Por que casamentos após 60 anos estão
aumentando no Brasil
A assistente social
aposentada Patricia Faveri achava que nunca se casaria.
Ela conta que teve
alguns relacionamentos, mas passou a maior parte da vida solteira porque não
tinha encontrado nenhum parceiro com quem achasse que valesse a pena dar um
passo adiante.
"Pensei que ia
cuidar de mim e ser feliz. Eu era feliz sozinha, confesso. Eu era muito
tranquila", diz Patrícia.
“As pessoas falavam
que eu ia casar e ser feliz, mas eu vivia bem sozinha. A gente não precisa de
outra pessoa para ser feliz.”
O pensamento mudou em
2018, depois que ela conheceu o argentino Miguel Angel por meio de um amigo em
comum quando ele estava de férias na cidade do Rio do Janeiro, onde Patricia
mora.
O interesse foi mútuo,
e os dois engataram um namoro à distância quando Miguel voltou para casa, com
muitas conversas pelo WhatsApp e alguns encontros por aqui e lá.
“Eu ia para lá mais
que ele para cá. Eu ficava uns dois ou três meses. Fizemos isso durante seis
anos”, relembra Patrícia.
Depois que Miguel se
aposentou, o casal decidiu que era hora de oficializar a união. Miguel pediu a
mão de Patricia ao amigo em comum dos dois. "Foi uma surpresa para
mim", diz ela.
Em julho do ano
passado, os dois celebraram o casamento em um cartório e comemoraram com os
amigos mais próximos. Ela tinha 63 anos e ele, 61.
Agora, Miguel quer se
mudar de vez para o Brasil, porque Patrícia, uma carioca, acha a Patagônia,
onde ele mora, um lugar muito frio para viver.
“Com as filhas já
criadas e formadas, ele aceitou se mudar”, diz ela.
A aposentada diz que
se surpreendeu com a convivência a dois e que está curtindo essa nova fase da
vida. A maturidade, ela ressalta, ajuda a lidar com as adversidades de um
casamento.
“A idade faz você ver
as coisas diferentes. Agora eu tenho uma pessoa para ir viajar, discutir o
filme que a gente vai assistir. É interessante.”
O número de idosos
como Patrícia e Miguel que estão casando está aumentando no Brasil.
• 'Casamentos grisalhos' em alta
O envelhecimento da
população brasileira, marcado por uma expectativa de vida cada vez maior, tem
gerado novas dinâmicas sociais e comportamentais.
Entre elas, o
crescimento significativo de "casamentos grisalhos" — as uniões
celebradas já na terceira idade.
Este é um fenômeno que
reflete tanto as mudanças culturais quanto os avanços na saúde, segundo
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Dados recentes do
Registro Civil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
revelam um aumento considerável nos matrimônios entre pessoas com mais de 60
anos.
Em 2022, ano dos dados
mais recentes, foram registrados no Brasil 35.029 casamentos entre pessoas de
60 a 64 anos e 39.759 entre pessoas com 65 anos ou mais, totalizando 74.798
matrimônios.
Esse crescimento vem
ocorrendo desde 2018. Naquele ano, para as mesmas faixas etárias, esses números
somavam 60.580 uniões. Isso representa um aumento de 23,5% neste período.
A tendência reflete
uma mudança significativa na forma como a sociedade enxerga o amor e o
casamento na maturidade.
“A maneira como as
pessoas estão lidando com a velhice está mudando. Já não é tão incomum ver
alguém se casando com 60, 70 anos, como já foi no passado", destaca Márcio
Minamiguchi, demógrafo do IBGE.
“Até pela questão de
vida saudável, a expectativa de vida tende a aumentar. Dessa forma, já não é
mais uma etapa em que a pessoa está esperando pelo fim da vida.”
• Diferenças de gênero nos casamentos na
3ª idade
Os dados do IBGE
mostram ainda que homens com mais de 60 anos se casam mais do que mulheres na
mesma faixa etária.
Os números mais
recentes revelam que 5,37% dos casamentos o homem tinha 60 anos ou mais,
enquanto as mulheres tinham 60 anos ou mais em 2,55% dos casamentos.
Em ambos os casos,
houve um aumento na proporção de casamentos na terceira idade, embora a
diferença se mantenha ao longo do tempo.
Em 2011, por exemplo,
os percentuais eram de 3,38% entre os homens e de 1,24% entre as mulheres.
