Pela 1ª vez, Brasil vai conceder floresta
para restauração
O Brasil vai testar um
modelo inédito para financiar a restauração de florestas públicas desmatadas
por madeireiros e grileiros: conceder as áreas para empresas responsáveis por
regenerar a mata, que serão remuneradas pela venda futura dos créditos de
carbono das árvores que crescerem.
A primeira concessão
do tipo envolve a Floresta Nacional (Flona) do Bom Futuro, que fica no norte de
Rondônia e margeia a Terra Indígena Karitiana. O governo realizou nesta semana
as audiências públicas em Porto Velho e pretende anunciar as empresas
vencedoras no início de 2025 – a tempo da COP30, a Conferência das Nações
Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorrerá em Belém.
A Flona do Bom Futuro
tem 98 mil hectares, dos quais 14 mil sofreram desmatamento e deverão ser
restaurados – os outros 84 mil deverão ser conservados. A concessão será divida
em três blocos e terá como prazo 40 anos.
Os créditos de carbono
são comprados por empresas que desejam compensar gases do efeito estufa
emitidos por sua atividade, e com isso atenderem consumidores ambientalmente
exigentes e investidores atentos ao tema – entre os maiores compradores, estão
companhias como Microsoft, Nike e Volkswagen.
O mercado desses
créditos ainda está em desenvolvimento, e as metodologias e organizações que
fazem as medições sofrem escrutínio após investigações jornalísticas
questionarem sua validade. Mesmo assim, segue considerado uma das frentes para
enfrentar a crise climática – associada a eventos extremos como a seca recorde
que atinge o Brasil.
Para o governo e
empresas interessadas ouvidas pela DW, a concessão da Flona do Bom Futuro tem
como atrativos o fato dela estar da Amazônia, o que gera créditos de carbono de
preço mais elevado, e a escala do projeto, maior do que iniciativas semelhantes
em áreas privadas. Mas ainda há dúvidas sobre como garantir que as áreas
reflorestadas não sejam novamente desmatadas ilegalmente e a viabilidade
econômica do modelo.
<><> Como
vai funcionar
As empresas
interessadas serão selecionadas de acordo com dois critérios: o percentual da
receita que será repassado ao governo e a execução de atividades para
preservação da floresta e desenvolvimento das comunidades ao redor.
Renato Rosenberg,
diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro, ligado ao Ministério do
Meio Ambiente e do Clima, afirma à DW que a prioridade do governo na licitação
não será arrecadar dinheiro, mas promover a melhoria da floresta e do seu entorno. "Mantivemos uma outorga baixa, queremos
que o recurso seja utilizado na restauração e nos encargos acessórios [ações
ambientais e sociais]", diz.
Ao longo dos 40 anos
de concessão, o governo estima que o custo com a restauração florestal seja da
ordem de R$ 600 milhões, e projeta que as empresas terão uma receita de cerca
de R$ 1,2 bilhão, proveniente tanto da venda dos créditos de carbono como do
uso sustentável de produtos da floresta.
Um estudo técnico
encomendado pelo governo projeta que a restauração da Flona do Bom Futuro
geraria seis milhões de toneladas de carbono, que serão convertidas em créditos
de carbono à medida em que a vegetação se desenvolva. As empresas também
poderão colocar no mercado créditos pela emissão evitada de carbono de áreas
preservadas, que têm valor mais baixo.
Há pelo menos cinco
empresas interessadas, das quais três já demonstraram publicamente: Biomas,
Mercuria e re.green.
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Vizinhança indígena
A floresta que será
concedida faz fronteira com o território do povo karitiana, que sente os
efeitos do desmatamento e degradação na mata vizinha. Representantes dos
indígenas têm participado dos debates e manifestaram apoio à iniciativa.
"A comunidade tem
esperança que isso ajude a monitorar e proteger nossa terra, que também sofre
invasões, e reduza o desmatamento. Estamos apoiando porque vai ser bom para
nós", afirma à DW a líder indígena Edilene Morais Pybmarãka Karitiana.
O projeto de concessão
atribui pontos extras às empresas que se comprometam a contratar profissionais
indígenas e comprar deles sementes e mudas para a restauração da mata. Além
disso, parte da outorga paga ao governo será destinada a uma conta específica
para o desenvolvimento das comunidades ao redor – desse montante, 30% será
destinado aos karitiana.
"Como somos
vizinhos, vai beneficiar nosso povo também. Poderemos atuar nas mudas,
sementes, fiscalização da terra", diz Edilene Karitiana.
A Biomas, uma das
empresas que acompanha o projeto de concessão, considera que o envolvimento dos
indígenas na recuperação e preservação da floresta dará mais qualidade aos
créditos de carbono, elevando seu preço de venda.
