"Que a Igreja não pode ordenar
mulheres é comprovadamente falso", diz teólogo
"O debate atual
exige uma inversão da argumentação (sobre a ordenação de mulheres), ou seja,
não se trata apenas de dizer: “Não há objeções no Novo Testamento à abertura do
ministério sacramental para as mulheres”, mas sim positivamente: “O Novo Testamento,
especialmente a mensagem de Jesus e sua atuação, fala decisivamente a favor da
abertura do ministério para as mulheres”, afirma o teólogo alemão Michael
Theobald.
Segundo ele, "a
rápida exclusão das mulheres das funções de liderança foi, como se sabe,
consequência da socialização das comunidades nas estruturas patriarcais
contemporâneas. Já em 1977, Karl Rahner afirmou que os opositores da ordenação
feminina deveriam carregar o ônus da prova para suas afirmações, e não seus
defensores".
O neotestamentário
Michael Theobald enfatiza que um clero sacralizado e elevado contraria a visão
de Jesus. Theobald defende a realização de um concílio para encontrar soluções
para a Igreja mundial.
Michael Theobald,
teólogo acadêmico alemão, professor de Novo Testamento na Faculdade Teológica
Católica da Universidade de Tübingen. A pesquisa de Theobald se concentra no
Novo Testamento, particularmente nas Narrativas da Paixão, no Evangelho de João
e na literatura epistolar do Novo Testamento.
Ele é autor, entre
outros livros, de Das Evangelium nach Johannes, Kapitel 1-12. Regensburger
Neues Testament. Regensburg, 2009.
<><> Eis a
entrevista.
• Por que você escreveu o livro “Servir em
vez de governar: fundamentos neotestamentários dos ministérios na Igreja”?
Como estudioso do Novo
Testamento, não quero e não posso permanecer em uma torre de marfim acadêmica.
Frequentemente solicitado para oferecer uma perspectiva bíblico-teológica, meu
desejo era fazer com que o livro encorajasse numa situação em que a Igreja
local e global enfrenta desafios imensos. Onde senão no Novo Testamento encontramos
orientação quando o iminente colapso da instituição aqui nos forçar a
reinventar a Igreja no espírito de Jesus?
• Se o processo sinodal for pensado e
implementado de maneira consistente em nível mundial, quais serão as
consequências?
Conforme foi relatado
na primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, certos círculos em Roma têm
medo da teologia. Eles preferem tratar a sinodalidade de uma maneira mais
formal, focada no comportamento adequado entre as pessoas. No entanto, não se pode
falar sobre uma arquitetura sinodal da Igreja sem considerar as implicações
legais, especialmente sem incluir todas as competências pastorais e teológicas,
como foi feito no Vaticano II. Pensar o processo sinodal de maneira
"consistente" significa, portanto, incluir a teologia no plenário do
sínodo e não, como tem sido feito, relegar os temas mais polêmicos para
comissões: o que afeta a todos deve ser discutido por todos.
• O que você sugere?
O formato da
Sinodalidade Romana é, de fato, muito restrito. Esperar, após uma segunda
sessão, pelas decisões do Papa como se fosse o oráculo de Delfos vai contra o
espírito sinodal. O que é necessário é um concílio, uma assembleia da Igreja
Latina presidida pelo Bispo de Roma.
• Como a Igreja, ou seja, a Ekklesia, é
descrita no Novo Testamento?
No Novo Testamento, a
palavra para Igreja é "ekklēsía", um termo profano que,
etimologicamente (kaléō = chamar), designava a assembleia de uma polis como sua
representação legalmente convocada. Assim, a Igreja existe ao "se
reunir" conforme o chamado de Deus (1 Coríntios 11,18): para a Eucaristia,
para oração e louvor a Deus, mas também para ordenar os assuntos comuns. A
palavra alemã "Kirche" (do alto-alemão "kiricha") vem de
"kyriakē ekklēsía", que significa: a assembleia pertencente ao
Senhor. Assim, a Igreja está onde pessoas formam comunidade no espírito de
Jesus. Já aqui e agora, ela experimenta o que é "nova criação", como
está escrito em 2 Coríntios 5,17. Portanto, a Igreja acontece primeiramente no
local, na época em Jerusalém, Corinto ou Éfeso. O Evangelho e a prática do amor
mútuo uniam as igrejas locais.