Essa diferença de
gênero, segundo Fancelli, pode ser atribuída a fatores culturais.
"Historicamente,
os homens têm mais facilidade em reconstruir sua vida afetiva após a viuvez ou
o divórcio, enquanto as mulheres tendem a se concentrar mais na vida familiar e
social", avalia a psicóloga.
Ela aponta que as
mulheres mais velhas, especialmente acima dos 70 anos, muitas vezes optam por
se engajar em atividades sociais e no convívio com filhos e netos, o que
diminui a prioridade de um novo casamento.
Esse fenômeno também
reflete uma diferença nas expectativas de gênero, segundo os especialistas.
Enquanto os homens
podem ver o casamento como uma continuação de seu papel social, as mulheres,
muitas vezes, valorizam mais a liberdade e a autonomia conquistadas ao longo da
vida.
"Muitas mulheres
nessa faixa etária já passaram grande parte da vida cuidando de outros e agora
desejam dedicar mais tempo a si mesmas", comenta Gomes.
"Para elas, o
casamento pode não ser uma prioridade, mas uma escolha que precisa ser muito
bem ponderada."
• Casamento homoafetivo como ato de
'resistência'
Os dados sobre
casamentos homoafetivos entre idosos também revelam uma tendência de
crescimento na última década
No Brasil, os
casamentos entre homens em que ao menos um deles tinha 60 anos passaram de 157
registros em 2013 para 295 em 2022, um aumento de quase 88%.
Já entre mulheres em
que uma delas tinha 60 anos ou mais, o salto foi ainda maior, de 108 para 295
no mesmo período — ou seja, mais do que dobraram.
Segundo especialistas,
a demora na oficialização de muitas dessas uniões pode ser atribuída ao fato de
que muitos casais LGBTQIA+ viveram "escondidos" durante grande parte
da vida, devido ao medo do preconceito
Esses casamentos são,
portanto, um reflexo de uma maior aceitação social e da busca por direitos
civis igualitários, segundo especialistas.
"Para muitos
idosos LGBT+, o casamento é uma conquista que simboliza a superação de décadas
de preconceito e invisibilidade", comenta Fancelli.
"É uma forma de
garantir proteção legal, mas também de afirmar publicamente uma relação que
muitas vezes foi mantida em segredo por anos."
A professora e
revisora de texto Ana Maria de Mattos, de 75 anos, diz que seu casamento com
sua companheira foi uma espécie de "ato de resistência".
Ela conhecia Mónica
Garcia, de 74 anos, já há 27, e as duas moravam juntas há 25, quando as duas
decidiram casar de papel passado em 2019,.
Segundo ela, o país
enfrentava uma “onda” homofóbica durante o início do governo de Jair Bolsonaro
(PL), que era conhecido por falar abertamente contra os homossexuais.
Ana Maria diz que ela
e Mónica temiam perder direitos ou ter outros problemas como um casal
homoafetivo.
“Nosso casamento
aconteceu por causa do antigo governo. Foi uma autoproteção. Digamos que era um
casamento para desobediência civil”, relembra Ana Maria.
"A gente fez uma
celebração enorme. Tinha umas 150 pessoas."
Como já viviam juntas
há quase três décadas, ela conta que a oficialização não mudou a relação, mas,
sim, trouxe mais segurança a elas.
A professora conta que
como as duas vinham de casamentos heterossexuais quando se conheceram e já
tinham filhos. Sentiam assim que já haviam cumprido o “papel social exigido na
sociedade”.
“Eu já falava minha
esposa, minha companheira. As pessoas sempre nos respeitavam muito,
principalmente no prédio em que moramos”, conta Ana Maria.
O fato de estar em seu
segundo casamento e com mais idade, diz ela, permitiu que o casal administrasse
melhor as expectativas, especialmente em relação ao futuro.
A professora também
destaca que vivenciar uma relação homoafetiva hoje em dia apresenta muitas
diferenças, principalmente na convivência.
"Uma coisa
interessante é que, no casamento heterossexual, os papéis costumam ser mais
definidos. A mulher fica geralmente sobrecarregada, cuidando da casa, dos
filhos, levando-os para a escola. Enquanto o homem sai para trabalhar”, afirma
Ana Maria.
“Apesar de eu ter
trabalhos como freelancer, a maior dedicação era para a casa.”
Agora, no casamento
com outra mulher, a dinâmica é completamente diferente.
