Jonah Valdez: ‘Eleitores dos EUA querem fim
do apoio a Israel, mas Partido Democrata ignora’
Quando Kamala
Harris foi entrevistada no mês passado por Dana Bash, da rede CNN, a
entrevistadora perguntou: “você suspenderia parte das remessas de armas dos EUA
para Israel? É isso que muitas pessoas da esquerda progressista querem que você
faça.”
Harris desviou da
pergunta, falou sobre cessar-fogo, e acabou dizendo que não mudaria o rumo das
políticas do governo Biden sobre o envio de armas para Israel, agora que a
guerra em Gaza entra no 11º mês.
Mas as pesquisas com o
eleitorado estadunidense mostram que ela está ignorando mais do que a “esquerda
progressista”: a maioria dos eleitores apoia o fim do envio de armas para
Israel, e o apoio a um embargo de armas vem crescendo.
“A realidade é que a
opinião pública é muito mais favorável a suspender a venda de armas para Israel
do que o contrário”, disse ao Intercept dos EUA o coordenador do Programa
Palestina/Israel no Centro Árabe de Washington, Yousef Munayyer. Ele apontou para
uma pesquisa da emissora CBS em
junho, que mostrou que 61% de
todos os estadunidenses consideravam que os
EUA não deveriam enviar armas para Israel, incluindo 77% dos democratas e quase
40% dos republicanos.
Os resultados das
pesquisas vêm sendo consistentes há meses.
Desde o início da
guerra em Gaza, a maioria dos estadunidenses já manifestou apoio, em reiteradas
pesquisas de opinião, a algum tipo de restrição ao envio de armas pelos EUA a
Israel. Os estadunidenses são a favor de um cessar-fogo de forma ainda mais
esmagadora.
Dentre a série de
pesquisas mais consistentes sobre a questão do envio de armas para Israel está
a da emissora CBS News, que fez uma parceria com a YouGov, uma organização de
análise de dados, para realizar sua sondagem. Aproximadamente duas semanas após
os ataques de 7 de outubro pelo Hamas, quando os bombardeios de Israel já
haviam matado mais de 2 mil civis em Gaza, uma pesquisa da CBS com mais de
1.800 americanos revelou que 52% dos adultos diziam que
os EUA não deveria enviar armas para Israel. Esse total incluía uma grande
maioria entre democratas e independentes, e 43% dos republicanos.
Em abril deste ano, a
CBS News/YouGov fez a mesma pergunta em uma nova pesquisa, e descobriu
que um número ainda maior de americanos (60%), incluindo 68% dos democratas, dizia considerar que
os EUA não deveriam enviar armas a Israel. A pesquisa foi realizada dias depois
de um ataque israelense que matou sete trabalhadores humanitários em um comboio da organização Cozinha Central Mundial,
claramente identificado.
E em junho, quando
mais de 30 mil palestinos já haviam sido mortos e Israel continuava suas
operações em Rafah, onde muitos civis de Gaza haviam se refugiado, desencadeando a
campanha de redes sociais “Todos os Olhos em Rafah”, uma terceira pesquisa da CBS News aparentemente
cristalizou a oposição dos americanos à ajuda militar a Israel: 61% dos adultos
do país defenderam a interrupção das transferências de armas para Israel,
incluindo 77% dos democratas.
Nos estados indecisos,
fundamentais nas eleições, o apoio ao fim das transferências de armas também é
muito grande, segundo as últimas pesquisas.
Uma pesquisa publicada
esta semana pelo libertário Instituto Cato revelou que a maioria dos prováveis
eleitores em alguns estados indecisos no “cinturão da ferrugem”, uma região que sofre com a desindustrialização, são favoráveis
a impor condições para a ajuda militar a Israel, ou totalmente contrários ao
envio de ajuda. As apurações mostram 61% de apoio no estado de Wisconsin, 56%
em Michigan, e 51% na Pensilvânia.
Outra pesquisa de
agosto, encomendada pelo Projeto de Políticas do Instituto para Compreensão do
Oriente Médio e realizada pela YouGov, mostrou que a maioria dos eleitores da
Pensilvânia (57%) e uma parcela significativa dos eleitores nos estados indecisos
do Arizona (44%) e da Geórgia (34%) declararam que estariam mais propensos a
votar em Harris se os EUA interrompessem o envio de armas a Israel.
Outra pesquisa focada
nos estados indecisos, em maio, encomendada pela organização Ação dos
Americanos pela Justiça na Palestina, e conduzida pela YouGov, também revelou
que 2 entre cada 5 democratas e independentes nos estados de Wisconsin, Arizona, Michigan, Pensilvânia,
e Minnesota declararam que um cessar-fogo imediato e permanente e a imposição
de condições para a ajuda a Israel tornariam mais provável votarem no então
candidato Joe Biden.
