segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Ucrânia: A estranhíssima “ofensiva de Kursk”

O ex-diplomata e ex-agente secreto britânico Alastair Crooke publicou contundente artigo a partir da invasão da região de Kursk, na Rússia, por tropas da Ucrânia. no site Strategic Culture.

Digo “a partir” porque a análise de Alastair Crooke vai muito além do fato em si, no campo de batalha. A partir deste, ele se dirige a outro campo de batalha, que alega ser mais importante do que o primeiro: o das narrativas criadas e impostas ao público leitor/ espectador, em seus diferentes níveis, por governos e mídias.

Em primeiro lugar, caracterizemos o analista, pois Alastair Crooke não é um personagem qualquer. Hoje com 75 anos, Alastair Crooke nasceu na Irlanda. Trabalhou no sistema financeiro britânico, até entrar no serviço secreto do Reino Unido, MI6, onde permaneceu durante mais de 30 anos, sob a camuflagem de ser um diplomata. Atuou na Irlanda do Norte, África do Sul, Colômbia, Paquistão e Oriente Médio. Na sequência, tornou-se diplomata dentro da União Europeia. Entre suas funções desempenhou papel relevante conseguindo armas para os jihadistas lutarem contra os soviéticos no Afeganistão.

No Oriente Médio, como um dos enviados da União Europeia, atuou a partir da Embaixada Britânica em Tel Aviv, procurando estabelecer pontes entre grupos islâmicos, como o Hamas e o Hezbollah, e as forças israelenses, com quem, afirma-se, tinha bom relacionamento.

Depois de condecorado pelo governo britânico em 2004, com a medalha da Ordem de São Miguel e São Jorge,  estabeleceu-se em Beirute. Fundou e dirige o site Conflicts Forum, onde defende esforços de aproximação entre o Mundo Islâmico e o Ocidente. Alega estar sendo censurado em plataformas como o Facebook e outras do Ocidente, sob acusação de “fazer o jogo” de Vladimir Putin, coisa que nega. Desconheço e não me cabe aqui discutir as motivações pessoais de sua labiríntica trajetória, de que citei apenas resumidíssima síntese. Interessa a análise que faz da situação das duas guerras entre Rússia e Ucrânia, a do campo de batalha propriamente dito e a do mundo narrativo e de informação.

A principal tese subjacente no artigo de Alastair Crooke é a de que não foi a Ucrânia que invadiu Kursk, mas sim a OTAN através da Ucrânia. Esta tese rima com a de que a guerra da Ucrânia, do ponto de vista Ocidental, é uma “proxy war”, uma “guerra terceirizada” entre os Estados Unidos e seus aliados, e a Rússia. A outra tese é a de que o objetivo da invasão foi tanto o de avançar no terreno russo quanto — ou mais — o de criar um novo glóbulo narrativo que animasse uma contenda que vinha sendo perdida pelo Ocidente no campo simbólico.

A partir daqui desenvolvo meu próprio raciocínio, embora lastreado pelas informações mais amplas do que as minhas que constam no artigo de Alastair Crooke, que podem ser verificados pela leitura dele.

Desde sempre esta guerra teve um impulso a partir do governo dos Estados Unidos, da OTAN, de seus aliados geopolíticos (União Europeia, Reino Unido, Japão, os quatro outros países do grupo das Cinco Irmãs e mais alguns anexos) e da mídia cooptada ou conivente) no sentido de criarem uma narrativa pró-Ucrânia.

Devia-se apresentá-la não só como merecedora da vitória, como Davi contra Golias, mas como a vencedora, desde o início. Devia-se apresentar a Rússia como de joelhos diante das sanções econômicas, e Putin como à beira da queda política e pessoal (a mídia conivente inundou-se de matérias aludindo a doenças dele). A esmagadora maioria da mídia ocidental comprou e vendeu esta perspectiva, assim como comprara e vendera, no passado, a falsa tese das armas químicas de Saddam Hussein no Iraque.

