PT debate sua crise e prepara mudança de
comando, iniciando a guinada ao Centro
As eleições
municipais chegaram ao fim com resultados
ambíguos para o partido que comanda o país: o Partido dos Trabalhadores (PT) . Se por um lado, a legenda registrou um aumento no número de
prefeituras comandadas em comparação com 2020 - e, à diferença
de quatro anos atrás, conquistou até uma capital, Fortaleza -, por outro, viu
rivais do Centrão e da direita
bolsonarista ampliarem a quantidade de prefeituras que comandarão a partir de
2025.
O PT venceu em 252
municípios em 2024, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma alta de 38% em relação a 2020. Mesmo assim, está
consideravelmente distante do pico obtido pelo partido em 2012, quando
conquistou 624 cidades.
Em meio a este
cenário, a BBC News Brasil ouviu petistas e especialistas em Ciência Política
para analisar quais os fatores que levaram o PT a obter o resultado eleitoral
deste ano e quais os desafios a sigla deverá enfrentar em breve, se quiser se
manter competitiva no cenário nacional.
Dentro do partido, não
há consenso sobre o diagnóstico do que aconteceu e quais serão os próximos
passos, mas as lideranças ouvidas pela reportagem concordam que o PT precisa,
de forma urgente, adotar novas estratégias para ampliar sua base eleitoral.
Um foco é, segundo
eles, conquistar uma faixa importante do eleitorado composta por quase 30
milhões de trabalhadores autônomos, especialmente os que moram nas periferias das grandes cidades, que atuam na informalidade e que estariam mais alinhados a
candidatos de direita.
Os entrevistados
também disseram que o PT poderá ter que modular o seu discurso e sua política
de alianças diante do que parece ser um evidente movimento do eleitorado
brasileiro em direção à direita.
·
Ecos da Lava Jato
O professor de Ciência
Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto explica que a
conturbada história recente do PT é um dos elementos que explicam os resultados
modestos obtidos pelo partido nestas eleições.
O mesmo partido que
venceu cinco das últimas seis eleições presidenciais no país também foi um dos
principais alvos da Operação Lava Jato, que
culminou com a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
condenado e preso por crimes como lavagem de dinheiro.
Antes disso, o PT
ainda cambaleava após o impeachment da ex-presidente petista Dilma Rousseff.
Segundo Couto, apesar
de ter voltado à Presidência da República e ter tido um tímido aumento no
número de prefeituras neste ano, o PT ainda não teria conseguido se recuperar
dos impactos negativos dessa sucessão de crises vividas nos últimos anos.
"O problema do PT
não está tanto nestas eleições. Ele está na eleição de 2016, que foi o ano do
impeachment, do aprofundamento da recessão causada pela política econômica do
governo de Dilma, e foi o ápice da Lava Jato", disse Couto à
BBC News Brasil.
"Naquele ano, o
PT perdeu 60% dos seus prefeitos e vereadores país afora. Ele tomou um tombo no
plano municipal e ainda não conseguiu se recuperar disso", seguiu.
A petista Marília
Campos, prefeita reeleita de Contagem, cidade mineira com 621 mil habitantes,
tem diagnóstico semelhante ao de Cláudio Couto. Em entrevista à BBC News
Brasil, ela admitiu que precisou enfrentar uma grande dose de
"antipetismo" durante sua campanha à reeleição.
"Tivemos um
desgaste desde a Operação Lava Jato, uma satanização do PT", disse.
"Claro que houve
uma conspiração e uma construção política e cultural contra o PT, mas [essa
rejeição] também é em função dos erros que a gente teve. Muitas lideranças
nossas erraram [...] tudo isso criou uma decepção, especialmente no setor de
classe média. E aí a base do PT se fragmentou."
Para ela, a sigla
enfrenta hoje duas questões principais: a polarização nacional e o antipetismo.
O deputado federal e
candidato derrotado à Prefeitura de Belo Horizonte, Rogério Correa, concorda
com a ideia de que o passado recente do partido ainda o prejudica nas urnas.
