Amigo ou inimigo: o que significam os
exercícios militares conjuntos entre Brasil e Argentina?
Nos últimos anos,
desde a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil e de Alberto Fernández na
Argentina, os dois países andam com as relações estremecidas. Ainda assim, o
país hispânico participará do Cruzex 2024, maior exercício militar organizado
pela Força Aérea Brasileira (FAB). O que tem na Defesa que permite a conversa
entre ambas as nações?
Argentina e Brasil não
estão no melhor de seus momentos. A péssima relação entre seus presidentes,
Javier Milei e Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente, foi marcada logo em
seu começo durante a campanha presidencial do argentino, que atacou pessoalmente
Lula como forma de promover sua plataforma ultraliberal.
Em resposta, Lula
declarou abertamente apoio a Sergio Massa, opositor de Milei e ex-ministro da
Economia de Alberto Fernández. Este último tampouco se deu bem com o
ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, que declarou apoio a Mauricio Macri e
declinou o convite de cerimônia de posse, cujo comparecimento era uma tradição,
até então, de 23 anos entre os países.
As boas relações entre
os dois países, diz Jefferson Nascimento, cientista político e pesquisador do
Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), foram construídas principalmente no último século.
"No período de
independência, tanto do Brasil quanto da Argentina, houve alguns conflitos
bélicos", explica o membro do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) e
do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL), "mas foram
resolvidos com o tempo e hoje são datados".
"Desde então, ao
longo do século XX principalmente, o Brasil e a Argentina construíram uma
relação de muita troca e diplomacia. Pode-se dizer que hoje a rivalidade entre
o Brasil e a Argentina fica restrita ao mundo do futebol."
Atualmente, a
Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, enquanto o Brasil é
o segundo maior parceiro da Argentina. Esse grande fluxo comercial, aliado ao
histórico centenário entre os dois, demonstra uma relação institucional muito
grande entre as nações.
Uma que rusgas entre
os dois presidentes não consegue afetar. "Não são coisas que dependem só
do presidente, mas depende do apoio dos parlamentares, da sociedade e das
elites econômicas", explica Nascimento.
"Inclusive, em
março, a Argentina esteve na iminência de uma crise energética que só não
ocorreu porque o Brasil exportou gás natural para a Argentina por meio da
Petrobras", lembra o pesquisador.
Da mesma forma,
Guilherme Carvalho, pesquisador da Escola de Guerra Naval (EGN) e ex-militar da
Marinha do Brasil, aponta que uma forma que a relação institucional se dá é por
meio das Forças Armadas, instituições de Estado em ambos os países.
A Argentina não só vai
participar do Cruzex 2024 através de sua aeronáutica, como sua armada
participou este ano da operação Fraterno, maior exercício naval da América do
Sul. As Forças Armadas argentinas também estiveram presentes na operação
Formosa, que contou com a presença de militares de África do Sul, China,
Estados Unidos, França, Itália, México, Nigéria, Paquistão e República do
Congo.
"Ainda que
Brasília e Buenos Aires não estejam tão próximas quanto poderiam estar, o
status quo da parceria estratégica — tanto econômica quanto militar —
encontra-se inabalado."
Segundo Carvalho, a
realização de exercícios militares em conjunto "mantém próspera a relação
com os vizinhos". O constante intercâmbio militar também abre portas para
o Brasil, maior produtor de artigos de defesa da região.
Um exemplo disso é a
venda do blindado Guarani para a Argentina, que está de pé, apesar da inimizade
entre os presidentes. "E que só não obteve, ainda, um desfecho positivo
pela dificuldade da Argentina de fornecer garantias de pagamento adequadas",
nota o pesquisador da EGN.
Mais do que uma
oportunidade de negócios, os exercícios militares conjuntos auxiliam na
estabilidade regional ao "ressaltar a importância da união da América do
Sul como um bloco".
"No qual o
entendimento geral deve ser a defesa da paz regional, o fortalecimento da
democracia, a integração econômica e a defesa dos interesses não apenas
nacionais, mas da América do Sul como um todo."
No entanto, Jefferson
Nascimento destaca que o atrito entre Lula e Milei pode não retroceder a
relação entre os dois países, mas certamente a impede de avançar. "De
fato, essas desavenças presidenciais têm impacto no avanço das relações entre
dois países."
Foi o que aconteceu
com o convite para a Argentina integrar o BRICS, que acabou de realizar sua 16ª
cúpula com a presença dos novos membros. Após um trabalho brasileiro para que o
país hermano fosse considerado, Milei descartou o convite.
• Universitários brasileiros na mira da
“motosserra” de Milei
Nos últimos anos,
tradições universitárias do Brasil, como atléticas e cervejadas, se expandiram
pela Argentina na mesma velocidade que o número de estudantes brasileiros, a
grande maioria buscando um diploma de medicina. A gratuidade da universidade
pública e a facilidade no ingresso foram nos últimos anos grandes atrativos
para os alunos brasileiros, mas a solução que muitos encontraram para obter o
diploma entrou na mira do governo do presidente ultraliberal Javier Milei neste
ano.
Em meio aos planos de
cortes de gastos, as verbas para as universidades são alvo de polêmicas e
disputas. No começo do mês, Milei vetou uma lei para o financiamento
universitário, provocando manifestações e uma série de paralisações nas
instituições de ensino. O projeto, que havia sido aprovado pelo Congresso,
previa mais verbas para a educação e aumento de salários de docentes. Setores
universitários alegam que o corte de gastos impede o pleno funcionamento das
instituições.
A postura contou com
forte rejeição popular e política, já que as universidades públicas, de onde
saíram cinco vencedores do prêmio Nobel, são vistas como um orgulho nacional.
Segundo pesquisa da consultoria Zuban Córdoba y Asociados, 59,3% dos entrevistados
questionaram o veto de Milei à lei que promovia a ampliação do orçamento
universitário.
Neste cenário, a
proposta de cobrar de alunos estrangeiros para aumentar a arrecadação das
instituições vem sendo defendida por alguns setores. "Aqueles que vêm de
outras partes para estudar em nosso país são pessoas que não pagaram um único
imposto aqui durante toda a vida. Apoiamos a educação, a saúde, a segurança e a
justiça, me parece razoável que quem utiliza estes serviços e não contribuiu,
pague alguma coisa", declarou o presidente da Câmara dos Deputados da
Argentina, Martín Menem, sobre o tema.
No centro da polêmica
está a medicina. Atualmente, cerca de 34% dos estudantes no curso no país são
estrangeiros, um número próximo de 37 mil pessoas, com mais de 20 mil
brasileiros. Normalmente, para um brasileiro estudar em uma universidade
pública na Argentina a única exigência além dos trâmites burocráticos para se
fixar no país é a comprovação de conhecimentos de espanhol, o que estimulou
muitos alunos nos últimos anos.
Além de não exigir um
disputado vestibular para ingresso nas universidades públicas como no Brasil,
há a possibilidade de economizar diante de mensalidades que chegam aos milhares
de reais nas instituições privadas do país.
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Diploma mais caro e mais difícil
Por sua vez, em 2024,
o cenário favorável vem sofrendo algumas alterações. Ao longo do ano, dezenas
de brasileiros foram barrados ao tentar entrar na Argentina por conta de
alterações nas exigências de visto.
Até então, era comum
que o procedimento de estudantes solicitarem o visto de permanência e a
residência fixa fosse feito após o ingresso no território argentino. Já neste
ano, ao seguir o mesmo trâmite, alguns dos que tentaram entrar no país vizinho
ainda sem tal documentação foram tratados como "falsos turistas" e
mandados de volta ao Brasil.
Além disso, a alta no
custo de vida, com destaque para avanço no preço dos aluguéis, vem
representando uma dificuldade extra. Nos últimos anos, apesar da inflação
argentina galopante, o real teve forte valorização ante o peso argentino, o que
manteve o país atrativo para muitos brasileiros. No entanto, nos últimos meses
a moeda local se estabilizou, tornando as despesas mais caras em reais.
"Vi muitos
colegas voltando ao Brasil, ainda que estivesse indo bem na universidade,
porque não conseguiram custear a vida aqui na Argentina", afirma Dhéo
Carvalho, estudante brasileiro do quinto período da Universidade de Buenos
Aires (UBA). Na sua visão, "com certeza" a aplicação de cobranças a
estrangeiros reduziria ainda mais o fluxo de brasileiros estudando na
Argentina.
"Além de
brasileiros, sou colega de pessoas da Colômbia, Equador, Chile, Bolívia e
outras nacionalidades da região. Todos eles mostram preocupação caso essa
política chegue a ser implementada", afirma.
O dia a dia nas
universidades já vem sendo afetado diante do quadro de incertezas pelo
financiamento. "Só no último mês tive três provas que tiveram de mudar de
data por greve. Tive três aulas canceladas e duas ao ar livre", uma forma
comum de protesto na Argentina, conta Carvalho.
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"Parasitas do Estado"
Muitos estudantes de
outros países têm relatado mais comentários negativos sobre sua frequência nas
universidades e mais pessoas que os culpam pelos problemas econômicos do país
nos últimos tempos. "Não é difícil escutar que somos parasitas do Estado
ou que estamos nos aproveitando das condições do país", afirma Carvalho.
Há poucas certezas
sobre o real impacto da eventual cobrança de estrangeiros, e de que forma se
daria sua aplicação. Atualmente, 4,4% dos estudantes universitários argentinos
são estrangeiros. No caso da proposta atual mais avançada do governo, aqueles sem
residência permanente no país seriam afetados.
"Na Argentina,
para estudar é necessário ter residência, ou seja, são pessoas do exterior que
conseguiram concluir o processo", aponta Juan Manuel Álvarez Echagüe,
professor de Finanças Públicas e Direito Tributário da Faculdade de Direito da
UBA. Ele lembra ainda que não há nenhum estudo até o momento que indique qual
seria o real impacto econômico na arrecadação de impostos da cobrança de
universidades públicas.
Por outro lado, ele
não descarta que em um "país onde hoje prevalece um discurso
xenófobo" possa avançar a cobrança das mensalidades para aqueles que não
nasceram na Argentina. "Legalmente poderia ser viável, embora fosse contra
uma longa tradição", avalia.
<><> Falta
de retorno?
Outra questão que
ganhou força recentemente foi o questionamento do número de estrangeiros que
voltam a seus países depois de concluir o curso de medicina, o que não geraria
contribuição à Argentina. Muitos brasileiros apontam que há interesse em
continuar no país após a graduação, mas citam os baixos salários comparativos
para a função como um impeditivo.
Um levantamento da
consultoria Javier Miglino y Asociados mostrou que, na média, um médico no
Brasil recebe anualmente US$ 47 mil, ante US$ 5.280 da Argentina, valor que
fica abaixo até de países como Bangladesh, com US$ 7.084.
O brasileiro Alberto
Solé chegou à Argentina em 2008, onde cursou medicina em uma universidade
privada. Atualmente, ele atua como médico especialista no país, mas indica que
foi uma exceção em seu curso. "Éramos 97 brasileiros. Destes, dez se
formaram aqui, dos quais sou o único que continuou na Argentina. A grande
maioria voltou logo depois" para o Brasil, conta.
Segundo ele, os
comentários questionando a contribuição dos estrangeiros ao país são mais
recentes. "Quem conheço que fez a faculdade pública, nunca teve este
problema. Na verdade, era visto como uma forma de ascensão social",
incluindo para as segundas gerações de imigrantes, aponta.
Uma ideia ventilada é
a de que estrangeiros possam ser obrigados a trabalhar no país por algum
período para retribuir a formação. Álvarez questiona o projeto: "Não vejo
como viável reter, sem o seu consentimento, alguém no nosso país. Mesmo que o
fizesse assinar um compromisso prévio, não estaria de acordo com a lei".
"É verdade que
muitos saem do país após se formarem, mas, para obtê-lo, tiveram que fazer
consultas médicas com assistência gratuita aos pacientes argentinos",
conclui.
• Argentina identifica chefe do Hezbollah
na América Latina e relata plano para ataques no Brasil
Em uma declaração
emitida na sexta-feira (25), o Ministério da Segurança da Argentina pediu um
alerta de prisão internacional para Hussein Ahmad Karaki, que seria o chefe
operacional do Hezbollah na América Latina.
