terça-feira, 17 de setembro de 2024

Pela 1ª vez, Brasil vai conceder floresta para restauração

O Brasil vai testar um modelo inédito para financiar a restauração de florestas públicas desmatadas por madeireiros e grileiros: conceder as áreas para empresas responsáveis por regenerar a mata, que serão remuneradas pela venda futura dos créditos de carbono das árvores que crescerem.

A primeira concessão do tipo envolve a Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, que fica no norte de Rondônia e margeia a Terra Indígena Karitiana. O governo realizou nesta semana as audiências públicas em Porto Velho e pretende anunciar as empresas vencedoras no início de 2025 – a tempo da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorrerá em Belém.

A Flona do Bom Futuro tem 98 mil hectares, dos quais 14 mil sofreram desmatamento e deverão ser restaurados – os outros 84 mil deverão ser conservados. A concessão será divida em três blocos e terá como prazo 40 anos.

Os créditos de carbono são comprados por empresas que desejam compensar gases do efeito estufa emitidos por sua atividade, e com isso atenderem consumidores ambientalmente exigentes e investidores atentos ao tema – entre os maiores compradores, estão companhias como Microsoft, Nike e Volkswagen.

O mercado desses créditos ainda está em desenvolvimento, e as metodologias e organizações que fazem as medições sofrem escrutínio após investigações jornalísticas questionarem sua validade. Mesmo assim, segue considerado uma das frentes para enfrentar a crise climática – associada a eventos extremos como a seca recorde que atinge o Brasil.

Para o governo e empresas interessadas ouvidas pela DW, a concessão da Flona do Bom Futuro tem como atrativos o fato dela estar da Amazônia, o que gera créditos de carbono de preço mais elevado, e a escala do projeto, maior do que iniciativas semelhantes em áreas privadas. Mas ainda há dúvidas sobre como garantir que as áreas reflorestadas não sejam novamente desmatadas ilegalmente e a viabilidade econômica do modelo.

<><> Como vai funcionar

As empresas interessadas serão selecionadas de acordo com dois critérios: o percentual da receita que será repassado ao governo e a execução de atividades para preservação da floresta e desenvolvimento das comunidades ao redor.

Renato Rosenberg, diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro, ligado ao Ministério do Meio Ambiente e do Clima, afirma à DW que a prioridade do governo na licitação não será arrecadar dinheiro, mas promover a melhoria da floresta e do seu entorno.  "Mantivemos uma outorga baixa, queremos que o recurso seja utilizado na restauração e nos encargos acessórios [ações ambientais e sociais]", diz.

Ao longo dos 40 anos de concessão, o governo estima que o custo com a restauração florestal seja da ordem de R$ 600 milhões, e projeta que as empresas terão uma receita de cerca de R$ 1,2 bilhão, proveniente tanto da venda dos créditos de carbono como do uso sustentável de produtos da floresta.

Um estudo técnico encomendado pelo governo projeta que a restauração da Flona do Bom Futuro geraria seis milhões de toneladas de carbono, que serão convertidas em créditos de carbono à medida em que a vegetação se desenvolva. As empresas também poderão colocar no mercado créditos pela emissão evitada de carbono de áreas preservadas, que têm valor mais baixo.

Há pelo menos cinco empresas interessadas, das quais três já demonstraram publicamente: Biomas, Mercuria e re.green.

<><> Vizinhança indígena

A floresta que será concedida faz fronteira com o território do povo karitiana, que sente os efeitos do desmatamento e degradação na mata vizinha. Representantes dos indígenas têm participado dos debates e manifestaram apoio à iniciativa.

"A comunidade tem esperança que isso ajude a monitorar e proteger nossa terra, que também sofre invasões, e reduza o desmatamento. Estamos apoiando porque vai ser bom para nós", afirma à DW a líder indígena Edilene Morais Pybmarãka Karitiana.

O projeto de concessão atribui pontos extras às empresas que se comprometam a contratar profissionais indígenas e comprar deles sementes e mudas para a restauração da mata. Além disso, parte da outorga paga ao governo será destinada a uma conta específica para o desenvolvimento das comunidades ao redor – desse montante, 30% será destinado aos karitiana.

"Como somos vizinhos, vai beneficiar nosso povo também. Poderemos atuar nas mudas, sementes, fiscalização da terra", diz Edilene Karitiana.

A Biomas, uma das empresas que acompanha o projeto de concessão, considera que o envolvimento dos indígenas na recuperação e preservação da floresta dará mais qualidade aos créditos de carbono, elevando seu preço de venda.

