Por que pesquisas eleitorais em São Paulo apresentam cenários
diferentes
A corrida eleitoral pela
Prefeitura de São Paulo continua embolada a menos de um mês do primeiro turno.
E, para aumentar ainda
mais a tensão da disputa, pesquisas eleitorais de institutos respeitados têm
dado resultados diferentes sobre a intenção de voto dos paulistanos.
Hoje, não é possível
saber se um candidato lidera a corrida. O que é possível afirmar, segundo
especialistas, é que o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), o deputado federal
Guilherme Boulos (PSOL) e o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) estão disputando as
duas vagas do segundo turno.
Segundo o levantamento
mais recente do Datafolha, divulgado na semana passada, Nunes aparece na frente
com 27% das intenções de voto, mas empatado com Boulos (25%) dentro da margem
de erro da pesquisa (três pontos percentuais para cima ou para baixo). Os dois
teriam aberto vantagem sobre Marçal, em terceiro na disputa, com 19%.
Já a última pesquisa
Quaest, também da semana passada, mostra um cenário mais competitivo, com os
três concorrentes empatados dentro da margem de erro de três pontos
percentuais: Nunes registrou 24%, Marçal teve 23% e Boulos fica próximo, com
21%.
A pesquisa Atlas, por
sua vez, traz outro cenário. Nesse levantamento, Boulos lidera com 28%, mas tem
Marçal logo atrás (24,4%), empatado dentro da margem de erro de dois pontos
percentuais. Enquanto Nunes, que lidera nos outros levantamentos, aparece em
terceiro, com 20,1%.
Analisando também a
evolução dos candidatos nas pesquisas de um mesmo instituto, nota-se que Quaest
e Atlas mostraram crescimento do Marçal, enquanto Datafolha e Quaest apontaram
uma retomada do Nunes. Já Boulos vem oscilando, com desempenho mais expressivo
na Atlas e pior na Quaest.
Para o estatístico
Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center, da
Universidade de Michigan, não é possível saber qual pesquisa captou melhor a
intenção de voto dos eleitores.
Os diferentes
resultados, porém, têm uma explicação, afirma ele: cada instituto adota uma
metodologia própria de realização da pesquisa, o que contribui para essa
variedade de resultados.
Datafolha e Quaest
fazem pesquisas presenciais, sendo que o primeiro aborda pessoas nas ruas,
enquanto o segundo faz visitas domiciliares.
Já a Atlas faz
pesquisas online, em que o internauta é convidado a responder ao questionário
durante sua navegação, a partir de anúncios em diferentes sites e redes
sociais.
Nishimura ressalta que
os números dos três institutos não estão tão díspares como uma leitura mais
leiga possa sugerir, pois alguns dos resultados convergem dentro das margens de
erro.
Ainda assim, algumas
discrepâncias chamam atenção, como o melhor desempenho de Nunes em duas
pesquisas (Datafolha e Quaest) e seu terceiro lugar em outra (Atlas).
Para o estatístico,
isso pode ser explicado pelas diferenças metodológicas.
"Cada tipo de
levantamento tem vantagens e desvantagens. Eu não diria que tem uma forma que é
melhor ou pior que a outra", ressalta.
No caso da pesquisa
online, explica, existe a restrição de não conseguir captar o voto do eleitor
que não acessa internet – hoje uma minoria – ou daqueles que não são usuários
frequentes.
Por outro lado, diz, a
pesquisa domiciliar pode não conseguir acessar residências de alto padrão, que,
em geral, têm maior esquema de segurança.
"Outro fator
importante é que as pesquisas online, que recrutam o entrevistado por meio de
anúncios, tendem a atrair pessoas mais engajadas politicamente. Isso pode
explicar por que Boulos e Marçal, candidatos mais ideológicos, aparecem na
frente", analisa.
Por outro lado, nota
Nishimura, a teoria do "voto envergonhado", pode ser outra explicação
para o desempenho melhor desses dois concorrentes na pesquisa Atlas.
"Segundo essa
teoria, que ganhou força em 2016, na primeira eleição do Donald Trump nos
Estados Unidos, e em 2018, na eleição vencida por Jair Bolsonaro no Brasil,
alguns eleitores tendem a não responder de forma honesta as pesquisas
presenciais, como Datafolha e Quaest, quando seus candidatos são vistos como
mais polêmicos", afirma.
"Já na pesquisa
online, em que não há um entrevistador, não ocorreria esse fenômeno. Mas,
embora essa teoria seja muita citada, não existem evidências empíricas
consistentes que apontem esse tipo de efeito", nota ainda Nishimura.
O especialista
ressalta, ainda, que pesquisas eleitorais são um retrato do momento, o que
significa que as intenções de voto podem mudar até a eleição, no dia 6 de
outubro.
