quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Placebo ajuda, mesmo sabendo que é falso

Seja para tratar uma dor nas costas, ansiedade ou depressão: estudos indicam que comprimidos sem ingredientes ativos podem surtir efeito, mesmo quando os pacientes sabem que estão tomando apenas um placebo.

A palavra "placebo" designa um medicamento sem um ingrediente ativo, uma falsa terapia ou falsa operação para tratar algum mal. O nome tem origem latina e significa "agradarei". De fato: muitos pacientes, sem saber que passaram por um pseudotratamento, relatam alívio do sofrimento. É o que se chama de efeito placebo.

Por motivos éticos, esses falsos "tratamentos" são usados na ciência apenas para fins de estudo e não fazem parte da medicina convencional.

Mas eles também podem surtir efeito mesmo quando as pessoas sabem que estão tomando apenas um placebo. É o que aponta um estudo recente realizado pela Universidade Estadual de Michigan durante a pandemia.

•        Placebo funcionou contra estresse, ansiedade e depressão

Um grupo de 32 voluntários recebeu um placebo, enquanto outro grupo de 32 pessoas não recebeu nenhum tratamento. Todos afirmaram ter sofrido estresse prolongado durante a pandemia de coronavírus.

O grupo do placebo sabia que as pílulas não tinham nenhum ingrediente ativo. Eles foram orientados a tomar esses chamados placebos de rótulo aberto (open label placebos, ou OLP) duas vezes ao dia. Além disso, tiveram que preencher um questionário diário sobre o uso das pílulas.

Essas pessoas foram informadas com antecedência de que o tratamento poderia ajudá-las a lidar com o estresse e a ansiedade. Também receberam informações sobre o efeito placebo e como os placebos tomados conscientemente podem funcionar.

Ao final do estudo de duas semanas, as pessoas que tomaram o placebo relataram menos estresse, ansiedade e depressão em comparação com o grupo não tratado.

Uma meta-análise realizada por pesquisadores do Centro Médico Universitário de Freiburg e publicada em 2021 já havia demonstrado que a ingestão consciente de placebos pode aliviar sintomas em muitos casos.

Foram comparados 13 estudos com um total de 834 pacientes que sofriam de dor nas costas, síndrome do intestino irritável, depressão, síndrome da fadiga crônica, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), rinite alérgica ou calorões. Um pré-requisito foi que os pacientes recebessem informações adicionais sobre o efeito placebo.

"Pela primeira vez, conseguimos mostrar com certeza científica que placebos administrados abertamente também podem ser eficazes", diz Stefan Schmidt, chefe de pesquisa de Saúde Sistêmica do Centro Médico da Universidade de Freiburg.

•        A expectativa de cura é decisiva para o sucesso do Placebo

Ainda não está claro como exatamente placebos de rótulo aberto funcionam. Muitos estudos mostraram uma ligação com placebos apresentados como eficazes, explica à DW Ulrike Bingel, professora de neurociência clínica e diretora do Centro de Medicina Universitária da Dor em Essen.

"Quanto mais alívio eu espero, mais eu sinto", diz Bingel. A eficácia, segundo a professora, tem a ver com a expectativa positiva das pessoas em relação ao placebo, e não com o placebo em si.

Supõe-se que esse efeito também esteja por trás dos supostos "sucessos de tratamento" da homeopatia – que, além disso, não tem efeitos científicos conhecidos. Segundo Bigel, a homeopatia é "algo sem sentido" que "contradiz todo o conhecimento científico".

Já no caso dos placebos de rótulo aberto, os pacientes são informados antecipadamente de que não estão tomando nenhum ingrediente ativo. No entanto, também aqui a expectativa de cura parece ser o motivo da melhora de determinados sintomas.

Bingel também conduziu vários estudos que mostram que os OLPs pode melhorar algumas condições – mesmo quando os pacientes foram previamente alertados.

