Garimpeiro e madeireiro disputam poder na
cidade mais bolsonarista da Amazônia
NA CIDADE MAIS
BOLSONARISTA DA AMAZÔNIA, a paraense Novo Progresso, a disputa pela
prefeitura tem dois políticos ligados a atividades que destroem a floresta: o
garimpo e a exploração de madeira.
Com 33 mil habitantes
e área comparável à Suíça, o município do sudoeste do Pará é uma das cidades
mais desmatadas do país e se tornou um enclave da extrema direita. O atual
prefeito Gelson Dill (MDB), cuja trajetória está ligada à exploração
madeireira, tenta a reeleição contra o ex-prefeito Juscelino Alves (Podemos),
um piloto de avião que tem os garimpeiros como clientes.
Além de ignorarem a
destruição da floresta em seus planos de governo, as duas candidaturas defendem
o legado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e disputam para ver quem é a mais
bolsonarista.
Gelson Dill já recebeu
mais de R$ 4 milhões em multas ambientais aplicadas pelo IBAMA e ICMBio, por
desmatamento ilegal, inclusive dentro de áreas protegidas. Durante o atual
mandato (2019 a 2024), a cidade ocupa a 11ª posição entre as mais devastadas do
país, segundo levantamento da Repórter Brasil com base em dados do MapBiomas.
Juscelino, por sua
vez, que governou Novo Progresso entre 1997 e 2004, tem como vice Ubiraci
Soares, conhecido como Macarrão, prefeito entre 2017 e 2020, que foi indiciado
pela Polícia Federal por garimpo ilegal, lavagem de dinheiro e usurpação de bem
público da União. “Um dos grandes fornecedores de dinheiro para a
organização criminosa”, aponta o inquérito policial a respeito da participação
dele em um esquema envolvendo exploração de ouro em balsas de garimpo no
Amazonas, conforme revelou a Repórter Brasil. Macarrão acumula também R$1,6 milhão por infrações
ambientais.
Novo Progresso
tornou-se um símbolo dos ataques à floresta amazônica e à democracia. Em 2019,
a cidade foi palco do Dia do Fogo, um evento em que
fazendeiros e empresários, organizados via WhatsApp, queimaram extensas áreas
de floresta.
Após a derrota de
Bolsonaro em 2022, seus apoiadores bloquearam a BR-163 e enfrentaram a Polícia
Rodoviária Federal, em um levante que antecipou a violência vista na tentativa
de golpe de 8 de janeiro de 2023. Em um vídeo que capturou o momento, um
manifestante grita: “Fugiram! Arregaram! Viva a população! Aqui é Novo
Progresso”.
Durante os quatro anos
de governo Bolsonaro, o discurso antiambiental do ex-presidente foi abraçado
por grande parte dos moradores da cidade, onde 83% da população votou no
ex-capitão do Exército no segundo turno das eleições de 2022, tornando o
município o mais bolsonarista da Amazônia.
A Repórter Brasil esteve em Novo Progresso semanas depois do Dia do Fogo e retornou em 2021 e 2023. Nesse período, a BR-163, que atravessa a cidade, foi transformada de uma estrada quase intransitável, cheia de buracos e lama, em um tapete de asfalto, facilitando o transporte de soja do Mato Grosso até o porto nas margens do rio Tapajós. A pavimentação é um dos motivos da adoração de Bolsonaro pela população.
·
A disputa pelo legado bolsonarista
O atual prefeito
Gelson Dill organizou em torno de sua candidatura uma aliança com nove legendas,
incluindo o MDB e o PL de Bolsonaro, representado por sua candidata a vice,
Rosana Gonzaga. Além do ex-presidente, o prefeito se apoia também no governador
do Pará, seu correligionário Helder Barbalho (MDB), que estreitou relações com
o presidente Lula (PT). O irmão do governador, Jáder Filho (MDB), é, inclusive,
o ministro das Cidades do governo petista. E a capital do estado, Belém,
sediará a COP 30 (conferência do clima da ONU) em 2025, fruto da sintonia entre
os governos estadual e federal.
Essa aliança paradoxal
entre Barbalho e Bolsonaro é facilitada pela ambiguidade do governador
paraense, que se equilibra entre projetos criticados por ambientalistas e um discurso por uma
economia verde.
Em seu gabinete, Dill
tem autógrafos de Bolsonaro e Barbalho nas bandeiras do Pará e do Brasil
emolduradas em um quadro, como mostrou reportagem da Sumaúma. Mas na corrida pela reeleição, Dill esconde o vermelho da
bandeira do MDB e ressalta o verde e o amarelo, ao estilo bolsonarista.
Apesar de não ter o PL
ao seu lado, o desafiante Juscelino Alves reivindica ser o bolsonarista puro
sangue. “Gelson Dill é como uma melancia: verde por fora e vermelho por
dentro”, diz.