Não funcionou. Apesar de alguns contratempos iniciais, a invasão consolidou o domínio russo sobre grandes áreas do Donbass. As sanções econômicas prejudicaram mais os tutelados europeus pela OTAN do que a própria Rússia. Putin nem fraquejou, nem se abalou, nem caiu. Ao contrário, a pressão do Ocidente jogou-o nos braços da China, que o recebeu de bom grado, conseguindo em troca o apoio de um dos dois maiores arsenais de armas nucleares do planeta.

No campo de batalha a contraofensiva ucraniana de 2023 fracassou. Apesar do esforço titânico da mídia mainstream ocidental, propalando supostas vantagens ucranianas, estas se provavam cada vez mais irreais e inconsistentes. A confiança dos aliados ocidentais dos Estados Unidos e da OTAN começou a definhar. A pressão sobre a Rússia provou-se uma contra-bomba de efeito moral: inflação crescente na Europa, desindustrialização na Alemanha, preços da energia na estratosfera, com o corte do fornecimento russo, alimentos muito mais caros, fármacos e insumos agrícolas idem… recessão!

Os ataques de drones ucranianos contra alvos russos, incluindo Moscou, pareciam picadas de mosquito num elefante. Incomodavam, mas não furavam a pele do inimigo. Para reanimar o espírito guerreiro na mídia, nos aliados e na opinião pública belicista, era necessário um fato novo, inusitado. E ele veio: a surpreendente invasão de Kursk.

Pelo pouco que se pode saber numa guerra onde a informação precisa é escassa, nenhum objetivo militar de maior porte foi alcançado. Forças russas não se deslocaram do Donbass ucraniano para reforçar a defesa em Kursk. A central nuclear da região, que poderia ser um objetivo interessante, continua em poder dos russos. A capital regional, idem. Apesar de pego de surpresa, Vladimir Putin não se abalou nem tremeu. E promete mais do que a recuperação do território ocupado: promete vingança.

No plano retórico, porém, a situação é outra. O combalido governo de Kiev demonstrou poder de iniciativa. Na mídia mainstream, a Rússia e Vladimir Putin ficaram “acuados”. Criou-se uma onda favorável a reanimar a disposição de aliados já recalcitrantes em apoiar militar e financeiramente o ralo sem fundo que o governo de Kiev está cada vez mais parecendo ser.

Vai dar certo? Depende. Talvez um paralelo histórico nos ajude a decifrar hipotéticas respostas a esta pergunta. E aqui se ressalta uma outra dimensão do ataque em Kursk: a simbólica.

Kursk foi o terreno da batalha decisiva na Frente Leste da Segunda Guerra Mundial. Nela o conflito se decidiu, mais do que em Stalingrado, mais do que na Normandia.

A batalha durou do começo de julho ao fim de agosto de1943. Segundo vários especialistas, foi a maior batalha da história humana. Outros, mais modestos, a definem como uma das maiores batalhas. Todos, em todo caso, a descrevem como a maior batalha de blindados que já houve no mundo.

No total foram utilizados mais de dez mil blindados nela, sendo que metade deles foi danificada ou destruída. As perdas humanas passaram do milhão, tanto quanto pode se estimar, pois os dados são imprecisos, sobretudo do lado alemão, que maquiava seus números. As perdas soviéticas foram gigantescas, mas a vitória foi esmagadora.

O exército alemão teve a iniciativa. Kursk era o que militarmente se chama de um “saliente”: um enclave soviético em meio a um território tomado pelo inimigo. A ofensiva alemã tinha por objetivo aniquilar este enclave.

Politicamente, o objetivo de Hitler era parecido com o da OTAN/Kiev: retomar a ofensiva depois do fracasso de Stalingrado, demonstrar aos aliados que a Wehrmacht ainda era capaz de tomar a iniciativa, fossem esses aliados o Japão e a Itália, fossem seus simpatizantes nos territórios anexados, como a Áustria, ou ocupados, como na Croácia, na Romênia e na… Ucrânia, além de outros.

Nada deu certo. O enclave resistiu até a chegada de reforços. Os nazistas tiveram que recuar, e a partir daí, na Frente Leste, a iniciativa foi do Exército Vermelho, até a tomada de Berlim, quase dois anos depois.