"Dissemos: 'Não sabemos se funciona, temos evidências de vários países de que pode trazer benefícios, mas não conhecemos os mecanismos'. E mesmo assim funcionou."

•        Como o cérebro reage ao placebo

Em um desses estudos, pessoas que sofriam com dor nas costas relataram alívio após três semanas de tratamento – e isso apesar de não ter havido nenhuma mudança física.

Por exemplo, a coluna vertebral das pessoas tratadas não se tornou mais flexível. Portanto, não houve cura no sentido médico, mas a qualidade de vida dos pacientes melhorou.

"As melhorias subjetivas podem ser rastreadas no cérebro em um nível neurobiológico objetivo. Por exemplo, a atividade em áreas relacionadas à dor ou à depressão é alterada", explica Bingel, que acrescenta que estudos neurobiológicos iniciais também mostraram isso para os OLPs.

A neurocientista diz que os OLPs poderão ser usados no futuro como uma opção de tratamento médico, especialmente quando não houver outras alternativas ou se o paciente desejar.

Mas tão importante quanto isso, para a professora, é aproveitar as expectativas associadas, a comunicação e a confiança no sucesso de placebos para fortalecer tratamentos reais. "Se considerarmos esses processos psicológicos, há um potencial enorme e inexplorado para tornar os medicamentos mais eficazes e mais bem tolerados."

 

•        Efeito nocebo, o irmão maligno do placebo

"Alguém se aproxima e diz: 'meu Deus, você está horrível, vai ficar doente?', E, de repente, você fica doente mesmo", conta Charlotte Blease, ao relembrar uma recente viagem de ônibus de Belfast a Dublin. "Você já tem essa expectativa, e isso aumenta os sintomas".

Blease, pesquisadora da área de saúde da Universidade de Uppsala, na Suécia, e uma das autoras do livro de The Nocebo Effect: When Words Make You Sick (O efeito nocebo: quando as palavras deixam você doente, em tradução livre), estava sentindo náuseas e enjoo, tentando se distrair com qualquer outro pensamento. E sabia que, se alguém a interrompesse, isso provocaria o efeito nocebo.

"O efeito nocebo são resultados negativos para a saúde que surgem a partir de expectativas negativas", explica Blease.

O problema pode exacerbar a sensação de dor, ansiedade, náusea e fadiga.

•        Nocebo não é placebo

O efeito nocebo é a imagem espelhada negativa do placebo. Imagine um estudo médico. Um grupo recebe um medicamento real para tratar dores de cabeça. Outro grupo recebe pílulas de açúcar, sem o princípio ativo.

Quando os pacientes desse segundo grupo relatam alívio de suas dores de cabeça, os médicos dizem que eles estão experimentando um efeito placebo, porque pensaram que estavam tomando analgésicos, tal qual os pacientes do primeiro grupo, e esse pensamento positivo levou a um resultado em seu tratamento. Trata-se de um fenômeno reconhecido pela medicina.

E o efeito nocebo está lentamente ganhando reconhecimento semelhante dos profissionais de saúde, e trata-se exatamente do oposto: quando o pensamento negativo influencia os resultados de forma, claro, negativa.

•        Nocebo, covid e a hesitação em tomar vacinas

Durante a pandemia de covid-19, pesquisadores descobriram que as expectativas das pessoas antes da vacinação contra a doença poderiam estar ligadas ao que elas sentiam depois.

Uma equipe de cientistas de Israel e do Reino Unido analisou um grupo de 756 adultos israelenses com mais de 60 anos de idade. Todos haviam recebido uma dose de reforço, ou seja, uma terceira dose contra a covid-19.

"Medimos a hesitação em relação à vacina, isto é, a atitude negativa ou as expectativas em relação à vacina, e o número de efeitos colaterais relatados subjetivamente", explica Yaakov Hoffman, principal autor do estudo e professor do Departamento de Ciências Sociais e da Saúde da Universidade Bar-Ilan, em Israel.