"As empresas
compram o crédito [de carbono] por uma questão reputacional, têm compromissos
de emissão net [líquida] zero. E o produto não é uma commodity: temos créditos
de baixa qualidade e preço e créditos de alta integridade e preços muito elevados",
afirma à DW Fabio Sakamoto, CEO da Biomas. "O que torna ele de alta
integridade, além do rigor técnico, são os benefícios de biodiversidade e
sociais." Além disso, diz, envolver a comunidade ao redor aumenta as
chances de sucesso da restauração florestal no longo prazo.
<><> Quais
são os atrativos
O valor mais alto dos
créditos de carbono na Amazônia funciona como um incentivo a projetos de
restauração florestal, mas o caos fundiário na região e as disputas envolvendo
a titulação de terras afasta investidores de projetos em áreas privadas. No
caso da Flona do Bom Futuro esse problema é minimizado, por se tratar de uma
floresta pública reconhecida e demarcada.
Outra empresa que
acompanha o projeto é a Mercuria, multinacional que opera no comércio de
commodities globais, inclusive petróleo e gás natural. Em 2023, a companhia
anunciou que destinaria 500 milhões de dólares a projetos de soluções
climáticas para cumprir as metas do Acordo de Paris – e parte desse recurso
pode vir para restauração florestal no Brasil.
Celso Fiori, diretor
da Mercuria no Brasil, afirma à DW que o modelo de concessão "traz
segurança jurídica para o investidor". O país realiza concessões
florestais para manejo ou uso sustentável de áreas públicas desde a aprovação
de uma lei de 2006, e tem nove florestas nacionais e 1,3 milhão de hectares
concedidos. "Já é um modelo bem estabelecido e tem casos de sucesso",
afirma.
Ele diz que a Mercuria
poderia atuar tanto assumindo diretamente a concessão de um dos blocos da
floresta como apoiando financeiramente as empresas vitoriosas.
A extensão da área, de
quase 100 mil hectares, é outro ponto forte da concessão da Flona do Bom
Futuro. A chance de que um projeto da mesma extensão ocorra na Mata Atlântica,
em áreas privadas, é muito baixa.
"O crédito de
carbono de restauração é um produto muito especial, que o mundo está buscando,
e o Brasil é o país com as melhores condições de oferecer esse produto. Essa
grandes áreas são uma oportunidade para o país e um movimento importante para as
empresas desse setor, que está emergindo, ganharem escala e tornarem a
indústria do restauro uma realidade", afirma Sakamoto.
Quais são os pontos em
aberto
A grande questão sobre
o modelo é como garantir a proteção da floresta durante o período de concessão.
A área provavelmente seguirá sob pressão de invasores e madeireiras, cuja ação
pode reduzir o montante de créditos de carbono disponível para venda.
Rosenberg diz que o
governo avalia que "as empresas assumem o risco de ações ilegais,
inclusive quando fazem restauração em áreas privadas, mas também sabemos que só
o poder público tem poder de polícia e que precisamos nos envolver na segurança
das áreas – do contrário, os projetos podem ser inviáveis".
Outro ponto é a
sustentabilidade econômica dos projetos. A maior parte do investimento na
restauração florestal deve ser feita no início da concessão, enquanto o
potencial de receita com os créditos de carbono começa a surgir depois de cerca
de uma década, quando as árvores já se firmaram.
Fiori, da Mercuria,
diz que não há nenhuma experiência nessa escala no Brasil e que os operadores e
investidores terão pela frente uma longa curva de aprendizado. "É difícil
estimar com segurança o preço e a demanda por créditos de carbono nos próximos
anos", diz.
O governo espera
publicar o edital no último trimestre deste ano e abrir os envelopes das
propostas no primeiro trimestre do ano que vem. Se a concessão der certo, já
tem outras oito florestas nacionais na lista para serem restauradas sob o mesmo
modelo, que somam 418 mil hectares nos estados do Amazonas e do Pará.
No sentido oposto, a
pressão dos desmatadores segue alta. Enquanto o governo debatia a iniciativa
para restaurar 14 mil hectares da Flona do Bom Futuro, um incêndio no Parque
Estadual Guajará-Mirim, a cerca de 120 quilômetros dali, consumiu 70 mil hectares
– provocado, segundo o Ministério Público, em retaliação à retirada de
invasores do parque.
• Queimadas: gás sem cheiro e letal se
espalha em 'nível altíssimo', aponta estudo
Incolor e inodoro o
monóxido de carbono (CO), que pode levar à morte em ambientes fechados, está em
níveis "altíssimos" em várias regiões do Brasil devido às queimadas,
de acordo com levantamento divulgado nesta sábado (14) pelo consultora MetSul
Meteorologia.
O sul da região
amazônica, o Centro-Oeste, em Rondônia, o Sul do país e São Paulo são as
regiões mais afetadas pelo gás, que é um dos seis principais poluentes
atmosféricos.