• Jesus não quis fundar uma igreja. Em que
medida as tentativas posteriores de realização são compatíveis e congruentes
com a visão de Jesus?
Jesus não queria uma
comunidade santa separada, mas reunir Israel sob o sinal do Deus próximo, cujo
reino ele proclamava em palavra e ação. Ele se preocupava com os membros mais
fracos do povo, os pobres e desamparados, os doentes e marginalizados, mas também
com os não piedosos. Após a Páscoa, seus discípulos começaram a entender: se
Deus reabilitou o crucificado e o elevou a "Senhor de todos" (Rm
10,12), sua mensagem não se restringe apenas a Israel, mas se dirige a todos os
povos. Assim, de um movimento de reforma intrajudaico, surgiu uma igreja com um
compromisso universal.
• A Igreja Católica permanece fiel a essa
visão?
A Igreja permanece
fiel a essa visão quando não se vê como uma comunidade santa separada, mas como
uma testemunha da misericórdia de Deus, como encarnada por Jesus, diante de
todo o mundo. Não se trata primeiro da Igreja, da preservação de sua instituição,
mas de que ela testemunhe desinteressadamente o Deus de Jesus, que está
determinado a salvar todos os seres humanos. Questões secundárias e terciárias
devem ser subordinadas a isso. Nós todos nos concentramos demais em nós mesmos
como Igreja. Isso também afeta seus ministérios e serviços.
• O ministério ordenado é constitutivo
para a unidade da Igreja?
Primeiramente, sobre o
termo “ministério ordenado”: a unidade da Igreja só será servida pelo
ministério se ele estiver livre de um pensamento de classe sacralizante.
Sofremos com uma confusão crônica entre "sacralidade" e
"santidade" – que são claramente diferenciadas no francês: sacré e
saint, no latim: sacer e sanctus, e de forma parecida no grego. Segundo o Novo
Testamento, todos os batizados são “santos”, e isso, no sentido de Jesus,
significa uma “santidade” que irradia e transforma – como Paulo se refere aos
casamentos mistos cristãos-pagãos. Um clero sacralizado e elevado contradiz a
visão de Jesus.
• Qual é a função do ministério na Igreja?
A principal função do
ministério é a preservação da unidade das comunidades, das igrejas locais e da
Igreja universal. Mas o ministério não garante a unidade, que já está
estabelecida em Cristo; em vez disso, ele a testemunha, principalmente na
Eucaristia, na assembleia de pessoas diversificadas à mesa do Senhor. O
fundamental é que a unidade não é o menor denominador comum, mas “unidade
através da diversidade” (Oscar Cullmann), um suportar-se mutuamente em amor.
• O processo sinodal mostra que mudanças e
reformas não podem ser implementadas simultaneamente em todos os países. O Novo
Testamento oferece exemplos de “unidade através da diversidade”?
Quando o Vaticano II
fala da "hierarquia das verdades", isso deve ser levado a sério: o
que está em primeiro lugar e o que é secundário? No chamado Concílio dos
Apóstolos em Jerusalém, todos estavam unidos quanto ao Evangelho, mas
concluíram que a missão entre os povos e em Israel deve seguir caminhos
próprios, de acordo com as condições variadas das pessoas. Assim, declararam a
circuncisão masculina como secundária, sem desvalorizá-la para os cristãos
vindos do judaísmo. As estruturas ministeriais na Igreja primitiva também não
eram uniformes: havia lideranças carismáticas, colegiadas e, em breve,
monárquicas episcopais. Para dar um exemplo importante para hoje: nem em todas
as partes da Igreja universal o ministério diaconal foi instituído. Por que não
abrir esse ministério para mulheres nos locais onde ele já existe?
• Você escreve em seu livro que cada
Igreja local tem uma dignidade eclesiológica própria. O que isso significa
concretamente na prática da vida eclesial?
As igrejas locais têm
sua própria história, sua própria tradição e também sua própria “piedade
popular”. Existe uma necessidade global de deslatinização da Igreja. Além
disso, Roma reservou para si demasiados direitos sobre as igrejas locais após o
Vaticano II.
• Você pode dar exemplos?
