Placebo ajuda, mesmo sabendo que é falso
Seja para tratar uma
dor nas costas, ansiedade ou depressão: estudos indicam que comprimidos sem
ingredientes ativos podem surtir efeito, mesmo quando os pacientes sabem que
estão tomando apenas um placebo.
A palavra
"placebo" designa um medicamento sem um ingrediente ativo, uma falsa
terapia ou falsa operação para tratar algum mal. O nome tem origem latina e
significa "agradarei". De fato: muitos pacientes, sem saber que
passaram por um pseudotratamento, relatam alívio do sofrimento. É o que se
chama de efeito placebo.
Por motivos éticos,
esses falsos "tratamentos" são usados na ciência apenas para fins de
estudo e não fazem parte da medicina convencional.
Mas eles também podem
surtir efeito mesmo quando as pessoas sabem que estão tomando apenas um
placebo. É o que aponta um estudo recente realizado pela Universidade Estadual
de Michigan durante a pandemia.
• Placebo funcionou contra estresse,
ansiedade e depressão
Um grupo de 32
voluntários recebeu um placebo, enquanto outro grupo de 32 pessoas não recebeu
nenhum tratamento. Todos afirmaram ter sofrido estresse prolongado durante a
pandemia de coronavírus.
O grupo do placebo
sabia que as pílulas não tinham nenhum ingrediente ativo. Eles foram orientados
a tomar esses chamados placebos de rótulo aberto (open label placebos, ou OLP)
duas vezes ao dia. Além disso, tiveram que preencher um questionário diário sobre
o uso das pílulas.
Essas pessoas foram
informadas com antecedência de que o tratamento poderia ajudá-las a lidar com o
estresse e a ansiedade. Também receberam informações sobre o efeito placebo e
como os placebos tomados conscientemente podem funcionar.
Ao final do estudo de
duas semanas, as pessoas que tomaram o placebo relataram menos estresse,
ansiedade e depressão em comparação com o grupo não tratado.
Uma meta-análise
realizada por pesquisadores do Centro Médico Universitário de Freiburg e
publicada em 2021 já havia demonstrado que a ingestão consciente de placebos
pode aliviar sintomas em muitos casos.
Foram comparados 13
estudos com um total de 834 pacientes que sofriam de dor nas costas, síndrome
do intestino irritável, depressão, síndrome da fadiga crônica, transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), rinite alérgica ou calorões. Um pré-requisito
foi que os pacientes recebessem informações adicionais sobre o efeito placebo.
"Pela primeira
vez, conseguimos mostrar com certeza científica que placebos administrados
abertamente também podem ser eficazes", diz Stefan Schmidt, chefe de
pesquisa de Saúde Sistêmica do Centro Médico da Universidade de Freiburg.
• A expectativa de cura é decisiva para o
sucesso do Placebo
Ainda não está claro
como exatamente placebos de rótulo aberto funcionam. Muitos estudos mostraram
uma ligação com placebos apresentados como eficazes, explica à DW Ulrike
Bingel, professora de neurociência clínica e diretora do Centro de Medicina
Universitária da Dor em Essen.
"Quanto mais
alívio eu espero, mais eu sinto", diz Bingel. A eficácia, segundo a
professora, tem a ver com a expectativa positiva das pessoas em relação ao
placebo, e não com o placebo em si.
Supõe-se que esse
efeito também esteja por trás dos supostos "sucessos de tratamento"
da homeopatia – que, além disso, não tem efeitos científicos conhecidos.
Segundo Bigel, a homeopatia é "algo sem sentido" que "contradiz
todo o conhecimento científico".
Já no caso dos
placebos de rótulo aberto, os pacientes são informados antecipadamente de que
não estão tomando nenhum ingrediente ativo. No entanto, também aqui a
expectativa de cura parece ser o motivo da melhora de determinados sintomas.
Bingel também conduziu
vários estudos que mostram que os OLPs pode melhorar algumas condições – mesmo
quando os pacientes foram previamente alertados.
"Dissemos: 'Não
sabemos se funciona, temos evidências de vários países de que pode trazer
benefícios, mas não conhecemos os mecanismos'. E mesmo assim funcionou."
