Por um novo contrato com a natureza e o
papel do Brasil
Eventos extremos, como
a seca que a Amazônia enfrentou em 2023 e as chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul neste ano, colocaram em evidência o temor de que o mundo
já convive com cenários provocados pelas mudanças climáticas. Nesse
contexto, a importância do bioma se sobressai, tanto por conta das ameaças,
quanto pela contribuição que dá para a captura do carbono da atmosfera e para
criação de novas estratégias de desenvolvimento de base sustentável.
Membro do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), o
doutor em Física, Paulo Artaxo, discute as vulnerabilidades e potencialidades
do Brasil diante da realidade atual da agenda ambiental. O
pesquisador, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), ressalta ainda a perspectiva científica sobre
desenvolvimento sustentável e as pautas que devem ganhar atenção
na COP30 em Belém.
<><> Eis a
entrevista.
·
A atenção do mundo para as questões
ambientais cresceu nos últimos 50 anos e, nesse processo, a Amazônia também
ficou em maior destaque. Na sua avaliação, o avanço do debate ambiental
repercutiu de que forma nas políticas para proteção do bioma?
Não há dúvida nenhuma
que desde a Conferência de Estocolmo, de 1972, a questão ambiental tomou
uma dimensão muito mais importante globalmente falando, pois a ciência sempre
está enfatizando os riscos que a nossa sociedade está correndo com a atual trajetória
de destruição dos recursos naturais do planeta como um todo. Então, isso é
muito positivo, mas infelizmente, não está tendo os resultados desejados porque
nós continuamos em uma trajetória perigosa do ponto de vista de aquecimento
global e destruição dos nossos ecossistemas. Em particular,
a Amazônia toma um papel muito importante aí, porque é, certamente,
um dos biomas mais importantes de todos os continentes e pelo seu potencial de
mudar o aquecimento global e o balanço de carbono a nível global. Infelizmente,
essa importância da Amazônia não está se transformando
em políticas públicas que possam refletir uma proteção do bioma mais
eficiente. Nós já desmatamos cerca de 19% da área da Amazônia como um
todo, e a região continua sendo pressionada por garimpos ilegais, por invasões de terras indígenas, invasões de áreas
protegidas e com outras atividades ilegais. O que é muito indesejável do
ponto de vista da sociedade brasileira.
·
O Brasil busca assumir um papel de
liderança na agenda climática, porém o senhor aponta em seus trabalhos que o
país tem oportunidades e vulnerabilidades para enfrentar os desafios das
mudanças do clima. Como equacionar isso?
É importante
percebermos que o Brasil tem vantagens estratégicas enormes no
enfrentamento às mudanças climáticas, mas também tem vulnerabilidades que
têm que ser levadas em conta em qualquer governo na sua luta pela predominância
na questão da manutenção dos ecossistemas em nosso planeta.
O Brasil possui uma enorme possibilidade de sequestro de
carbono que nenhum outro país possui, pela sua extensão, por causa
da Amazônia, da Mata Atlântica e vários ecossistemas com alta
densidade de carbono. Nós temos um potencial de geração de energia
elétrica através de energias renováveis, como energia
eólica e energia solar, que nenhum outro país do planeta sequer chega
perto. Portanto, o Brasil deve aproveitar suas vantagens estratégicas. Nós
também temos o maior programa de biocombustíveis do planeta, com a
produção de etanol vindo de cana de açúcar, que é maior do que qualquer outra
iniciativa de biocombustíveis que possamos ter no nosso planeta.
Mas nós temos
vulnerabilidades importantes e uma delas é uma economia baseada no agronegócio, que com a redução da precipitação no Brasil central pode não
ser tão produtivo assim já ao longo dos próximos anos. Temos também
vulnerabilidades fundamentais porque a nossa geração de hidroeletricidade
depende da chuva e, portanto, tem uma vulnerabilidade importante em relação ao
clima. Temos também 8.500 km de áreas costeiras que são vulneráveis ao aumento
do nível do mar e, portanto, temos que cuidar muito bem delas, pois o aumento
da erosão junto com o aumento dos eventos climáticos extremos pode
trazer importantes problemas. Então, o que nós precisamos é que o governo leve
em conta as nossas vantagens estratégicas e as nossas vulnerabilidades para que
a gente possa explorar e desenvolver o nosso país de uma maneira muito mais
sustentável do que estamos fazendo atualmente.
·
Nesse contexto, que contribuições a
Amazônia traz para a agenda climática brasileira e global?
