sábado, 21 de setembro de 2024

Frei Betto: ‘Candidatos, são todos iguais?’

Em época de eleição respira-se emoção. A razão entra em férias, a sensibilidade fica à flor da pele. Dentro e fora de casa, todos manifestam opiniões sobre eleições e candidatos.

O tom das opiniões varia do palavrão (a desqualificar toda a árvore genealógica do candidato) à veneração acrítica de quem o julga perfeito. Marido discute com a mulher, pai com o filho, amigo com amigo, cada um convencido de que possui a melhor análise sobre as eleições…

Há quem insista em se manter indiferente ao período eleitoral, embora não o consiga em relação a candidatos, pois considera todos corruptos, mentirosos, aproveitadores e/ou demagogos.

Não há saída: estamos todos sujeitos ao Estado governado pelo partido vitorioso nas eleições. Portanto, ficar indiferente é passar cheque em branco, assinado e de valor ilimitado, a quem governa. Com perdão da redundância, governo e Estado são indiferentes à nossa indiferença e aos nossos protestos individuais.

É compreensível uma pessoa não gostar de ópera, jiló ou cor marrom. E mesmo de política. Impossível é ignorar que todos os aspectos de nossa existência, do primeiro respiro ao último suspiro, têm a ver com política.

A classe social em que cada um de nós nasceu decorre da política vigente no país. Houvesse menos injustiça e mais distribuição da riqueza, ninguém nasceria entre a miséria e a pobreza. Como nenhum de nós escolheu a família e a classe social nas quais veio a este mundo, somos todos filhos da loteria biológica. E isso não deveria ser considerado privilégio, e sim dívida social para com aqueles que não tiveram a mesma sorte.

Somos ministeriados do nascimento à morte. Ao nascer, o registro segue para o Ministério da Justiça; vacinados, Saúde; ao ingressar na escola, Educação; ao arranjar emprego, Trabalho; ao tirar habilitação, Cidades; ao se aposentar, Previdência Social; ao morrer, retorna-se ao Ministério da Justiça. E nossas condições de vida, como renda e alimentação, dependem dos ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário.

Em tudo há política. Para o bem ou para o mal. Há política até no calendário. Outrora, o ano tinha dez meses. Até o imperador Júlio César decidir acrescentar mais um em sua homenagem. Criou julho. O sucessor, Augusto, não quis ficar atrás. Criou agosto.

Como os meses se sucedem na alternância 31/30, Augusto não admitiu seu mês ter menos dias que o do antecessor. Obrigou os astrônomos da corte a equipararem agosto e julho em 31 dias. Não titubearam: arrancaram um dia de fevereiro e resolveram a questão.

Os municípios brasileiros serão o resultado das eleições de outubro. Para melhor ou pior. E os que o governarão serão escolhidos pelo voto de cada eleitor.

As instituições públicas são movidas por políticos escolhidos por nós e pessoas indicadas por eles. Todos os funcionários são nossos empregados. Pagos e mantidos por nossos impostos. Faça como o Estado: deixe de lado a emoção, pense e vote com a razão. E vote em candidatos que não tenham vínculos com máfias de transportes, facções criminosas, políticos corruptos, e defendam o direito dos excluídos por razões sociais, raciais ou sexuais.

 

•        Eleições de 2024 e o crime organizado: os centros viraram periferia. Por Augusto Perillo

As eleições têm se mostrado, cada vez mais, um espaço tácito para o avanço dos interesses de grupos criminosos em todo o país. Se até o início deste século as periferias eram vistas como locais socialmente reservados para que criminosos construíssem suas carreiras no mundo político, as eleições municipais de 2024 convidam o mundo a observar as capitais do Brasil como espaços igualmente sujeitos a essa disputa. Este texto se restringe às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, pois são locais nos quais transito rotineiramente e observo mais de perto. No entanto, sem recair em generalizações, apresento traços que podem ser replicados em outras realidades do Brasil.

No Rio de Janeiro, com o assassinato de Marielle Franco, expôs-se, mais uma vez, a intrínseca relação entre capital político e criminoso. Refiro-me aqui "mais uma vez" à CPI das Milícias, realizada em 2008, pelo então deputado estadual Marcelo Freixo, que transformou a luta contra as milícias em uma agenda nacional. Foi um fogo de palha. Como demonstrou a reportagem de Igor Mello, do UOL, por meio do estudo intitulado “Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro”, as milícias cresceram quase 400% em domínio territorial no estado entre 2006 e 2021. A deputada estadual Lucinha, do mesmo partido do prefeito Eduardo Paes, PSD, foi afastada do cargo por suposta relação com a milícia de Zinho, que aterroriza a Zona Oeste da cidade.

De acordo com as investigações do Tribunal de Justiça do Rio, Lucinha seria uma espécie de representante dos interesses do miliciano na Assembleia Legislativa. No âmbito federal, o deputado Chiquinho Brazão (hoje sem partido, mas anteriormente filiado ao União Brasil) pode ter seu mandato cassado por possível associação com a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em 2018.

