Mais de um mês após reeleição de Maduro na
Venezuela, Pacaraima registra aumento na entrada de migrantes no Brasil
Mais de um mês após
Nicolás Maduro ser declarado eleito para o terceiro mandato na Venezuela,
migrantes continuam fugindo para o Brasil em busca de melhores condições de
vida. Em Pacaraima, cidade brasileira na fronteira, 10,8 mil venezuelanos
entraram e ficaram no país no último mês - número 28% maior do que em julho e
acima do registrado nos oito primeiros meses de 2024.
O g1 esteve na
fronteira no dia 28 de agosto, quando completou um mês da eleição. No posto de
triagem da Operação Acolhida, força-tarefa criada pelo governo federal para
atender venezuelanos que entram no Brasil, havia ao menos 400 venezuelanos
esperando em uma fila debaixo de tendas.
É neste cenário que
muitos passam o dia organizados em fila, sentados com crianças, outros deitados
enquanto aguardam pelo atendimento de regularização -- o que pode demorar até
três dias. Em geral, caso tenha vagas, eles recebem apoio em abrigos públicos,
do contrário, ficam nas ruas de Pacaraima. Atualmente, ao menos 370 migrantes
entram no país por dia pela fronteira em Roraima.
Entre 28 de julho a 28
de agosto, a Polícia Federal recebeu 1.907 solicitações de refúgio de
venezuelanos em Pacaraima, número 25% maior que o do mês que antecedeu as
eleições no país vizinho. Além disso, foram 4.393 solicitações de residência no
Brasil (quando o migrante pretende voltar para o país natal), um aumento de 9%.
• 👉 Maduro foi declarado reeleito para um terceiro mandato em 28 de
julho. Entre os dias 28 de junho e 28 de julho de 2024, 8.477 migrantes
venezuelanos entraram no Brasil por Pacaraima. Já entre o dias 29 de julho
(após a eleição) e o dia 28 de agosto, foram 10.852 pessoas. Os números são da
OIM, Agência da ONU para as Migrações, com base em dados da Polícia Federal.
Os até três dias para
regularização migratória no Brasil são um tempo suficiente para emissão dos
registros, conforme o coronel Fabrício da Silva Gonçalez, comandante da
Operação Acolhida em Pacaraima.
"Na operação ele
[migrante] vai ser direcionado ao posto de interiorização e triagem. Lá, ele
vai passar por uma palestra, que chamamos de 'charla', que é ministrada pelas
agências da ONU que atuam conosco. Nessa palestra, ele vai aprender as diferenças
entre o status de refugiado e de residente temporário", explicou.
A incerteza dos
migrantes
Diante da incerteza na
Venezuela, os imigrantes vão chegando a Pacaraima. Um deles é o agricultor
Deiiquin Delcine, de 30 anos, que morava na cidade venezuelana de San Félix, no
estado de Bólivar, que se mudou para o Brasil.
Ao lado da esposa,
Odalis Galdeia, de 46 anos, Delcine percorreu a pé o trajeto até Pacaraima,
onde chegou na última segunda-feira (26), após uma semana de caminhada. O casal
não participou das eleições por problemas com documentação - um outro reflexo da
crise no país.
"O Maduro é algo
que não queremos! Maduro deveria ficar no passado. Por culpa dele o país está
como está. Se tivéssemos um presidente mais consciente, o país não seria assim.
Teria emprego, teria alimento, como em outros países. Trocando o presidente
teríamos até esperança para melhorar as coisas, mas não foi o que
aconteceu", disse Delcine, sobre o porquê decidiu migrar.
Vestido com uma camisa
da bandeira do Brasil, alusiva ao 7 de Setembro, que ele conseguiu em Santa
Elena, cidade venezuelana na fronteira, o migrante classifica a situação no
país como desesperadora.
<><> 'O
povo continua sem esperança'
Como Deiiquin havia
acabado de chegar ao Brasil, ele não sabia onde ele e a esposa iriam pernoitar
no último dia 26. Ainda em Pacaraima, o g1 encontrou novamente com ele, dessa
vez à noite, por volta das 20h.
Sem ter um local
adequado para dormir, ele a esposa se sentaram na calçada de uma loja, onde
passariam a noite. Os dois foram atendidos pela operação Acolhida, conseguiram
o documento de permissão para ficar no Brasil, mas foram informados que ainda
não tinha vaga no abrigo da Operação Acolhida.
Vestido com as mesmas
roupas de quando cruzou a fronteira, Deiiquin conseguiu um lugar para deixar as
malas e pagou R$ 50 para que as bagagens fossem colocadas em local seguro.
O migrante avalia que
se outro presidente tivesse ganhado, poderia até ter "esperança para
ficar" no país natal. Mas, como "nada mudou" após as eleições,
"o clima ainda é de caos".
"Depois das
eleições, nada mudou, a Venezuela segue igual. Continua sem trabalho, o povo
continua sem esperança, sem comida... Vim aqui para arrumar um emprego. Quero
ver se consigo me viver bem aqui, pois lá a situação está difícil", disse.