"As empresas compram o crédito [de carbono] por uma questão reputacional, têm compromissos de emissão net [líquida] zero. E o produto não é uma commodity: temos créditos de baixa qualidade e preço e créditos de alta integridade e preços muito elevados", afirma à DW Fabio Sakamoto, CEO da Biomas. "O que torna ele de alta integridade, além do rigor técnico, são os benefícios de biodiversidade e sociais." Além disso, diz, envolver a comunidade ao redor aumenta as chances de sucesso da restauração florestal no longo prazo.

<><> Quais são os atrativos

O valor mais alto dos créditos de carbono na Amazônia funciona como um incentivo a projetos de restauração florestal, mas o caos fundiário na região e as disputas envolvendo a titulação de terras afasta investidores de projetos em áreas privadas. No caso da Flona do Bom Futuro esse problema é minimizado, por se tratar de uma floresta pública reconhecida e demarcada.

Outra empresa que acompanha o projeto é a Mercuria, multinacional que opera no comércio de commodities globais, inclusive petróleo e gás natural. Em 2023, a companhia anunciou que destinaria 500 milhões de dólares a projetos de soluções climáticas para cumprir as metas do Acordo de Paris – e parte desse recurso pode vir para restauração florestal no Brasil.

Celso Fiori, diretor da Mercuria no Brasil, afirma à DW que o modelo de concessão "traz segurança jurídica para o investidor". O país realiza concessões florestais para manejo ou uso sustentável de áreas públicas desde a aprovação de uma lei de 2006, e tem nove florestas nacionais e 1,3 milhão de hectares concedidos. "Já é um modelo bem estabelecido e tem casos de sucesso", afirma.

Ele diz que a Mercuria poderia atuar tanto assumindo diretamente a concessão de um dos blocos da floresta como apoiando financeiramente as empresas vitoriosas.

A extensão da área, de quase 100 mil hectares, é outro ponto forte da concessão da Flona do Bom Futuro. A chance de que um projeto da mesma extensão ocorra na Mata Atlântica, em áreas privadas, é muito baixa.

"O crédito de carbono de restauração é um produto muito especial, que o mundo está buscando, e o Brasil é o país com as melhores condições de oferecer esse produto. Essa grandes áreas são uma oportunidade para o país e um movimento importante para as empresas desse setor, que está emergindo, ganharem escala e tornarem a indústria do restauro uma realidade", afirma Sakamoto.

Quais são os pontos em aberto

A grande questão sobre o modelo é como garantir a proteção da floresta durante o período de concessão. A área provavelmente seguirá sob pressão de invasores e madeireiras, cuja ação pode reduzir o montante de créditos de carbono disponível para venda.

Rosenberg diz que o governo avalia que "as empresas assumem o risco de ações ilegais, inclusive quando fazem restauração em áreas privadas, mas também sabemos que só o poder público tem poder de polícia e que precisamos nos envolver na segurança das áreas – do contrário, os projetos podem ser inviáveis".

Outro ponto é a sustentabilidade econômica dos projetos. A maior parte do investimento na restauração florestal deve ser feita no início da concessão, enquanto o potencial de receita com os créditos de carbono começa a surgir depois de cerca de uma década, quando as árvores já se firmaram.

Fiori, da Mercuria, diz que não há nenhuma experiência nessa escala no Brasil e que os operadores e investidores terão pela frente uma longa curva de aprendizado. "É difícil estimar com segurança o preço e a demanda por créditos de carbono nos próximos anos", diz.

O governo espera publicar o edital no último trimestre deste ano e abrir os envelopes das propostas no primeiro trimestre do ano que vem. Se a concessão der certo, já tem outras oito florestas nacionais na lista para serem restauradas sob o mesmo modelo, que somam 418 mil hectares nos estados do Amazonas e do Pará.

No sentido oposto, a pressão dos desmatadores segue alta. Enquanto o governo debatia a iniciativa para restaurar 14 mil hectares da Flona do Bom Futuro, um incêndio no Parque Estadual Guajará-Mirim, a cerca de 120 quilômetros dali, consumiu 70 mil hectares – provocado, segundo o Ministério Público, em retaliação à retirada de invasores do parque.

 

•        Queimadas: gás sem cheiro e letal se espalha em 'nível altíssimo', aponta estudo

Incolor e inodoro o monóxido de carbono (CO), que pode levar à morte em ambientes fechados, está em níveis "altíssimos" em várias regiões do Brasil devido às queimadas, de acordo com levantamento divulgado nesta sábado (14) pelo consultora MetSul Meteorologia.

O sul da região amazônica, o Centro-Oeste, em Rondônia, o Sul do país e São Paulo são as regiões mais afetadas pelo gás, que é um dos seis principais poluentes atmosféricos.