No Rio, a lista de relações entre milícia e política institucional parece interminável. Porém, não é apenas a milícia que participa desse jogo. O então deputado estadual TH Joias (MDB), ao assumir a suplência do partido após a morte do deputado fundamentalista Otoni de Paula Pai, é investigado pela Polícia Civil por suposta lavagem de dinheiro para as três maiores facções do Rio: Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e Terceiro Comando Puro.

Em São Paulo, o estelionatário Pablo Marçal utiliza o algoritmo para tergiversar sobre questões envolvendo a relação de seu partido com o PCC. Leonardo Avalanche (PRTB), presidente do partido e figura próxima de Marçal, teve um áudio vazado no qual afirmava contar com correligionários do Primeiro Comando da Capital. O chefe da Inteligência da Polícia Militar do Estado de São Paulo deu uma entrevista recente, na qual afirmou que a atuação do PCC nas eleições é “muito maior do que ele imaginava”. Os contratos públicos são disputados pela facção como uma forma de fazer e lavar dinheiro.

O braço econômico de grupos criminosos atua em simbiose com o braço político. Se, antes, na Baixada Fluminense, periferia do Rio de Janeiro, estudos foram realizados para compreender a contravenção e a atuação de grupos de extermínio no território com o respaldo de prefeitos, deputados e membros do Judiciário, algumas capitais estão sendo sequestradas pelas brechas do jogo democrático. O ilegal e o legal não são mais fronteiras distintas, mas duas faces da mesma moeda para aqueles que compreenderam a fragilidade da burocracia estatal e das regras da política institucional.

De maneira prática, a extensão do domínio desses grupos, cada um com suas características próprias, pode ser compreendida, de forma sintética, como resultante da regulação e prestação de serviços, da atuação em mercados ilegais de drogas, armas etc., da atuação em diferentes mercados legais, como o imobiliário e o financeiro, do controle de fronteiras e da disputa de contratos com o poder público.

No entanto, a compra de votos já não é suficiente. O que esses grupos buscam é a tomada — às vezes, a conquista — do próprio Estado para a execução de seus planos. Se as capitais dos centros urbanos já não conseguem conter o avanço desses grupos e a periferia deixou de ser o espaço privilegiado para sua atuação, a antítese para essa problemática ainda está longe de ser encontrada. Em um microscópio social, torna-se cada vez mais difícil delinear territorialmente as especificidades da atuação desses grupos, seja na periferia, seja no centro.

Tento emular aqui o que foi dito, com maestria, pela antropóloga e professora da UFRRJ, Carly Machado, na 34ª Reunião Brasileira de Antropologia, ao afirmar que, dependendo da perspectiva adotada, está cada vez mais difícil separar a periferia do centro. De maneira prática, ela afirma: “na verdade, podemos dizer que é tudo Baixada!”.

 

¨      Mídia confunde imparcialidade com incensar bandido. Por Paulo Henrique Arantes

Cabe ao jornalista vasculhar o poder, identificar equívocos e irregularidades, questionar os envolvidos e levar a verdade a leitores, ouvintes e telespectadores. Tomar partido em contendas políticas? Sim, quando um dos lados revela-se claramente antidemocrático, armamentista, misógino, negacionista, mentiroso. Ficar em cima do muro em situações assim não é ser imparcial, é pactuar com a Idade Média, é deixar de lado o compromisso com a verdade.

Medieval - e absurdamente incompetente - foi o Governo Bolsonaro. Um ser humano medievo, ignorante e preconceituoso, adepto de argumentos primitivos, íntimo de milicianos habitou o Alvorada e assombrou o Planalto de 2019 a 2022. Jair Bolsonaro, hoje, não está muito longe da cadeia, mas ainda exerce certa influência política. Há de ser combatido pelo jornalismo responsável, por todo o mal que causou à sociedade brasileira, sendo seu comportamento na pandemia o exemplo maior.

O Governo Lula deve ser fiscalizado, cobrado e denunciado em eventuais más práticas. Este jornalista, por exemplo, não aplaude certas genuflexões feitas ao “mercado” nem a tolerância com o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Não concorda com a exploração de petróleo na Margem Equatorial e entende que a defesa do meio ambiente deveria ser mais contundente, menos retórica. Também gostaria de ver mais mulheres na composição dos tribunais superiores. Ainda espera uma iniciativa emblemática na área da cultura.

São claras, contudo, as razões para que o tratamento conferido ao Governo Lula seja de respeito, que nada tem a ver com condescendência. O primeiro motivo é que não se perde mais tempo discutindo a eficácia de vacinas, os “maconheiros” das universidades, a cor da roupa de meninos e meninas. Não se perseguem cientistas ou artistas, nem se povoa a administração pública de militares que só sabem - quando sabem - administrar tropas. Não se sequestra a religião para utilização política.