O Brasil tem
que cumprir as suas obrigações tanto do Acordo de Paris quanto das reuniões das Conferências das Partes do
Acordo Climático feitas depois do Acordo de Paris. Um desses compromissos
é zerar o desmatamento da floresta amazônica até 2030. Todo esforço
vai ser necessário para cumprir essa meta e é fundamental que o Brasil desenha
uma trajetória factível para que essa meta seja efetivamente cumprida. Mas ela
tem que ser complementada com um amplo programa de regeneração ecológica das
áreas degradadas que temos no Brasil em todos os biomas. Isso é fundamental
para trazer de volta o Brasil no caminho da liderança ambiental e climática do
nosso planeta.
·
Belém sediou recentemente a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC), que teve
como tema central “Ciência para um futuro sustentável e inclusivo: por um novo
contrato social com a natureza”. Qual sua visão sobre esse contrato social e
como se traduz em desenvolvimento sustentável?
Esse novo
contrato social significa essencialmente que temos que mudar o
nosso modelo econômico baseado na superexploração dos recursos
naturais do planeta por um novo modelo econômico ou um novo contrato social que
leve em conta as necessidades efetivas da população e não somente de alguns
setores da indústria, como, por exemplo, a indústria do petróleo ou
do desmatamento da Amazônia. Temos que olhar para o interesse da
população, incluindo a população indígena, quilombolas, ribeirinhos e a
população brasileira em geral. Isso é absolutamente fundamental para
construirmos um futuro que seja minimamente sustentável para o Brasil.
·
O Brasil se prepara para sediar a COP30 em
2025, dez anos após o Acordo de Paris e com o mundo caminhando para superar a
meta de aquecimento de 1,5° e o temor de que a Amazônia vai alcançar o chamado
ponto de não retorno. Na sua avaliação, em que pontos as Nações precisam
avançar para evitar esse cenário?
Nós observamos que
a emergência climática está realmente se tornando cada vez mais importante, com o
aumento muito expressivo dos eventos climáticos extremos, como as cheias
no Rio Grande do Sul, as secas na Amazônia em 2023 e também
em 2024 e incêndios florestais em várias áreas do nosso
planeta. A questão da Amazônia é crítica nesse ponto porque vários trabalhos
científicos recentes apontam para a possibilidade da Amazônia estar atingindo
um ponto de não retorno de sobrevivência do ecossistema, que poderia fazer com
que o ecossistema amazônico essencialmente se tornasse um novo ecossistema
desconhecido ainda, com muito menos carbono sendo armazenado, e essas emissões
de carbono para a atmosfera podem efetivamente agravar em muito o aquecimento
global em nosso planeta.
Nós temos que evitar
esse cenário com todas as nossas forças e com todas as nossas ferramentas. O
cenário internacional não está favorável à adoção de políticas efetivas
de redução de emissões de gases de efeito estufa, com duas guerras
ocorrendo, com guerras comerciais também acontecendo e, portanto, nós temos que
lidar, além da emergência climática, com essa instabilidade global, e isso traz
dificuldades importantes nas negociações climáticas. Mas, de alguma maneira,
nós vamos efetivamente ter que lidar com essas dificuldades e implantar
políticas que acabem com a exploração completa dos combustíveis fósseis, que
acabem com o desmatamento das florestas tropicais, que invistam
pesadamente em recuperação ecológica e reflorestamento, para que possamos remover
parte do carbono que foi lançado na atmosfera. Basicamente, esse é o único
caminho possível de sustentabilidade para o nosso planeta e esperamos que seja
efetivamente implementado na COP29 e na COP30 no Brasil.
¨ Brasil em chamas
O fogo nas
florestas queima todo mundo. As chamas devastam a fauna e a flora e
deslocam comunidades localmente. A fumaça desses incêndios, por sua vez, viaja
e chega aos pulmões de quem está bem longe, a milhares de quilômetros. O que
acontece agora no Brasil e em outros países da América do Sul é um
grande exemplo disso.
Nesta segunda (9) o
Brasil tinha quase 5 milhões de km2 cobertos por fumaça, segundo o INPE. É
uma área equivalente a 60% do território nacional. Essa fuligem deve chegar nos
próximos dias a todo o território do Uruguai e à região central da Argentina,
incluindo suas capitais, Montevidéu e Buenos Aires,
respectivamente, informam Poder 360, g1 e O Globo.
A fumaça torna o ar quase irrespirável em muitas regiões, como em São Paulo. Na 2ª feira (9/9), a
qualidade do ar em áreas da cidade e de sua região metropolitana iniciou a
manhã entre ruim e muito ruim. Por volta das 10h, São Paulo liderava o ranking
das metrópoles com a pior qualidade de ar, de acordo com o site
suíço IQAir, informam Folha e CNN.