“Isso não é uma
questão da ‘esquerda progressista’: a grande maioria dos democratas apoia o fim
da venda de armas para Israel”, diz Munayyer. “É uma posição consolidada, como
eu acho que deveria ser para qualquer pessoa razoável que assista o que está acontecendo
em Gaza, que não deveríamos continuar a financiar isso, não deveríamos
continuar apoiando isso.”
Apesar da popularidade
da ideia de restringir o acesso de Israel às armas estadunidenses, o governo
Biden continuou a injetar milhões de dólares em ajuda militar para Israel,
incluindo milhares de bombas de 2 mil libras, e um pacote de 20 bilhões de dólares
(113 bilhões de reais) em armas foi aprovado no mês passado. O governo ignorou
os apelos dos senadores do Partido Democrata para suspender a ajuda, além
das provas confiáveis das violações de direitos humanos praticadas pelos militares israelenses. Biden
suspendeu brevemente a transferência de munições em maio enquanto Israel
preparava uma ofensiva em Rafah, onde 1 milhão de palestinos haviam se
refugiado, mas reverteu seu posicionamento em seguida por pressão do lobby
pró-Israel dentro do partido. Na Convenção Nacional do Partido Democrata,
dirigentes do partido se recusaram a reservar espaço no palco para
a fala de algum dos 200 delegados do
movimento “Não comprometidos” (Uncommitted), ou dos delegados favoráveis a
Kamala que apoiam o cessar-fogo e um embargo de armas. A entrevista de Harris à
CNN aparentemente esfriou o otimismo cauteloso daqueles que esperavam que ela
se afastasse das políticas de seu chefe.
Mesmo com a energia
renovada dentro do Partido Democrata desde que Biden desistiu da candidatura,
Harris continua em um empate técnico com o ex-presidente Donald Trump. A
pesquisa nacional feita essa semana pelo New York Times e o instituto de
pesquisa Siena College mostrou 47% dos possíveis eleitores apoiando Harris,
enquanto Trump angariava 48% de apoio.
Os defensores de um
embargo de armas pelos EUA frequentemente mencionam a lei Leahy, promulgada em
1997, que proíbe o Departamento de Estado de enviar ajuda militar para qualquer
força de segurança estrangeira que esteja violando a legislação de direitos
humanos. Em março, um grupo de senadores, que incluía Bernie Sanders,
independente pelo estado de Vermont, e Chris Van Hollen, do Partido Democrata
de Maryland, mencionou a Lei de Assistência Externa, de 1961, que proíbe a
ajuda militar para países que bloqueiam ajuda humanitária. Eles estavam
respondendo aos indícios e alegações de que o Gabinete do primeiro-ministro
israelenses Benjamin Netanyahu estaria impedindo a entrada de ajuda humanitária dos
EUA em Gaza.
Os dados das pesquisas
se acumulam ao longo de muitos meses. Uma pesquisa do instituto de esquerda
Dados pelo Progresso mostrou em dezembro que 63% dos
eleitores concordavam que a ajuda militar deveria estar condicionada ao
cumprimento por Israel dos padrões de direitos humanos dos EUA. Em março, 52%
dos estadunidenses disseram que Biden deveria interromper as transferências de
armas para Israel, segundo uma pesquisa do Centro de
Pesquisas Econômicas e Políticas.
Em junho, outra pesquisa do mesmo
instituto revelou que a maioria dos americanos (53%) apoiava suspender a ajuda
militar a Israel caso o país não aceitasse um acordo de cessar-fogo. 70% dos
eleitores do Partido Democrata e 53% dos indecisos apoiavam essa medida. A
pesquisa foi realizada aproximadamente um mês depois que Netanyahu rejeitou um
acordo de cessar-fogo, mesmo após o Hamas aceitar seus termos.
Uma pesquisa com mais de 2
mil estadunidenses realizada pelo Instituto Árabe Americano no intervalo entre
as convenções nacionais do Partido Republicano e do Partido Democrata, no final
de julho e começo de agosto, mostrou que o apoio a Harris subiria de 44% para
49% se ela suspendesse os envios de armas e interrompesse o apoio diplomático a
Israel até que houvesse um cessar-fogo e a retirada das tropas de Gaza.