"Essas
dificuldades que temos vêm de um tempo atrás. O PT foi muito perseguido. Havia
gente que dizia, inclusive, que o PT ia acabar. Hoje, o partido está num
processo de recuperação. Já tivemos momentos melhores? Com certeza",
reconhece o parlamentar que ficou em sexto colocado no primeiro turno das
eleições na capital mineira, com apenas 4,37% dos votos.
·
A crise do discurso
Mas, para além dos
estragos causados pela Lava Jato, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil
apontam que o PT enfrenta também outro tipo de crise: a perda da conexão com
segmentos da população que, no passado, seriam vistos como eleitores cativos do
partido.
Cláudio Couto afirmou
que, quando surgiu, o PT dizia defender os trabalhadores explorados pelo
sistema capitalista e que precisariam de uma representação política.
O professor disse, no
entanto, que desde o surgimento e ascensão do PT, o país e o mundo viveram
mudanças profundas no mercado de trabalho.
Atualmente, segundo
ele, uma parcela relevante dos moradores das periferias das grandes cidades não
se sentiria representada por um discurso vinculado à luta sindical uma vez que,
boa parte desses trabalhadores vivem na informalidade.
"Talvez a questão
mais central para o PT seja esse discurso voltado àqueles moradores das
periferias das cidades e às populações de mais baixa renda, mas que se enxergam
como empreendedores", disse o cientista político.
Segundo ele, esse
público manifesta um desejo crescente por um Estado menos burocrático e mais
favorável aos pequenos negócios, sem prescindir dos direitos sociais.
"O PT ainda não
conseguiu adaptar o seu discurso e oferecer soluções para essas
aspirações", disse.
Marília Campos diz ter
uma leitura semelhante sobre o assunto.
"Outra questão
que eu acho fundamental é o PT ter um diálogo com quem não é de carteira
assinada. Nós não podemos só conversar ou defender um país apenas para os que
têm carteira assinada", diz ela.
"Nós temos hoje
um segmento cada vez maior, que é empreendedor, que é pequeno empresário, que é
autônomo e qual é a nossa política para esse segmento?", segue a petista.
Couto diz que essa
mudança no perfil dos moradores das periferias já havia sido detectada pelo
próprio partido em 2017, quando a Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT,
lançou um estudo que já apontava nesta mesma direção.
O estudo
"Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo"
delineava parte do que Couto, Marília Campos e outras lideranças do PT vêm
repetindo.
"No imaginário da
população não há luta de classes; o ‘inimigo’ é, em grande medida, o próprio
Estado ineficaz e incompetente. Abre-se espaço para o ‘liberalismo popular’ com
demanda de menos Estado", diz um trecho do estudo.
Segundo Couto, apesar
de ter o diagnóstico diante de si, o PT não tomou as medidas necessárias para
se adaptar a essa nova realidade.
Uma das consequências,
apontam pesquisas, é uma maior tendência deste público a apoiar partidos e
candidatos de direita.
Em 2023, por exemplo,
o instituto Datafolha divulgou uma pesquisa encomendada pelas redes de
transporte e entrega por aplicativo Uber e IFood que apontava que 40% dos
entregadores entrevistados diziam ser de direita enquanto apenas 20% diziam ser
de esquerda. Os 40% restantes diziam ser de centro.
Essa dificuldade em
mudar o tom do discurso já começa a ser reconhecida até pelos mais altos
escalões do partido.
Na semana passada, a
presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, tentou explicar
o motivo dessa dificuldade de adaptação da legenda durante uma entrevista ao
jornalista Reinaldo Azevedo e ao advogado Walfrido Warde.
"A formação do PT
veio deste núcleo de trabalhadores, sindicalizados e organizados [...] Isso
sempre ficou muito arraigado no PT, nas lideranças do PT e na cabeça do
presidente [ Lula] [...] Essa mudança que a gente teve da sociedade foi se
dando num processo em que a gente estava saindo do governo, combalido, pensando
em nós mesmos, na nossa sobrevivência e não nos dedicamos a fazer discussões
mais aprofundadas", disse Gleisi.
Marília Campos
apontou, ainda, o que ela considera outro problema do PT que o afastaria de uma
camada significativa do eleitorado: o discurso em torno das pautas
identitárias.