Publicados na revista Scientific Reports em dezembro de 2022, os resultados indicaram que as pessoas que tinham expectativas negativas antes da segunda dose contavam com maior probabilidade de sofrer efeitos colaterais após a terceira.

"Quanto maior a ansiedade em relação à vacina, sua segurança e seus efeitos colaterais, maior a probabilidade de a pessoa experimentar efeitos colaterais", explica Hoffman à DW.

E quando o efeito nocebo e a hesitação em relação à vacina eram combinados, segundo Hoffman, havia potencial para isso se tornar um círculo vicioso: uma pessoa que hesitasse em tomar a vacina, talvez por ter lido sobre os efeitos colaterais na internet, teria maior probabilidade de sofrer esses efeitos.

Essas consequências seriam então registradas e relatadas por seus médicos. Isso, por sua vez, contribuiria para uma maior cobertura da mídia sobre os efeitos colaterais e para que mais pessoas se sentissem hesitantes em relação às vacinas, e assim por diante.

•        Como os médicos lidam com o efeito

Conversar com os pacientes sem desencadear o efeito nocebo pode ser um desafio."Os médicos são obrigados a não prejudicar o paciente, ou a mitigar os danos sempre que possível, mas também têm a obrigação de dizer a verdade", disse Blease.

No caso de uma vacina com efeitos colaterais relativamente pequenos, de acordo com Hoffman, encarar o efeito nocebo de frente pode fazer sentido.

"Talvez seja melhor chamar as coisas pelo nome e dizer: 'há uma certa porcentagem dos efeitos colaterais que você está experimentando que são efeitos nocebo. O que significa que você está realmente experimentando-os, mas isso não significa necessariamente perigo", diz Hoffman, que enfatiza, no entanto, que isso é apenas especulação e que mais pesquisas são necessárias a fim de fornecer evidências sólidas.

•        A importância das informações

Outros especialistas da área concordam que a forma como os médicos se comunicam com os pacientes pode ajudar a evitar os efeitos nocebo.

"A maneira como os médicos conversam com os pacientes pode influenciar os resultados da terapia. Até agora, a comunicação tem sido vista principalmente como uma questão de bem-estar. Precisamos de uma maior conscientização de como ela é crucial", afirma Ulrike Bingel, professora de Neurociências Clínicas, que dirige uma unidade de pesquisa sobre dor no Hospital Universitário de Essen, na Alemanha.

Quando se trata de vacinas, por exemplo, os médicos são obrigados a divulgar todos os efeitos colaterais possíveis.

Mas, em vez de fazer uma lista de efeitos colaterais que pode assustar o paciente, Bingel diz que os médicos devem conceituar os efeitos colaterais como um sinal de que o sistema imunológico está funcionando bem.

Dessa forma, o paciente pode ter expectativas menos negativas e experimentar menos efeitos colaterais.

•        Efeito nocebo pode ser evolutivo

Mas como ideias negativas em nossa mente podem afetar o nosso corpo? Primeiro, é importante entender que o efeito nocebo é real, e não fruto da imaginação – pessimista – de um paciente.

"Os efeitos nocebo e placebo envolvem processos neurocientíficos complexos. Quando você está experimentando um efeito nocebo, seu corpo para de acionar os freios da dor. Seu cérebro recebe mais impulsos cerebrais e você sente mais dor", exemplifica Bingel.

O problema é que os pesquisadores não conseguem explicar por que isso acontece. Ao menos não ainda. Mas eles acreditam que isso pode ter a ver com nossa evolução.

"Era importante que nossos ancestrais aprendessem a entrar em contato com um animal selvagem ou uma planta venenosa. O corpo [ficava] preparado para a próxima vez", acrescenta Bingel.

Em outras palavras, as expectativas negativas dos primeiros humanos os teriam preparado para o caso de terem de correr para salvar suas vidas.

"O efeito nocebo poderia ser uma ressaca do passado, [mas] isso é uma incompatibilidade com o ambiente médico moderno de hoje", conclui Blease.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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