e tenta
também reduzir expectativas: "Não é que Trump vai invadir o Brasil,
precisa ver a estratégia que eles terão para o país, que instrumentos táticos
estarão disponíveis, mas eu não espero nada dramático."
O ex-chanceler aposta
que Trump poderia exercer algum protecionismo econômico e constranger empresas
brasileiras ao abrir investigações por corrupção via Departamento de Justiça,
como aconteceu com a Lava Jato. Ou mesmo focar em empresas chinesas atuando no
Brasil.
O republicano tem
prometido distribuir tarifas a produtos importados pelos EUA, o que também
poderia afetar o Brasil.
Em setembro, no auge
da batalha judicial com o STF, Elon Musk postou no X: ''Espero que Lula goste
de voo comercial. A menos que o governo brasileiro devolva os bens ilegalmente
apreendidos do X e da SpaceX, buscaremos a apreensão recíproca dos ativos do
governo também."
"Se o Brasil
continuar violando os acordos internacionais do qual é signatário, como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, se o Brasil continuar nessa
flagrante violação [do direito à liberdade de expressão], pode ser que leve a
administração Trump ao ponto de, se necessário, aplicar sanções diretamente ao
Brasil", opina Figueiredo.
• Internacional de direita e volta ao
bolsonarismo-raiz
Ernesto Araújo e, em
menor grau, Paulo Figueiredo, expressaram certa expectativa de que o retorno de
Trump ao poder leve Bolsonaro a retomar uma agenda mais ideológica e
programática em direção à direita radical.
"Se o Trump vier
com determinadas políticas que seriam semelhantes provavelmente às do mandato
anterior, isso nos anima no Brasil, quem acredita nessas políticas de ideário
conservador, até porque mostra que há viabilidade eleitoral nelas", diz
Araújo.
Para ele, "o
bolsonarismo se aproximou do centrão, não o centrão que se aproximou do
bolsonarismo", afirma.
"Mas o exemplo de
Trump, que volta ao poder sem ter se aliado a um Valdemar [da Costa Neto,
presidente do PL], faz também ressurgir programas e discussões que estavam
enterradas."
Trump foi capaz de
colonizar completamente o Partido Republicano, enquanto que Bolsonaro falhou em
criar o seu Aliança Brasil e acabou abrigado na legenda de Valdemar. "Eu
acho um erro", diz Figueiredo.
"Nos EUA, foi a
liderança que absorveu o partido, no Brasil foi o contrário", critica
Araújo, que diz que a emergência do ex-coach e empresário Pablo Marçal,
candidato derrotado nas eleições de São Paulo, é exemplo da "demanda que
existe por um líder populista de direita."
Ernesto Araújo, que
atualmente trabalha na assessoria internacional do partido de direita radical
espanhol Vox, diz esperar que a chegada de Trump ao poder possa fortalecer a
articulação de lideranças conservadoras em âmbito global.
A volta de Trump
poderia, na visão do ex-chanceler, impulsionar o Foro de Madrid, uma espécie de
internacional dos ideários conservadores e anticomunistas criada em 2020.
Araújo se entusiasma
com as ideias de gestão que Elon Musk possa trazer para o grupo e imagina que
os países possam replicar as estratégias de rede do bilionário.
O ex-chanceler
brasileiro também tem a expectativa de que a chegada de Trump ao poder gere uma
injeção de dólares no intercâmbio internacional deste campo político.
Fariam parte desta
rede húngaros ligados ao governo de Viktor Orban, italianos do grupo da premiê
Georgia Meloni, poloneses ligados ao presidente do país Andrzej Dudah, além de
latinos dos movimentos de Javier Milei, na Argentina, e José Antônio Kast, no
Chile.
• PCO vê vitória de Trump como positiva,
por ser “derrota do principal setor do bloco imperialista”
Em nota publicada em
suas redes sociais, o Partido da Causa Operária (PCO) analisou os
desdobramentos da recente eleição presidencial nos Estados Unidos. Para o PCO,
a vitória de Donald Trump não deve ser celebrada pela esquerda, mas a derrota
de Kamala Harris, candidata do Partido Democrata, é vista como um resultado que
enfraquece um dos setores mais influentes do bloco imperialista. "O maior
cabo eleitoral de Trump e da extrema-direita norte-americana foi justamente o
Partido Democrata", afirmou o partido em sua publicação.
O PCO critica
duramente o legado do Partido Democrata e seu papel em manter políticas que,
segundo eles, não trouxeram melhorias para a classe trabalhadora dos EUA.
"O Partido Democrata que não melhorou a vida dos trabalhadores dos EUA com
sua política neoliberal e reforçou o caráter ditatorial da política do
identitarismo", destaca o partido. Para a sigla, essa postura alimentou o
crescimento da extrema-direita e culminou na volta de Trump à presidência.
O partido também faz
uma análise mais ampla, associando a vitória de Trump à crise no próprio
sistema imperialista norte-americano. "Portanto, é uma derrota do
principal setor do bloco imperialista. Dos responsáveis pelo genocídio em Gaza,
por golpes de Estado e pela política de fome e destruição neoliberal em todo o
planeta", pontua o PCO. Nesse contexto, a volta de Trump é interpretada
não como um apoio a suas políticas, mas como um indicativo de fragmentação e
instabilidade dentro do próprio bloco dominante, o que poderia abrir
oportunidades para movimentos e países oprimidos pela política externa dos EUA.
O PCO conclui que,
embora Trump represente uma figura controversa, seu retorno ao poder simboliza
uma crise que desestabiliza o núcleo imperialista, e isso deve ser encarado
como uma abertura para os movimentos de resistência ao domínio norte-americano.
"O retorno de Trump à presidência representa uma enorme crise no Estado
norte-americano, uma enorme crise dentro do próprio bloco imperialista, e a
crise no imperialismo deve ser vista como algo positivo para todos aqueles que
são oprimidos pelos EUA", afirmou o partido em uma de suas publicações
mais recentes.
Fonte: BBC News
Brasil/Brasil 247
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