sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Ofensiva de Israel no Líbano está provocando 'carnificina', alerta ministro

O ministro da Saúde do Líbano disse que o que está acontecendo em seu país é uma "carnificina", com hospitais tendo dificuldades para lidar com o número de mortes provocado pelos dois dias de ataques aéreos de Israel contra o grupo Hezbollah.

Firass Abiad disse à BBC que está "claro" que muitas das 550 pessoas mortas no ataque de segunda-feira eram civis, incluindo crianças e mulheres.

Israel disse que atingiu centenas de locais ligados ao Hezbollah, acusando o grupo de esconder armas em zonas residenciais.

Nesta quarta-feira (25/9), o exército israelense diz que está realizando uma nova onda de ataques no sul do Líbano e na área de Beqaa. Dez pessoas foram mortas nos ataques, diz o Ministério da Saúde do Líbano.

Os ataques ao Líbano acontecem depois que Israel disse ter interceptado um míssil balístico disparado pelo Hezbollah em direção a Tel Aviv. Esta foi a primeira vez que um foguete do Hezbollah atingiu a maior cidade de Israel, dizem autoridades israelenses.

O Hezbollah diz que o ataque foi direcionado à sede da agência de inteligência israelense Mossad.

Na terça-feira (24/9), o exército de Israel matou o comandante das forças de mísseis do Hezbollah. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, disse que o grupo está levando o Líbano para a "beira do precipício".

Hezbollah respondeu com mais de 300 foguetes disparados em direção ao norte de Israel, ferindo seis pessoas, segundo o Exército.

Apesar de nenhum dos lados demonstrar sinais de recuo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse à Assembleia Geral da ONU que um conflito amplo "não é do interesse de ninguém" e insistiu que "uma solução diplomática ainda é possível".

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que o mundo "não pode aceitar que o Líbano se torne outra Gaza".

A violência entre Israel e Hezbollah, provocada pela guerra em Gaza, já dura quase um ano e matou centenas de pessoas — a maioria combatentes do Hezbollah — e deixou dezenas de milhares sem casa em ambos os lados da fronteira.

O Hezbollah disse que está agindo em apoio ao Hamas e que não vai parar até que haja um cessar-fogo em Gaza. Ambos os grupos são apoiados pelo Irã e classificados como organizações terroristas por Israel, Reino Unido e outros países.

Os ataques de Israel na segunda-feira (25/9) ao sul do Líbano e no Vale do Bekaa foram o dia com maior número de mortes no país desde pelo menos 2006 — a última vez que o Hezbollah e Israel travaram uma guerra.

O ministro Firass Abiad disse à uma coletiva de imprensa na terça-feira que 50 crianças, 94 mulheres e alguns trabalhadores do setor de saúde estavam entre os 558 mortos. Mais de 50 hospitais estão tratando 1.835 pessoas, segundo Abiad.

Em entrevista para a BBC, o ministro da Saúde disse que o que aconteceu foi uma "carnificina".

"Se você olhar para as pessoas trazidas às salas de emergência, está claro que elas eram civis. Elas não são os combatentes que os israelenses dizem que são", disse.

"Nós sabemos das vítimas dos ataques porque foram nossas ambulâncias que as transferiram para os hospitais. [Elas eram] civis que estavam fazendo coisas normais."

Ao comparar a violência de agora com a guerra de 2006, Abiad disse: "Definitivamente estamos olhando para uma guerra mais cruel, especialmente na forma como civis estão sendo atacados".

O escritório dos Direitos Humanos da ONU também expressou preocupação com o número de vítimas nos ataques de segunda-feira, dizendo que eles podem ter violado leis internacionais.

Quando perguntado por jornalistas sobre mensagens de áudio e texto enviados por militares israelenses ao povo do Líbano pedindo a evacuação de áreas próximas a prédios usados pelo Hezbollah para armazenar armas, a porta-voz Ravina Shamdasani disse: "Dizer a civis para que saiam não faz com que seja ok atacar essas áreas, quando se sabe perfeitamente que o impacto nos civis será enorme".

Estradas no sul do Líbano ficaram congestionadas pelo segundo dia, com milhares de pessoas seguindo para o norte, para fugir dos ataques israelenses. Viagens que costumam durar uma hora estavam demorando mais de 12.

Em um abrigo em Beirute, a libanesa Maryam, de 65 anos, disse para a BBC que tinha passado a noite toda viajando com 12 parentes em um carro pequeno.

"Nós nos juntamos e partimos. Não queríamos deixar nossas casas, porque deixar sua casa é algo difícil. Chegamos às quatro da manhã. Com nossas crianças. Foi por causa de nossas crianças que fomos embora."