Ou seja, o fato de o
resultado do pleito vir mais próximo de uma ou outra pesquisa realizada semanas
antes, não significa que esse levantamento estaria correto e os outros errados.
Para Nishimura, o
melhor elemento para avaliar a qualidade de um instituto é o quão transparente
ele é sobre sua metodologia, pois isso permite aos especialistas analisar as
vantagens e desvantagens do método.
"Já institutos
que não são transparentes, em geral, estão tentando esconder alguma
falha", avalia.
Seja qual for o método
de pesquisa, nota Nishimura, um bom levantamento precisa seguir princípios
básicos, como formar uma amostra do universo pesquisado que reflita
características relevantes da população.
Isso porque uma
pesquisa eleitoral entrevista um pequeno grupo, de poucas milhares de pessoas,
que deve servir de termômetro da intenção de todo o eleitorado.
Em uma amostra da
cidade de São Paulo, por exemplo, os perfis dos entrevistados procuram seguir a
distribuição da população da cidade, ouvindo pessoas de diferentes idades,
rendas, religiões, sexo e escolaridades.
Para isso, o
Datafolha, por exemplo, colhe entrevistas em diferentes pontos de fluxo da
capital, tanto em áreas de maior renda per capita, como em regiões periféricas.
Já a Atlas, em seu
método online, identifica a região do respondente por tecnologia de
geolocalização.
Além disso, limita a
resposta de cada questionário ao IP (endereço de conexão do dispositivo usado,
seja computador ou celular) do usuário que abriu o anúncio da pesquisa,
impedindo que esse link seja repassado para outras pessoas responderem.
Esse mecanismo impede
que apoiadores de determinado concorrente tentem favorecer seu candidato no
levantamento.
Agora, mesmo que a
amostra esteja bem-feita, não é possível garantir que o seu resultado é um
retrato exato da intenção de voto de determinada cidade, apontam especialistas.
Na verdade, se forem
retiradas diferentes amostras de um mesmo universo, ainda que com as mesmas
composições sócio-demográficas, seus resultados podem variar.
É por isso que toda
pesquisa possui uma margem de erro e um nível de confiança que indicam qual o
grau de precisão do resultado da pesquisa.
·
O que dizem os
institutos?
Felipe Nunes,
sócio-fundador da Quaest, não considera que as pesquisas de São Paulo tragam
resultados divergentes.
Considerando as
margens de erro da pesquisa, ele diz que todos os levantamentos mostram de
forma clara que há um cenário de forte competição entre Ricardo Nunes, Boulos,
e Marçal.
"Cada um tem um
pedaço da cidade nesse momento, por isso o cenário de indefinição. O Ricardo
Nunes [está] se transformando no candidato mais forte na direita e
centro-direita, mas perdendo espaço dentro do bolsonarismo", afirma.
"O Marçal [está]
ganhando espaço na direita bolsonarista e num pedaço da juventude. E o
Guilherme Boulos [está] se mantendo competitivo pela força que a esquerda, não
necessariamente o voto Lula como um todo, mas que a esquerda tem na
cidade", continua.
Para Andrei Roman, CEO
do instituto AtlasIntel, um fator que está contribuindo para os diferentes
cenários captados nas pesquisas de São Paulo é a forte disputa pelo eleitorado
bolsonarista entre Nunes – apoiado oficialmente por Bolsonaro – e Marçal, candidato que tem atraído parte relevante desse
eleitorado com um discurso agressivo e radical.
"Os cenários
captados nas pesquisas são um fluxo. O eleitorado bolsonarista tem funcionado
como um pêndulo, ora se direcionando mais a Marçal, ora a Nunes, a depender dos
desdobramentos da campanha, como as declarações de Bolsonaro, que começou atacando
Marçal e depois recuou", analisa.
Já no campo da
esquerda, Roman vê Boulos como o candidato mais consolidado, o que, na sua
visão, explica o candidato aparecer na liderança da pesquisa Atlas.
"O setor de
esquerda é bastante amplo em São Paulo e Boulos aparece como o principal
candidato desse campo. Tabata [Amaral, do PSB] está, de alguma forma, na
centro-esquerda, mas surfa mais em parte do antigo eleitorado tucano [grupo que
votava no PSDB]", nota Roman.
Apesar de pontuar o
cenário confuso da disputa, principalmente no campo bolsonarista, ele considera
que os resultados divergentes dos levantamentos indicam algo
"estranho".
"Existe apenas
uma verdade em relação à intenção de voto dos eleitores em São Paulo. As
pesquisas tentam medir essa mesma realidade. Então, não dá para dizer que todas
as pesquisas são boas e que esses resultados diferentes não têm nada de
estranho", afirma.
"Se as pesquisas
estão diferentes, é porque uma delas ou todas estão enxergando um cenário
diferente do que é o real. Talvez uma tenha razão, talvez nenhuma, a gente não
sabe ainda", continua.