“Somos duas donas de
casa, então, as tarefas são divididas. Não há aquele peso de um dos lados ter
que assumir tudo. Além disso, nossos filhos já estão crescidos e morando fora,
o que facilita bastante.”
Com a maturidade, a
forma de encarar a vida também muda, diz ela.
“A gente passa a dar
mais valor ao que realmente importa e não perde tempo discutindo por coisas
pequenas", avalia Ana Maria.
"É uma fase em
que podemos melhorar em muitos aspectos."
• Novos significados e saúde mental
A psicóloga Márcia Pin
Fancelli, especializada em gerontologia pelo Instituto de Assistência Médica ao
Servidor Público Estadual (Iamspe), atribui parte do crescimento dos casamentos
na terceira idade ao aumento da expectativa de vida.
Dados do IBGE mostram
que os brasileiros viviam em média 65,3 anos em 1990. Uma década depois, em
2000, já era de 74,08 anos.
Em 2023, passou para
76,4 anos, e a expectativa é que chegue a 83,9 anos em 2070.
"O aumento da
longevidade, aliado à possibilidade de vivê-la com saúde, abre várias portas
para os indivíduos com mais de 60 anos, incluindo a oportunidade de reconstruir
a vida afetiva por meio do casamento", afirma Fancelli.
Essa nova realidade
reflete ainda uma mudança na percepção dos idosos sobre seu próprio
envelhecimento, avalia Fancelli.
Muitos passaram a
enxergar essa fase como uma oportunidade para revisitar antigos sonhos ou até
mesmo ter novas experiências.
"Há uma
ressignificação do envelhecimento, que não é mais visto como uma etapa de
declínio, mas como um momento de novas possibilidades, incluindo na esfera
afetiva", complementa a psicóloga.
O casamento, para
aqueles que já passaram dos 60 anos, pode ainda ser um aliado poderoso na
conservação da saúde mental, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News
Brasil.
"Reconstruir
laços afetivos e sexuais nessa fase da vida contribui significativamente para o
bem-estar emocional", diz Fancelli.
A psicóloga acrescenta
que essa fase da vida é marcada por perdas, e estar em um relacionamento pode
ajudar a elaborar o luto de forma mais equilibrada, diminuindo os riscos de
depressão e ansiedade.
Além dos benefícios
emocionais, há também impactos positivos na saúde física, explica Francisco
Carlos Gomes, psicólogo e mestre em Psicologia Social pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
"O apoio mútuo em
um casamento pode ser um fator decisivo para uma vida mais saudável, com uma
rotina mais equilibrada e hábitos que promovem o bem-estar", diz Gomes.
• Casamento como antídoto para solidão
Embora casar para
evitar a solidão possa parecer uma solução simples, tanto Fancelli quanto Gomes
alertam para a importância de encontrar um relacionamento que tenha valor.
"Casar apenas
para não ficar sozinho não é a melhor escolha", ressalta Gomes.
"Quando se
encontra uma relação significativa, com objetivos comuns, a união pode se
tornar uma fonte de renovação."
Fancelli acrescenta
que, para muitos idosos, o casamento é uma forma de redescobrir o prazer na
vida cotidiana, compartilhando vivências e desafios.
Mas ela ressalta que o
casamento pode, sim, ser um antídoto para a solidão, desde que seja baseado em
um vínculo emocional genuíno e mútuo.
"A solidão é uma
questão séria na terceira idade, mas deve ser combatida com relacionamentos que
realmente façam sentido, que tragam alegria e satisfação, não apenas como uma
tentativa de preencher um vazio."
A possibilidade de
construir uma nova história afetiva após os 60 anos pode trazer inúmeros
benefícios.
Isso inclui até mesmo
pessoas que já foram casadas e decidem retomar o relacionamento anos depois.
"Nada impede que
uma relação positiva seja reconstruída, desde que ambos estejam dispostos a
aprender com o passado e a definir novas metas juntos", diz Marcella
Bianca, neuropiscóloga e colaboradora do ambulatório de envelhecimento da
Unifesp.
Bianca enfatiza que,
além da busca por felicidade, há uma crescente valorização do que é essencial
em uma relação na terceira idade: o apoio mútuo, o respeito à individualidade e
a disposição para compartilhar a vida.
"Os casais dessa
faixa etária costumam ser mais tolerantes e compreensivos, porque já
enfrentaram muitos desafios ao longo da vida. Isso cria um ambiente mais
propício para um relacionamento saudável e duradouro", finaliza.
Fonte: BBC News Brasil
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