Durante uma visita a uma base de inteligência, o premiê Benjamin Netanyahu disse que Israel vai "continuar atacando o Hezbollah" até que conquiste seu objetivo de guerra que é fazer com que israelenses voltem para suas casas na fronteira norte do país.

Ele também falou ao povo do Líbano, insistindo que "nossa guerra não é com vocês", e alertando que o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, está "levando vocês à beira do precipício".

"Eu disse a vocês ontem para evacuarem as casas onde há um míssil na sala de estar e um foguete na garagem. Quem tiver um míssil na sala de estar e um foguete na garagem não terá mais uma casa", disse.

O porta-voz do Exército de Israel, Daniel Hagari, disse em uma entrevista coletiva que o Hezbollah transformou o sul do Líbano e o Vale do Bekaa em uma "zona de combate" e que os ataques seguiram na terça-feira.

Ele também divulgou vídeos que, segundo ele, mostraram explosões secundárias durante ataques a prédios residenciais, o que indicaria que mísseis e foguetes estavam sendo guardados ali.

Hagari também disse que o comandante da unidade de mísseis e foguetes do Hezbollah, Ibrahim Qubaisi, foi morto no ataque aéreo nos subúrbios de Beirute na tarde de terça-feira, junto com pelo menos dois comandantes que estavam com ele.

Qubasi era uma "pessoa chave na ativação dos mísseis" e foi "responsável por uma série de ataques ao território israelense", disse ele.

O Hezbollah confirmou em uma postagem no Telegram que Qubaisi virou um "mártir" no ataque.

O ministro da Saúde do Líbano disse que seis pessoas morreram e outras 15 ficaram feridas em um "ataque inimigo de Israel" que parcialmente destruiu dois andares de um prédio no bairro de Ghobeiry.

O Hezbollah disse que seus combatentes dispararam foguetes contra mais de uma dúzia de cidades israelenses e bases militares, além de uma fábrica de explosivos. O grupo também disse que usou um novo tipo de foguete para atacar as Forças de Defesa de Israel.

Sirenes soaram ao longo do dia no norte de Israel. Foguetes interceptores do sistema israelense de defesa Domo de Ferro foram vistos no céu.

Ceca de 300 foguetes atingiram o solo, provocando danos e ferimentos em seis civis e soldados, a maioria deles leve, segundo Hagari.

·        Israel está estendendo sua guerra genocida ao Líbano

Israel está desencadeando o inferno no Líbano.

Na segunda-feira, os ataques aéreos israelenses que já tinham matado mais de 558 pessoas no sul e leste do Líbano, incluindo mulheres e crianças, agora estão deslocando milhares de pessoas que fugiram para o norte em busca de segurança após os avisos das Forças de Defesa de Israel (IDF) para evacuar. Pelo menos 1.835 civis foram feridos.

Imagens mostram forças israelenses bombardeando casas de civis no sul do Líbano e no Vale do Bekaa, atingindo pelo menos 58 cidades e vilas. De acordo com o Ministério da Saúde do Líbano, o bombardeio israelense teve como alvo casas, centros médicos, ambulâncias e carros de pessoas tentando fugir. Famílias libanesas inteiras foram dizimadas. Imagens horríveis mostram crianças presas sob os escombros.

Este é um flagrante crime de guerra.

O ataque na segunda-feira aconteceu em meio a temores de uma iminente invasão terrestre israelense no Líbano, que ameaça se transformar em uma guerra regional generalizada. Em uma entrevista à CNN no domingo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que uma guerra total arriscaria “a possibilidade de transformar o Líbano em outra Gaza”, o que ele disse que seria “uma tragédia devastadora para o mundo”.

Mas uma guerra regional é precisamente o que Israel quer. Armado com um suprimento infinito de armas dos EUA, Israel está estendendo sua guerra genocida ao Líbano com clara intenção de uma escalada regional que poderia implicar diretamente os EUA. Após o massacre de segunda-feira, o Pentágono despachou tropas adicionais para a região em antecipação a um conflito mais amplo. O ataque também ocorre poucas horas depois que o Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, expressou seu “apoio ao direito de Israel de se defender dos ataques do Hezbollah libanês”.

“Sob o pretexto de combater o terrorismo, Israel continua a agir com impunidade na região, encorajado pelo apoio incondicional dos EUA e pelo fluxo incessante de carregamentos de armas.”

