EUA temem que entrada do Brasil no Conselho
de Segurança da ONU ameace seu lugar vantajoso no órgão
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam que Washington não apoia a entrada do Brasil
no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) por medo de que o país adote
posicionamentos divergentes em votações de temas críticos para os Estados
Unidos e leve o BRICS para dentro do órgão.
A demanda do Brasil
por um assento no conselho da Organização das Nações Unidas (ONU) é antiga.
Porém, há resistência dos EUA em aceitar a expansão do órgão e, recentemente, a
embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que não
há garantia do apoio de Washington ao Brasil em uma eventual expansão.
Analisando um cenário
hipotético de expansão, Thomas-Greenfield frisou que os EUA apenas chancelariam
as candidaturas de Índia, Alemanha e Japão, que juntos com o Brasil formam o G4
— grupo que defende a expansão do órgão.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, especialistas analisam o motivo de relutância dos Estados
Unidos em aceitar a expansão do CSNU e em apoiar a candidatura do Brasil.
Késsio Lemos, doutor
em relações internacionais e pesquisador no Instituto Sul-Americano de Política
e Estratégia (ISAPE), enfatiza que o Brasil "tem adotado uma diplomacia
caracterizada por sua independência, frequentemente desalinhada aos interesses
americanos", o que por vezes causa incerteza quanto ao posicionamento
brasileiro em questões críticas para os EUA. Segundo ele, isso explica o apoio
dos Estados Unidos a aliados estratégicos com os quais Washington tem relações
mais estáveis e previsíveis.
"Apoiar a
inclusão do Brasil poderia criar um precedente indesejado, incentivando
reivindicações de outros países, levando a uma expansão do conselho que
ultrapassaria os limites desejados por Washington. Ademais, os membros
permanentes, incluindo os EUA, buscam manter sua posição privilegiada,
resistindo a mudanças que possam comprometer a eficácia do poder de veto",
afirma Lemos.
Ele acrescenta que uma
eventual entrada do Brasil no Conselho de Segurança "agregaria à
perspectiva da América Latina uma região notoriamente sub-representada".
"Como uma das
principais economias emergentes, o Brasil teria a capacidade de amplificar as
vozes e demandas dos países em desenvolvimento, contribuindo para um equilíbrio
mais inclusivo. Além disso, o Brasil poderia promover maior pluralidade no conselho,
favorecendo agendas voltadas para o desenvolvimento sustentável, a erradicação
da pobreza e a proteção dos direitos humanos — questões que ressoam com as
prioridades das nações em desenvolvimento."
¨ Expansão do CSNU é vital para lidar com novos desafios globais
Lemos ressalta que a
composição atual do Conselho de Segurança já não reflete a realidade
geopolítica do século XXI, que, segundo ele, é "caracterizada pela
ascensão de potências emergentes que permanecem sub-representadas". Nesse
contexto, uma estrutura mais inclusiva e diversificada traria maior
legitimidade e aceitação às decisões tomadas pelo órgão no cenário
internacional.
"A introdução de
novas perspectivas, oriundas de diferentes regiões e contextos, aumentaria a
capacidade do conselho de lidar com a crescente complexidade dos desafios
globais. A inclusão de novas potências, portanto, não só promoveria um
equilíbrio mais justo na formulação de políticas internacionais, como também
garantiria uma execução mais equitativa das decisões que afetam o sistema
global."
Em contraponto, aponta
que a expansão também teria como consequência um processo decisório mais
complexo e menos ágil, "especialmente em situações de crise que demandam
respostas rápidas".
"A inclusão de
novos membros permanentes teria implicações nas dinâmicas internas do conselho,
alterando alianças e negociações e, possivelmente, gerando novas tensões entre
os membros. Ainda assim, uma expansão que espelhe a realidade de um mundo multipolar
teria o potencial de fomentar soluções mais duradouras e sustentáveis para os
desafios globais, conferindo maior legitimidade ao conselho."
Pedro Allemand Mancebo
Silva, pesquisador e doutorando em relações internacionais na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), afirma que Washington
enxerga a questão da segurança hemisférica e do continente americano como um
todo como algo centrado nos EUA e na política externa estadunidense.
"A ideia de que
tenha outro país americano, da América do Sul, Norte ou Central, no Conselho de
Segurança, com assento permanente, poderia minar essa liderança regional que os
Estados Unidos se arrogam nesse quesito da segurança, de definir qualquer pauta
de segurança, definir o que é estabilidade ou não, definir qual vai ser a
lógica da defesa e quais vão ser as lógicas das intervenções humanitárias aqui
no continente americano", afirma.
Ele destaca ainda que
nos EUA há o temor de que a entrada do Brasil possa levar o BRICS para dentro
do CSNU, o que está diametralmente oposto à vontade, estratégia e iniciativas
americanas dentro do órgão.
"[A relutância à
entrada do Brasil] é muito uma ideia de manter certa dominação política e
manter certa capacidade de definição de agendas e de definição de políticas
para os Estados Unidos", acrescenta.