• Como o cérebro reage ao placebo
Em um desses estudos,
pessoas que sofriam com dor nas costas relataram alívio após três semanas de
tratamento – e isso apesar de não ter havido nenhuma mudança física.
Por exemplo, a coluna
vertebral das pessoas tratadas não se tornou mais flexível. Portanto, não houve
cura no sentido médico, mas a qualidade de vida dos pacientes melhorou.
"As melhorias
subjetivas podem ser rastreadas no cérebro em um nível neurobiológico objetivo.
Por exemplo, a atividade em áreas relacionadas à dor ou à depressão é
alterada", explica Bingel, que acrescenta que estudos neurobiológicos
iniciais também mostraram isso para os OLPs.
A neurocientista diz
que os OLPs poderão ser usados no futuro como uma opção de tratamento médico,
especialmente quando não houver outras alternativas ou se o paciente desejar.
Mas tão importante
quanto isso, para a professora, é aproveitar as expectativas associadas, a
comunicação e a confiança no sucesso de placebos para fortalecer tratamentos
reais. "Se considerarmos esses processos psicológicos, há um potencial
enorme e inexplorado para tornar os medicamentos mais eficazes e mais bem
tolerados."
• Efeito nocebo, o irmão maligno do
placebo
"Alguém se
aproxima e diz: 'meu Deus, você está horrível, vai ficar doente?', E, de
repente, você fica doente mesmo", conta Charlotte Blease, ao relembrar uma
recente viagem de ônibus de Belfast a Dublin. "Você já tem essa
expectativa, e isso aumenta os sintomas".
Blease, pesquisadora
da área de saúde da Universidade de Uppsala, na Suécia, e uma das autoras do
livro de The Nocebo Effect: When Words Make You Sick (O efeito nocebo: quando
as palavras deixam você doente, em tradução livre), estava sentindo náuseas e enjoo,
tentando se distrair com qualquer outro pensamento. E sabia que, se alguém a
interrompesse, isso provocaria o efeito nocebo.
"O efeito nocebo
são resultados negativos para a saúde que surgem a partir de expectativas
negativas", explica Blease.
O problema pode
exacerbar a sensação de dor, ansiedade, náusea e fadiga.
• Nocebo não é placebo
O efeito nocebo é a
imagem espelhada negativa do placebo. Imagine um estudo médico. Um grupo recebe
um medicamento real para tratar dores de cabeça. Outro grupo recebe pílulas de
açúcar, sem o princípio ativo.
Quando os pacientes
desse segundo grupo relatam alívio de suas dores de cabeça, os médicos dizem
que eles estão experimentando um efeito placebo, porque pensaram que estavam
tomando analgésicos, tal qual os pacientes do primeiro grupo, e esse pensamento
positivo levou a um resultado em seu tratamento. Trata-se de um fenômeno
reconhecido pela medicina.
E o efeito nocebo está
lentamente ganhando reconhecimento semelhante dos profissionais de saúde, e
trata-se exatamente do oposto: quando o pensamento negativo influencia os
resultados de forma, claro, negativa.
• Nocebo, covid e a hesitação em tomar
vacinas
Durante a pandemia de
covid-19, pesquisadores descobriram que as expectativas das pessoas antes da
vacinação contra a doença poderiam estar ligadas ao que elas sentiam depois.
Uma equipe de
cientistas de Israel e do Reino Unido analisou um grupo de 756 adultos
israelenses com mais de 60 anos de idade. Todos haviam recebido uma dose de
reforço, ou seja, uma terceira dose contra a covid-19.
"Medimos a
hesitação em relação à vacina, isto é, a atitude negativa ou as expectativas em
relação à vacina, e o número de efeitos colaterais relatados
subjetivamente", explica Yaakov Hoffman, principal autor do estudo e
professor do Departamento de Ciências Sociais e da Saúde da Universidade
Bar-Ilan, em Israel.
Publicados na revista
Scientific Reports em dezembro de 2022, os resultados indicaram que as pessoas
que tinham expectativas negativas antes da segunda dose contavam com maior
probabilidade de sofrer efeitos colaterais após a terceira.
