Pesquisadores mapeiam risco de Alzheimer em
pessoas com síndrome de Down
Pessoas com síndrome
de Down apresentam envelhecimento acelerado e grande incidência da doença de
Alzheimer na velhice. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mapearam
nessa população, por meio de técnicas de medicina nuclear, a presença de neuroinflamação
e de um marcador importante desse tipo de demência: a placa beta-amiloide –
formada por fragmentos de peptídeo amiloide que se depositam entre os neurônios
causando inflamação e interrompendo a comunicação neural.
“Este foi o primeiro
estudo no mundo a observar como se dá a neuroinflamação nessa população por
meio de tomografia por emissão de pósitrons [PET, na sigla em inglês], com uso
de radiofármacos específicos”, contou à Agência FAPESP Daniele de Paula Faria,
pesquisadora do Laboratório de Medicina Nuclear (LIM43) do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FM-USP).
A investigação foi
conduzida no âmbito de um projeto desenvolvido em parceria com o Instituto Jô
Clemente, o que possibilitou aos pesquisadores avaliar o cérebro de indivíduos
com síndrome de Down de diferentes faixas etárias.
“Já se sabia que o
processo de envelhecimento nessa população ocorre cerca de 20 anos adiantado,
com menopausa precoce e o diagnóstico de doença de Alzheimer já após os 40
anos, por exemplo. Um aspecto importante é que o gene da proteína precursora
amiloide [APP] está localizado no cromossomo 21, que é triplicado na síndrome
de Down. Portanto, já era sabido que esses indivíduos produzem mais
beta-amiloide que aqueles sem a síndrome. Nosso estudo foi importante, pois
ainda não havia um entendimento aprofundado sobre os padrões de neuroinflamação
no cérebro vivo de pessoas com síndrome de Down”, explicou a pesquisadora para
a Agência FAPESP.
Os pesquisadores
também acompanharam, ao longo de dois anos, a progressão da neuroinflamação e
das placas beta-amiloide em camundongos modificados geneticamente para
desenvolver uma condição semelhante à síndrome de Down. Vale lembrar que o
ciclo de vida dos roedores é mais curto que o dos humanos e, portanto, um
animal de dois anos equivaleria a um humano de 80.
“Conseguimos avaliar,
com um equipamento específico para pequenos animais, toda a progressão da
doença nos roedores. O estudo com os camundongos, somado ao feito com o grupo
de indivíduos com síndrome de Down, nos trazem respostas importantes sobre o
processo de envelhecimento dessa população”, afirmou a pesquisadora.
<><> Por
dentro do cérebro
Esses dados ainda não
publicados foram apresentados por Faria durante o Simpósio de Imagem Molecular,
realizado nos dias 11 e 12 de setembro no Instituto de Radiologia do HC-FM-USP.
Um dos objetivos do evento foi comemorar os dez anos da primeira imagem amiloide
obtida no Brasil, o que foi possível com a compra dos equipamentos que produzem
os radiofármacos (11C-PIB e 11C-PK11195) usados para visualizar as placas e a
neuroinflamação no cérebro humano vivo. A aquisição ocorreu por meio de um
Projeto Temático liderado por Geraldo Busatto Filho, coordenador do LIM21
Como explica Faria,
moléculas marcadas com radioisótopos (chamadas de radiofármacos) são injetadas
no cérebro para sinalizar as regiões em que há acúmulo de peptídeo
beta-amiloide. Na sequência, é possível visualizar as placas e o avanço da
neuroinflamação pela tomografia por emissão de pósitrons, equipamento de imagem
parecido com uma ressonância magnética.
A metodologia foi
validada no Brasil pelo grupo da USP e, aliada a outras análises, constitui uma
ferramenta importante para diferenciar casos de doença de Alzheimer de outros
tipos de demências. Também permite estudar como a doença progride em populações
específicas, como os indivíduos com síndrome de Down ou com esclerose múltipla.
Na palestra de
encerramento do simpósio, Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, afirmou que
o projeto é um exemplo da solidez da ciência produzida no Estado de São Paulo.
“Isso se deve a três fatores essencialmente. Um deles é o financiamento
estável. Essa estabilidade nos permite fazer programas de pesquisa de dez anos,
que podem render avanços, nos diferenciar e dar força ao desenvolvimento do
Estado. O segundo ponto é o corpo de pesquisadores capacitados. O terceiro é
que temos instituições de excelência, como é o caso das universidades dos
institutos de pesquisa que têm um grande papel na história e no desenvolvimento
de São Paulo. Tudo isso faz com que a estrutura de suporte à ciência e
tecnologia se destaque e possa servir de exemplo para o restante do país”,
disse.
O presidente da
Fundação também apresentou oportunidades de financiamento de pesquisa,
sobretudo para os jovens cientistas que participavam do evento. “Atualmente
vivemos uma crise de formação de recursos humanos e uma crise de interesse dos
nossos jovens pela vida universitária. Então é muito bom fazermos uma conversa
sobre possibilidades de financiamento para atrairmos talentos e novos projetos
importantes”, acrescentou.
Além de celebrar os
dez anos do início da realização de imagens PET amiloide no Brasil e de
apresentar os resultados obtidos no período com o uso da técnica, o simpósio
teve o objetivo de discutir os aspectos mais atuais da pesquisa em neuroimagem
molecular em doenças neurodegenerativas com especialistas nacionais e
internacionais.