Roman ressalta que é
"especulativo" tentar entender qual pesquisa está mais perto da
intenção de voto hoje.
"Vamos saber, no
máximo, qual pesquisa [realizada na véspera da eleição] vai se aproximar de um
resultado final", nota ele.
Comparar o resultado
de pesquisas realizadas nas vésperas da eleição com o resultado do pleito tem
sido um método usado para avaliar o desempenho dos institutos.
Para Nishimura, porém,
mesmo pesquisas bem-feitas realizadas perto do pleito podem divergir do
resultado da eleição.
"É comum que
ocorram mudanças na intenção de voto na reta final da eleição. Alguns eleitores
podem mudar seu voto no dia do pleito, por exemplo, se veem que seu candidato
preferido é pouco competitivo. É o chamado voto útil", explica.
Segundo a diretora do
Datafolha, Luciana Chong, pesquisas mostram que "o eleitor tem, cada vez
mais, deixado para definir seu voto na última hora".
"Quando
realizamos pesquisas de segundo turno, nós perguntamos quando o eleitor definiu
seu voto no primeiro turno, e uma parcela importante diz que decidiu na véspera
ou no dia da eleição", disse à reportagem.
Ela nota, ainda, que o
período da campanha eleitoral hoje é curto no Brasil – neste ano, vai de 30 de
agosto a 5 de outubro, um dia antes do pleito. "E as pessoas vão se
envolvendo mais, conforme vai chegando mais perto", ressalta.
Outro fator que pode
levar a resultados diferentes do projetado é a abstenção, acrescenta,
Nishimura. Embora o voto seja obrigatório no Brasil, deixar de comparecer às
urnas implica apenas em uma multa de baixo valor.
"As pesquisas
brasileiras ainda não conseguem medir bem qual o eleitor que de fato vai às
urnas. O nível de abstenção pode impactar no resultado da votação [caso o
eleitorado de um determinado candidato compareça mais que o de outro]",
afirma.
·
Agregadores de
pesquisa são solução?
Vêm ganhando espaço no
Brasil o uso de agregadores de pesquisa, que calculam uma média de diferentes
levantamentos, na tentativa de captar melhor a tendência da corrida eleitoral.
O instrumento é antigo
nos Estados Unidos, um mercado com volume maior de pesquisas eleitorais.
No Brasil, veículos de
mídia têm produzidos seus agregadores, em parcerias com institutos. O jornal O
Globo desenvolveu um em parceria com o Instituto Locomotiva, enquanto a CNN
Brasil fez o seu junto com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas
(Ipespe).
"Como
estatístico, considero o agregador uma ferramenta útil. Como cada Instituto
utiliza uma metodologia diferente, que vai trazer certos aspectos positivos ou
negativos, com impactos nos seus resultados, ao tirar uma média das pesquisas,
você consegue amortecer um pouco [esses impactos] e tenta trazer um cenário um
pouco mais próximo do que pode estar acontecendo [nas intenções de voo]",
avalia Nishimura.
O estatístico
ressalta, porém, que é importante que o agregador tenha uma boa metodologia,
pois não se trata de uma média simples de diferentes levantamentos.
Em geral, explica,
esses agregadores dão pesos diferentes para as pesquisas, a depender do
histórico e do grau de transparência metodológica dos institutos.
Para Luciana Chong, do
Datafolha, há um limitador para os agregadores no Brasil: o baixo número de
pesquisas, já que há poucos institutos fazendo levantamentos com frequência.
"O uso de
agregadores surgiu [aqui] porque nos Estados Unidos é muito comum, mas lá você
tem uma quantidade muito maior de rodadas [de pesquisas]. Então, por exemplo,
no Datafolha, agora que a gente fez duas semanas seguidas [de levantamento]. O
nosso intervalo vinha sendo de 15 dias [entre as pesquisas do pleito em São
Paulo]", nota Chong.
"Para um
agregador ter poder de trazer um resultado melhor, o ideal é que fosse uma
quantidade maior de pesquisas e de institutos também", reforça.
Para Felipe Nunes, da
Quaest, agregadores podem ser uma boa ferramenta para sinalizar melhor a
evolução dos candidatos. Ele nota, porém, que ainda há pouca transparência
sobre as metodologias que estão sendo usadas no país, o que compromete a
avaliação da qualidade desses agregadores.
Nos Estados Unidos,
onde há apenas dois partidos fortes, Republicano e Democrata, algumas
metodologias de pesquisa eleitorais tendem a dar alguma vantagem para alguns
dos lados, ressalta o fundador da Quaest. Bom agregadores, afirma ele, analisam
o histórico das pesquisas e descontam esse efeito ao calcular o resultado
agregado dos levantamentos.
"Não sabemos se
isso está sendo feito no Brasil, por exemplo", ponderou.
Fonte: BBC News Brasil
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