Um dos migrantes que
aguardava na fila da regularização migratória era Vicencio Gonzales, de 47
anos. Ele trabalhava como taxista na cidade venezuelana de Chaguaramas e estava
há dois dias no Brasil quando quando conversou com o g1. Gonzales falou que a situação
econômica, que se agravava a cada dia, e a permanência de Maduro no poder o
fizeram ir embora de casa.
"Nicolas Maduro
ganhou as eleições? Ele não ganhou! Nós temos sentimentos de tristeza pois uma
eleição é um momento de mudança, de esperança. Acredito que o que aconteceu
foram eleições roubadas", disse o taxista ao g1.
<><> 'Nós
queremos seguir adiante'
A ideia de Gonzales é
conseguir um emprego no Brasil. Enquanto aguarda a documentação, ele fica na
casa de um conhecido em Pacaraima. O taxista migrou com um filho, uma filha e a
esposa. Um cunhado dele já estava no Brasil, e atualmente vive em Santa Catarina.
"O que me fez
sair foi a situação econômica. A situação está precária na Venezuela. Nós
estamos aqui pois não aguentamos mais. Estamos buscando oportunidade, novos
horizontes. Aqui nós queremos seguir adiante. Queremos ter um futuro. Queremos
viver em um país tranquilo, sem problemas sérios... queremos trabalho, muito
trabalho para sustentar as necessidades que não podemos sustentar na
Venezuela".
<><>
'Seria muito bom se as coisas mudassem'
Já o migrante Javier
Marcano, de 39 anos, era eletricista em Puerto Ordaz, onde deixou os filhos com
a mãe. Ele havia chegando ao Brasil duas semanas antes. Quando conversou com o
g1, estava bem na fronteira do Brasil com a Venezuela, onde buscava sinal de
celular para falar com a família.
Ao entrar no Brasil,
ele conta que dormiu na fila apenas no primeiro dia e conseguiu um lugar no
abrigo nas outras noites.
"Eu não entendo
muito de política, mas sei que a situação está feia na Venezuela, não tem
trabalho, não tem comida e a gente precisa disso pra viver. Seria muito bom se
as coisas mudassem, não sei se trocando o presidente isso iria acontecer, mas
todos torcemos por uma mudança no nosso país natal".
<><> 'A
economia está muito ruim e isso me fez sair'
Quem também não votou
nas eleições foi Veronica Tarif, de 42 anos. Ela era cozinheira em Puerto
Ordaz. No dia das eleições, já estava em Pacaraima com os três filhos. Decidiu
ir embora da cidade natal em razão da escassez de alimentos, falta de oportunidades
de trabalho e também a busca por uma educação melhor aos filhos.
"Saímos por conta
da situação econômica na Venezuela. Não tem abastecimento de nada para manter
nossos filhos. A educação está também muito ruim, muitos professores já não dão
mais aulas. Então, vim aqui para trabalhar e para os meninos estudarem. A
economia está muito ruim e isso me fez sair da minha Venezuela".
"Vim antes das
eleições. Para mim, a vitória do Maduro é algo triste. Não votei, pois não
tenho meus documentos atualizados. Para mim, foram eleições fraudadas".
Um dos impactos da
crise venezuelana também é relacionada ao acesso à documentos pela população do
país. Com a escassez de tudo e dificuldades impostas pelo governo chavista,
moradores sequer conseguem regularizar o passaporte ou atualizar a identidade.
"Historicamente,
nesses últimos anos, o acesso à documentação na Venezuela tem sido bastante
complexa. Não à toa, o Brasil tem como prática aceitar a documentação que essas
pessoas têm em mãos, além de aceitar, em alguns casos, até documentação vencida,
como é o caso de passaporte, porque a produção documental e a relação das
pessoas com as autoridades tem sido bastante complexa nos últimos anos",
resume o pesquisador e diretor do Centro de Ciências Humanas da Universidade
Federal de Roraima (UFRR), João Carlos Jarochinski Silva.
<><>
Eleições na Venezuela
Maduro foi declarado
reeleito para um terceiro mandato em 28 de julho. Naquele dia, o Conselho
Nacional Eleitoral (CNE) disse que o presidente havia vencido as eleições com
pouco mais de 50% dos votos.
Entretanto, a oposição
garante que o candidato Edmundo González venceu com ampla vantagem, com base
nas atas eleitorais impressas pelas urnas de votação.
Desde então, a
Venezuela enfrenta uma onda de protestos. A comunidade internacional também
está pressionando as autoridades venezuelanas a divulgar as atas das urnas,
para dar transparência ao processo eleitoral.
Na segunda, (2), o
Ministério Público da Venezuela pediu para que a Justiça emita um mandado de
prisão contra González. Segundo o MP, o pedido foi motivado após ele ignorar
três intimações para prestar depoimento. O órgão é aliado do presidente Nicolás
Maduro e controlado por chavistas.
Fonte: g1
Nenhum comentário:
Postar um comentário