Seguindo seu roteiro de Gaza, o exército israelense caracterizou o massacre como um ataque “extensivo” ao Hezbollah, enquanto repetia a lógica genocida de que não há civis no Líbano. O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu sinalizou no domingo que o ataque da IDF no Líbano está apenas começando, gabando-se de que “nos últimos dias, atingimos o Hezbollah com uma série de golpes que eles não haviam imaginado”. Em um vídeo postado nas redes sociais, um porta-voz das IDF descreveu o bombardeio como um ataque preventivo lançado em meio a “indicações de que o Hezbollah estava se preparando para atirar em direção ao território israelense”. Outro oficial israelense descreveu o ataque como “desescalada por meio de escalada”.

O primeiro-ministro interino do Líbano, Najib Mikati, chamou na segunda-feira a onda de ataques aéreos de Israel de um ato de genocídio, declarando: “A contínua agressão israelense ao Líbano é uma GUERRA DE GENOCÍDIO em todos os sentidos da palavra e seu objetivo é DESTRUIR VILAS libanesas!” Enquanto isso, o governo libanês solicitou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU após o último ataque israelense em Beirute, acusando Israel de realizar atos “semelhantes a genocídio” em solo libanês.

Os próprios ministros israelenses têm clamado abertamente por genocídio no Líbano, enquanto outros agora pedem que as IDF “assumam o controle” e estabeleçam uma “zona-tampão” no sul do Líbano.

Em resposta aos ataques israelenses, o Hezbollah disparou uma saraivada de foguetes no norte de Israel, que foram interceptados em sua maioria e não causaram vítimas. O Hezbollah prometeu repetidamente interromper seus ataques a Israel se houver um cessar-fogo em Gaza.

O massacre na segunda aconteceu logo após os serviços de inteligência israelenses terem lançado um ataque terrorista em massa dentro do Líbano, fazendo com que milhares de dispositivos eletrônicos detonassem remotamente, matando pelo menos 40 e ferindo e mutilando milhares de pessoas, enquanto “desencadeava medo, pânico e horror generalizados entre o povo no Líbano”, para citar um alto funcionário da ONU. A investida seguiu com o mortal ataque aéreo israelense no Líbano na sexta-feira, que matou mais de 30 civis, junto com um comandante de alto escalão do Hezbollah.

Israel tem uma longa história de massacres civis no Líbano. O massacre de segunda-feira coincide com o aniversário do massacre de Sabra e Shatila. Em setembro de 1982, as forças da IDF invadiram o campo de refugiados de Sabra e Shatila em Beirute, permitindo que falangistas maronitas entrassem no campo e massacrassem milhares de refugiados palestinos indefesos a sangue frio, principalmente mulheres e crianças. O massacre ocorreu mesmo depois que o campo se rendeu às forças israelenses e os membros da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) deixaram Beirute.

“Por 12 meses, os EUA fabricaram e enviaram para Israel as bombas que massacraram mais de 40 mil palestinos em Gaza e quase mil civis no Líbano.”

Em 18 de abril de 1996, Israel realizou um massacre horrível perto de Qana, uma vila no sul do Líbano então ocupado por Israel, onde os militares israelenses bombardearam um complexo das Nações Unidas, que abrigava mais de 800 civis libaneses, matando pelo menos 106. Um relatório da Anistia Internacional concluiu mais tarde que “as IDF atacaram intencionalmente o complexo da ONU”. O massacre de Qana foi saudado por Israel como “Operação Vinhas da Ira”, em referência ao romance do autor norte-americano John Steinbeck.

Sob o pretexto de combater o terrorismo, Israel continua a agir com impunidade na região, encorajado pelo apoio incondicional dos EUA e pelo fluxo incessante de carregamentos de armas. Por 12 meses, os EUA fabricaram e enviaram para Israel as bombas que massacraram mais de 40 mil palestinos em Gaza e quase mil civis no Líbano. De acordo com a organização sem fins lucrativos Armed Conflict Location and Event Data (ACLED), Israel lançou mais de 8.000 ataques no Líbano desde outubro passado. Desde o início de sua guerra genocida em Gaza, Israel cometeu crimes de guerra quase todos os dias, e cada crime de guerra carrega as marcas inegáveis ​​da cumplicidade dos EUA.

Após o massacre de segunda-feira no Líbano, um grupo de políticos norte-americanos pediu ao governo Biden que suspendesse o fornecimento de armas a Israel. A deputada Rashida Tlaib escreveu nas redes sociais: “É mais fácil parar de enviar armas ao governo de Israel para conduzir suas guerras genocidas do que evacuar todos os americanos no Líbano.”

Sem uma interrupção imediata do fornecimento de armas pelos EUA a Israel, é difícil entender por que Israel deveria parar de massacrar civis em Gaza e no Líbano, enquanto ameaça desencadear uma guerra regional total que seria “uma tragédia devastadora para o mundo”.

 

Fonte: Por Seraj Assi, com tradução de Caue Segine Ameni, para Jacobin Brasil

 

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