Ainda de acordo com a
MetSul, o CO é um dos principais agentes da fumaça que podem causar efeitos na
saúde, pois diminui o suprimento de oxigênio do corpo, podendo causar dores de
cabeça, reduzir o estado de alerta e agravar problemas cardíacos, além de causar
irritação respiratória e falta de ar, e piorar doenças preexistentes, como
asma.
Mais cedo, o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou que cerca de 71,9% de todas as
queimadas registradas na América do Sul estavam localizadas no Brasil nos
últimos dias.
O levantamento do
sistema BDQueimadas registrou mais de 7,3 mil focos de incêndio em 48 horas até
ontem (13). A Bolívia é o segundo país com mais queimadas: 1.137 focos (11,2%),
seguida do Peru (842 - 8,3%), da Argentina (433 - 4,3%) e do Paraguai com (271
- 2,7%).
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Parques no RJ são fechados devido aos incêndios
O secretário de
Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro, Bernardo Rossi, anunciou neste
sábado (14) que a visitação aos parques estaduais foi suspensa para para
garantir a segurança dos visitantes dos parques e também para evitar novas
ocorrências.
Ele informou ainda que
o governo vai concentrar esforços da Policia Ambiental, Corpo de Bombeiros e
Delegacia de Crimes Ambientais no combate aos focos de incêndio e identificação
de ações criminosas.
"É importante
falar que estamos com uma parceria muito grande com a delegacia de proteção ao
meio ambiente, contra os crimes ambientais. Importante dizer que pessoas façam
suas denúncias, porque, infelizmente, tem muita gente que aproveita os momentos
de seca para cometer crimes ambientais", alertou nas redes sociais.
Segundo o Corpo de
Bombeiros, apenas na sexta-feira (13) foram extintos mais de 330 focos de
incêndios florestais em todo o estado.
Na última quinta-feira
(14), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou o Exército para
atuar nos trabalhos de controle de chamas. Na semana passada, a Polícia Federal
iniciou 30 investigações para apurar as queimadas. A maior concentração dessas
investigações está na Amazônia e no Pantanal.
Em 2024, 58% do
território nacional são afetados pela seca. Em cerca de um terço do país, o
cenário é de seca severa.
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Brasil concentra mais de 70% das queimadas na América do Sul nas últimas 48
horas, aponta Inpe
Cerca de 71,9% de
todas as queimadas registradas na América do Sul estavam localizadas no Brasil
nos últimos dias, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) divulgados neste sábado (14).
O levantamento do
sistema BDQueimadas registrou 7.322 focos de incêndio em 48 horas até a
sexta-feira (13). A Bolívia é o segundo país com mais queimadas: 1.137 focos
(11,2%), seguida do Peru (842 - 8,3%), da Argentina (433 - 4,3%) e do Paraguai
com (271 - 2,7%).
Durante o ano de 2024,
o Brasil registrou 180.137 focos em 2024, 50,6% dos incêndios da América do
Sul. O número é 108% maior em relação ao mesmo período de 2023, quando foram
anotados 86.256 focos entre janeiro e 13 de setembro.
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Estados brasileiros
Entre os estados
brasileiros, Mato Grosso lidera o ranking, com 1.379 registros nas últimas 48
horas, seguido do Amazonas, com 1.205, Pará, com 1.001, e Acre, com 513 focos.
O município com o maior número de queimadas no período é Cáceres (MT), que teve
237 focos nas últimas 48 horas. Novo Aripuanã (AM) e São Félix do Xingu (PA)
vêm logo atrás com 204 e 187 focos de incêndio, respectivamente.
A Amazônia foi a
região mais afetada, concentrando 49% das áreas atingidas pelo fogo no período
levantado. Logo depois, veio o Cerrado (30,5%), a Mata Atlântica (13,2%), o
Pantanal (5,4%) e a Caatinga (1,9%).
Indício de ação
coordenada de incêndios
Em entrevista para o
canal Globo News ontem (13), o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Policia
Federal, Humberto Freire de Barros, afirmou que há indícios de que alguns
incêndios florestais no país foram fruto de ações coordenadas, pois alguns
incêndios começaram quase que ao mesmo tempo em diferentes partes, segundo ele.
O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Flávio Dino já havia levantado a hipótese de incêndio
coordenado na terça-feira (10) e determinou medidas efetivas do governo federal
para combater "a pandemia de incêndios florestais no Brasil".
Na quinta-feira (14),
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou o Exército para atuar nos
trabalhos de controle de chamas. Na semana passada, a Polícia Federal iniciou
30 investigações para apurar as queimadas. A maior concentração dessas
investigações está na Amazônia e no Pantanal.
Em 2024, 58% do
território nacional são afetados pela seca. Em cerca de um terço do país, o
cenário é de seca severa.
Fonte: DW
Brasil/Sputnik Brasil
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