O principal aliado de
Juscelino é o senador Zequinha Marinho (Podemos), que esteve no lançamento da
candidatura e é opositor dos Barbalho. Na última eleição para o governo
estadual, Helder foi eleito com folga no primeiro turno (69% contra 28% de
Zequinha).
Contudo, em Novo
Progresso a situação foi inversa: Zequinha recebeu 74% dos votos ante 25% de
Barbalho. À época, o senador era filiado ao PL, mas em maio do ano passado
migrou para o Podemos. Juscelino afirma que o atual prefeito controlou o PL na
cidade e colocou pessoas alinhadas a ele no comando para se dizer bolsonarista.
Juscelino não é novato na política. Foi prefeito por dois mandatos, mas há 20
anos está distante do poder. Do Piauí, chegou na região há 40 anos. “Aqui era
uma corruptela de garimpo, com uma igrejinha, dois armazéns e uma casa”,
recorda. Veio atraído pelo ouro e desde então é piloto de avião, transportando
garimpeiros pela região.
Classifica o combate
ao garimpo feito pelos órgãos federais como “perverso”. Para ele, o
governo precisa dar oportunidade para que a população possa retirar o ouro.
“Não é pouco ouro. É bastante”, observa. Para o candidato, o trabalho dos
garimpeiros que não atuam com grandes máquinas, como retroescavadeiras, deveria
ser permitido.
Novo Progresso está em
uma região com várias Terras Indígenas (TIs) no entorno, como Baú e
Menkragnoti, do povo Kayapó, e as TIs Munduruku e Sai Cinza, do povo Munduruku,
todas afetadas pela exploração ilegal dos garimpeiros. O uso de mercúrio na
separação do ouro contamina os rios, os peixes e provoca
doenças graves, como malformações congênitas em crianças.
Juscelino diz não concordar com o garimpo ilegal que ocorre em terras
indígenas, mas é favorável a criação de uma lei que permita a exploração.
No plano de governo,
Dill deixa claro que apoia a redução da Flona do Jamanxim em 27% e de outras
unidades de conservação. Entre as propostas está pressionar os governos
estaduais e federal para conceder florestas públicas para a extração madeireira
e legalizar áreas de garimpo.
A redução da Flona é
uma das bandeiras de Dill, um paranaense de 52 anos que migrou criança para o
Mato Grosso na década de 1970 e avançou em direção ao norte seguindo a BR-163
até chegar a Novo Progresso, no final da década de 1990. Antes de ser eleito vereador,
vice-prefeito e prefeito, ele explorou madeira em uma área pública, que hoje
faz parte do Parque do Jamanxim, onde foi multado por desmatamento.
A Repórter
Brasil tentou entrevistar Gelson Dill diversas vezes.O prefeito chegou a
pedir que as perguntas fossem enviadas por WhatsApp, comprometendo-se a
respondê-las por áudio, mas não retornou até a publicação desta reportagem.
Dill foi questionado
sobre a disputa pelo legado de Bolsonaro, as multas ambientais que recebeu, o
garimpo em terras indígenas e também sobre a pressão contra as unidades de
conservação na região, invadidas por pecuaristas, como é o caso da Flona do Jamanxim.
·
A economia ilegal em Novo Progresso
Para Maurício
Torres, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) que estuda a
região nas últimas décadas, parte significativa da sobrevivência de Novo
Progresso vem da extração ilegal de madeira em Unidades de Conservação e Terras
Indígenas, da criação de gado em terras griladas e da prórpia grilagem de
terras . “A implementação do estado de direito em Novo Progresso é vista por
boa parte de sua gente como uma ameaça terrível”, avalia Torres, acrescentando
que a população foi empurrada para ilegalidade pela falta de ação do Estado. “A
população não teve acesso à terra e acabou empurrada, por falta de opções, para
debaixo da asa de bandido virando escudo social”, afirma.
A cidade é
protagonista do livro “Dono é quem desmata” (2017), escrito por Torres, Juan Doblas e Daniela Alarcon
Fernandes, que analisa o processo de grilagem de terras na região. O título do
livro é a reprodução de uma frase de um grileiro local.
Além do garimpo, da
madeira e da pecuária, os últimos anos registraram o crescimento da monocultura
da soja, que intensificou conflitos fundiários, mortes e
ameaças a pequenos produtores e populações
tradicionais. Para a outra parte da população, contudo, os ganhos são
evidentes. A área urbana de Novo Progresso passou por uma “modernização”, com a
abertura de boutiques, franquias de marcas famosas, restaurantes e
churrascarias, além de muitas ruas de terra terem sido asfaltadas.
Fonte: Repórter Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário