segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Amigo ou inimigo: o que significam os exercícios militares conjuntos entre Brasil e Argentina?

Nos últimos anos, desde a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil e de Alberto Fernández na Argentina, os dois países andam com as relações estremecidas. Ainda assim, o país hispânico participará do Cruzex 2024, maior exercício militar organizado pela Força Aérea Brasileira (FAB). O que tem na Defesa que permite a conversa entre ambas as nações?

Argentina e Brasil não estão no melhor de seus momentos. A péssima relação entre seus presidentes, Javier Milei e Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente, foi marcada logo em seu começo durante a campanha presidencial do argentino, que atacou pessoalmente Lula como forma de promover sua plataforma ultraliberal.

Em resposta, Lula declarou abertamente apoio a Sergio Massa, opositor de Milei e ex-ministro da Economia de Alberto Fernández. Este último tampouco se deu bem com o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, que declarou apoio a Mauricio Macri e declinou o convite de cerimônia de posse, cujo comparecimento era uma tradição, até então, de 23 anos entre os países.

As boas relações entre os dois países, diz Jefferson Nascimento, cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foram construídas principalmente no último século.

"No período de independência, tanto do Brasil quanto da Argentina, houve alguns conflitos bélicos", explica o membro do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) e do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL), "mas foram resolvidos com o tempo e hoje são datados".

"Desde então, ao longo do século XX principalmente, o Brasil e a Argentina construíram uma relação de muita troca e diplomacia. Pode-se dizer que hoje a rivalidade entre o Brasil e a Argentina fica restrita ao mundo do futebol."

Atualmente, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, enquanto o Brasil é o segundo maior parceiro da Argentina. Esse grande fluxo comercial, aliado ao histórico centenário entre os dois, demonstra uma relação institucional muito grande entre as nações.

Uma que rusgas entre os dois presidentes não consegue afetar. "Não são coisas que dependem só do presidente, mas depende do apoio dos parlamentares, da sociedade e das elites econômicas", explica Nascimento.

"Inclusive, em março, a Argentina esteve na iminência de uma crise energética que só não ocorreu porque o Brasil exportou gás natural para a Argentina por meio da Petrobras", lembra o pesquisador.

Da mesma forma, Guilherme Carvalho, pesquisador da Escola de Guerra Naval (EGN) e ex-militar da Marinha do Brasil, aponta que uma forma que a relação institucional se dá é por meio das Forças Armadas, instituições de Estado em ambos os países.

A Argentina não só vai participar do Cruzex 2024 através de sua aeronáutica, como sua armada participou este ano da operação Fraterno, maior exercício naval da América do Sul. As Forças Armadas argentinas também estiveram presentes na operação Formosa, que contou com a presença de militares de África do Sul, China, Estados Unidos, França, Itália, México, Nigéria, Paquistão e República do Congo.

"Ainda que Brasília e Buenos Aires não estejam tão próximas quanto poderiam estar, o status quo da parceria estratégica — tanto econômica quanto militar — encontra-se inabalado."

Segundo Carvalho, a realização de exercícios militares em conjunto "mantém próspera a relação com os vizinhos". O constante intercâmbio militar também abre portas para o Brasil, maior produtor de artigos de defesa da região.

Um exemplo disso é a venda do blindado Guarani para a Argentina, que está de pé, apesar da inimizade entre os presidentes. "E que só não obteve, ainda, um desfecho positivo pela dificuldade da Argentina de fornecer garantias de pagamento adequadas", nota o pesquisador da EGN.

Mais do que uma oportunidade de negócios, os exercícios militares conjuntos auxiliam na estabilidade regional ao "ressaltar a importância da união da América do Sul como um bloco".

"No qual o entendimento geral deve ser a defesa da paz regional, o fortalecimento da democracia, a integração econômica e a defesa dos interesses não apenas nacionais, mas da América do Sul como um todo."

No entanto, Jefferson Nascimento destaca que o atrito entre Lula e Milei pode não retroceder a relação entre os dois países, mas certamente a impede de avançar. "De fato, essas desavenças presidenciais têm impacto no avanço das relações entre dois países."

Foi o que aconteceu com o convite para a Argentina integrar o BRICS, que acabou de realizar sua 16ª cúpula com a presença dos novos membros. Após um trabalho brasileiro para que o país hermano fosse considerado, Milei descartou o convite.

 

•        Universitários brasileiros na mira da “motosserra” de Milei

Nos últimos anos, tradições universitárias do Brasil, como atléticas e cervejadas, se expandiram pela Argentina na mesma velocidade que o número de estudantes brasileiros, a grande maioria buscando um diploma de medicina. A gratuidade da universidade pública e a facilidade no ingresso foram nos últimos anos grandes atrativos para os alunos brasileiros, mas a solução que muitos encontraram para obter o diploma entrou na mira do governo do presidente ultraliberal Javier Milei neste ano.

Em meio aos planos de cortes de gastos, as verbas para as universidades são alvo de polêmicas e disputas. No começo do mês, Milei vetou uma lei para o financiamento universitário, provocando manifestações e uma série de paralisações nas instituições de ensino. O projeto, que havia sido aprovado pelo Congresso, previa mais verbas para a educação e aumento de salários de docentes. Setores universitários alegam que o corte de gastos impede o pleno funcionamento das instituições.

A postura contou com forte rejeição popular e política, já que as universidades públicas, de onde saíram cinco vencedores do prêmio Nobel, são vistas como um orgulho nacional. Segundo pesquisa da consultoria Zuban Córdoba y Asociados, 59,3% dos entrevistados questionaram o veto de Milei à lei que promovia a ampliação do orçamento universitário.

Neste cenário, a proposta de cobrar de alunos estrangeiros para aumentar a arrecadação das instituições vem sendo defendida por alguns setores. "Aqueles que vêm de outras partes para estudar em nosso país são pessoas que não pagaram um único imposto aqui durante toda a vida. Apoiamos a educação, a saúde, a segurança e a justiça, me parece razoável que quem utiliza estes serviços e não contribuiu, pague alguma coisa", declarou o presidente da Câmara dos Deputados da Argentina, Martín Menem, sobre o tema.

No centro da polêmica está a medicina. Atualmente, cerca de 34% dos estudantes no curso no país são estrangeiros, um número próximo de 37 mil pessoas, com mais de 20 mil brasileiros. Normalmente, para um brasileiro estudar em uma universidade pública na Argentina a única exigência além dos trâmites burocráticos para se fixar no país é a comprovação de conhecimentos de espanhol, o que estimulou muitos alunos nos últimos anos.

Além de não exigir um disputado vestibular para ingresso nas universidades públicas como no Brasil, há a possibilidade de economizar diante de mensalidades que chegam aos milhares de reais nas instituições privadas do país.

<><> Diploma mais caro e mais difícil

Por sua vez, em 2024, o cenário favorável vem sofrendo algumas alterações. Ao longo do ano, dezenas de brasileiros foram barrados ao tentar entrar na Argentina por conta de alterações nas exigências de visto.

Até então, era comum que o procedimento de estudantes solicitarem o visto de permanência e a residência fixa fosse feito após o ingresso no território argentino. Já neste ano, ao seguir o mesmo trâmite, alguns dos que tentaram entrar no país vizinho ainda sem tal documentação foram tratados como "falsos turistas" e mandados de volta ao Brasil.

Além disso, a alta no custo de vida, com destaque para avanço no preço dos aluguéis, vem representando uma dificuldade extra. Nos últimos anos, apesar da inflação argentina galopante, o real teve forte valorização ante o peso argentino, o que manteve o país atrativo para muitos brasileiros. No entanto, nos últimos meses a moeda local se estabilizou, tornando as despesas mais caras em reais.

"Vi muitos colegas voltando ao Brasil, ainda que estivesse indo bem na universidade, porque não conseguiram custear a vida aqui na Argentina", afirma Dhéo Carvalho, estudante brasileiro do quinto período da Universidade de Buenos Aires (UBA). Na sua visão, "com certeza" a aplicação de cobranças a estrangeiros reduziria ainda mais o fluxo de brasileiros estudando na Argentina.

"Além de brasileiros, sou colega de pessoas da Colômbia, Equador, Chile, Bolívia e outras nacionalidades da região. Todos eles mostram preocupação caso essa política chegue a ser implementada", afirma.

O dia a dia nas universidades já vem sendo afetado diante do quadro de incertezas pelo financiamento. "Só no último mês tive três provas que tiveram de mudar de data por greve. Tive três aulas canceladas e duas ao ar livre", uma forma comum de protesto na Argentina, conta Carvalho.

<><> "Parasitas do Estado"

Muitos estudantes de outros países têm relatado mais comentários negativos sobre sua frequência nas universidades e mais pessoas que os culpam pelos problemas econômicos do país nos últimos tempos. "Não é difícil escutar que somos parasitas do Estado ou que estamos nos aproveitando das condições do país", afirma Carvalho.

Há poucas certezas sobre o real impacto da eventual cobrança de estrangeiros, e de que forma se daria sua aplicação. Atualmente, 4,4% dos estudantes universitários argentinos são estrangeiros. No caso da proposta atual mais avançada do governo, aqueles sem residência permanente no país seriam afetados.

"Na Argentina, para estudar é necessário ter residência, ou seja, são pessoas do exterior que conseguiram concluir o processo", aponta Juan Manuel Álvarez Echagüe, professor de Finanças Públicas e Direito Tributário da Faculdade de Direito da UBA. Ele lembra ainda que não há nenhum estudo até o momento que indique qual seria o real impacto econômico na arrecadação de impostos da cobrança de universidades públicas.

Por outro lado, ele não descarta que em um "país onde hoje prevalece um discurso xenófobo" possa avançar a cobrança das mensalidades para aqueles que não nasceram na Argentina. "Legalmente poderia ser viável, embora fosse contra uma longa tradição", avalia.

<><> Falta de retorno?

Outra questão que ganhou força recentemente foi o questionamento do número de estrangeiros que voltam a seus países depois de concluir o curso de medicina, o que não geraria contribuição à Argentina. Muitos brasileiros apontam que há interesse em continuar no país após a graduação, mas citam os baixos salários comparativos para a função como um impeditivo.

Um levantamento da consultoria Javier Miglino y Asociados mostrou que, na média, um médico no Brasil recebe anualmente US$ 47 mil, ante US$ 5.280 da Argentina, valor que fica abaixo até de países como Bangladesh, com US$ 7.084.

O brasileiro Alberto Solé chegou à Argentina em 2008, onde cursou medicina em uma universidade privada. Atualmente, ele atua como médico especialista no país, mas indica que foi uma exceção em seu curso. "Éramos 97 brasileiros. Destes, dez se formaram aqui, dos quais sou o único que continuou na Argentina. A grande maioria voltou logo depois" para o Brasil, conta.

Segundo ele, os comentários questionando a contribuição dos estrangeiros ao país são mais recentes. "Quem conheço que fez a faculdade pública, nunca teve este problema. Na verdade, era visto como uma forma de ascensão social", incluindo para as segundas gerações de imigrantes, aponta.

Uma ideia ventilada é a de que estrangeiros possam ser obrigados a trabalhar no país por algum período para retribuir a formação. Álvarez questiona o projeto: "Não vejo como viável reter, sem o seu consentimento, alguém no nosso país. Mesmo que o fizesse assinar um compromisso prévio, não estaria de acordo com a lei".

"É verdade que muitos saem do país após se formarem, mas, para obtê-lo, tiveram que fazer consultas médicas com assistência gratuita aos pacientes argentinos", conclui.

 

•        Argentina identifica chefe do Hezbollah na América Latina e relata plano para ataques no Brasil

Em uma declaração emitida na sexta-feira (25), o Ministério da Segurança da Argentina pediu um alerta de prisão internacional para Hussein Ahmad Karaki, que seria o chefe operacional do Hezbollah na América Latina.

De acordo com a pasta, Karaki recrutava militantes e planejava ataques em países continentes, incluindo no Brasil. Além disso, ele teria participado de dois atentados contra alvos judaicos na Argentina, há mais de 30 anos.

"Essa pessoa vem trabalhando desde os anos 1990 na organização do Hezbollah em nosso continente", disse a ministra da Segurança argentina, Patricia Bullrich, acrescentando que a investigação foi coordenada com os apoios do Brasil e do Paraguai, relata o G1.

Bullrich afirmou que Karaki foi responsável por conseguir um carro-bomba utilizado no atentado contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992. Horas antes da explosão na embaixada israelense, Kakari teria deixado a Argentina em um avião com destino ao Brasil. Bullrich afirmou que ele usou um passaporte colombiano falso para fugir.

Sem dar detalhes, a ministra também declarou que Karaki "recebeu a ordem direta" para o ataque contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, que deixou 85 mortos e centenas de feridos.

No entanto, as investigações apontam que o militante está no Líbano, atualmente. Enquanto esteve na América Latina, Kakari usou documentos do Brasil, Colômbia e Venezuela e atuou como o "cérebro e recrutador do Hezbollah" no continente, diz o ministério.

"Ele também foi o chefe operacional em linha direta com [Hassan] Nasrallah, que foi morto há algumas semanas no Líbano", disse a ministra.

A Argentina colaborou com uma investigação da Polícia Federal do Brasil, em 2023, que frustrou planos de ataques à comunidade judaica do Brasil. Em março deste ano, Kakari também tentou fazer um atentado no Peru.

Bullrich informou que Buenos Aires solicitou à Justiça que a Interpol emita um alerta vermelho em todo o mundo para localizar e prender Karaki, acrescentando que Brasília e Assunção "vão apoiar o alerta vermelho que a Argentina está solicitando".

•        Em meio à grave crise, governo argentino vai vender e leiloar 1,2 mil imóveis por US$ 800 milhões

O governo argentino anunciou nesta sexta-feira (25) que leiloará 400 imóveis públicos e colocará à venda outras 800 propriedades por US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,6 bilhões).

"A Agência de Administração de Bens do Estado [ABE] vai leiloar mais de 400 imóveis e colocar à venda outras 800 propriedades, com o único objetivo de reduzir gastos desnecessários do Estado", informou durante uma coletiva de imprensa o porta-voz presidencial argentino, Manuel Adorni, na Casa Rosada, sede do Executivo.

Um dos imóveis que será disponibilizado é o edifício onde funcionava o extinto Ministério das Mulheres, Gêneros e Diversidade, avaliado em US$ 12,5 milhões (cerca de R$ 71,3 milhões).

Também será vendida a sede do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária da Argentina (INTA), que será realocada. A administração liderada por Javier Milei também tentará se desfazer dos imóveis confiscados em casos de corrupção e narcotráfico.

Os primeiros leilões de edifícios públicos, que segundo Adorni "estão subutilizados ou trazem custo de manutenção para o Estado", ocorrerão antes do final do ano.

Essa iniciativa faz parte da política de cortes e ajuste fiscal que a atual gestão está implementando para reduzir e desburocratizar o Estado, com o objetivo de diminuir a inflação e alcançar um superávit para cumprir os compromissos de dívida que o país sul-americano enfrenta.

A queda do poder aquisitivo dos rendimentos, em meio à flagrante recessão que impacta indicadores sensíveis como o nível de emprego, convive com o aumento dos preços devido à inflação. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, na sigla em inglês), pelo menos 10 milhões de menores de 18 anos consomem menos carnes e laticínios do que em 2023.

O relatório divulgado em agosto aponta que, além disso, 9% das famílias teve que deixar de pagar planos de saúde devido ao ajuste nos gastos.

 

Fonte: Sputnik Brasil/DW Brasil

 

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