"Quanto maior a
ansiedade em relação à vacina, sua segurança e seus efeitos colaterais, maior a
probabilidade de a pessoa experimentar efeitos colaterais", explica
Hoffman à DW.
E quando o efeito
nocebo e a hesitação em relação à vacina eram combinados, segundo Hoffman,
havia potencial para isso se tornar um círculo vicioso: uma pessoa que
hesitasse em tomar a vacina, talvez por ter lido sobre os efeitos colaterais na
internet, teria maior probabilidade de sofrer esses efeitos.
Essas consequências
seriam então registradas e relatadas por seus médicos. Isso, por sua vez,
contribuiria para uma maior cobertura da mídia sobre os efeitos colaterais e
para que mais pessoas se sentissem hesitantes em relação às vacinas, e assim
por diante.
• Como os médicos lidam com o efeito
Conversar com os
pacientes sem desencadear o efeito nocebo pode ser um desafio."Os médicos
são obrigados a não prejudicar o paciente, ou a mitigar os danos sempre que
possível, mas também têm a obrigação de dizer a verdade", disse Blease.
No caso de uma vacina
com efeitos colaterais relativamente pequenos, de acordo com Hoffman, encarar o
efeito nocebo de frente pode fazer sentido.
"Talvez seja
melhor chamar as coisas pelo nome e dizer: 'há uma certa porcentagem dos
efeitos colaterais que você está experimentando que são efeitos nocebo. O que
significa que você está realmente experimentando-os, mas isso não significa
necessariamente perigo", diz Hoffman, que enfatiza, no entanto, que isso é
apenas especulação e que mais pesquisas são necessárias a fim de fornecer
evidências sólidas.
• A importância das informações
Outros especialistas
da área concordam que a forma como os médicos se comunicam com os pacientes
pode ajudar a evitar os efeitos nocebo.
"A maneira como
os médicos conversam com os pacientes pode influenciar os resultados da
terapia. Até agora, a comunicação tem sido vista principalmente como uma
questão de bem-estar. Precisamos de uma maior conscientização de como ela é
crucial", afirma Ulrike Bingel, professora de Neurociências Clínicas, que
dirige uma unidade de pesquisa sobre dor no Hospital Universitário de Essen, na
Alemanha.
Quando se trata de
vacinas, por exemplo, os médicos são obrigados a divulgar todos os efeitos
colaterais possíveis.
Mas, em vez de fazer
uma lista de efeitos colaterais que pode assustar o paciente, Bingel diz que os
médicos devem conceituar os efeitos colaterais como um sinal de que o sistema
imunológico está funcionando bem.
Dessa forma, o
paciente pode ter expectativas menos negativas e experimentar menos efeitos
colaterais.
• Efeito nocebo pode ser evolutivo
Mas como ideias
negativas em nossa mente podem afetar o nosso corpo? Primeiro, é importante
entender que o efeito nocebo é real, e não fruto da imaginação – pessimista –
de um paciente.
"Os efeitos
nocebo e placebo envolvem processos neurocientíficos complexos. Quando você
está experimentando um efeito nocebo, seu corpo para de acionar os freios da
dor. Seu cérebro recebe mais impulsos cerebrais e você sente mais dor",
exemplifica Bingel.
O problema é que os
pesquisadores não conseguem explicar por que isso acontece. Ao menos não ainda.
Mas eles acreditam que isso pode ter a ver com nossa evolução.
"Era importante
que nossos ancestrais aprendessem a entrar em contato com um animal selvagem ou
uma planta venenosa. O corpo [ficava] preparado para a próxima vez",
acrescenta Bingel.
Em outras palavras, as
expectativas negativas dos primeiros humanos os teriam preparado para o caso de
terem de correr para salvar suas vidas.
"O efeito nocebo
poderia ser uma ressaca do passado, [mas] isso é uma incompatibilidade com o
ambiente médico moderno de hoje", conclui Blease.
Fonte: Deutsche Welle
Nenhum comentário:
Postar um comentário