Allemand afirma que a
entrada do Brasil no Conselho de Segurança seria importante por dois motivos:
primeiro, pela experiência e contribuição dadas pelo país em missões
humanitárias da ONU; segundo, para ter a consolidação de um certo espaço de
países do Sul Global e das necessidades e demandas do Sul Global dentro do
CSNU.
"Com o Brasil
entrando para o Conselho de Segurança, acho que ele poderia trazer outra visão
sobre segurança, quais são as questões de defesa, as questões geopolíticas do
nosso tempo […]. Por exemplo, a gente está vivendo agora o genocídio em Gaza e
tudo o que acontece no Conselho de Segurança é travado porque os EUA são os
grandes garantidores do poderio de Israel no Oriente Médio, e eles vetam
basicamente qualquer resolução e qualquer coisa que minimamente restrinja a
capacidade de ação de Israel […]. Então o Brasil […] poderia trabalhar
resoluções com essa posição de membro permanente, poderia ter um poder maior de
influenciar as agendas no sentido de inserir essas preocupações com direitos
humanos de forma mais séria e mais concreta dentro do Conselho", diz o
especialista.
Allemand afirma que a
reforma do Conselho de Segurança é uma pendência existente basicamente desde a
criação do órgão, quando convivia com impérios coloniais. Ele acrescenta que,
dos países do G4, considera a Alemanha menos relevante para uma mudança de fato
no Conselho, que já conta com outros representantes da Europa.
"Eu acho que a
gente poderia substituir nesse G4 a Alemanha por um país africano ou pensar um
G5 com, pelo menos, um país africano — talvez a África do Sul ou a
Nigéria."
Porém, Allemand
considera que a expansão do CSNU "só vai acontecer diante de uma ameaça
muito grave, muito fundamental à atual ordem geopolítica e geoeconômica
internacional", maiores do que o atual acirramento atual entre a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Rússia, que ele avalia ser
pontual. Ainda, afirma que há tendência de "ossificação" do Conselho
de Segurança que faz com que "qualquer coisa que seja minimamente voltada
para um cessar-fogo em Gaza seja vetada pelos Estados Unidos".
"Então, quando
acontecer essa expansão ou essa reforma, é porque o caldo já vai ter entornado.
E aí a gente não sabe se vai ser para remediar uma situação muito grave ou se
vai ser o fim da governança da segurança pelo sistema ONU", afirma.
Ele acrescenta que os
países que hoje contestam a ordem internacional são aqueles que foram
prejudicados por ela, e acrescenta que o Brasil, assim como muitos países
africanos, questiona essa ordem "por dentro dela".
"Nessas
discussões que a gente vê sobre políticas para o Sul Global, articulações do
Sul Global, tem uma discussão que é por dentro do sistema. Eu não sei até que
ponto essa atuação por dentro do sistema pode forçar uma reforma do Conselho de
Segurança ou se ela vai ser só utilizada como símbolo […]. Mas eu acredito que
ela [a reforma] poderia contribuir para uma maior estabilidade global se
buscasse uma reforma mais representativa e que democratize um pouco mais a
governança das questões de segurança via Conselho de Segurança da ONU",
conclui o especialista.
¨
Por que os Estados
Unidos se opuseram à reforma da casta judicial no México?
Pressionado pelos
Estados Unidos a desistir de uma importante reforma constitucional para o país,
o México não recuou. O presidente, Andrés Manuel López Obrador, não só seguiu
em frente com a medida como congelou as relações com os EUA, acusando-os de "ingerência
inaceitável".
Aproveitando um grande
período de popularidade, no qual conseguiu eleger sua sucessora, Claudia
Sheinbaum, e obter a maioria no Congresso da União — órgão legislativo
bicameral do México — com seu partido Movimento Regeneração Nacional (Morena),
o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) conseguiu aprovar uma grande
reforma judicial no país.
O grande destaque das
mudanças está na criação de eleições para o Judiciário. Com a reforma, todos os
juízes do país, desde os tribunais locais à Suprema Corte, deverão ser eleitos
pela população em vez de indicados pelo Poder Executivo.
No episódio desta
segunda-feira (16), o Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos
jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, conversou com especialistas
diretamente do México para falar sobre a reforma judiciária do país e a crise
geopolítica decorrente com o seu vizinho de cima, os Estados Unidos.
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'Entrelaçamento doente com o poder econômico'
Lucio Oliver,
professor de sociologia na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM),
destacou a necessidade da reforma judicial no país. Para o sociólogo, nos
últimos 35 anos o Poder Judiciário do país se tornou uma "casta política a
serviço do grande capital, seja este empresarial, transnacional ou do
narcotráfico".
Frequentemente os
juízes soltavam, sob alegações falsas de erros processuais, narcotraficantes
presos pelo governo de AMLO e faziam vista grossa para a sonegação de impostos
por grandes empresários, afirmou Oliver.