De acordo com a pasta,
Karaki recrutava militantes e planejava ataques em países continentes,
incluindo no Brasil. Além disso, ele teria participado de dois atentados contra
alvos judaicos na Argentina, há mais de 30 anos.
"Essa pessoa vem
trabalhando desde os anos 1990 na organização do Hezbollah em nosso
continente", disse a ministra da Segurança argentina, Patricia Bullrich,
acrescentando que a investigação foi coordenada com os apoios do Brasil e do
Paraguai, relata o G1.
Bullrich afirmou que
Karaki foi responsável por conseguir um carro-bomba utilizado no atentado
contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992. Horas antes da explosão
na embaixada israelense, Kakari teria deixado a Argentina em um avião com
destino ao Brasil. Bullrich afirmou que ele usou um passaporte colombiano falso
para fugir.
Sem dar detalhes, a
ministra também declarou que Karaki "recebeu a ordem direta" para o
ataque contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, que
deixou 85 mortos e centenas de feridos.
No entanto, as
investigações apontam que o militante está no Líbano, atualmente. Enquanto
esteve na América Latina, Kakari usou documentos do Brasil, Colômbia e
Venezuela e atuou como o "cérebro e recrutador do Hezbollah" no
continente, diz o ministério.
"Ele também foi o
chefe operacional em linha direta com [Hassan] Nasrallah, que foi morto há
algumas semanas no Líbano", disse a ministra.
A Argentina colaborou
com uma investigação da Polícia Federal do Brasil, em 2023, que frustrou planos
de ataques à comunidade judaica do Brasil. Em março deste ano, Kakari também
tentou fazer um atentado no Peru.
Bullrich informou que
Buenos Aires solicitou à Justiça que a Interpol emita um alerta vermelho em
todo o mundo para localizar e prender Karaki, acrescentando que Brasília e
Assunção "vão apoiar o alerta vermelho que a Argentina está solicitando".
• Em meio à grave crise, governo argentino
vai vender e leiloar 1,2 mil imóveis por US$ 800 milhões
O governo argentino
anunciou nesta sexta-feira (25) que leiloará 400 imóveis públicos e colocará à
venda outras 800 propriedades por US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,6 bilhões).
"A Agência de
Administração de Bens do Estado [ABE] vai leiloar mais de 400 imóveis e colocar
à venda outras 800 propriedades, com o único objetivo de reduzir gastos
desnecessários do Estado", informou durante uma coletiva de imprensa o
porta-voz presidencial argentino, Manuel Adorni, na Casa Rosada, sede do
Executivo.
Um dos imóveis que
será disponibilizado é o edifício onde funcionava o extinto Ministério das
Mulheres, Gêneros e Diversidade, avaliado em US$ 12,5 milhões (cerca de R$ 71,3
milhões).
Também será vendida a
sede do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina (INTA), que
será realocada. A administração liderada por Javier Milei também tentará se
desfazer dos imóveis confiscados em casos de corrupção e narcotráfico.
Os primeiros leilões
de edifícios públicos, que segundo Adorni "estão subutilizados ou trazem
custo de manutenção para o Estado", ocorrerão antes do final do ano.
Essa iniciativa faz
parte da política de cortes e ajuste fiscal que a atual gestão está
implementando para reduzir e desburocratizar o Estado, com o objetivo de
diminuir a inflação e alcançar um superávit para cumprir os compromissos de
dívida que o país sul-americano enfrenta.
A queda do poder
aquisitivo dos rendimentos, em meio à flagrante recessão que impacta
indicadores sensíveis como o nível de emprego, convive com o aumento dos preços
devido à inflação. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF,
na sigla em inglês), pelo menos 10 milhões de menores de 18 anos consomem menos
carnes e laticínios do que em 2023.
O relatório divulgado
em agosto aponta que, além disso, 9% das famílias teve que deixar de pagar
planos de saúde devido ao ajuste nos gastos.
Fonte: Sputnik
Brasil/DW Brasil
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