O MetSul ressaltou que o ranking dessa empresa suíça monitora apenas
grandes cidades e não o planeta todo. Ainda assim, a informação é preocupante –
ainda mais pelo fato de ser recorrente: no domingo, São Paulo (SP) já figurava
entre as três cidades com maiores níveis de poluição no ranking do IQAir, junto
com Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC), relata O
Globo.
Toda essa fumaça
resulta do recorde de queimadas no país, principalmente na Amazônia, que
registra o maior número de focos de incêndio em 19 anos, explica a Carta
Capital. Segundo especialistas, um corredor de fumaça originado no sul da
Amazônia acompanha uma corrente de ar de baixo nível que chega à região sul do
país. Essa corrente de vento leva a fuligem para áreas que ainda não foram
afetadas, como os países do extremo sul do continente.
Também há focos no
interior de São Paulo, no Cerrado de Goiás, e na área de Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul que abrange o Pantanal.
Sem falar em queimadas registradas em outros estados, como Minas
Gerais. Resultado: apesar de quase não haver nuvens sobre o Brasil, as pessoas
não estão conseguindo ver o céu azul em muitos estados. A fumaça dos
incêndios também deixa o sol assustadoramente vermelho, embora forme uma
bela imagem, ressalta o Climatempo.
Enquanto luta para
apagar os incêndios de norte a sul do país, o governo busca encontrar
os culpados pela tragédia, já que grande parte das queimadas se
dá por ação humana. Segundo o Valor, até agora, a Polícia Federal (PF)
abriu 52 inquéritos para apurar o cometimento de crimes ambientais e
a participação de organizações criminosas nos episódios e práticas de lavagem
de dinheiro.
¨ Incêndio destrói 10 mil hectares na Chapada dos Veadeiros
Um incêndio
no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros já destruiu 10 mil
hectares do bioma, comunicou no domingo, 08/09, a administração da unidade de
preservação do local. O parque, em Goiás, é uma das principais áreas de
preservação do cerrado.
A administração do
parque afirmou não saber "o que ou quem" provocou o incêndio,
iniciado na última quinta-feira, e acrescentou que o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio e o PrevFogo,
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - Ibama, trabalham juntamente com o Corpo de Bombeiros
Militar de Goiás para conter as chamas.
As equipes de combate
ao fogo disseram que dois aviões do ICMBio atuam na região. A chefe
do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros - PNCV, Nayara Stachesk,
disse ao portal de notícias G1 que os aviões são utilizados para lançar
água, enquanto os brigadistas atuam na linha do fogo.
A Rede
Contrafogo, que articula brigadas de voluntários, e o Instituto
Biorregional do Cerrado - IBC também atuam na região.
Segundo Stachesk, são mais de 55 brigadistas e voluntários trabalhando no
combate às chamas.
"Estão na linha
cerca de 25 brigadistas do ICMBio, 25 do PrevVogo, cinco bombeiros
militares e dois voluntários. Hoje devem entrar outros cinco voluntários
da Aliança da Terra", disse.
"A linha está num
lugar de difícil acesso. A gente não está deixando a linha sem ninguém, mas
isso cansa muito o brigadista, que tem que andar 10, 20 quilômetros para chegar
até o fogo", disse a chefe do PNCV. Ela explicou que o Corpo de
Bombeiros não pôde enviar um helicóptero porque a aeronave teve um
acidente em julho deste ano.
<><>
Incêndio deve aumentar
A linha de fogo está
localizada entre o chamado Paralelo 14 e Simão Correa. O
trânsito da rodovia GO-118, que liga Alto Paraíso de
Goiás a Teresina de Goiás foi interrompido no sábado.
Mesmo que alguns focos
de incêndio da região já tenham sido debelados, Stachesk alerta que o
incêndio não foi controlado e ainda deve aumentar.
O Parque Nacional
da Chapada dos Veadeiros, conhecido como "berço das águas", está sob
risco de perder cerca de 34% do fluxo dos rios até 2050, segundo um estudo
realizado pelo Instituto Cerrados.
De acordo com
monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe, foram
detectados, até este sábado, 48.966 focos de queimada no bioma em 2024, números
que ficam atrás apenas da Amazônia, com 79.175 focos.
A seca recorde no Brasil e possíveis ações criminosas fizeram com que os incêndios
florestais nas últimas semanas acumulassem 152.383 focos, uma quantidade 103%
maior que a do mesmo período em 2023.
Fonte: Entrevista com
Paulo Artaxo, para Fabrício Queiroz, em O Liberal/ClimaInfo/DW Brasil
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