Ainda de acordo com a MetSul, o CO é um dos principais agentes da fumaça que podem causar efeitos na saúde, pois diminui o suprimento de oxigênio do corpo, podendo causar dores de cabeça, reduzir o estado de alerta e agravar problemas cardíacos, além de causar irritação respiratória e falta de ar, e piorar doenças preexistentes, como asma.

Mais cedo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou que cerca de 71,9% de todas as queimadas registradas na América do Sul estavam localizadas no Brasil nos últimos dias.

O levantamento do sistema BDQueimadas registrou mais de 7,3 mil focos de incêndio em 48 horas até ontem (13). A Bolívia é o segundo país com mais queimadas: 1.137 focos (11,2%), seguida do Peru (842 - 8,3%), da Argentina (433 - 4,3%) e do Paraguai com (271 - 2,7%).

<><> Parques no RJ são fechados devido aos incêndios

O secretário de Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro, Bernardo Rossi, anunciou neste sábado (14) que a visitação aos parques estaduais foi suspensa para para garantir a segurança dos visitantes dos parques e também para evitar novas ocorrências.

Ele informou ainda que o governo vai concentrar esforços da Policia Ambiental, Corpo de Bombeiros e Delegacia de Crimes Ambientais no combate aos focos de incêndio e identificação de ações criminosas.

"É importante falar que estamos com uma parceria muito grande com a delegacia de proteção ao meio ambiente, contra os crimes ambientais. Importante dizer que pessoas façam suas denúncias, porque, infelizmente, tem muita gente que aproveita os momentos de seca para cometer crimes ambientais", alertou nas redes sociais.

Segundo o Corpo de Bombeiros, apenas na sexta-feira (13) foram extintos mais de 330 focos de incêndios florestais em todo o estado.

Na última quinta-feira (14), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou o Exército para atuar nos trabalhos de controle de chamas. Na semana passada, a Polícia Federal iniciou 30 investigações para apurar as queimadas. A maior concentração dessas investigações está na Amazônia e no Pantanal.

Em 2024, 58% do território nacional são afetados pela seca. Em cerca de um terço do país, o cenário é de seca severa.

<><> Brasil concentra mais de 70% das queimadas na América do Sul nas últimas 48 horas, aponta Inpe

Cerca de 71,9% de todas as queimadas registradas na América do Sul estavam localizadas no Brasil nos últimos dias, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados neste sábado (14).

O levantamento do sistema BDQueimadas registrou 7.322 focos de incêndio em 48 horas até a sexta-feira (13). A Bolívia é o segundo país com mais queimadas: 1.137 focos (11,2%), seguida do Peru (842 - 8,3%), da Argentina (433 - 4,3%) e do Paraguai com (271 - 2,7%).

Durante o ano de 2024, o Brasil registrou 180.137 focos em 2024, 50,6% dos incêndios da América do Sul. O número é 108% maior em relação ao mesmo período de 2023, quando foram anotados 86.256 focos entre janeiro e 13 de setembro.

<><> Estados brasileiros

Entre os estados brasileiros, Mato Grosso lidera o ranking, com 1.379 registros nas últimas 48 horas, seguido do Amazonas, com 1.205, Pará, com 1.001, e Acre, com 513 focos. O município com o maior número de queimadas no período é Cáceres (MT), que teve 237 focos nas últimas 48 horas. Novo Aripuanã (AM) e São Félix do Xingu (PA) vêm logo atrás com 204 e 187 focos de incêndio, respectivamente.

A Amazônia foi a região mais afetada, concentrando 49% das áreas atingidas pelo fogo no período levantado. Logo depois, veio o Cerrado (30,5%), a Mata Atlântica (13,2%), o Pantanal (5,4%) e a Caatinga (1,9%).

Indício de ação coordenada de incêndios

Em entrevista para o canal Globo News ontem (13), o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Policia Federal, Humberto Freire de Barros, afirmou que há indícios de que alguns incêndios florestais no país foram fruto de ações coordenadas, pois alguns incêndios começaram quase que ao mesmo tempo em diferentes partes, segundo ele.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino já havia levantado a hipótese de incêndio coordenado na terça-feira (10) e determinou medidas efetivas do governo federal para combater "a pandemia de incêndios florestais no Brasil".

Na quinta-feira (14), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou o Exército para atuar nos trabalhos de controle de chamas. Na semana passada, a Polícia Federal iniciou 30 investigações para apurar as queimadas. A maior concentração dessas investigações está na Amazônia e no Pantanal.

Em 2024, 58% do território nacional são afetados pela seca. Em cerca de um terço do país, o cenário é de seca severa.

 

Fonte: DW Brasil/Sputnik Brasil

 

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