No atual governo, o debate dá-se em torno das nossas idiossincrasias sociais e econômicas reais. A economia começa a girar em prol do cidadão comum, como mostram PIB, inflação e emprego, e a despeito das mencionadas gentilezas ao “mercado”. Nos campos educacional, habitacional e da saúde, é notório o esforço para reverter o atraso imposto pelo governo anterior. Aos olhos internacionais, o Brasil voltou ao Século XXI, tornou a participar dos debates globais importantes - quando fala ao mundo, Lula é ouvido; quando não fala, é chamado a falar.

Os êxitos do Governo Lula significam o desespero da mídia neoliberal, bolsonarista se necessário aos seus interesses. Essa imprensa justifica espaços dados a fascistoides e imbecis com a palavrinha “pluralismo”. O pluralismo necessário, saudável, é o que concede voz a representantes dos diferentes matizes do espectro democrático, não o que direciona holofotes a quem pouco se lixa para a democracia, quando não a bandidos.

Pablos Marçais agradecem.

 

•        Um segundo turno entre dois bolsonaristas em São Paulo seria um desastre. Por Paulo Pasin

Após sofrer ataques de todo tipo, pelas redes sociais da indústria de fakenews bolsonarista, da mídia hegemônica Faria Limer, da máquina do governo do Estado e da prefeitura e muito “fogo amigo” de setores da esquerda – certos amigos dispensam-nos de ter inimigos – Boulos continua liderando a disputa eleitoral. Uma proeza numa conjuntura de grande ofensiva da extrema-direita no mundo todo. Quem não observa esta avalanche fascista mundial na elaboração de sua política é “negacionista”, vive num universo paralelo, num mundo de formulas pré-fabricadas.

Na disputa eleitoral contra as duas faces do fascismo na maior cidade da América Latina “se sentam na margem do rio e pronunciam conferências moralizantes ante a torrente da luta de classes, não querem nadar para evitar que molhem os seus princípios”. Para se eximir das suas responsabilidades, adotam o discurso de que o processo eleitoral não é uma expressão, mesmo que distorcida, da luta de classes. Desconsiderando que o fascismo no mundo todo está utilizando justamente os processos eleitorais para chegar ao poder.

Nesta época de fragmentação e dispersão encontramos em vários países grupos e indivíduos que adotam o programa marxista, mas abdicam da analise marxista e leninista:

“O marxismo descobriu as leis que governam a sociedade capitalista e elaborou um programa científico baseado nas mesmas. É uma conquista colossal! No entanto, não basta elaborar um programa correto. É necessário que a classe trabalhadora aceite-o. Porém o sectário, por sua própria natureza, se detêm, uma vez cumprida a metade desta tarefa. Em lugar de participar ativamente na verdadeira luta das massas operárias, apresenta abstrações propagandísticas arrancadas de um programa marxista”. Trotsky, 1935 (Sectarismo, Centrismo e a IV Internacional)

Nos países semicoloniais, onde as tarefas anti-imperialista não foram realizadas e o enfrentamento ao fascismo é mais complexo, certa “intelectualidade de esquerda” e pequenas organizações, imaginam que basta introduzir palavras de ordem e os métodos mais “radicais” para colocar a classe em movimento. Acreditam que assim vamos superar o reformismo. Reformismo que tem enorme responsabilidade no crescimento da extrema-direita porque, de uma maneira geral, frustra as expectativas da população.

“Os erros da direção da Internacional Comunista e, por isso mesmo, do Partido comunista alemão pertencem, para retomar a terminologia bem conhecida de Lenin, à ”serie de asneiras ultraesquerdistas”. Mesmo as pessoas inteligentes podem cometer asneiras, sobretudo na sua juventude. Mas, como já aconselhava Heine, não se pode abusar. Quando as asneiras políticas dum certo tipo são cometidas sistematicamente, durante um longo período, além disso sobre questões muito importantes, elas deixam de ser simples asneiras e se tornam uma orientação. De que orientação se trata? A que necessidades históricas ela responde? Quais são as suas raízes sociais? Trotsky, 1931. (Revolução Alemã e a Burocracia Estalinista. Problemas Vitais do Proletariado Alemão)

Faltando menos de um mês para as eleições municipais em SP, que impacta todo o país, gostaríamos de dialogar com todas e todos que lutam contra o bolsonarismo. Boulos tem todas as condições de vencer. Mas sua presença no segundo turno não está garantida. Uma “orientação” errada, adotada num período de fascismo crescente, é catastrófica.

É um equívoco desperdiçar votos “nesta altura do campeonato”. Seria um desastre dois bolsonaristas no segundo turno. Por isso, é necessário o engajamento de todo mundo na campanha.

 

Fonte: Correio da Cidadania/Brasil 247

 

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