"Eles ficaram
acostumados a servir a esse poder e não pensar no país e na sociedade."
A situação se agrava
ainda mais considerando os altos salários dos juízes no México. Os membros do
maior escalão, a Suprema Corte de Justiça da Nação, podem ganhar cerca de 7
milhões de pesos por ano, o equivalente a R$ 2 milhões na conversão atual. Dentro
de um período de austeridade, esse salário é "ultrajante", disse
Oliver.
Como parte da reforma
judicial, o salário dos juízes será reduzido e não poderá superar o salário
presidencial. Hoje o presidente ganha cerca de 140 mil pesos por mês, ou 1,6
milhão por ano. Isso equivale a cerca de R$ 480 mil anuais.
Revoltados, os juízes
iniciaram um movimento de greve e convocaram manifestações de rua. "Isso
era esperado, mas os procedimentos legais estavam claros e constitucionais para
a reforma", detalha o pesquisador.
"Eles serviam
totalmente aos interesses e às relações com os velhos partidos, com o velho
PRI, que foi derrotado, com o PAN, que foi derrotado."
O Partido
Revolucionário Institucional (PRI, conservador) é um dos principais partidos
políticos do país, mantendo o poder sobre o governo federal sucessivamente
entre 1929 e 2000, quando perdeu para o Partido de Ação Nacional (PAN,
conservador). Em 2012 retornou ao poder com Enrique Peña Nieto.
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Estados Unidos critica, mas México não obedece
No final de agosto, o
embaixador norte-americano no México, Ken Salazar, classificou a mudança
judicial como um risco à democracia no país e afirmou que tal alteração
constitucional colocaria em risco a relação com Washington.
Após essas
declarações, AMLO acusou Salazar de violar a soberania mexicana e congelou as
relações diplomáticas com os Estados Unidos.
As críticas, no
entanto, não se deram só no campo diplomático. Tanto o banco de investimentos
Morgan Stanley quanto o Banco Nacional de México (Citibanamex) condenaram a
reforma judicial, assim como diversos meios jornalísticos norte-americanos e
europeus.
Segundo Oliver, grande
parte das preocupações estadunidenses advém de não saber como navegar nesse
novo cenário. "Eles já estavam acostumados a negociar com esse Poder
Judiciário."
"São reformas que
atacam o poder econômico que estava acostumado a ter uma legalidade predefinida
em favor dele. Os bancos, os empresários estão com medo de que a verdadeira
legalidade não seja favorável a eles."
Ao Mundioka, o
professor de ciência política do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores
do Ocidente (ITESO), da Universidade Jesuíta de Guadalajara, Luis González Tule
comentou como devem ficar as relações diplomáticas entre os EUA e o México.
"Isso são
pressões que tem o próprio sistema capitalista para frear, por seus meios,
medidas que atentem contra seus interesses, ou que podem até mesmo ser
consideradas ameaçadas", disse Tule.
Face à forte aprovação
popular das mudanças, a diplomacia estadunidense abaixou o tom e "não
tomou nenhuma ação concreta", destacou o cientista político. No entanto,
"tudo vai depender também de quem ficará na presidência nos Estados Unidos".
Ou seja, ainda que
México e Estados Unidos sejam o maior parceiro comercial um do outro, as
relações diplomáticas podem ser abaladas dependendo de quem assumir a Casa
Branca no próximo ano.
Em 2025 o México
também estará com uma nova presidente, lembra Tule, Claudia Sheinbaum. Mesmo
que seja sucessora de López Obrador, ela tem um perfil diferente do futuro
ex-presidente.
"Andrés Manuel
López Obrador é um líder político que conhece toda a entranha da política
mexicana. Vem de um movimento social, de protestos e de enfrentamento ao regime
autoritário do PRI", descreveu.
"Em troca,
Claudia Sheinbaum é uma acadêmica reconhecida da universidade pública mexicana
mais importante, mas tem menos experiência política e não tem o mesmo carisma
que Obrador. O que ela tem é uma política muito eficiente."
Nesse contexto, para o
professor do ITESO, é possível que haja um maior entendimento de Sheinbaum com
a candidata democrata, Kamala Harris, do que com o ex-presidente dos EUA Donald
Trump.
Ainda assim,
justamente por já ter assumido a Casa Branca, é mais fácil analisar como seria
a relação entre o México e os Estados Unidos com uma volta de Trump. "A
relação foi um pouco tensa no início, mas depois o presidente López Obrador
soube conduzir."
"Foi tensa pois
pressionou bastante contra a migração, tanto mexicana como da América Central e
da América do Sul, que passa pelo México, e impôs taxas a produtos mexicanos
como forma de pressionar o presidente a deter a migração."
Por mais que tenha
maioria congressual para realizar mudanças constitucionais, restará saber se
Sheinbaum terá jogo de cintura para circundar um Trump presidente. Já para
Tule, se Harris for eleita "haverá um maior entendimento entre as
presidentes".
Fonte: Sputnik Brasil
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