Dois fatores externos ajudaram os soviéticos. Diante da hesitação de alguns de seus generais, Hitler decidiu retardar o ataque ao enclave. Também pesou na sua decisão o desejo de que os novos blindados fabricados na Alemanha, tecnicamente superiores aos antigos e aos soviéticos, chegassem à frente de batalha. Curiosamente esta superioridade técnica, que seria uma vantagem para os alemães, revelou-se contraproducente, assim como na frente da aviação. A mudança inovadora dos aparelhos dificultava a fabricação de peças de reposição. Enquanto isto, os soviéticos continuavam produzindo os mesmos tanques T-34 de sempre, com pequenas modificações, sobretudo na torre do canhão, dando-lhes maior versatilidade.

A segunda vantagem veio através dos aliados ocidentais. Ao mesmo tempo em que a Wehrmacht iniciava o ataque ao enclave soviético, aqueles, depois de baterem os alemães no norte da África, desembarcavam na Sicília, criando a Frente Sul na Europa. Hitler se viu forçado a ordenar o deslocamento de tropas da Frente Leste para a península italiana, enfraquecendo mais ainda o derrotado exército alemão diante do avanço soviético.

A batalha de Kursk, de 81 anos atrás, lança uma sombra lúgubre sobre a iniciativa de Kiev. O paralelo é inequívoco, com as forças ucranianas portando, entre outros, armamento alemão, e com vários de seus militares decorando seus uniformes com penduricalhos nazistas.

Ao invés de colocar uma espada no peito de Vladimir Putin, a invasão de Kursk pode ter posto um espinho no coração de patriotismo russo, o que pode ser fatal para Kiev.

PS – Desnecessário, mas pertinente lembrar que o autor destas linhas não nutre a menor simpatia por Vladimir Putin, nem pela invasão da Ucrânia. Mas também não tem o menor entusiasmo por esta guerra estúpida, muito menos pela OTAN, nem por seu títere em Kiev a também não pelos neonazis que infestam as forças armadas ucranianas. Salvo em raríssimas ocasiões, e esta não é uma delas, uma mesa de negociação é sempre melhor do que um campo de batalha.

 

¨      Ucrânia parece ter recebido carta branca para operações em regiões russas, diz Moscou

Aparentemente, a Ucrânia recebeu carta branca para operações em regiões russas, disse a representante do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova.

A vice-secretária de imprensa do Pentágono, Sabrina Singh, disse na quinta-feira (29) que os EUA permitem que a Ucrânia contra-ataque a Rússia com armas norte-americanas durante o ataque terrorista à região de Kursk. O coordenador de comunicações estratégicas do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, disse na segunda-feira (26) que os Estados Unidos e a Ucrânia continuarão conversando sobre o uso permitido de armas fornecidas pelos EUA para atacar território russo, mas essas discussões permanecerão privadas.

"Conclusões extremamente sérias decorrem de tudo isso. A Ucrânia recebeu carta branca completa para operações em regiões russas. Além disso, o governo de Joe Biden está obviamente se preparando para fazer novas concessões a [Vladimir] Zelensky e desamarrar suas mãos para usar virtualmente qualquer tipo de arma norte-americana, incluindo profundamente em território russo", disse Zakharova.

De acordo com a representante, o curso de escalada dos EUA está se tornando cada vez mais provocativo.

No dia 6 de agosto, as forças ucranianas cruzaram a fronteira para a Rússia e lançaram uma ofensiva na região de Kursk. Comentando o ataque, o presidente russo Vladimir Putin disse que a Ucrânia havia realizado outra provocação em larga escala, atirando indiscriminadamente em alvos civis. Putin afirmou que o inimigo receberia uma resposta adequada nas regiões de fronteira da Rússia.

O Ministério da Defesa russo disse na quinta-feira que as tropas ucranianas perderam até 7.450 militares e 74 tanques durante a ofensiva na região de Kursk.

Nesta sexta-feira (30), o chefe de política externa da União Europeia (UE), Josep Borrell, afirmou que permitir que a Ucrânia use armas do bloco europeu para atacar o território da Rússia não significa entrar em guerra com Moscou.