O Gotteslob é o
primeiro hinário alemão que teve que ser aprovado em Roma. A tradução
Einheitsübersetzung foi inicialmente responsabilidade apenas dos bispos de
língua alemã após seu período de teste em 1978, e a versão revisada precisou
ser enviada a Roma em 2016. Seria de se esperar que Roma confiasse plenamente
na competência pastoral e teológica das igrejas locais ao preencher cadeiras
episcopais ou nomear professores e professoras. O reconhecimento da dignidade
das igrejas locais pelo Vaticano II ainda não se refletiu completamente no
nível jurídico.
• O que diz Efésios 4 sobre os ministérios
na Igreja?
De acordo com este
capítulo, os ministérios mencionados no versículo 11 ("apóstolos,
profetas, evangelistas, ou seja, missionários, pastores e mestres") são
dádivas do Cristo ressuscitado, uma afirmação de grande importância, inclusive
ecumênica. Eles têm uma "origem divina e não humana", como explicou o
grande estudioso suíço do Novo Testamento, Ulrich Luz, que faleceu há alguns
anos. Portanto, eles não se devem apenas ao interesse prático de que o serviço
da pregação e da administração dos sacramentos deve ser ordenado, mas possuem
um valor espiritual próprio; eles se fundamentam no chamado de Cristo. A
segunda lição de Efésios 4 é que os ministérios não se baseiam em uma suposta
instituição por Jesus com consequências jurídicas vinculativas, mas são pós-pascais.
Os apóstolos e profetas estão à frente porque a Igreja é construída sobre seu
fundamento (cf. Ef 2,20; 3,5), os missionários que difundem o Evangelho seguem
em seguida. Por fim, são mencionados os "pastores e mestres" locais,
que, no espírito do testemunho apostólico, conduzem as comunidades na Palavra e
nos Sacramentos.
• E como isso se relaciona com as
declarações do magistério sobre os doze Apóstolos, que sempre foram homens – e
por isso apenas homens podem se tornar padres?
Em Marcos 3,14, diz-se
que Jesus “constituiu os Doze”. Um grupo de homens nomeados, que deveria
simbolizar o povo das Doze Tribos, representado desde tempos antigos pelos
patriarcas, em um ato simbólico. Assim como Jesus não pretendia estabelecer um
ministério permanente para o futuro com esse sinal, isso também não implica uma
reserva de futuros cargos eclesiásticos para o sexo masculino. A decisão papal
de alta autoridade de que a Igreja não tem autoridade para ordenar mulheres não
só é instável, mas também é comprovadamente errônea em termos argumentativos.
• Portanto, o Novo Testamento defende o
sacerdócio feminino?
O debate atual exige
uma inversão da argumentação, ou seja, não se trata apenas de dizer: “Não há
objeções no Novo Testamento à abertura do ministério sacramental para as
mulheres”, mas sim positivamente: “O Novo Testamento, especialmente a mensagem
de Jesus e sua atuação, fala decisivamente a favor da abertura do ministério
para as mulheres”. A rápida exclusão das mulheres das funções de liderança foi,
como se sabe, consequência da socialização das comunidades nas estruturas
patriarcais contemporâneas. Já em 1977, Karl Rahner afirmou que os opositores
da ordenação feminina deveriam carregar o ônus da prova para suas afirmações, e
não seus defensores.
• Com base no Novo Testamento: como será o
sacerdote do futuro?
Ninguém pode saber
exatamente como serão os sacerdotes do amanhã. O Novo Testamento pode oferecer
impulsos, mas a definição de papéis está fora de seu escopo. A ação e o
ministério sacerdotal no futuro provavelmente se distribuirão entre muitos
atores, para que a vida comunitária local possa prosperar – e isso totalmente
seguindo Jesus e no espírito dos Evangelhos.
• O que você sugere para a situação atual
aqui?
Para o período de
transição em que vivemos, só posso recomendar: tratem com misericórdia aqueles
que assumem responsabilidades nas comunidades. Não os coloquem em um pedestal
sacralizado. Trabalhem em equipe, decidam, na medida do possível, juntos. E tentem
inspirar outros com o Evangelho – não para governar, mas para servir.
Fonte: Entrevista com
Michael Theobald, para Jacqueline Straub,em Kath.ch/IHU
Nenhum comentário:
Postar um comentário