As chamadas pautas
identitárias são aquelas baseadas nos interesses de grupos sociais com os quais
cidadãos se identificam, normalmente são associadas aos direitos de minorias
como a população negra, os povos originários e a comunidade LGBTQIA+.
"De uns tempos
para cá, nesse processo de fragmentação, o PT adotou um discurso muito
identitário que dialoga com algumas bolhas. Isso tirou muito a capacidade do PT
de dialogar com a cidade e com o país de uma forma geral", afirma ela.
"Nesse processo
de reconstrução do partido, a primeira questão é adotar um discurso
universalizante, onde a gente defenda, sim, a luta em defesa da igualdade
social [...] mas todas essas lutas segmentadas fazendo parte de uma luta mais
universal", defendeu a prefeita.
·
Dilema existencial:
rumo ao centro?
Em meio a esse cenário
intrincado, uma questão que parece se impor ao PT é: quais as saídas para a
sobrevivência do partido?
Formado por diversas
correntes ideológicas, a sigla passará por eleições internas em 2025. Gleisi
Hoffmann, que está no comando da legenda desde 2017, tem dito que a necessidade
de o partido atualizar seu discurso para se aproximar de segmentos como motoristas
e entregadores por aplicativos e a população evangélica serão temas de debates
internos numa tentativa de o partido voltar a dialogar com este público.
Do lado de fora do PT,
analistas indagam se o futuro do partido não passaria por uma guinada ao
centro, a julgar pelas posições que teve de adotar no segundo turno.
O PT oficializou apoio
a adversários de bolsonaristas em Belém (PA), Belo Horizonte (MG), João Pessoa
(PB) e Palmas (TO). Nestas quatro cidades, a legenda se posicionou a favor de
candidatos de centro e de centro-direita contra candidatos do PL.
Em Goiânia, o PT, que
ficou de fora do segundo turno, não declarou seu apoio a nenhum candidato, mas
passou a fazer campanha contrária ao candidato bolsonarista Fred Rodrigues
(PL), que perdeu a disputa da prefeitura da capital de Goiás para Sandro Mabel
(União Brasil).
Para Marília Campos,
do ponto de vista eleitoral, o PT precisará rever suas estratégias e
considerar, cada vez mais, nomes mais ao centro em disputas estaduais, por
exemplo.
"Aqui em Minas
Gerais, por exemplo, a gente precisa de um projeto viável do ponto de vista
eleitoral e de governança. E para que isso seja atingido como objetivo, nós
precisamos de uma candidatura que tenha o perfil do centro, não da esquerda
como eu represento", afirmou a prefeita.
Marília, que se elegeu
em uma campanha que apostou na "despolarização" entre Lula e
Bolsonaro, deixando o presidente petista de fora, diz que o partido deve evitar
essa dualidade no futuro.
Mas a ideia de uma ida
mais ao centro, no entanto, não é consenso dentro do partido.
O deputado federal
Rogério Corrêa, por exemplo, disse que a legenda não pode abrir mão do debate
político e de suas posições ideológicas.
"Qual é o papel
do PT? Compreendendo que a extrema direita é um risco não apenas aqui, mas
internacional, nós não podemos descuidar", diz.
"Nós não podemos
deixar de fazer disputa pela hegemonia no combate à extrema direita porque a
direita não fará isso de forma consequente."
Para a professora de
Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Silvana
Krause, alianças ao centro não são uma novidade na história do PT. Ela pontua,
no entanto, que o partido precisa mostrar capacidade de adaptação a uma nova
realidade.
"O PT tem sido o
norte do mercado eleitoral nas duas últimas décadas, mas as direções do partido
estão tendo muita dificuldade de leitura de uma nova sociedade que está
despontando", diz.
"Se o partido não
tiver clareza sobre isso, terá muitos problemas no futuro. Não adianta ficar
com as mesmas respostas, receitas que ele tinha nos anos 90", afirmou a
professora.
Já Cláudio Couto
apontou que, embora o partido precise se adaptar às mudanças no perfil do
eleitorado, há riscos se essa mudança não for bem calibrada.