"Acho ridículo dizer que permitir alvos dentro do território russo significa estar em guerra contra Moscou. Não estamos em guerra contra Moscou", disse Borrell a repórteres antes de uma reunião informal dos ministros da Defesa da UE.

Ninguém quer estar em estado de guerra com a Rússia, mas ataques com o uso de armas europeias no território da Rússia devem ser permitidos, acrescentou o principal diplomata da UE, afirmando que o bloco pretende criar um centro de coordenação na Ucrânia para fornecer assistência militar, mas o envio de instrutores militares ainda não foi discutido.

"Estamos pensando em ter um centro de coordenação na Ucrânia, não há acordo para treinar soldados ucranianos em solo ucraniano com instrutores europeus", afirmou Borrell, lembrando que os Estados-membros da UE esgotaram seus estoques militares devido aos suprimentos para a Ucrânia.

 

¨      Um terço dos ucranianos apoia negociações com a Rússia se apoio do Ocidente cessar, diz pesquisa

Duas entidades inquiriram a opinião do público ucraniano, que foi revelado como tendo alguma vontade de terminar o conflito dadas as condições apropriadas para isso.

Mais de um terço dos moradores ucranianos acredita que Kiev deve iniciar negociações com a Rússia para encerrar o conflito se a assistência ocidental for interrompida, de acordo com uma pesquisa realizada pela Fundação de Iniciativas Democráticas da Ucrânia e pelo serviço sociológico do Centro Razumkov.

Ucrânia deve agir se a assistência militar dos países ocidentais diminuir ou parar. Assim, um pouco mais de um terço (35%) [dos entrevistados] acredita que as autoridades ucranianas devem iniciar negociações com a Rússia para acabar com a guerra, 23,5% que devem tentar congelar o conflito, mas não fazer quaisquer concessões à Rússia", diz o resultado da pesquisa publicada no portal da Fundação Iniciativas Democráticas.

Outros 21% dos entrevistados acreditam que as autoridades ucranianas devem continuar as ações militares mesmo que a assistência ocidental seja cortada. Além disso, cerca de 20% dos entrevistados acharam difícil responder.

A pesquisa foi realizada de 8 a 15 de agosto, usando o método face a face. Um total de 2.017 pessoas com 18 anos ou mais foram entrevistadas, e a margem de erro não excede 2,3%.

<><> Zelensky pede para Índia sediar próxima cúpula da Ucrânia e recebe silêncio de Modi

Vladimir Zelensky, líder ucraniano, sugeriu que o primeiro-ministro indiano Narendra Modi realizasse uma cúpula sobre a Ucrânia na Índia antes das eleições presidenciais dos EUA em novembro, informou a Bloomberg nesta sexta-feira (30), citando fontes.

A proposta teria ocorrido durante a visita de Modi a Kiev na semana passada. Zelensky quer que a reunião seja realizada como consequência da conferência sediada pela Suíça em junho, garantindo assim o apoio do Sul Global, informou a Bloomberg.

No entanto, Modi ainda não concordou em sediar a cúpula, em parte devido à insatisfação da Índia com o fato de a Rússia ter sido excluída do processo até agora, de acordo com a agência de notícias.

Em julho, Zelensky disse à mídia francesa que queria ver a Rússia participar da próxima cúpula sobre a Ucrânia, já que a comunidade internacional concordou que sua participação era importante para alcançar "resultados significativos" na resolução do conflito.

 

O vice-ministro das Relações Exteriores russo, Mikhail Galuzin, disse à Sputnik, comentando a próxima potencial conferência sobre a Ucrânia, que Moscou não aceita ultimatos e não participaria de tais eventos.

A Suíça sediou uma conferência de alto nível sobre a Ucrânia no resort Burgenstock, fora de Lucerna, de 15 a 16 de junho. A Rússia não recebeu um convite, mas mesmo se tivesse, não teria comparecido à conferência, disseram autoridades russas.

 

Fonte: Por Flávio Aguiar, no A Terra é Redonda/Sputnik Brasil

 

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