Mais recentemente,
uma pesquisa feita em agosto pelo
Conselho de Assuntos Globais de Chicago mostrou que a maioria (53%) dos
americanos, incluindo 68% dos eleitores do Partido Democrata, considerava que
os EUA deveriam restringir a ajuda militar a Israel, para que ela não pudesse
ser usada em operações militares contra os palestinos. Uma pesquisa da mesma
instituição no começo de julho mostrou que o apoio à restrição de ajuda militar
era ainda maior entre as pessoas racializadas,
incluindo os entrevistados que se declaravam negros, hispânicos, asiáticos, ou
havaianos/originários das ilhas do Pacífico. A pesquisa de agosto, no entanto,
revelou que 60% dos americanos apoiariam a ajuda militar a Israel até que os
reféns levados pelo Hamas fossem libertados.
O apoio a um
cessar-fogo foi considerado por meses uma questão controversa entre os
parlamentares dos EUA, mas agora se tornou um tópico comum entre as lideranças
do Partido Democrata, embora os críticos digam que ele está sendo usado para
afastar a responsabilidade pela guerra em curso em Gaza. Desde o começo do ano,
o tema também tem sido consistentemente popular entre os estadunidenses. Já no
começo de janeiro, uma pesquisa da Associated Press mostrou
que metade dos americanos consideravam que Israel havia ido longe demais na
guerra, chegando a 63% entre eleitores do Partido Democrata.
Pesquisas feitas
em maio, junho e agosto mostram que a maioria dos
entrevistados apoiavam um acordo permanente de cessar-fogo, sendo que muitos
consideravam que os EUA deveriam reduzir o envio de armas para chegar a esse
resultado.
Uma série de pesquisas
da Gallup mostrou que a postura dos estadunidenses em relação às operações
israelenses em Gaza também mostra uma progressão gradual no sentido da
reprovação à guerra. Em novembro, 50% dos
entrevistados declaravam apoiar a guerra de Israel, sendo que, entre os
eleitores do Partido Democrata, 63% manifestavam reprovação. Cerca de quatro
meses depois, a situação se inverteu, e a
maioria (55%) dos americanos disse reprovar as operações de Israel, segundo uma
pesquisa da Gallup em março. Embora uma pesquisa em junho tenha
mostrado que a proporção total de reprovação caiu para 48%, ela continuou firme
entre os democratas (77%) e aqueles que se declaram independentes (66%).
Um ponto fora da curva
nas pesquisas de opinião entre os estadunidenses sobre o envio de armas a
Israel foi a pesquisa de março do
conservador Centro de Pesquisas Pew, que mostrou que apenas 35% dos
entrevistados se opunham à ajuda militar. A pesquisa, no entanto, também
mostrou que um grande número de democratas (44%) e a maioria dos liberais (54%)
se opunham à ajuda militar a Israel.
No início deste mês, o
Reino Unido rompeu com os EUA e anunciou que proibiria alguns envios de armas
para Israel. O número, no entanto, é mínimo: foram suspensas 30 das 350
licenças de armamento. Outros países que estão suspendendo o apoio militar a
Israel são Itália, Bélgica, Canadá, Países Baixos, e Espanha, que também
proibiu os navios que transportam armas para Israel de atracarem em seus
portos.
Após a entrevista de
Harris para a CNN, Matt Duss, vice-presidente executivo do Centro de Política
Internacional e ex-assessor de política externa de Bernie Sanders, disse ao
Intercept que a questão de restringir o fornecimento de armas a Israel não começou
depois de 7 de outubro, mas já vinha sendo uma medida popular dentro do partido
há bem mais tempo.
“Isso não é novo, não
é uma mudança radical, é uma tendência consistente que vemos há anos entre os
eleitores democratas”, diz Duss.
Antes de 7 de outubro,
as preocupações se concentravam principalmente em torno da ocupação de Israel na Cisjordânia, na expansão contínua dos assentamentos, e nos indícios de violações aos direitos humanos pelos
militares israelenses em território ocupado. Em 2020,
pelo menos os então candidatos à presidência Bernie Sanders, Elizabeth Warren,
Pete Buttigieg, e Julian Castro já sinalizavam apoio ou manifestavam interesse em impor condições à ajuda, para que não incentivasse a
anexação de mais terras na Cisjordânia ocupada.
E na noite das
eleições de 2020, um grupo liberal de lobby judeu, J Streeet, realizou uma pesquisa que
mostrou que 57% dos judeus americanos gostariam de restringir a ajuda militar
para assegurar que não seja usada na expansão de território. Em 2021, o J
Street também apoiou um projeto de lei de autoria do Partido Democrata, que impediria que a ajuda enviada a Israel fosse usada em
violações aos direitos humanos dos palestinos, na destruição de bens de
palestinos, ou no desalojamento de palestinos de suas terras.
“Não estou dizendo que
todos devem tomar suas decisões políticas com base no que as pesquisas dizem em
determinado momento”, diz Duss. “Mas essa é uma tendência consistente, isso é
claramente o que os democratas pensam.”
Fonte: The Intercept
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