"O que significa
ir ao centro hoje? Talvez não seja a mesma cosa que ir ao centro em 2002",
disse o professor, mencionando a eleição em que Lula obteve seu primeiro
mandato após se aliar partidos mais à direita, como o PL do seu candidato a vice-presidente
José Alencar.
Couto disse que o peso
do conservadorismo no Brasil tornaria uma guinada do PT ao centro mais difícil
e mais arriscada.
"Hoje, falamos de
outro tipo de ida ao centro. Há um peso do conservadorismo evangélico que
existia lá atrás. No passado, o PT chegou a ter apoio do Republicanos, do
(pastor Silas) Malafaia. Como é que vai dialogar com esses setores?",
indagou.
Couto disse que este
problema não é exclusivo do PT, mas de diversos partidos à esquerda e à direita
e que o risco ao buscar esse eleitor mediano é a perda da identidade
partidária.
"Esse é um
problema clássico, mas na esquerda, há uma grande tradição nesse tipo de
movimentação. Há quem diga, inclusive, que alguns partidos se descaracterizam
de tão ao centro que vão. Mas me parece que eles não têm muita opção. A questão
hoje é: ir ao centro de que jeito?", disse.
Ao falar sobre as
pressões de segmentos como o mercado financeiro para que o PT se posicione mais
ao centro em temas econômicos, Gleisi Hoffmann disse, em entrevista ao
jornalista Reinaldo Azevedo, o que parece resumir sua forma de ver o dilema
imposto ao partido.
"Eu digo sempre
ao pessoal do mercado: vocês não podem exigir que a gente se mate
(politicamente). Temos bandeiras que são históricas como investimentos em
educação, saúde, valorização do salário mínimo [...] Não podem querer que o
Lula se mate e faça esse ajuste porque senão o negócio vai ficar feio",
disse.
¨ PT tem muito trabalho para fazer pensando em 2026,analisa
Jussara Soares
O Partido dos
Trabalhadores (PT) enfrenta um cenário desafiador após as eleições municipais
de 2024. A partir de janeiro de 2025, o partido estará à frente de apenas uma
capital no Brasil: Fortaleza. Essa situação reflete uma necessidade urgente de
reavaliação e trabalho intenso visando as eleições de 2026.
A analista de Política
Jussara Soares destaca que a vitória do PT em Fortaleza, embora significativa,
foi apertada. O candidato petista venceu por uma margem de apenas 11 mil votos,
em uma disputa acirrada contra André Fernandes (PL), um jovem representante da
direita.
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Campanha intensa e polêmica
A campanha em
Fortaleza foi marcada por intensos debates e polêmicas. André Fernandes, que
iniciou sua carreira como influenciador digital, enfrentou críticas devido a
declarações controversas, incluindo falas negativas sobre mulheres e
questionamentos sobre o feminicídio. Apesar disso, conseguiu uma votação
expressiva.
O desempenho de
Fernandes, mesmo diante das controvérsias, indica um crescimento da direita em
um tradicional reduto de esquerda. Isso sinaliza uma fragmentação política na
região, evidenciada pelo apoio de alguns aliados dos irmãos Cid e Ciro Gomes ao
candidato de direita.
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Desafios para o PT
A vitória apertada em
Fortaleza, segundo Soares, acende um alerta para o partido. Ela enfatiza
que o PT “precisa fazer uma tarefa de casa” e “ir para o divã”, especialmente
considerando sua performance no Nordeste, região historicamente favorável ao
partido.
O presidente Lula deve
se reunir com a base do partido para analisar os resultados e planejar
estratégias para 2026.
A situação atual
demanda uma reflexão profunda sobre as razões por trás do desempenho abaixo do
esperado e a elaboração de novas abordagens para reconquistar o eleitorado em
diferentes regiões do país.
O cenário político que
se desenha após essas eleições municipais indica um trabalho árduo pela frente
para o PT. O partido precisará reavaliar suas estratégias, fortalecer sua base
e buscar novas formas de se conectar com o eleitorado, especialmente nas capitais
e grandes centros urbanos, visando uma recuperação nas próximas eleições
presidenciais.
Fonte: BBC News Brasil/CNN
Brasil
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