Entre os presentes
estavam Tharick Pascoal, da University of Pittsburgh School of Medicine
(Estados Unidos), que falou sobre o uso de biomarcadores em pesquisa; David
Jones, da Mayo Clinic (Estados Unidos), que abordou o uso de inteligência
artificial nos estudos com imagem molecular; e Juan Fortea, do Hospital de la
Santa Creu i Sant Pau (Espanha), que explicou como a síndrome de Down pode ser
um modelo de estudo para doenças neurodegenerativas.
• Alzheimer pode avançar mais rápido em
pessoas com síndrome de Down
Um novo estudo mostrou
que o Alzheimer pode ter início precoce e avançar mais rapidamente em pessoas
com síndrome de Down. As descobertas, publicadas na revista científica Lancet
Neurology no último dia 15, podem ter implicações importantes para o tratamento
e cuidados deste grupo vulnerável de pacientes.
O estudo comparou como
o Alzheimer se desenvolve e progride em duas formas genéticas da doença: uma
forma familiar conhecida como doença de Alzheimer autossômica dominante e a
doença de Alzheimer ligada à síndrome de Down.
Para Beau Ances,
professor da Daniel J. Brennan Neurology e co-autor sênior do estudo, as
descobertas são importantes porque “atualmente, nenhuma terapia para Alzheimer
está disponível para pessoas com síndrome de Down”. “Isso é uma tragédia porque
as pessoas com síndrome de Down precisam destas terapias tanto quanto qualquer
outra pessoa” afirma Ances, em comunicado à imprensa.
<><>
Ligação entre Alzheimer e síndrome de Down
A síndrome de Down é
uma alteração genética caracterizada pela presença de um cromossomo 21 extra.
Esse cromossomo carrega uma cópia do gene APP (proteína precursora de
amiloide), o que faz com que as pessoas com essa síndrome produzem muito mais
depósitos de amiloide em seus cérebros do que o normal.
Estudos anteriores já
mostraram que o acúmulo de amiloide é uma das principais causas da doença de
Alzheimer. Para pessoas com Síndrome de Down, o declínio cognitivo
característico da doença ocorre, geralmente, aos 50 anos.
Já pessoas com doença
de Alzheimer autossômica dominante também têm um cronograma que pode aumentar
as chances de declínio cognitivo. Essas pessoas herdam mutações em um de três
genes específicos: PSEN1, PSEN2 ou APP. Eles tendem a desenvolver sintomas cognitivos
na mesma idade que seus pais: na faixa dos 50, 40 ou, até mesmo, 30 anos.
“Como essas duas
populações desenvolvem a doença em idades relativamente jovens, elas não
apresentam as alterações associadas à idade observadas na maioria dos pacientes
com Alzheimer, que normalmente têm mais de 65 anos”, diz a autora
correspondente do estudo, Julie Wisch, engenheira sênior de neuroimagem no
laboratório Ances. “Isso, combinado com a idade bem definida de início em ambas
as condições, nos dá uma rara oportunidade de separar os efeitos da doença de
Alzheimer do envelhecimento normal e expandir a nossa compreensão da patologia
da doença.”
<><> Como
o estudo foi feito?
Para o estudo, os
pesquisadores mapearam o desenvolvimento dos emaranhados de tau, um outro
marcador de risco para o desenvolvimento de Alzheimer. Eles realizaram
tomografia por emissão de pósitrons (PET) do cérebro de 137 participantes com
síndrome de Down e 49 com doença de Alzheimer autossômica dominante. Com isso,
foi possível examinar quando os emaranhados de tau apareceram em relação às
placas amiloides e quais partes do cérebro foram afetadas.
O estudo mostrou que
as placas amiloides e os emaranhados de tau acumulam-se nas mesmas áreas do
cérebro e na mesma sequência em ambos os grupos. No entanto, o processo começa
mais cedo e é mais rápido em pessoas com síndrome de Down. Além disso, os níveis
de tau são maiores para um determinado nível de amiloide.
“A progressão normal
do Alzheimer é que você vê amiloide e depois tau – e isso acontece com cinco a
sete anos de intervalo – e depois neurodegeneração”, explicou Wisch. “Com a
síndrome de Down, o acúmulo de amiloide e tau ocorre quase ao mesmo tempo.”
Atualmente, existe
apenas um tratamento para a doença de Alzheimer aprovado pela FDA (Food and
Drug Administration), agência reguladora dos Estados Unidos, e que
comprovadamente altera o curso da doença: o lecanemab, que tem como alvo a
amiloide.
Como o acúmulo de
amiloide é o primeiro passo na doença, o lecanemabe é recomendado para pessoas
nos estágios iniciais da doença de Alzheimer, com sintomas leves. Também estão
em desenvolvimento terapias direcionadas à tau, destinadas a pessoas em fases posteriores
da doença, quando a patologia da tau desempenha um papel mais proeminente.
“Como há uma
compressão das fases amiloide e tau da doença em pessoas com Alzheimer
associado à síndrome de Down, precisaremos atingir tanto a amiloide quanto a
tau”, disse Ances. “Podemos precisar encontrar abordagens diferentes para essa
população.”
Fonte: CNN Brasil
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